terça-feira, 13 de setembro de 2011

Posse no direito brasileiro

Reza o art. 1.196 do Código Civil de 2002: "considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade." É cediço na doutrina, malgrado haver-se contaminado com a teoria subjetiva de Savigny, [07] que nosso CC adotou a teoria de Ihering – teoria objetiva da posse. Portanto, é lícito concluir, com apoio no próprio Ihering, que "a posse não é poder físico, e sim exteriorização da propriedade", [08] como se lê claramente no dispositivo legal citado.

Mas, para fins de usucapião, não só o exercício "dos poderes inerentes à propriedade" basta. E aqui se encontra a contaminação da teoria subjetiva. Prescrevem todas as normas legais sobre usucapião, e também o faz o art. 183 do CF/88 que, aquele que possuir como sua a coisa, adquirir-lhe-á o domínio. É flagrante nas normas que regulam a usucapião a preocupação com o elemento subjetivo do possuidor.

Em princípio, há um choque das duas teorias no tocante à definição da posse ad usucapionem. Mas, ao contrário do que se pode pensar, é cabível a integração das teorias para se definir com efetiva precisão, que tipo de posse pode gerar usucapião. Investigando o animus do precarista e observando suas atitudes externas, é possível aferir se houve uma transformação no caráter da posse, e afirmar se esta pode ser considerada útil para fins de usucapião. Para tanto, vejamos.

Dos Vícios da posse

Os vícios da posse estão elencados no art. 1.200 CC/02. São eles a violência, a clandestinidade e a precariedade. É violenta a posse adquirida mediante esbulho, por utilização de força física ou moral. É clandestina a posse exercida às escondidas, sem ciência do proprietário ou verdadeiro possuidor, de modo a ocultar-lhe à coisa ou a própria posse. É precária a posse adquirida pelo abuso de confiança. Explica-se: Alguém recebe a posse numa relação de desdobro (posse justa e direta) e, no prazo de término desta relação – ou devidamente notificado para devolver a coisa, recusa-se a entregá-la. Surge, então, a precariedade que "se caracteriza justamente ao tempo em que a restituição é recusada." [09]

É dominante na doutrina e jurisprudência que, em face do instituído no art. 1.208 do CC, é possível que a posse viciada convalesça, depois de cessada a violência ou a clandestinidade. E, cediço também é, que a posse precária, já que não há previsão legal, nunca convalesce, sendo imprestável para fins de usucapião.

Já se disse, e com muita propriedade, que "dos vícios elencados no Código Civil, talvez seja a precariedade o mais polêmico, e certamente o que provoca as discussões mais acaloradas." [10] Moreira Alves opina que a contaminação de preceitos da teoria unitária, à teoria vertical, que acabou sendo adotada em nosso CC, pode ser um dos motivos de tantas controvérsias. [11] Lenine Nequete denuncia que a doutrina pátria ainda interpreta a posse precária sobre o prisma do direito reinícola, que não prescindia da boa-fé para gerar direitos. [12]
Vive-se hoje uma nova realidade. O Código Civil prescindiu da boa-fé para a usucapião extraordinária, permitindo, então, que a posse precária, desde que exercida com ânimo de dono, seja útil para esse fim.
É veemente, em especial em alguns doutrinadores do início do século XX, a assertiva que o vício da precariedade nunca cessa. Entendemos que tal posição hoje precisa ser revista, mormente após a EC nº 26.

MAIDAME, Márcio Manoel. A possibilidade de mudança do caráter da posse precária e sua utilidade para fins de usucapião. Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2127, 28 abr. 2009. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/12730>. Acesso em: 12 set. 2011.

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