sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

TRF-4 manda demolir casa em área de marinha em SC

A 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região condenou, na última semana, um proprietário a demolir uma moradia de veraneio construída sobre o costão rochoso da praia de Araçá, no município de Porto Belo (SC). O réu teria construído a moradia sem licença ambiental e desobedecido a Lei Orgânica do Município.

Conforme informações constantes no processo, a área foi coberta com pedras britadas e cimento, sobre a qual foi construída uma casa de madeira e disposta vegetação ornamental diferente da vegetação litorânea. Também foi criada uma barreira circular com pedras britadas para servir de piscina ao imóvel, abastecida com água do mar, descaracterizando a formação rochosa.

O Ministério Público Federal ajuizou Ação Civil Pública na 2ª Vara Federal de Itajaí (SC), requerendo reparação do dano ambiental, mas o processo foi extinto sem julgamento de mérito, sob o argumento de que o proprietário não teria suprimido a vegetação. A decisão fez o MPF apelar ao tribunal.

Após analisar o recurso, a relatora do processo, desembargadora Maria Lúcia Luz Leiria, reformou a sentença. Para Maria Lúcia, “embora não exista vegetação de preservação permanente no local impactado, as vedações de intervenção humana naquela área em especial permanecem, seja por se tratar de zona costeira, seja porque os promontórios, costões e formações rochosas têm especial proteção na legislação”.

A desembargadora ressaltou em seu voto que a Lei Orgânica do Município proíbe expressamente a destruição, a descaracterização ou a alteração, por qualquer meio ou para qualquer finalidade, dos costões e formações rochosas existentes ao longo do litoral, bem como de sua vegetação. “O réu não está sequer cadastrado como ocupante regular do terreno de marinha”, acrescentou.

A Turma condenou o réu a demolir a moradia e deixar o costão rochoso com o mínimo de indício de sua intervenção, devendo retirar os entulhos e dar correta destinação aos resíduos. Caso não cumpra a decisão após o trânsito em julgado, ele deverá pagar multa de R$ 1 mil ao dia. Com informações da Assessoria de Imprensa do TRF-4.

AC 5002433-95.2010.404.7208/TRF
Revista Consultor Jurídico

STJ nega pedido de produtor para rever contrato

O Superior Tribunal de Justiça negou a aplicação da teoria da imprevisão a contratos de venda futura de soja a preço certo, celebrados no início dos anos 2000 por um produtor rural goiano. Seguindo voto do ministro Antonio Carlos Ferreira, a Turma entendeu que a alta no preço do produto, em razão da variação cambial ocorrida à época, não tornou o cumprimento do contrato excessivamente oneroso para o produtor; apenas reduziu o lucro que ele poderia ter obtido, de forma que não é possível a revisão do contrato pelo Poder Judiciário.

A teoria da imprevisão é adotada pelo artigo 478 do Código Civil de 2002 e possibilita que uma parte do contrato seja exonerada de suas obrigações quando fatos supervenientes, extraordinários e imprevisíveis, tornarem sua prestação muito onerosa, com vantagem excessiva para a outra parte.

Alguns casos semelhantes, envolvendo soja negociada no mercado futuro pelos produtores de Goiás, já foram julgados no STJ. Os vendedores queriam que o Judiciário declarasse os contratos nulos, argumentando que a variação cambial ocorrida em 2002, por conta de eventos como a iminência da Guerra do Golfo e as eleições presidenciais, elevou as cotações do produto. Não tiveram sucesso.

No caso relatado pelo ministro Antonio Carlos Ferreira, o produtor rural pretendia a resolução de contratos celebrados com a empresa Cargil Agrícola S.A. O pedido foi atendido na primeira e na segunda instâncias, ao entendimento de que esses contratos estavam desprovidos do princípio da boa-fé objetiva e do necessário equilíbrio econômico.

No entanto, segundo a 4ª Turma, a variação cambial que alterou a cotação da soja não caracterizou um acontecimento extraordinário e imprevisível. “As partes contratantes conhecem o mercado em que atuam”, disse o relator, lembrando que são profissionais do ramo e sabem que as flutuações de preço são possíveis nesse tipo de negócio.

Ao votar a favor do recurso interposto pela Cargil, o ministro destacou que os contratos empresariais não podem ser tratados da mesma forma que os contratos de consumo ou os contratos cíveis em geral, os quais admitem maior dirigismo contratual, com a consequente relativização dos princípios da autonomia da vontade e da força obrigatória das avenças.

Ele lembrou que o direito civil e o direito empresarial submetem-se a regras e princípios próprios, ainda que ambos sejam ramos do direito privado. “O fato de o Código Civil de 2002 ter submetido esses contratos às mesmas regras gerais não significa que sejam essencialmente iguais”, disse o ministro.

“Nos contratos empresariais, dada a simetria natural que há entre as partes contratantes, a situação é diferente. Não se pode tratá-los da mesma forma que os demais contratos de direito privado, tais como os contratos de trabalho, os contratos de consumo ou mesmo os contratos entre particulares”, acrescentou. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

Resp 936.741
Revista Consultor Jurídico, 21 de dezembro de 2011

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Mantida indenização a ex-esposa por falsa acusação de adultério

A 10ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo manteve a sentença que condenou um homem a indenizar sua ex-mulher por falsas acusações de adultério e de que um dos filhos do casal não era dele.

A autora alegou que se casou com o réu em dezembro de 1964, viveram bem durante 33 anos e da união, tiveram dois filhos. Contou que em dezembro de 1997 a vida em comum tornou-se insuportável por culpa exclusiva do companheiro, que lhe dirigia seguidas acusações de adultério, afirmando que o filho mais velho tinha outro pai biológico. Alegou que necessitou de tratamento médico por crise de gastrite e lesões ulcerosas, decorrentes de estresse contínuo, bem como hipertensão arterial de difícil controle.

Ainda segundo ela, as agressões continuaram, colocando sob suspeita sua honra e honestidade. Depois de cinco anos do casal separado, o filho se submeteu a dois exames de DNA que confirmaram ser o ex-marido seu pai biológico, comprovando sua integridade moral. Pelo sofrimento causado, pediu indenização por danos morais.

A decisão da 12ª Vara Cível de Santos condenou o réu ao pagamento de R$ 10.400 a título de danos morais. O ex-marido recorreu da sentença alegando que jamais fez as acusações imputadas.

De acordo com o relator do processo, desembargador João Carlos Saletti, a realização dos exames demonstra ser injusta a desconfiança do apelante e reafirma o sofrimento moral imposto à autora. Os danos morais foram comprovados, quando não já não devessem ser presumidos, diante da natureza e da gravidade da ofensa. Não se comparam com pequeno aborrecimento. Não é difícil aquilatar o grave sofrimento moral emanado do fato da acusação de adultério perante os filhos, família e amigos, inclusive ensejando a realização de dois exames de DNA, tanto mais quando a mulher não deu causa à desconfiança. É fácil perceber o grave sentimento da injustiça de que a recorrida foi alvo, concluiu.

O julgamento, com votação unânime, teve participação das desembargadoras Lucila Toledo e Marcia Regina Dalla Déa Barone.

Apelação nº 0112994-98.2005.8.26.0000
Comunicação Social TJSP AG (texto) / Internet (foto ilustrativa) / DS (arte)

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

CDC não se aplica na relação entre consorciados

A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu, por unanimidade, que o Código de Defesa do Consumidor não se aplica na relação jurídica entre consorciados. "O grupo de consórcio representa nada mais do que a somatória dos interesses e direitos da coletividade dos consorciados." Assim, a administradora do consórcio não poderia invocar o CDC, atuando como substituta de alguns consorciados, sob argumento de defender seus direitos. O CDC acabaria usado para restringir os direitos dos demais daquele grupo. 

No caso, um consórcio de automóveis sofreu intervenção do Banco Central, que ordenou o leilão do grupo a outra administradora. Os prejuízos do consórcio foram, no entanto, divididos entre os consorciados. Um cliente que já havia quitado seu contrato ajuizou ação declaratória de inexigibilidade de obrigação após ter seu nome incluído no cadastro de inadimplentes por um débito de R$ 4 mil.

A sentença foi favorável e o Tribunal de Justiça de Minas Gerais negou provimento à apelação da administradora que adquiriu o antigo consórcio. Ao recorrer ao STJ, a empresa alegou que a modificação do contrato era necessária para equiparar todos os consumidores do grupo, de acordo com o artigo 6º, parágrafo V, do CDC.

O ministro relator, Massami Uyeda, considerou que a análise do caso quanto ao CDC seria impossível, pois a matéria não havia sido prequestionada, um dos requisitos para o recurso. O ministro Sidnei Beneti concordou com o relator, mas divergiu sobre a aplicação ao caso dos princípios da função social dos contratos e da boa-fé objetiva.

Após a divergência, a ministra Nancy Andrighi pediu vista. Ao trazer o seu posicionsamento, ela destacou também que o CDC não é aplicável ao caso, pois a administradora não estaria atuando em defesa dos interesses dos demais, como alegou. Nancy ressalvou que a defesa de interesses jurídicos alheios pela empresa é irregular, "uma vez que não há lei que a autorize". E, mesmo que pudesse atuar em nome dos consorciados, a ministra lembrou que a administradora assumiria a posição jurídica deles, o que afastaria ao caso novamente a aplicação do CDC. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.
REsp 1.185.109
Revista Consultor Jurídico

Prazo para ação de reparação de danos é de três anos

O Tribunal de Justiça de São Paulo negou pedido de indenização ao pai de uma menina de 12 anos que morreu, vítima de queimaduras, depois da explosão de um carrinho de pipocas durante uma festa comemorativa do Dia das Crianças. A 5ª Câmara de Direito Público não atendeu ao pedido após concluir que "o fato que gerou os danos que o autor deseja ver reparado ocorreu em outubro de 2002 e a ação somente foi ajuizada em outubro de 2009, momento em que a pretensão deduzida já estava fulminada pela prescrição".

De acordo com a decisão, no dia do evento da morte ainda não estava em vigor o Código Civil de 2002, o que traz o prazo prescricional para a regência do artigo 1º do Decreto 20.910/1932, que era de cinco anos para os agentes públicos e de 20 anos para os réus que tem natureza de empresa privada. Em janeiro de 2003 passou a vigorar o novo Código Civil, que reduziu o prazo prescricional para a ação de reparação de danos para três anos, por força do disposto no artigo 206, 3º, inciso V, do CC de 2002.

A solução para a questão é dada pelo disposto no artigo 2.028 das Disposições Finais e Transitórias do Novo CC. Ele determinou que "serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada". Exposta essa linha de racíocinio, que então a desembargadora adotou o prazo do novo CC, reconheceu o prazo de três anos como o da prescrição, e negou o pedido do pai.

 
O acidente aconteceu, em outubro de 2002, durante uma festa organizada pela Prefeitura de Jacareí, Sesi (Serviço Social da Indústria) e TV Vale do Paraíba. No evento, houve uma explosão no carrinho de pipocas e a menina teve queimaduras de segundo e terceiro graus, que atingiram 70% do seu corpo. Quinze dias após internação em Unidade de Terapia Intensiva a menina morreu.

O pai da criança pediu uma indenização de R$ 150 mil pelos danos morais causados, sustentando a imprescritibilidade da ação e a responsabilidade das rés no evento.

Os réus alegaram prescrição e afirmaram que não contribuíram para o acidente, na medida em que a responsabilidade de cada participante do evento se restringiu exclusivamente às atribuições que lhe eram peculiares.

O juiz Otavio Tioiti Tokuda, da 3ª Vara Cível de Jacareí, acolheu a alegação de prescrição e julgou extinto o processo pelo decurso de prazo superior a três anos entre a data do fato e a propositura da ação.

Insatisfeito com a decisão, o autor recorreu afirmando que não há prescrição porque o direito à honra e à imagem das pessoas é inviolável, o que faz com que o sofrimento suportado pelo autor seja indenizável.

Para a desembargadora Maria Laura Tavares, da 5ª Câmara de Direito Público, relatora do processo, "o direito à honra e a intimidade são protegidos, efetivamente, pela norma constitucional referida, bem como o direito à indenização, na hipótese de serem os mesmos violados, mas isto não faz com que a ação para perseguir tal proteção seja considerada imprescritível".

De acordo com a relatora, como neste caso havia decorrido mais da metade do prazo prescricional quando da entrada em vigor do Novo Código Civil, o prazo prescricional aplicável, in casu, é o prazo do novo diploma legal, "ou seja, de três anos, que tem início, por certo, no momento em que passou a vigorar no prazo reduzido. Considerando que a ação foi proposta, somente, em setembro de 2009, é certo que a ação já estava fulminada pela prescrição, como bem reconhecido em primeiro grau", concluiu a desembargadora.  
Não pode ser acolhido o recurso, pois a fluência do prazo prescricional deve seguir o princípio da actio nata, iniciando-se no momento em que nasceu o direito de ação. Segundo a decisão, este momento é o dia da morte da sua filha, em outubro de 2002. Como a ação foi proposta em 2009, "é patente a ocorrência da prescrição, quer considerado o prazo prescricional previsto no Código Civil de 2002 ou o disposto no artigo 1º do Decreto-Lei 20.910/32 para o ente municipal".
Leia aqui o voto da relatora.

Rogério Barbosa é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico

Publicada lei que proíbe fumo em ambientes fechados

A lei federal que proíbe o fumo em ambientes fechados de acesso público em todo o país foi publicada nessa quinta-feira (15/12) no Diário Oficial da União. A lei também estabelece que, a partir de 2016, as mensagens de advertência sobre os riscos do produto à saúde, que atualmente ficam no verso das embalagens de cigarro, também terão de aparecer na parte frontal. As informações são da Agência Brasil.

Ainda não se sabe quais os valores das multas que serão aplicadas em caso de descumprimento da lei. Por isso, a norma terá de ser regulamentada pelo Congresso. A proibição de fumo nesses locais já vigora em São Paulo, no Rio de Janeiro e no Paraná, onde foram aprovadas leis estaduais sobre o assunto.

Seguindo recomendação do Ministério da Saúde, a presidente Dilma Rousseff vetou parágrafo que permitia aos fabricantes de derivados de tabaco fazer “divulgação institucional”. A justificativa usada pelo ministério é de que o dispositivo vedado “introduz expressamente a possibilidade de divulgação institucional dos fabricantes de tabaco, em desacordo com os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, em especial a Convenção-Quadro sobre Controle do Uso do Tabaco, promulgada pelo Decreto 5.658, de 2 de janeiro de 2006". De acordo com o ministério, hoje, 15,1% dos brasileiros com mais de 18 anos fumam.
Revista Consultor Jurídico

Sentença que perdoava dívida alimentar é cassada em SC

Uma sentença em que uma mãe perdoava 88% da dívida alimentar do pai para seus filhos foi cassada pela 1ª Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça de Santa Catarina. De acordo com o processo, o réu foi preso porque devia R$ 79 mil aos filhos. Encerrado o prazo de reclusão, a mãe aceitou R$ 9 mil para dar por encerrada a questão. O restante ficaria como garantia de pagamento das parcelas futuras. A sentença revogada dispunha ainda que o Ministério Público não poderia intervir no acordo havido entre as partes.

O Ministério Público, porém, apelou para requerer o prosseguimento do feito, afirmando que os alimentos são indisponíveis e a mãe não poderia perdoar a dívida. O relator do apelo, desembargador Joel Dias Figueira Júnior, afirma que "salta os olhos o prejuízo que ocorreu aos exequentes, menores impúberes, com a homologação do acordo".

A transação da dívida alimentar, prosseguiu, destina-se a fornecer meios para que o devedor possa cumprir satisfatoriamente sua obrigação sem ser penalizado desproporcionalmente, mas jamais serve para perdoá-lo. Com informações da Assessoria de Imprensa do TJ-SC.
Revista Consultor Jurídico

sábado, 17 de dezembro de 2011

Esportes que envolvem crueldade contra animais e esportes que envolvem crueldade contra pessoas

Saiu a Folha de hoje (22/8/11):

A morte de um bezerro depois de uma prova na 56ª Festa do Peão de Barretos gerou indignação entre entidades de proteção aos animais. O episódio, que ocorreu na última sexta-feira, será levado à Polícia Civil e ao Ministério Público.
O Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal, cuja mobilização conseguiu extinguir a prova do laço em todos os rodeios do país há quatro anos, vai acionar a Justiça para tentar proibir a modalidade bulldog.
‘Nessa prova, o peão se atira sobre o animal e torce o pescoço. Isso é crueldade’, afirmou a presidente do fórum, Sônia Fonseca.
No bulldog, o peão precisa derrubar o bezerro com as mãos, sem o uso de nenhum tipo de equipamento.
Na sexta-feira, o bezerro ficou imóvel no chão da arena de Barretos após ser derrubado pelo ‘bulldogueiro’ Cesar Brosco. O animal foi retirado da arena em um veículo.
Mais tarde, foi constatado que o bezerro havia sofrido uma lesão nas vértebras e, por isso, ficou tetraplégico. Diante da situação, o bezerro foi sacrificado


Os animais estão envolvidos em várias modalidades de ‘esportes”. Hipismo é uma prova olímpica, corrida de cavalos em hipódromos e pesca são outros esportes autorizados no Brasil. Já as rinhas de galo, tiro ao pombo e briga de cachorro são delitos no Brasil, ainda que algumas pessoas os tratem como ‘esportes’.

Óbvio que há muita subjetividade na definição de quando é legal usar animais em ‘esportes’.

Sim, o verbo é ‘usar’, porque animais são objetos para a lei, e não sujeitos, ou seja, eles são ‘usados’, assim como uma bola ou uma chuteira. Eles não ‘participam’ porque participar presume a capacidade de querer e poder ter direitos e obrigações, e apenas as pessoas – para nossa lei – podem/conseguem fazer isso.

Não existe uma regra clara que diz que tipos de esportes envolvendo animais são legais. Isso fica a critério do magistrado. Mas, aparentemente, temos uma propensão de legalizar esportes que envolvam homem com animal (e penalizar as atividades que envolvam animal contra animal, ou homem contra animal); de criminalizar atividades que envolvam sangue; e sermos mais permissivos em relação aos esportes que não envolvam a participação de mamíferos e aves.

Mas atividades com animais não são as únicas que geram controvérsia. Esportes como boxe, jiu-jitsu ou taekwondo também causam dor e machucados. Às vezes deixam sequelas permanentes e às vezes levam à morte. Mas mesmo em casos normais, eles envolvem atividades que seriam delitos se não fossem esportes. Pense nisso: se alguém desse um soco no rosto de outra pessoa andando na rua, o atacante seria condenado e preso. Mas se o mesmo soco é dado em um ringue durante uma luta, ele se torna uma lenda esportiva. Qual a diferença?

A diferença é que os lutadores, ao contrário dos animais, optaram por participar daquele esporte e sabem as regras do esporte (o boi não sabe as regras do rodeio. Ainda que ele aja, ele está apenas reagindo fisicamente às circunstâncias na qual se encontra).

Esses esportes, embora violentos, são praticados dentro de regras claras. Enquanto essas regras forem respeitadas, os praticantes estarão agindo em seu exercício regular de direito (que é uma das excludentes de ilicitude). Mas se quem o pratica extrapolar as regras, será punido criminal e civilmente. Lembrem-se, por exemplo, do caso da mordida de Mike Tyson na orelha de Evander Holyfield em 1997? Morder não é parte do boxe.

Mas isso não quer dizer que os esportes violentos praticados apenas por pessoas também não estejam sujeitos a um determinado grau de subjetividade. Veja o que dizia o artigo 402 de nosso primeiro Código Penal (de 1890):

Fazer nas ruas e praças publicas exercicios de agilidade e destreza corporal conhecidos pela denominação capoeiragem (...)
Pena – de prisão cellular por dous a seis mezes.
Paragrapho unico. É considerado circumstancia aggravante pertencer o capoeira a alguma banda ou malta.
Aos chefes, ou cabeças, se imporá a pena em dobro


É isso mesmo: exibições de capoeira nas ruas eram crimes. Mas com o passar do tempo as atitudes sociais mudaram e hoje a capoeira é um esporte largamente praticado no país.

O que é um ser humano?

Saiu na Folha de 20/4/11:
Ao final, os desembargadores da 2ª Câmara Criminal do Rio decidiram ontem que chimpanzé não é gente, apesar de seu DNA ser 99,4% igual ao dos humanos, segundo o relator do processo, e negaram pedido de habeas corpus a Jimmy, um chimpanzé de 27 anos.
O primata vive há cerca de 12 anos no Zoológico de Niterói. A intenção dos ambientalistas que entraram com o pedido é transferir Jimmy para um santuário em Sorocaba (99 km de SP).
Os 30 autores do pedido - quatro professores universitários dos EUA, um representante do Greenpeace, entre outros- argumentavam que, vivendo em uma jaula com pouco mais de 60 m2, o Jimmy estava privado de seu direito à liberdade de locomoção e à vida digna.
No entender do relator do processo, desembargador José Muiños Piñeiro, 'chimpanzé não é alguém'. '[Norberto] Bobbio escreveu que uma tendência de evolução pode nos levar a reconhecer os animais como titulares desse direito, mas por enquanto temos que seguir o que diz a Constituição', disse.
Defensor de Jimmy, o advogado Daniel Braga Lourenço afirmou que negar seu direito é fazê-lo passar pela 'mesma discriminação que índios, negros e mulheres já sofreram'.
Já o advogado Fernando Fragoso, representante do zoológico, argumentou que, se tivessem o direito a habeas corpus, os animais deveriam ter deveres também. 'Então poderíamos criar o crime do 'macaquicídio', caso um deles matasse alguém', disse.
Os advogados de Jimmy, que vai continuar no zoológico, vão recorrer ao STF
.”

Já vimos aqui por que macaco não tem direito a habeas corpus. E também já falamos sobre como os animais são vistos do ponto de vista legal. Hoje vamos usar a matéria acima para falar de dois outros assuntos correlatos:

Primeiro, se o DNA do chimpanzé é tão parecido com o do ser humano, por que ele não é tratado como um ser humano? Afinal, 99,4% ou 99,5% é quase 100%, não?

Não. Existem dois pontos aqui. Primeiro, 0,01% já faz uma diferença enorme. Mas, mais importante, os outros primatas não são humanos porque não descendem de humanos. Esse é um ponto crucial. Um gorila, um chimpanzé ou um orangotango (nossos parentes biológicos mais próximos), por mais similares que sejam geneticamente de um ser humano, não são humanos porque eles não descendem de um ancestral humano. A divisão evolucionária aconteceu antes de haver o ser humano. Se no futuro os seres humanos derem ensejo a novas sub-espécies, estes, sim, serão considerados humanos, já que terão um ancestral humano. Somos da mesma família e tribo biológica (hominidae e hominini, respectivamente) dos chimpanzés, mas de gêneros diferentes:
Classificação biológica de humanos, chimpanzés, orangotangos e gorilas
As espécies (sapiens, neandhertalensis, heidelbergensis erectus, ergaster etc) vêm depois (abaixo) disso, e como somos a única espécie restante do gênero ‘homo’, não dá para saber se um neandertal surgisse do nada ele seria considerado um ‘ser humano’. Provavelmente não, já que ser humano é o 'homo sapiens sapiens', onde o primeiro 'sapiens' se refere à espécie e o segundo se refere à sub-espécie.

Portanto, a questão não é matemática. Se algum cientista conseguisse fabricar um ser geneticamente idêntico a nós usando garrafas plásticas, esse ser, embora com um DNA 100% idêntico, ainda assim não seria um ser humano pois ele descenderia de garrafas plásticas e não de outros seres humanos. Já um clone seria ser humano porque ele descenderia de outro ser humano (aliás, usando o exemplo do clone: a prova de que DNA não é a base para a definição é que um animal clonado - ou seja, cujo DNA é 100% igual ao de sua 'mãe' - é um ente juridicamente diferente de sua 'mãe'. Caso contrário, quem comprasse a 'mãe' estaria automaticamente comprando o animal clonado).

É exatamente esse princípio que faz com que aqueles que dizem que as diferentes raças humanas – arianos, negros, etc – devem ser tratadas de formas diferentes pela lei acabam tropeçando em seu raciocínio jurídico: todos nós, independente de nossas raças, cores ou credos, descendemos de outros seres humanos.

O segundo ponto importante é que o chimpanzé não tem um advogado, da mesma forma como uma cadeira não tem um advogado. Se lembrarmos das aulas de gramática, vamos ver que 'objeto' não possui algo, apenas o 'sujeito'. Em direito ocorre a mesma coisa: os animais, como já vimos aqui, são objetos de direito e não sujeitos de direito. Logo o advogado acima defende não os direitos do chimpanzé, mas os interesses próprios dele (advogado), de alguma associação que o contratou ou mesmo da sociedade como um todo. O chimpanzé (ou o tratamento dele, para ser específico) é o cerne do interesse de quem quer que ele represente.

Fonte: http://direito.folha.com.br/1/post/2011/04/o-que-um-ser-humano.html

Você já se perguntou por que animais podem ser sacrificados mas seres humanos, não?

Saiu na Folha de domingo (27/3/11):

"Donos de cães com leishmaniose lutam na Justiça para livrá-los da eutanásia. Para o Ministério da Saúde, os animais devem ser sacrificados logo após o diagnóstico para evitar a contaminação de pessoas e outros animais.
A doença, causada por protozoário e transmitida pela picada do mosquito-palha, pode matar. Especialistas garantem, porém, que é possível controlá-la com remédio.
O problema é que não há drogas veterinárias aprovadas no Brasil para esse fim, e os ministérios da Saúde e da Agricultura proíbem o tratamento de cães com medicamentos destinados a humanos desde 2008. O objetivo, afirmam, é evitar que o protozoário se torne resistente.
Há duas vacinas cadastradas no Ministério da Agricultura e Pecuária para prevenir o contágio, mas não estão disponíveis na rede pública.
Em meio à polêmica, a psicóloga Márcia de Jesus, 45, de Belo Horizonte, tratou o pitbull Vlad, de oito anos, com um remédio usado para combater uma doença reumatológica em humanos.
Ela conseguiu mostrar à Justiça que o cão não tem mais sinais da doença, contraída há seis anos, e não representa perigo. Venceu a ação
Em Presidente Prudente (a 558 km de SP), a dona de casa Angela Maria da Silva, 50, ainda aguarda uma sentença que pode salvar Pluto, um SRD (sem raça definida) de sete anos, da morte.
Pluto está no canil municipal desde agosto do ano passado, sob ordem judicial. Antes disso, foi tratado com um antifúngico usado em gestantes com leishmaniose.

O Ministério da Saúde não sabe quantos cães são sacrificados por ano no Brasil por causa da doença.
O secretário nacional de Vigilância em Saúde, Jarbas Barbosa, afirma que a eutanásia é indispensável para cães doentes. "’ratá-los significa usar em larga escala os poucos medicamentos que temos para leishmaniose e, com isso, reduzir a eficácia dos produtos em humanos’
".

Você já se perguntou por que animais com doenças ou problemas físicos são sacrificados, e por que seres humanos sofrendo de doenças terminais não podem ter ajuda para se matarem (eutanásia)?

A razão é que animais, para o direito brasileiro, são objetos de direito, enquanto seres humanos são sujeitos de direito. Objeto de direito é literalmente o que a palavra diz: é um objeto. Uma cadeira ou uma calça são objetos. Já o sujeito de direito é a pessoa que tem direitos e obrigações em relação a um objeto e em relação a outros sujeitos. Essas pessoas podem ser física (seres humanos) ou jurídica (empresas, associações etc) de direito privado ou público (governo).

Essa diferença é importante para entendermos porque animais podem ser sacrificados e porque seres humanos não podem sofrer a eutanásia, pelas leis brasileiras, ainda que digam com todas as palavras que querem se submeter a ela.

O principal objeto das leis é preservar nossos direitos. E nenhum direito é mais importante do que o direito à vida. Sem vida, não há como exercer qualquer outro direito. É daí, por exemplo, que vem o direito à legítima defesa, que já vimos aqui.

Mas em relação aos objetos, o pensamento é diferente. Segundo a nossa lei, eles existem para servir aos sujeitos de direito (há limitações a esse ‘servir’, que vamos ver adiante). Se sua existência gera mais risco do que segurança, mais dano do que benefício, o objeto pode ser destruídos para preservar os sujeitos de direito (as pessoas). Se uma árvore ameaça cair em cima de uma casa, ela pode ser removida pela prefeitura. Se um barraco no morro ameaça desabar, ele pode ser destruído. Eles são objetos.

É por isso que, no caso da matéria acima, os animais podem ser sacrificados pelo governo. Uma pessoa sofrendo de uma doença contagiosa não seria sacrificada pelo governo: seria submetida a uma quarentena. (para quem gosta de ficção, se a doença realmente for muito contagiosa e a pessoa se recusar a ficar em quarentena, e acaba pondo em risco a vida de outras pessoas, o governo pode 'abatê-la'). Já um animal que esteja espalhando a mesma doença pode ser sacrificado porque ele é um objeto de direito e não um sujeito de direito. Isso porque o custo de mantê-lo em quarentena não justificaria o riso de ele vir a ser a causa da morte de seres humanos.

Ora, se é assim, você pode matar o cachorro da vizinha que passa o dia inteiro latindo? Não. Os animais são objetos de direito mas, como seres vivos, são protegidos pela lei. Não porque tenham direitos, mas porque seus donos e o resto da sociedade têm direitos conectados a eles. Direitos como o da propriedade (o cachorro pertence a sua vizinha. Se você matá-lo, estará diminuindo o valor do patrimônio da vizinha e causando-lhe um dano emocional, pelos quais você terá a obrigação de pagar) e à moralidade (em uma sociedade civilizada, os animais podem até não ter direitos, mas os padrões de moralidade exigem que tais animais sejam tratados de forma adequada, não porque tenham direitos, mas porque maltratá-los desrespeitaria os parâmetros de moralidade em relação às outras pessoas). É por isso, por exemplo, que as faculdades de veterinária e os laboratórios farmacêuticos são submetidos a regras claras sobre como tratarem suas cobaias.

E o cavalo que é sacrificado porque quebrou a perna? Ele é sacrificado porque (a) a moralidade da sociedade (e isso varia ao longo do tempo e de lugar para lugar) diz que seria imoral forçá-lo a uma existência de dor e (aí entra a diferença em relação aos seres humanos em estado vegetativo) (b) não há justificativa moral ou financeira para não sacrificá-lo.

Controverso? Sim. Tanto é assim que a matéria acima  dá dois exemplos de donos de animais que tentam provar que seus animais já não representam perigo e, portanto, sacrificá-los seria moralmente injustificável. E vez por outra aparece na TV alguém que foi preso por ter sacrificado seu cavalo que quebrou a perna.

Aliás, um último pensamento: você já reparou que nosso sentimento de moralidade é maior quanto mais próxima é nossa proximidade biológica com o ser em questão? Nos sentimos especialmente próximos aos demais primatas. Depois deles, outros mamíferos. Mas somos menos ligados emocionalmente a outras classes. Vemos sempre campanhas para salvar mamíferos, mas com muito menos frequência campanhas para salvar peixes ou répteis, ainda que o percentual de espécies ameaçadas dentro de cada uma dessas três classes seja idêntico: 21%. Situação ainda pior é a dos anfíbios, na qual uma em cada três espécies está ameaçada. Ou dos vermes, na qual mais de 4 em cada cinco espécies está ameaçada. A lista de espécies ameaçadas, compilada pelo
IUCN (International Union for Conservation of Nature and Natural Resources) está abaixo.

Espécies ameaças de extinção por classe
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Fonte: http://direito.folha.com.br/1/post/2011/04/voc-j-se-perguntou-por-que-animais-podem-ser-sacrificados-e-seres-humanos-no.html

Habeas corpus para animais

Saiu no G1 do dia 18 de maio:

Uma briga envolvendo um chimpanzé foi parar no Tribunal de Justiça do Rio. A guarda de Jimmy, que vive há 15 anos no Zoológico de Niterói (ZooNit), na Região Metropolitana do Rio, está sendo reclamada pela ONG Grupo de Apoio aos Primatas (GAP), de Sorocaba, no interior paulista.

Para indignação dos servidores do Zoo, o presidente do grupo, Pedro Ynterian, acusa a instituição de explorar o bicho e mantê-lo em confinamento, o que, segundo alega o reclamante, seria equivalente ao trabalho escravo imposto aos negros no passado.
Ynterian entrou com um pedido de habeas corpus para que o chimpanzé seja transferido para o santuário em Sorocaba, onde viveriam 50 primatas.
Jimmy é conhecido, pois já participou de comerciais e de programas de TV. Antes, passara 10 anos num circo até ser levado para o Zoonit. Atualmente, vive sozinho em uma jaula de 120 metros quadrados.

Nossa Constituição diz que habeas corpus é possível “sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”. Nosso Código de Processo Penal, que é quem trata do assunto, diz no artigo 647 que “dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer violência ou coação ilegal na sua liberdade de ir e vir, salvo nos casos de punição disciplinar

Reparem que ambos os textos falam em ‘alguém’. ‘Alguém’, para nosso direito, é uma pessoa. Os animais, inclusive os outros primatas, não são pessoas e, portanto, não têm direito ao habeas corpus. Como já vimos em um post anterior, eles não podem ser mau-tratados pois isso seria um crime, mas isso não quer dizer que eles sejam sujeitos de direito (ou seja, que eles têm direitos). Para o direito brasileiro, animais são propriedades e, como tais, são protegidos, mas não possuem direitos (o direito pertence à sociedade e/ou aos donos).

A relação jurídica processual na alienação judicial de imóvel hipotecado

O processo não pode ser considerado um fim em si mesmo, pois tem por finalidade a pacificação de conflitos e a produção de Justiça social. Com base nessa premissa, torna-se importante investigar a figura do devedor hipotecário no contexto do processo de execução.

Isso porque, de regra, o processo executório é configurado por relação jurídica formado entre credor e devedor, tão-somente. Há hipóteses, contudo, em que terceiros devem, necessariamente, figurar na lide, a fim de resguardar a validade dos atos judiciais.

Exemplo dessa situação é aquela em que há penhora de imóvel hipotecado de terceiro. Nesse caso, é correta a conclusão de que os garantidores hipotecários materializam a condição de responsáveis patrimoniais secundários e, portanto, legitimados extraordinários para o processo executivo, haja vista que seus bens encontram-se sujeitos à constrição judicial para a satisfação da obrigação exigida em juízo.
Nesse sentido é a posição de Neves:
"Sendo o sujeito responsável por dívida que não é sua - responsabilidade patrimonial secundária -, é natural que seja considerado parte na demanda executiva, visto que será o maior interessado em apresentar defesa para evitar a expropriação de seu bem. O devedor, que também deverá estar na demanda como litisconsórcio passivo, poderá não ter tanto interesse na apresentação da defesa, imaginando que, em razão da propriedade do bem penhorado, naquele momento o maior prejudicado será o responsável secundário e não ele.
Trata-se de legitimação extraordinária, porque o responsável secundário estará em juízo em nome próprio e na defesa de interesse de outrem, o devedor. Além de extraordinária, parece que tal legitimação permite que os responsáveis secundários sejam demandados já inicialmente, em litisconsórcio inicial com o devedor, em especial quando a própria lei expressamente prevê sua legitimidade, como ocorre com o fiador judicial e o responsável patrimonial. Caso tal litisconsórcio não seja formado no início da demanda, penhorado o bem de sujeito que até então não participa como parte na demanda judicial, a ciência desse ato processual deverá se realizar por meio de sua citação, o que o integrará à relação jurídica executiva supervenientemente.
Para os responsáveis patrimoniais que não têm legitimidade passiva expressamente prevista em lei, a legitimação extraordinária apresenta uma particularidade interessante, considerando-se que para esses sujeitos ela só surgirá no caso concreto quando ocorrer a efetiva constrição judicial do bem do responsável secundário." [01]
A hipoteca, como instituto jurídico de direito real de garantia (artigos 1473/1495 do Código Civil), guarda contornos próprios, sabidamente graves. Ora bem, a liberalidade do credor/exequente não pode chegar ao ponto de, excluindo da lide os devedores/garantidores hipotecários, transformar o processo em injusto meio, desconsiderando os valores mais comezinhos do contraditório e da par conditio, e, ainda, de que "a ciência moderna repudia a falsa idéia de um processo civil do autor". [02]

Assim, inegavelmente, os garantidores hipotecários devem figurar na relação jurídica processual, dado que, como adverte Neves: "No momento processual da penhora o responsável secundário é um terceiro, mas sofrendo a constrição judicial deverá ser citado na demanda executiva, passando a integrar o polo passivo como parte". [03]

A imprescindibilidade da participação dos garantidores hipotecários na lide executiva é, de igual modo, referendada pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO POR TÍTULO EXTRAJUDICIAL. GARANTIA HIPOTECÁRIA PRESTADA POR TERCEIROS. PENHORA SEM QUE OS HIPOTECANTES FIGUREM NO PÓLO PASSIVO DA EXECUÇÃO. INADMISSIBILIDADE.
A lei considera o contrato de garantia real como título executivo.

Logo, o terceiro prestador da garantia pode ser executado, individualmente. Todavia, se a execução é dirigida apenas contra o devedor principal, é inadmissível a penhora de bens pertencentes ao terceiro garante, se este não integra a relação processual executiva.

Recurso a que se dá provimento. [04]

E, ainda:
PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO AJUIZADA CONTRA O DEVEDOR. PENHORA QUE RECAI SOBRE BEM DADO EM GARANTIA HIPOTECÁRIA. AUSÊNCIA DE CITAÇÃO DO TERCEIRO GARANTIDOR. NULIDADE DA PENHORA.
1. É indispensável que o garantidor hipotecário figure como executado, na execução movida pelo credor, para que a penhora recaia sobre o bem dado em garantia, porquanto não é possível que a execução seja endereçada a uma pessoa, o devedor principal, e a constrição judicial atinja bens de terceiro, o garantidor hipotecário.
2. Recurso especial provido. [05]
Colhe-se de trecho do voto-condutor do REsp 472769, citação de Humberto Theodoro Junior (in Curso de Direito Processual Civil. V. II, 44ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 201), em que o processualista assevera:
"(...) Ressalta-se que é totalmente inadmissível pretender-se executar apenas o devedor principal e fazer a penhora recair sobre o bem de terceiro garante. Se a execução vai atingir o bem dado em caução real pelo não-devedor, este forçosamente terá de ser parte na relação processual executiva, quer isoladamente, quer em litisconsórcio como o devedor. Jamais poderá suportar a expropriação executiva sem ser parte no processo, como é obvio. (...)"
Certo é que a alienação direta de imóvel penhorado – ou por intermédio de praça/leilão –, efetivando ato executivo sobre bem daquele que sequer figura na relação jurídica processual - macula e viola a garantia fundamental do devido processo legal prevista no inciso LIV do art. 5º da Constituição, seja em sua feição formal (ao desrespeitar o procedimento legalmente e previamente estabelecido), seja na sua perspectiva substancial (porquanto dos Poderes Públicos exigem-se condutas razoáveis que assegurem o respeito aos direitos fundamentais inclusive em sua dimensão objetiva).

Vale-se, quanto ao tema, da transcrição da ementa do seguinte julgado do Supremo Tribunal Federal, relator o Ministro CELSO DE MELLO:

E M E N T A: CADIN - INCLUSÃO, NESSE CADASTRO FEDERAL, DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, POR EFEITO DE NÃO RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS, AINDA EM DISCUSSÃO NA ESFERA ADMINISTRATIVA, REFERENTES A PARCELAS DE CARÁTER NÃO REMUNERATÓRIO (ABONO-FAMÍLIA, AUXÍLIO-TRANSPORTE, AUXÍLIO-CRECHE E VALE-REFEIÇÃO) - IMPOSIÇÃO, AO ESTADO-MEMBRO, EM VIRTUDE DE ALEGADO DESCUMPRIMENTO DAS RESPECTIVAS OBRIGAÇÕES, DE LIMITAÇÕES DE ORDEM JURÍDICA - A QUESTÃO DOS DIREITOS E GARANTIAS CONSTITUCIONAIS, NOTADAMENTE AQUELES DE CARÁTER PROCEDIMENTAL, TITULARIZADOS PELAS PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PÚBLICO - POSSIBILIDADE DE INVOCAÇÃO, PELAS ENTIDADES ESTATAIS, EM SEU FAVOR, DA GARANTIA DO "DUE PROCESS OF LAW" - LITÍGIO QUE SE SUBMETE À ESFERA DE COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - HARMONIA E EQUILÍBRIO NAS RELAÇÕES INSTITUCIONAIS ENTRE O ESTADO-MEMBRO E A UNIÃO FEDERAL - O PAPEL DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL COMO TRIBUNAL DA FEDERAÇÃO - POSSIBILIDADE, NA ESPÉCIE, DE CONFLITO FEDERATIVO - PRETENSÃO DE ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA JURISDICIONAL FUNDADA NA ALEGAÇÃO DE TRANSGRESSÃO À GARANTIA DO "DUE PROCESS OF LAW" - SITUAÇÃO DE POTENCIALIDADE DANOSA AO INTERESSE PÚBLICO - TUTELA ANTECIPADA DEFERIDA - DECISÃO DO RELATOR REFERENDADA PELO PLENÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. CONFLITOS FEDERATIVOS E O PAPEL DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL COMO TRIBUNAL DA FEDERAÇÃO. - A Constituição da República confere, ao Supremo Tribunal Federal, a posição eminente de Tribunal da Federação (CF, art. 102, I, "f"), atribuindo, a esta Corte, em tal condição institucional, o poder de dirimir controvérsias, que, ao irromperem no seio do Estado Federal, culminam, perigosamente, por antagonizar as unidades que compõem a Federação. Essa magna função jurídico-institucional da Suprema Corte impõe-lhe o gravíssimo dever de velar pela intangibilidade do vínculo federativo e de zelar pelo equilíbrio harmonioso das relações políticas entre as pessoas estatais que integram a Federação brasileira. A aplicabilidade da norma inscrita no art. 102, I, "f", da Constituição estende-se aos litígios cuja potencialidade ofensiva revela-se apta a vulnerar os valores que informam o princípio fundamental que rege, em nosso ordenamento jurídico, o pacto da Federação. Doutrina. Precedentes. A QUESTÃO DOS DIREITOS E GARANTIAS CONSTITUCIONAIS, NOTADAMENTE AQUELES DE CARÁTER PROCEDIMENTAL, TITULARIZADOS PELAS PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PÚBLICO. - A imposição de restrições de ordem jurídica, pelo Estado, quer se concretize na esfera judicial, quer se realize no âmbito estritamente administrativo, supõe, para legitimar-se constitucionalmente, o efetivo respeito, pelo Poder Público, da garantia indisponível do "due process of law", assegurada, pela Constituição da República (art. 5º, LIV), à generalidade das pessoas, inclusive às próprias pessoas jurídicas de direito público, eis que o Estado, em tema de limitação ou supressão de direitos, não pode exercer a sua autoridade de maneira abusiva e arbitrária. Doutrina. Precedentes. LIMITAÇÃO DE DIREITOS E NECESSÁRIA OBSERVÂNCIA, PARA EFEITO DE SUA IMPOSIÇÃO, DA GARANTIA CONSTITUCIONAL DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. - A Constituição da República estabelece, em seu art. 5º, incisos LIV e LV, considerada a essencialidade da garantia constitucional da plenitude de defesa e do contraditório, que ninguém pode ser privado de sua liberdade, de seus bens ou de seus direitos sem o devido processo legal, notadamente naqueles casos em que se viabilize a possibilidade de imposição, a determinada pessoa ou entidade, seja ela pública ou privada, de medidas consubstanciadoras de limitação de direitos. - A jurisprudência dos Tribunais, especialmente a do Supremo Tribunal Federal, tem reafirmado o caráter fundamental do princípio da plenitude de defesa, nele reconhecendo uma insuprimível garantia, que, instituída em favor de qualquer pessoa ou entidade, rege e condiciona o exercício, pelo Poder Público, de sua atividade, ainda que em sede materialmente administrativa ou no âmbito político-administrativo, sob pena de nulidade da própria medida restritiva de direitos, revestida, ou não, de caráter punitivo. Doutrina. Precedentes. BLOQUEIO DE RECURSOS FEDERAIS CUJA EFETIVAÇÃO PODE COMPROMETER A EXECUÇÃO, NO ÂMBITO LOCAL, DE PROGRAMA ESTRUTURADO PARA VIABILIZAR A IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS. - O Supremo Tribunal Federal, nos casos de inscrição de entidades estatais, de pessoas administrativas ou de empresas governamentais em cadastros de inadimplentes, organizados e mantidos pela União, tem ordenado a liberação e o repasse de verbas federais (ou, então, determinado o afastamento de restrições impostas à celebração de operações de crédito em geral ou à obtenção de garantias), sempre com o propósito de neutralizar a ocorrência de risco que possa comprometer, de modo grave e/ou irreversível, a continuidade da execução de políticas públicas ou a prestação de serviços essenciais à coletividade. Precedentes." [grifado] [06]

A posição de Dinamarco não discrepa:

"No sistema processual, ordinariamente as normas que instituem e regem os procedimentos são portadoras de suficientes oportunidades de participação em contraditório e esse é o fator que as legitima. Elas próprias não teriam legitimidade quando deixassem de oferecer reais oportunidades de participar. Por isso, é falsa a impressão de que a observância dos procedimentos estabelecidos em lei fosse em si mesma um fator de legitimação dos atos de poder (sentenças, ordem de entrega do bem na execução forçada). Em substância, o que legitima a outorga da tutela jurisdicional é a participação que o procedimento propiciou, em associação com a observância da legalidade inerente à garantia do devido processo legal. Um processo não será justo e equo quando os sujeitos não puderam participar adequadamente ou quando, por algum modo, haja o juiz avançado além de seus poderes ou transgredindo regras inerentes à disciplina legal do processo (due process of Law)". [07]

Diante dessas considerações, não é crível supor que o Poder Judiciário, garantidor das liberdades públicas, venha a sujeitar o patrimônio (bem), de quem quer que seja, à injusta restrição, sob pena de violar o devido processo legal (formal e substancial) que deve servir de esteio à ampla defesa e ao contraditório, a par de sua natureza dialógica.

Nesse contexto, conclui-se que é indispensável a participação do devedor hipotecário na relação jurídico-processual formada com o objeto de satisfazer a dívida materializada no aludido direito real de garantia.

SCHULZE, Clenio Jair; ANDERLE, Vitor Hugo. A relação jurídica processual na alienação judicial de imóvel hipotecado. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3089, 16 dez. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20671/a-relacao-juridica-processual-na-alienacao-judicial-de-imovel-hipotecado>.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Filho não consegue indenização por falta de afeto

Dar amor é obrigação moral e não legal. A partir dessa premissa, o juiz Ricardo Torres Soares, da 7ª Vara Cível de Belo Horizonte, não acolheu o pedido de um homem que entrou com ação de indenização por danos morais e materiais contra o pai. A paternidade só foi reconhecida quando o filho tinha 44 anos. Cabe recurso.

O juiz afirmou que não há provas de que o pai tenha sabido, desde sempre, ter o autor da ação como filho. “Ainda que assim fosse, não haveria dano moral pela negativa de afeto, pois, se não há uma lei impondo tal obrigação, sua inobservância não pode ser considerada ato ilícito e, por consequência, não pode embasar pedido de indenização.”  Acrescentou também que dar amor é uma obrigação moral.

O filho alegou ter nascido de um relacionamento secreto entre sua mãe e o pai, tendo morado com ele e os avós paternos até os 12 anos. Em 2004, propôs ação de investigação de paternidade contra o réu, que foi reconhecido como seu pai. Segundo ele, desde seu nascimento, o pai vem lhe prometendo ajuda, mas, mesmo depois de reconhecida a paternidade, jamais concretizou qualquer tipo de apoio.

O autor da ação pediu indenização por danos materiais de R$ 150 mil, já que, segundo afirmou, nunca gozou da educação, dos momentos de lazer e das ativideas culturais que o pai poderia ter lhe proporcionado. Pediu também R$ 100 mil por dano moral por ter sofrido abalo emocional, psicológico e social decorrente do não reconhecimento da paternidade.

O pai contestou, alegando que o autor da ação foi registrado pelo marido de sua mãe quando nasceu e recebeu nome em homenagem ao suposto pai. Argumentou que a mãe de seu filho nunca o procurou requerendo dele a paternidade e que o suposto pai é que teria cometido crime de registrar um filho que não era seu. Alegou ainda que falta de amor não é garantia de direito de reparação, o amor não pode ser imposto e, por isso, não se justificava o pedido de indenização por dano moral. Em relação à indenização por danos materiais, argumentou que fica excluída essa obrigação, uma vez que o filho, já adulto, pode se sustentar sozinho. Por fim, pediu que a ação fosse julgado improcedente.

O juiz negou os danos materiais. Ele levou em consideração a descoberta da paternidade pelo réu ter acontecido somente quando o filho tinha 44 anos. Para o juiz, depois de passar pela infância recebendo assistência daquele que julgava ser seu pai, não faz sentido o filho pedir indenização por danos materiais, que, na mesma época, não era reconhecido como seu pai biológico, não tendo, portanto, obrigação de sustentá-lo. O juiz entendeu que não houve demonstração do dano, o que afasta o pedido de indenização. Com informações da Assessoria de Imprensa do TJ-MG.

Revista Consultor Jurídico

Educação não se ministra com palmadas

É inaceitável que, em pleno século XXI, nossas crianças continuem padecendo de maus tratos, exploração e abusos, muitas vezes por parte daqueles que as deviam proteger.

E não se pense, nem minimamente, que tais abusos estão circunscritos às camadas de renda mais baixas da população, pois, tal manifestação se alastra como um câncer permeando todo o nosso tecido social.
É irrefutável a convicção de que a repressão a este calamitoso problema é desafio permanente para todos os operadores do Direito, sabedores que não bastam serem criadas novas leis, meramente pontuais, mas, sim, aplicar exemplarmente as existentes, respeitando-se rigidamente, todavia, os princípios legais de regência, como o devido processo legal, o contraditório, etc.

Neste diapasão, surge a discussão sobre o Projeto de Lei 2.654/2003, de autoria da então deputada (hoje ministra) Maria do Rosário (PT-RS), que versa sobre a proibição aos pais de infligirem castigos corporais ou tratamento cruel ou degradante aos seus filhos crianças ou adolescentes.

É a já conhecida “Lei da Palmada”, que pretende, a grosso modo,  prescrever a forma como os pais devem educar seus filhos.

Por óbvio, não se pode tolerar que os pais, a qualquer título, castiguem imoderadamente seus filhos menores e é a própria Carta Magna, de 1988, em seu artigo 227, que determina ser dever da família em relação à criança e ao adolescente “colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”

Na Roma antiga, o filho (filiifamilias) era objeto do direito absoluto e ilimitado do pai (paterfamilias), que podia abandoná-lo, vendê-lo, ou até mesmo executá-lo, pois exercia o direito de vida e morte sobre a pessoa daquele (jus vitae et necis).

Em Roma, desconheciam limites ao poder discricionário do pai sobre a pessoa e os bens do filho, estando submetido, unicamente, aos hábitos, às tradições e aos costumes vigentes.

Sobre o tema, escreveu o professor Silvio Rodrigues: “No Direito Romano, o pátrio poder é representado por um conjunto de prerrogativas conferidas ao pater, na qualidade de chefe da organização familiar, e sobre a pessoa de seus filhos. Trata-se de um direito absoluto, praticamente ilimitado, cujo escopo é efetivamente reforçar  a autoridade paterna, a fim de consolidar a família romana, célula-base da sociedade, que nela encontra o seu principal alicerce”. (in, Direito Civil, vol. 6, pág. 351, Saraiva).

Com o tempo e a evolução do pensamento e do Direito, foram se  estabelecendo limites ao exercício do pátrio poder, até os dias de hoje, em que seu exercício passou a espelhar uma perfeita combinação entre a autoridade dos genitores e o interesse da prole. Daí advindo, como conclusão lógica, que o pátrio poder não é mais - como no passado - um poder despótico, absoluto, que reduz a mero objeto a pessoa e os bens dos filhos menores. Muito pelo contrário!

É objetivo primordial do exercício do pátrio poder a educação e a formação da personalidade do filho, devendo ser exercido no interesse deste, visando a sua proteção. Daí decorre ser nomeado pelos nossos melhores tratadistas como direito-função ou mesmo direito-dever.

Traduz-se, pois, na lição do desembargador Paulo Dourado de Gusmão, “como mais dever do que direito, mais dever de proteção ao filho, de educá-lo, forjando o seu caráter, transformando-o em elemento útil à sociedade“. (in,  Dicionário de Direito de Família, pág. 812, Forense, 1985.)

Para coibir os abusos, o antigo Diploma Substantivo Civil brasileiro de 1916, em seu artigo 384, fixava as formas fundamentais para o exercício do poder-dever que é o pátrio poder, quais sejam: a criação e a educação dos filhos, seja na formação moral, seja na educação escolar, seja no desenvolvimento de hábitos salutares, seja na alimentação, no vestuário, na higiene, etc.

Enfim, devem os pais praticar todos os atos necessários ao perfeito desenvolvimento físico, moral e intelectual de seus filhos, mantendo-os sob sua guarda e vigilância, tratando-os com amor, carinho e compreensão, até que atinjam a maioridade ou a plena capacidade civil, visando transformá-los em cidadãos bem formados e úteis à sociedade.

Tais regras foram recepcionadas pelo Código Civil vigente, em seus artigos 1.630 e 1.638, com a substituição da antiga designação de pátrio poder por “Poder Familiar”.

O texto do Projeto de Lei “da Palmada” não discrimina o que seriam considerados castigos corporais e tratamentos cruéis. Um puxão de orelha, um beliscão, enquadraria o genitor como infrator? Não se sabe.
Sabe-se que todas as camadas da sociedade devem ser chamadas a debater tal Projeto de Lei, ao qual, a princípio, entendo por desnecessário, pois, além de não trazer nada de novo sobre a matéria, se constitui em mais uma indevida, desproporcional e inconstitucional interferência do Estado sobre as vidas das famílias brasileiras.

Devem, sim, os pais, exercer o seu poder familiar sobre os filhos menores com moderação e bom senso, pois, como já dito acima,  seu uso imoderado constitui abuso de direito, caso em que poderá ser suspenso ou mesmo perdido, dependendo da falta praticada pelo genitor, nos exatos termos do artigo 1.638 do Código Civil em vigor.

E, aliás, educação não se ministra com palmadas, mas com exemplos.

Luiz Octávio Rocha Miranda Costa Neves é advogado e membro do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) e do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM).
Revista Consultor Jurídico

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Jornada de Direito Civil aprova novos enunciados

O entendimento de que “o dano moral indenizável não pressupõe necessariamente a verificação de sentimentos humanos desagradáveis como dor ou sofrimento” e de que “é possível a conversão de união estável entre pessoas do mesmo sexo em casamento” foi aprovado na V Jornada de Direito Civil.

Os enunciados das jornadas servem como balizadores de estudos e interpretações referentes ao Código Civil de 2002. Eles são invocados em acórdãos, sentenças, pareceres e petições.

Nesta jornada, feita pelo Conselho de Justiça Federal de 8 a 10 de novembro de 2011, foram aprovados 131 novos enunciados.

Elaborados por seis comissões de trabalho compostas por professores universitários e operadores do Direito, eles tratam de diversos aspectos da vida civil.

As comissões se dividiram em Parte Geral; Direito das Obrigações; Responsabilidade Civil; Direito de Empresa; Direito das Coisas e Direito de Família e das Sucessões.

Clique aqui para ler todos os enunciados aprovados.

Marcos de Vasconcellos é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico

CDC não pode ser aplicado para restringir direito do consumidor

As regras do Código de Defesa do Consumidor se aplicam em consórcios somente às relações jurídicas entre o consorciado e a administradora, pois o CDC serve para proteger o consumidor e não pode ser usado para restringir o seu direito. O entendimento é da Terceira Turma do STJ.

Diante da frágil situação econômica de um consórcio de automóveis, o Banco Central interveio e ordenou o leilão do grupo a outra administradora de consórcios. Porém, os prejuízos do consórcio seriam divididos entre os consorciados, inclusive os que já haviam quitado os contratos. Foi nesse contexto que um cliente ajuizou ação declaratória de inexigibilidade de obrigação pedindo a exclusão de seu nome de cadastros de inadimplência por não ter pago o débito gerado pela empresa.

Embora o cliente já houvesse quitado o contrato, um débito de pouco mais de R$ 4 mil foi gerado. Por não ter sido pago, motivou a inscrição do nome do cliente em cadastros de inadimplentes. A sentença foi favorável, e o TJMG negou provimento à apelação da administradora que adquiriu o antigo consórcio, entendendo que obrigações não podem ser impostas depois de o cliente ter pago integralmente o valor do consórcio.

Irresignado, o consórcio recorreu ao STJ, explicando que a modificação das condições do contrato foi necessária para equiparar todos os consumidores que aderiram, sem privilegiar os que quitaram as parcelas antes (de acordo com o artigo , parágrafo V, do CDC).

Tanto o ministro Massami Uyeda, relator, quanto o ministro Sidnei Beneti, que inaugurou divergência, consideraram impossível analisar o caso sob a ótica da violação do CDC. Para o relator, a matéria não foi prequestionada, e para o ministro Sidnei Beneti, o recurso especial nem mesmo conseguiu indicar algum dispositivo de lei federal violado.

Porém, enquanto o relator aplicou ao caso os princípios da função social dos contratos e da boa-fé objetiva, o ministro Beneti considerou esses princípios inaplicáveis.

Fonte: STJ

Quando os ex-sogros aterrorizam a ex-nora

Caso termina com a condenação ao pagamento de 50% do valor da construção objeto do imbróglio, mais reparação de R$ 5 mil pelo dano moral.

A 4ª Câmara de Direito Civil do TJ-SC apreciou contenda envolvendo uma nora e seus ex-sogros. Segundo o julgado, embora Irineu Scheeffer e Maurília Scheeffer tivessem, num primeiro momento, anuído que Maria Idalina Costa Scheeffer continuasse a residir na edificação após a dissolução da sociedade conjugal - erguida em parte do terreno de propriedade destes -, de inopino eles passaram a agredi-la verbalmente de todas as formas.

Ela teve dificultado o acesso à edificação por meio da construção de um alto muro ao redor do imóvel. Foi-lhe negada cópia da chave do cadeado do portão de entrada, fazendo com que necessitasse do auxílio de vizinhos para transpor a muralha demarcatória.

Segundo os autos, os ex-sogros ainda destruíram objetos que estavam localizados na parte externa da residência de Maria Idalina, perturbando-a no período noturno com golpes na janela de seu quarto, circunstâncias que lhe teriam causado excepcional sofrimento.

Por fim, até mesmo um contrato de locação foi forjado, com o objetivo de ensejar o despejo da ex-nora da residência que fora construída mediante o esforço comum do casal desfeito.

Diante da robustez das provas, o desembargador Luiz Fernando Boller, em seu voto, destacou que "a conduta ilícita atribuída aos ex-sogros efetivamente atingiu a integridade moral da ex-nora".

Conforme o julgado, "a nora, muito embora tenha contado com a anuência dos então seus sogros para edificar residência no imóvel de propriedade de ambos, do mesmo modo obtendo a permissão para lá residir após a separação conjugal, acabou surpreendida pela abrupta mudança de atitude daqueles, que passaram a lhe proferir diuturnos e graves impropérios, danificando seus pertences, arbitrariamente erguendo obstáculos ao acesso à residência, o que, inclusive, culminou num acidente que lhe afetou a integridade física, resultando num braço fraturado".

O julgado deu parcial provimento ao recurso, condenando os apelados a pagarem à ex-nora, à título de reparação por dano moral, o valor de R$ 5 mil.

Também manteve a decisão oriunda da comarca de Blumenau, que já havia condenado os ex-sogros ao pagamento do equivalente a 50% do valor da construção objeto do imbróglio.

O advogado Júlio César Lopes atua em nome da autora da ação. (Proc. nº 2011.021315-1)
Fonte: JUSBRASIL

Lei fixa competência de estado para licença ambiental

Entrou em vigor, na quinta-feira (8/12), a Lei Complementar 140, sancionada pela presidente Dilma Rousseff, que fixa as normas de cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas ações de proteção ao meio ambiente. O projeto, apresentado no Congresso em 2003 pelo deputado federal Sarney Filho (PV), surgiu a partir de recomendações de uma Comissão Parlamentar de Inquérito que investigava tráfico de animais silvestres.

Após algumas modificações no texto original, a atual LC 140 permite que entes federativos sejam competentes para conceder a maioria das licenças ambientais. Essa competência poderá ser supletiva, em substituição ao ente federativo originário, ou subsidiária, em auxílio àquele que detém a atribuição originária. Na prática, estados e municípios passam a ter competência para conceder licenças ambientais.

A forma de cooperação poderá ainda ser feita por convênio, desde que o órgão conveniado tenha em seu quadro técnicos capacitados e um conselho de meio ambiente.

Os estados e municípios passam ainda a ser responsáveis pela fiscalização e instauração de processo administrativo em caso de infrações nas atividades autorizadas. Cada ente federativo é responsável pela fiscalização de empreendidos que autorizou, mas o artigo 17 da lei não deixa claro se constatações de infrações feitas por terceiros poderá surtir algum efeito.

Esse dispositivo afirma que qualquer pessoa poderá exercer seu “poder de polícia” e denunciar as infrações que verificar ao estado ou ao município responsável pela licença. No entanto, a iniciativa da apuração de irregularidade continua sendo de responsabilidade de quem concedeu a licença. Ainda, o §3º do artigo 17 da lei dá o mesmo “poder de fiscalização” aos demais entes, mas sugere que continua sendo discricionária do ente responsável a iniciativa de lavrar o auto de infração. Veja o art. 17:

Art. 17. Compete ao órgão responsável pelo licenciamento ou autorização, conforme o caso, de um empreendimento ou atividade, lavrar auto de infração ambiental e instaurar processo administrativo para a apuração de infrações à legislação ambiental cometidas pelo empreendimento ou atividade licenciada ou autorizada.
§ 1º Qualquer pessoa legalmente identificada, ao constatar infração ambiental decorrente de empreendimento ou atividade utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores, pode dirigir representação ao órgão a que se refere o caput, para efeito do exercício de seu poder de polícia.
§ 2º Nos casos de iminência ou ocorrência de degradação da qualidade ambiental, o ente federativo que tiver conhecimento do fato deverá determinar medidas para evitá-la, fazer cessá-la ou mitigá-la, comunicando imediatamente ao órgão competente para as providências cabíveis.
§ 3º O disposto no caput deste artigo não impede o exercício pelos entes federativos da atribuição comum de fiscalização da conformidade de empreendimentos e atividades efetiva ou potencialmente poluidores ou utilizadores de recursos naturais com a legislação ambiental em vigor, prevalecendo o auto de infração ambiental lavrado por órgão que detenha a atribuição de licenciamento ou autorização a que se refere o caput.

Ainda entre as competências para as chamadas ações administrativas, a lei destaca que a União é responsável por controlar “a exportação de componentes de biodiversidade brasileira na forma de espécimes”, flora e fauna, ou produtos deles derivados.

As licenças em Áreas de Proteção Ambiental (Apas) estão excluídas da competência da União, estados e municípios. A União poderá ainda aprovar a supressão de vegetação e de florestas públicas federais ou unidades de conservação instituídas pela União.

Ao estado compete a administração de recursos ambientais e promoção, no âmbito estadual, de programas relacionados ao meio ambiente. Os licenciamentos são autorizados por um único ente e fica a critério de quem autorizou estabelecer os valores sobre as taxas. As prorrogações ficam, em regra, automáticas, “até a manifestação definitiva do órgão ambiental competente.”

Os críticos à legislação argumentam que, além da autorização expressa para desmatamento e degradação ambiental, há uma fiscalização engessada, afinal aquele que autoriza desmatar é o mesmo que deve fiscalizar. Entre as poucas vozes destoantes estão aqueles que apontam que a lei, que já entrou em vigor no início do mês, traz poucas alterações do que ocorre na prática, pois boa parte dos empreendidos já são de competência dos estados. De qualquer forma resta, então, analisar se tais práticas até hoje têm contribuído para aumentar ou diminuir a degradação ambiental.

Líliam Raña é repórter da revista Consultor Jurídico.
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quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Neto recebe pensão do avô até reconhecimento de união estável

Um neto dependente da pensão do avô, policial militar reformado, vai voltar a receber o benefício até o trânsito em julgado da sentença que reconhece a companheira do falecido. A decisão da juíza da 3ª Vara da Fazenda Pública do Distrito Federal, que concedeu a liminar em Mandado de Segurança. Assim, fica suspensa a decisão da 5ª Vara de Família de Brasília, que reconheceu a união estável ajuizada pela mulher. Ainda cabe recurso.

O benefício deixou de ser pago ao neto, em agosto deste ano, depois que foi determinada a transferência do benefício para a provável companheira do avô que morreu. Os herdeiros recorreram da sentença. Ao apreciar a liminar, a juíza da Fazenda Pública considerou que o autor já recebe os benefícios desde a morte do policial, em 1998, e é considerado seu dependente para receber os benefícios de assistência médica e social prestada pela PM-DF.

A juíza conhece ainda que os companheiros têm prioridade sobre os dependentes econômicos. Entretanto, entende que como não houve o trânsito em julgado da sentença que reconheceu a condição de companheira, o autor não deve ser excluído como pensionista. Com informações da Assessoria de Imprensa do TJ-DF.
Processo 199726-8
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segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

O direito de retirar o sobrenome paterno, devido ao abandono afetivo, é possível

O direito de retirar o sobrenome paterno, devido ao abandono afetivo, é possível. Foi o que entendeu a 4ª Câmara de Direito Civil do TJ de Santa Catarina, ao confirmar decisão da comarca de Joinville. O autor entrou com ação de retificação de registro civil contra seu pai para poder manter apenas o sobrenome da mãe.

Na ação, o autor alegou que o abandono do pai, quando tinha apenas um ano de idade, causou-lhe sofrimento e humilhação, e ressaltou que é conhecido na sociedade apenas pelo sobrenome da mãe. O pai, devidamente citado, não apresentou contestação. Em depoimento em juízo, o autor da ação afirmou nunca ter contato com o pai, o qual esperava conhecer no dia da audiência.

O MP, atuante como fiscal da lei, argumentou que a alteração do nome só é admitida para fins de correção, em casos de omissão ou que exponham a pessoa ao ridículo. Afirmou, ainda, que o acolhimento do pedido implicaria a multiplicação de ações idênticas, em virtude da grande quantidade de pessoas que se encontram na mesma situação. 

Para os julgadores, ficaram claros nos autos a dor o abalo psicológico e os constrangimentos sofridos pelo demandante bem como a necessidade de mitigar as normas referentes ao nome diante da dignidade da pessoa humana.

“Trata-se, pois, de motivação que se me afigura assaz suficiente à exclusão do sobrenome paterno, tanto mais porque o nome do genitor permanecerá nos assentos civis do apelado resguardando-se, assim, a sua ancestralidade para todos os fins e efeitos de direito, razão pela qual não há cogitar-se de prejuízos à família, a terceiros e à sociedade”, afirmou o relator do recurso, desembargador Eládio Torret Rocha.

Por fim, a câmara refutou a tese da multiplicação de demandas idênticas. “É carente de qualquer juridicidade, constituindo, a bem da verdade, exercício de futurologia”, explanou o desembargador Torret Rocha. Com informações da Assessoria de Imprensa do TJ-SC.

AC 2008010577-5
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