quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Julgado STJ - adoção por padrasto

Direito civil.  Família.  Criança  e  adolescente.  Adoção. Pedido preparatório de destituição  do poder familiar formulado pelo padrasto  em face do pai biológico. Legítimo interesse.  Famílias recompostas. Melhor interesse da criança. - O procedimento para a perda do poder familiar terá início por provocação do Ministério Público ou de pessoa  dotada  de  legítimo  interesse,  que  se  caracteriza  por  uma  estreita  relação  entre  o  interesse pessoal do sujeito ativo e o bem-estar da criança.
- O pedido de adoção, formulado neste processo, funda-se no art. 41, § 1º, do ECA  (correspondente ao art. 1.626, parágrafo único, do CC/02), em que um dos cônjuges pretende adotar o filho do outro, o que permite ao padrasto invocar o legítimo interesse para a destituição do poder familiar do pai biológico, arvorado na convivência familiar, ligada, essencialmente, à paternidade social, ou seja, à socioafetividade, que representa, conforme ensina Tânia da Silva Pereira, um convívio de carinho e participação no desenvolvimento e formação da criança, sem a concorrência do vínculo biológico (Direito da criança e do adolescente – uma proposta  interdisciplinar – 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 735). 
- O alicerce, portanto, do pedido de adoção reside no estabelecimento de relação afetiva mantida entre o padrasto e a criança, em decorrência de ter  formado verdadeira entidade  familiar com a mulher e a adotanda, atualmente composta também por filha comum do casal. Desse arranjo familiar, sobressai o cuidado  inerente aos cônjuges, em reciprocidade e em relação aos filhos, seja a prole comum, seja ela oriunda de relacionamentos anteriores de cada consorte, considerando a família como espaço para dar e receber cuidados.
- Sob essa perspectiva, o cuidado, na lição de Leonardo Boff, “representa uma atitude de ocupação, preocupação, responsabilização e envolvimento com o outro; entra na natureza e na constituição do ser humano. O modo de ser cuidado  revela de maneira concreta como é o  ser humano. Sem cuidado ele deixa  de  ser  humano. Se  não  receber  cuidado  desde  o  nascimento  até  a  morte,  o  ser  humano desestrutura-se, definha, perde sentido e morre. Se, ao largo da vida, não fizer com cuidado tudo o que empreender,  acabará  por  prejudicar  a  si  mesmo  por  destruir  o  que  estiver  à  sua  volta.  Por  isso  o
cuidado deve ser entendido na linha da essência humana” (apud Pereira, Tânia da Silva. Op. cit. p. 58).
- Com  fundamento na paternidade responsável, “o poder familiar é  instituído no  interesse dos  filhos e da  família,  não  em  proveito  dos  genitores”  e  com  base  nessa  premissa  deve  ser  analisada  sua permanência  ou  destituição.  Citando  Laurent,  “o  poder  do  pai  e  da  mãe  não  é  outra  coisa  senão proteção e direção” (Principes de Droit Civil Français, 4/350), segundo as balizas do direito de cuidado a envolver a criança e o adolescente.
- Sob a tônica do legítimo interesse amparado na socioafetividade, ao padrasto é conferida legitimidade ativa  e  interesse  de  agir  para  postular  a  destituição  do  poder  familiar  do  pai  biológico  da  criança. Entretanto,  todas  as  circunstâncias deverão  ser  analisadas detidamente no  curso do processo,  com  a necessária  instrução  probatória  e  amplo  contraditório,  determinando-se,  outrossim,  a  realização  de estudo social ou, se possível, de perícia por equipe interprofissional, segundo estabelece o art. 162, § 1º, do Estatuto protetivo, sem descurar que as hipóteses autorizadoras das destituição do poder familiar – que devem estar sobejamente comprovadas – são aquelas contempladas no art. 1.638 do CC/02 c.c. art. 24 do  ECA, em numerus  clausus.  Isto é,  tão  somente diante da  inequívoca  comprovação de uma das causas de destituição do poder familiar, em que efetivamente seja demonstrado o risco social e pessoal a  que  esteja  sujeita  a  criança  ou  de  ameaça  de  lesão  aos  seus  direitos,  é  que  o  genitor  poderá  ter extirpado  o  poder  familiar,  em  caráter  preparatório  à  adoção,  a  qual  tem  a  capacidade  de  cortar quaisquer vínculos existentes entre a criança e a família paterna.
- O direito  fundamental da  criança e do  adolescente de  ser  criado  e  educado no  seio  da  sua  família, preconizado no art. 19 do ECA, engloba a convivência familiar ampla, para que o menor alcance em sua plenitude um desenvolvimento sadio e completo. Atento a isso é que o Juiz deverá colher os elementos para decidir consoante o melhor interesse da criança.
-  Diante  dos  complexos  e  intrincados  arranjos  familiares  que  se  delineiam  no  universo  jurídico  – ampliados  pelo  entrecruzar  de  interesses,  direitos  e  deveres  dos  diversos  componentes  de  famílias redimensionadas –, deve o  Juiz pautar-se, em  todos os  casos e circunstâncias, no princípio do melhor interesse  da  criança,  exigindo  dos  pais  biológicos  e  socioafetivos  coerência  de  atitudes,  a  fim  de promover maior harmonia familiar e consequente segurança às crianças  introduzidas nessas  inusitadas tessituras. - Por tudo isso – consideradas as peculiaridades do processo –, é que deve ser concedido ao padrasto – legitimado ativamente e detentor de  interesse de agir – o direito de postular em  juízo a destituição do poder familiar – pressuposto  lógico da medida principal de adoção por ele requerida – em  face do pai biológico, em procedimento contraditório, consonante o que prevê o art. 169 do  ECA.
-  Nada  há  para  reformar  no  acórdão  recorrido,  porquanto  a  regra  inserta  no  art.  155  do  ECA  foi
devidamente observada, ao contemplar o padrasto como detentor de  legítimo  interesse para o pleito destituitório, em procedimento contraditório. Recurso especial não provido.
(STJ – Resp 1106637/SP – Rel. Min. Nancy Andrighi – 3ª Turma – Data do Julgamento 01/06/2010).

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