quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Classificação da posse

Classificação da posse:

“Embora a posse seja, por sua natureza, exclusiva, sendo, assim, inconcebível mais de uma posse sobre a mesma coisa, admite o legislador possa ela desdobrar-se, não só no que diz respeito ao campo de seu exercício, como também no que concerne à simultaneidade desse exercício” (Silvio Rodrigues, 2002, 24).

a) Quanto à extensão da garantia possessória: posse direta e posse indireta.

Direta é a posse daquele que tem a coisa em seu poder e indireta é a de quem cede o uso da coisa. Apenas é possível fazer esta classificação no ius possidendi, podendo ocorrer nos contratos (consensuais ou reais) ou quanto aos direitos reais limitados (ex.: usufruto). Disto se observa que é necessária certa relação jurídica entre o possuidor direto e o indireto.   
Essa classificação tem o efeito de proteção possessória. Na situação de posse indireta, o proprietário será o possuidor indireto da coisa. O possuidor direto tem prerrogativa possessória, mas não poderá usucapir a coisa, tendo em vista a posse ser precária (estabelecida por uma relação de confiança), existindo a proteção à posse indireta.
Art. 1.197 CC/02 prevê que: “A posse direta, de pessoa que tem a coisa em seu poder, temporariamente, em virtude de direito pessoal, ou real, não anula a indireta, de quem aquela foi havida, podendo o possuidor direto defender sua posse contra o indireto”.
Como bem coloca Venosa (2002, 61), “nada impede que haja um sucessivo desdobramento da posse. No usufruto, por exemplo, o nu-proprietário tem a posse indireta, e é possuidor direto o usufrutuário. Este pode dar a coisa em locação, originando a posse direta do locatário. O primitivo possuidor direto passa a ser também possuidor indireto”.

b) Quanto à simultaneidade do exercício: composse.

Art. 1.199 CC/02 dispõe que: “Se duas ou mais pessoas possuírem coisa indivisa, poderá cada uma exercer sobre ela atos possessórios, contanto que não excluam os dos outros compossuidores”. Desta forma, pode-se dizer que composse é a posse comum, exercida por duas ou mais pessoas, sobre parte ideal da coisa. A composse gera dois efeitos: os compossuidores podem exercer proteção possessória e usucapião e proteção possessória uns contra os outros.
Chama a atenção Venosa (2002, 65) sobre a possibilidade de ocorrer a composse ainda que dela não tenham ciência os compossuidores, tal como acontece na hipótese de herdeiro que se acredita único, quando de fato não o é. “Ainda que ele não saiba da existência de outros herdeiros, todos têm a posse dos bens hereditários desde o momento da morte do autor da herança, por força do princípio da saisine mencionado”.
Não se pode olvidar que além da composse pro indiviso, aquela exercida sobre parte ideal, podemos encontrar também a composse pro diviso, aquela exercida sobre parte específica da coisa. Nesta segunda hipótese, apesar de não existir uma divisão de direito, já existe uma repartição de fato.
Advindo a composse da indivisão da coisa, ela se extinguirá quando assim o quiserem os indivíduos ou cessar a causa que a determinou. Por exemplo, quando ocorrer a partilha da herança, desaparecendo a indivisão e recebendo cada herdeiro a sua parte, sobre a qual exercerão individualmente a posse. Da mesma forma ocorre na hipótese prevista na 1ª parte do art. 1.411 CC/02, quando “Constituído o usufruto em favor de duas ou mais pessoas, extinguir-se-á a parte em relação a cada uma das que falecerem”.

c) Quanto aos vícios subjetivos: posse justa e posse injusta.

A posse justa é aquela que está em conformidade com o ordenamento jurídico, independente do exame da vontade do agente. Em conformidade com o art. 1.200 do CC/02 “É justa a posse que não for violenta, clandestina ou precária”.
A posse injusta é aquela contrária ao ordenamento jurídico, podendo ser:

- Violenta: obtida ou mantida mediante força física ou coação moral injustificada. Ocorre, por exemplo, no primeiro caso quando se adentra um imóvel expulsando o possuidor e, no segundo, quando se invade propriedade onde não há ninguém e, posteriormente, impede-se o proprietário de adentrá-la. Observa-se, que pelo menos em sua origem, a posse violenta vem maculada pela má-fé.
“A violência estigmatiza a posse, independentemente de exercer-se sobre a pessoa do espoliado ou de preposto seu, como ainda do fato de emanar do próprio espoliador ou de terceiro” (Caio Mário, 2003, 28). Atenção para o fato de que a violência dirige-se contra pessoas e não contra a coisa. Assim é que “Não atenta contra posse quem rompe obstáculos para ingressar em imóvel abandonado, não possuído e por ninguém reclamado, ou nas mesmas condições se apossa de coisa móvel de ninguém ou abandonada, porque nessas hipóteses não existe posse anterior” (Venosa, 2002, 69-70).
O art. 1.208, in fine, do CC/02 menciona a possibilidade de cessar a violência. Tendo em vista esta disposição, Silvio Rodrigues (2002, 28) explica que: “Com efeito, pode-se dar que após a violência o esbulhado se conforme, deixando de reagir durante lapso de tempo de ano e dia. Isso ocorrendo, exercendo por conseguinte o esbulhador posse pacífica pelo período de ano e dia, aquela situação de fato se consolida e sua posse passa a ser protegida. Adquiriu ele a condição de possuidor, pela cessação da violência”. Traz Caio Mário (2003,29) o exemplo de conversão da posse injusta por violência tornar-se justa pelo fato de quem tomou por violência comprar do esbulhado.

- Clandestina: obtida às escondidas daquele que tem interesse em conhecê-la; não havendo a prática de ato material, como plantações ou construções. Importante observar como o faz Venosa (2002, 70) de que o momento da análise deste vício é o de aquisição da posse em que se avalia o mesmo, já que “Não é clandestina a posse obtida com publicidade e posteriormente ocultada” e também que “Não é necessária a intenção de esconder ou camuflar, porque o conceito é objetivo, como vimos”.
Também aqui o citado art. 1.208, in fine, alude a cessação da clandestinidade. “Com efeito, se a posse nasceu clandestina, mas depois se tornou pública, mediante atos ostensivos do possuidor, que, além de ocupar a terra alheia, ali constrói, planta e vive; se após a cessação da clandestinidade o proprietário se acomoda, deixando de reagir por mais de ano e dia, então aquela posse, que de início era clandestina, deixa de o ser, ganha juridicidade, possibilitando ao seu titular a invocação da proteção possessória” (Silvio Rodrigues, 2002, 28). Cita Caio Mário (2003,29) o exemplo de conversão da posse injusta por clandestinidade tornar-se justa pelo fato de quem possui clandestinamente herdar do desapossado.

- Precária: obtida por meio de uma relação de confiança entre as partes, mas retida indevidamente. Presente estará sempre a obrigação de restituir. Diz Venosa (2002, 70) que não há presunção de precariedade, em não havendo expressa menção ou não decorrendo de fenômeno de circunstâncias usuais, a posse não assume o caráter de precariedade. “É necessário que o outorgado da posse concorde com a cláusula de poder a concessão ser revogada a qualquer tempo, tornando-se precarista da posse. Ordinariamente a posse imediata é precária”.
            Como visto, o art. 1.208 CC/02 faz referência à cessação dos vícios da violência e da clandestinidade. Silencia-se, no entanto, em relação à precariedade, do que se conclui não cessar jamais este vício pelo fator tempo. Até mesmo porque se concorda com Silvio Rodrigues (2002, 29) quando afirma que a precariedade não cessa nunca. Uma vez que “O dever do comodatário, do depositário, do locatário etc., de devolverem a coisa recebida, não se extingue jamais, de modo que o fato de a reterem, e de recalcitrarem em não entregá-la de volta, não ganha jamais foros de juridicidade, não gerando, em tempo algum, posse jurídica”.
Washington de Barros Monteiro (1979, 29) defende que apesar de ser contrária ao ordenamento jurídico, a posse injusta pode ser defendida pelos interditos, claro que não perante aquele de quem se tirou, pela violência, clandestinidade ou precariedade, mas contra terceiros que eventualmente desejem arrebatar a posse para si. Neste mesmo sentido salienta Caio Mário (2003, 29) que os vícios da violência e da clandestinidade, por serem relativos, apenas podem ser acusados pela vítima, pois em relação a qualquer outra pessoa a posse produz seus efeitos normais.
Devemos lembrar que a posse injusta poderá tornar-se justa quando o vício for sanável. Esse vício será sanado após um ano e um dia, cessada a violência ou a clandestinidade. A precariedade, entretanto, não convalesce jamais pelo decurso do tempo, ou seja, o vício não poderá ser sanado por este motivo.

d) Quanto à subjetividade: posse de boa-fé e posse de má-fé.
Enfatiza Venosa (2002, 71) que a conceituação da posse de boa-fé está relacionada à aquisição da coisa por usucapião e à questão dos frutos e benfeitorias da coisa possuída. Isto porque para a defesa da posse não se questiona a boa-fé e sim se a posse não é violenta, precária ou clandestina.
A definição se extrai da simples leitura do caput do art. 1.201 e seu parágrafo único: “É de boa-fé a posse, se o possuidor ignora o vício, ou o obstáculo que impede a aquisição da coisa” e “O possuidor com justo título tem por si a presunção de boa-fé, salvo prova em contrário, ou quando a lei expressamente não admite esta presunção”.
Analisando citado parágrafo único, deve-se deixar claro que justo título segundo a doutrina é aquele que tem aparência de ser hábil para transferir o domínio ou a posse. Atente-se que esta presunção é juris tantum, pois que admite prova em contrário ou expressa previsão legal de que não se admite esta presunção. Fala Silvio Rodrigues (2002, 33) que desejando demonstrar o contrário, caberá à parte adversa articular circunstâncias que desmintam tal presunção. “Desse modo, por exemplo, se a posse foi adquirida de um procurador e o litigante provar que o possuidor tinha ciência da falsidade da procuração, sua má-fé se manifesta”.
Ensina Venosa (2002, 75) que o justo título a que se refere o parágrafo único do art. 1.201 não é um documento ou instrumento, mas sim um fato gerador do qual a posse deriva. Justifica citando o seguinte entendimento jurisprudencial: “Reintegração de posse – Bem Móvel – Ajuizamento por espólio contra concubina do de cujus – aquisição na constância do concubinato – possibilidade de demonstração, pela concubina, da vida em comum more uxório há mais de dez anos, em função do (de) que tinha posse a justo título” (JTASP 115/129). Cita também o caso do herdeiro aparente cujo título e ignorância da existência de outros herdeiros faz presumir ser ele justo possuidor. “Destarte, um título defeituoso faz presumir a boa-fé até que circunstâncias demonstrem o contrário”.
Quando se fala da posse de boa-fé, trata-se aqui do elemento subjetivo da posse. A posse de boa-fé é aquela cujo titular desconhece qualquer vício que macule a posse. Tanto assim o é que o art. 1.202 prevê que “A posse de boa-fé só perde este caráter no caso e desde o momento em que as circunstâncias façam presumir que o possuidor não ignora que possui indevidamente”. Disto se insere que a posse de má-fé se dá quando o titular sabe do vício. São citadas por Maria Helena Diniz (2002, 57) como circunstâncias presuntivas de má-fé: citação judicial; nulidade manifesta do título; confissão do possuidor de que nunca teve título; a violência no esbulho ou outros atos proibidos por lei; e o fato de ter o possuidor, em seu poder, instrumento repugnante à legitimidade de sua posse, como a venda de pai e filho, compra pelo testamenteiro de bens da testamentária.
Segundo Venosa (2002, 73), “Não bastará, contudo, alegar apenas ausência de ciência de ilicitude, atitude passiva do sujeito. A consciência de possuir legitimamente deve vir cercada de todas as cautelas e investigações idôneas para caracterizar o fato da posse. Há necessidade, portanto, de um aspecto dinâmico nessa ciência de boa-fé. Não basta ao possuidor assentar-se sobre um terreno que se encontra desocupado, sem investigar se existe dono ou alguém de melhor posse”.
Disposições ligadas à cessação da boa-fé encontram-se nos arts. 1.214, caput: “O possuidor de boa-fé tem direito, enquanto ela durar, aos frutos percebidos” e parágrafo único: “Os frutos pendentes ao tempo em que cessar a boa-fé devem ser restituídos, depois de deduzidas as despesas de produção e custeio; devem ser também restituídos os frutos colhidos com antecipação”; e no 1.216: “O possuidor de má-fé responde por todos os frutos colhidos e percebidos, bem como pelos que, por culpa sua, deixou de perceber, desde o momento em que se constitui de má-fé; tem direito às despesas de produção e custeio”.
No ordenamento jurídico brasileiro prevalece a presunção da posse de boa-fé, tendo o titular direito a frutos, benfeitorias, retenção e notificação.

e) Quanto aos seus efeitos: posse ad interdicta e posse ad usucapione.

A posse ad interdicta visa à proteção possessória. Para que a posse dê direitos de reclamar e obter proteção possessória de quem quer que seja, até mesmo do próprio proprietário, basta ser ela justa. A posse injusta apenas dá direito aos interditos perante terceiros que não tenham sido vítimas da violência, da clandestinidade ou da precariedade.
A posse ad usucapione é aquela que visa à aquisição do domínio, da propriedade. A posse capaz de gerar o domínio pode ser além da justa, aquela que tenha advindo da violência ou da clandestinidade, desde que cessados esses vícios pelo decurso do tempo exigido em lei. Lembrando que até mesmo a posse sem boa-fé pode gerar o domínio.

f) Quanto à questão temporal: posse nova e posse velha.

A posse nova é aquela cujo prazo não excede um ano e um dia. A posse velha é aquela superior a um ano e um dia. A importância dessa distinção é que um dos requisitos, para que seja concedida a liminar na ação possessória, é que o possuidor não tenha deixado ultrapassar um ano e um dia (art. 924 do CPC). Caso esteja ultrapassado este prazo, o rito será o ordinário, não perdendo a ação caráter possessório; sendo possível a concessão de tutela antecipada (art. 273 do CPC).  
Outro reflexo desta classificação encontra-se na 1ª parte do § 1º do art.1.210: “O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo”. O desforço imediato só se confere, então, ao titular da posse nova.
Este prazo de ano e dia é importante também para efeito de cessação dos vícios da violência e da clandestinidade (art. 1.208 CC/02).

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