sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Julgado: ilegitimidade de parte ou pedido juridicamente impossível?

"Anulação de registro civil. Herdeiros do falecido que são partes legítimas para a ação. Inteligência dos artigos 1601 e 1604 do CC/2002. "Adoção à brasileira". Adoção de fato que por analogia confere à adotada os mesmos direitos daqueles que o foram de forma regular, não podendo ser prejudicada por seus adotantes não terem seguido os trâmites pertinentes para tomá-la como filha. Irrevogabilidade da adoção que deve ser estendida aos "adotados à brasileira". Pedido juridicamente impossível. Carência da ação mantida, embora por fundamento diverso. Recurso improvido." (TJSP - 4ª Cam. de Dir. Privado - APELAÇÃO CÍVEL 537.632-4/0)

ACORDAM, em 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por votação unânime, negar provimento ao recurso.

Trata-se de apelação interposta contra a r. sentença, cujo relatório se adota, que extinguiu sem análise de mérito por ilegitimidade ativa ação negatória de paternidade cc. pedido de anulação de assento de nascimento. Apelam os autores, alegando, em suma, que a inicial deixa claro o erro cometido à época, que resultou na falsa declaração de paternidade. Alegam, ainda, sua legitimidade ativa para a ação já que têm interesse em obter a nulidade e que a filiação é impugnada pela própria mãe e o espólio, representado por seus herdeiros, na busca da verdade real.

O parecer da Douta Procuradoria Geral de Justiça é pelo improvimento do recurso.

Este é o relatório.

A digna Magistrada sentenciante extinguiu sem análise do mérito ação negatória de paternidade cc. anulação de assento de nascimento ao fundamento de que os autores são partes ilegítimas para figurarem no pólo ativo da ação. Ponderou Sua Excelência que o artigo 1601 do Código Civil estabelece que a legitimidade de parte para a propositura da ação negatória de paternidade é exclusivamente do marido.

O recurso não merece provimento, embora por fundamento diverso daquele da r. sentença, pois, com a devida vênia, a carência da ação evidencia-se não pela ilegitimidade ativa dos autores, mas pela impossibilidade jurídica do pedido.

M.B.M. e seus filhos, representando o espólio do falecido J.M., ajuizaram ação pretendendo a anulação do registro de nascimento de M.A.M.. Alegaram para tanto que a primeira autora e seu esposo registraram a requerida como sua própria filha, mas que essa declaração não corresponde à realidade, devendo, portanto, ser anulada.

Observe-se, que, embora se tenha dado à ação o nome de negatória de paternidade, prevista no art. 1601 do Código Civil, trata-se, na verdade, de um pedido de anulação de registro por falsidade, que se insere no art. 1604 daquele diploma legal. Daí a legitimidade ativa da autora e dos herdeiros do falecido para ação.

Isso porque o art. 1601 do C.C. dispõe que: "Cabe ao marido o direito de contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua mulher, sendo tal ação imprescritível.". Está circunscrita, portanto, à hipótese do homem que, induzido em erro, registra como seu o filho nascido de sua mulher. E não se aplica ao caso concreto porque o falecido João sabia que a criança não era sua filha, nem de sua mulher, assim como M. tinha conhecimento de que João e ela não eram os pais da criança.

Tratou-se, claramente, de um caso de "adoção à brasileira", que não está inserida no âmbito do art. 1601. A possibilidade de anulação do registro efetuado por erro está, repita-se, prevista no art. 1604, sendo irrelevante, para o caso, o nome que se deu à ação. E, nesse sentido, os herdeiros do falecido João são, sim, parte legítima para figurarem no pólo ativo da ação, como legítimos interessados.

Confira-se: "Ação anulatória de registro paterno. Legitimidade. Interessados. A anulação do registro de nascimento ajuizada com fulcro no artigo 348 do CC, em virtude de falsidade ideológica, pode ser pleiteada por quem tenha legítimo interesse moral ou material na declaração de nulidade." (STJ, Resp nº 257.119/MG, 4ª T., rel. César Asfor Rocha, j. 02.04.2001)

No entanto, as circunstâncias do caso concreto tornam o pedido juridicamente impossível.

A ação anulatória de registro civil pressupõe erro ou falsidade do registro. E, embora os apelantes aleguem que o registro da apelada tenha sido elaborado com erro, utilizam-se do vocábulo no sentido vulgar do termo e não no sentido jurídico.

Explica-se.

O erro, vício de consentimento que autoriza a anulação de atos jurídicos, caracteriza-se pela falsa representação da realidade. O agente engana-se sozinho e age movido por esse engano. Ora, como explanado pelos próprios autores (fls. 15), J. e M. sabiam, à época da realização do registro, que a apelada não era sua filha, e informaram os outros filhos do fato, posteriormente. Daí que não se pode falar de erro - pelo menos não em seu sentido jurídico - quando da elaboração do assento de registro civil da apelada.

Restaria, portanto, a anulação do ato por falsidade que, realmente houve, já que os pais sabiam, quando do registro, que a apelada não era sua filha. Contudo, tratou-se, como já dito, de uma "adoção à brasileira", configurada no registro de filho de outrem como se próprio fosse, esquivando-se dos trâmites legais da adoção. E, com base nessa realidade é que se entende o pedido juridicamente impossível.

Nosso ordenamento jurídico aperfeiçoou-se e passou, por fim, a conferir aos filhos adotados os mesmos direitos que aos consangüíneos (art. 227, par. 6º da CF/88). Também foi estabelecido que a adoção é irrevogável.

Ora, a atitude da primeira autora e seu esposo configurou uma adoção de fato e, por analogia, deve-se conferir à apelada os mesmos direitos daqueles adotados de forma regular, não se podendo prejudicá-la por seus adotantes não terem seguido os trâmites pertinentes para tomá-la como filha.

Entendimento contrário feriria gravemente o princípio da dignidade da pessoa humana, constitucionalmente assegurado. A mera irregularidade da "adoção à brasileira" não autoriza que se desrespeite a dignidade e os direitos da personalidade da apelada, retirando-lhe parte importante de sua identidade, qual seja, sua filiação.

Esse é o entendimento esposado pela jurisprudência.

"Registro civil. Assento de nascimento. Adoção à brasileira. Falsa declaração de paternidade de criança abandonada. Pretensão de anulação do registro de nascimento com a exclusão de filiação hereditária. Inadmissibilidade. Direito Constitucional satisfeito de forma diversa que deve ser preservado, mormente quando o curso do tempo revelou ter atingido sua finalidade precípua, com a produção de efeitos jurídicos e sociais na esfera da menor, agregando-se à sua personalidade, sendo indisponível e irretratável. Prevalência do sentimento de nobreza. Inteligência do artigo 348 do CC." (RT 802/352)

Assim, tendo a primeira autora e seu marido voluntariamente reconhecido a apelada como sua filha, não se pode agora pretender a anulação do registro civil, sob pena de se burlar a vedação à irrevogabilidade da adoção.

Daí que, diante da irrevogabilidade da adoção em nosso ordenamento jurídico, deve ser reconhecida a carência do feito, por impossibilidade jurídica do pedido, com base no art. 267, VI, do CPC.

E mais não é necessário dizer para o improvimento do recurso, mantendo-se a r. sentença, embora por fundamento diverso.

Pelo exposto é que se nega provimento ao recurso.

Participaram do julgamento os Desembargadores Teixeira Leite (Presidente e Revisor) e Fábio Quadros (3º Juiz).

São Paulo, 15 de maio de 2008.

MAIA DA CUNHA
RELATOR

http://www.jurid.com.br/new/jengine.exe/cpag?p=jornaldetalhejurisprudencia&ID=48355&Id_Cliente=34195

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