terça-feira, 11 de outubro de 2011

Alguns apontamentos a respeito dos recursos extraordinário e especial - parte I

É do conhecimento de todos a enorme preocupação que circunda o advogado na hora de confeccionar os recursos direcionados às Cortes Superiores, notadamente, STF e STJ. Além dos requisitos gerais das insurreições recursais, suas taxativas hipóteses constitucionais de cabimento e o prequestionamento causam inquietação ao recorrente na perspectiva do juízo de admissibilidade e do julgamento do mérito do recurso.

A presente análise tem a finalidade de evidenciar a jurisprudência consolidada relativa à separação entre o juízo de admissibilidade e de mérito, à possibilidade de o tribunal de superposição aplicar as normas dimanadas do ordenamento jurídico, a despeito de não terem sido veiculadas pelas partes ou mencionadas na decisão recorrida, e à necessidade do prequestionamento voltar-se ao tema decidido, e não ao artigo da lei.

Primacialmente, tenha-se em mente as alíneas "b", "c" e "d" do inciso III do artigo 102 da CRFB e as "b" e "c" do inciso III do artigo 105 também da CRFB diferirem um pouco da alínea "a" desses artigos, em virtude de elas serem espécies "axiologicamente neutras", ao passo essa última parece albergar certo "juízo de valor".

Noutras palavras, para fins de cabimento do recurso extraordinário e especial, basta o recorrente demonstrar a decisão ter declarado a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal, julgado válida lei ou ato de governo local contestado em face da Constituição, julgado válida lei local contestada em face de lei federal, julgado válido ato de governo local contestado em face de lei federal ou dado à lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal.

Note-se não ser exigência, no plano da admissibilidade, a cabal demonstração dos fundamentos pelos quais merece provimento o recurso, de modo que o conhecimento é realizado in status assertionis com singela verificação a respeito da subsunção do afirmado pelo recorrente em alguma das hipóteses constitucionalmente previstas [01].

No que toca à alínea "a" dos referidos artigos (contrariar dispositivo da Constituição, ou contrariar tratado ou lei federal ou negar-lhes vigência), antigamente, havia certa valoração na fase de conhecimento, de modo que o STF e o STJ só conheciam dos recursos para dar-lhes provimento.
Sucede o Tribunal Pleno do STF ter modificado esse cenário:
Recurso extraordinário: letra a: possibilidade de confirmação da decisão recorrida por fundamento constitucional diverso daquele em que se alicerçou o acórdão recorrido e em cuja inaplicabilidade ao caso se baseia o recurso extraordinário: manutenção, lastreada na garantia da irredutibilidade de vencimentos, da conclusão do acórdão recorrido, não obstante fundamentado este na violação do direito adquirido. II. Recurso extraordinário: letra a: alteração da tradicional orientação jurisprudencial do STF, segundo a qual só se conhece do RE, a, se for para dar-lhe provimento: distinção necessária entre o juízo de admissibilidade do RE, a - para o qual é suficiente que o recorrente alegue adequadamente a contrariedade pelo acórdão recorrido de dispositivos da Constituição nele prequestionados - e o juízo de mérito, que envolve a verificação da compatibilidade ou não entre a decisão recorrida e a Constituição, ainda que sob prisma diverso daquele em que se hajam baseado o Tribunal a quo e o recurso extraordinário. [...] (RE 298694, Relator(a): Min. Sepúlveda Pertence, julgado em 06/08/2003, DJ 23/04/2004)
No voto, foi lembrada a crítica de Barbosa Moreira a respeito da confusão entre a admissibilidade e o provimento do RE, "a":
Em hipótese alguma é dado à Corte deixar de observar a necessária precedência do juízo de admissibilidade sobre o juízo de mérito, e menos ainda misturá-los. Sempre é de rigor, primeiro, apurar se o recurso é ou não admissível (quer dizer, cabível e revestido dos outros requisitos de admissibilidade), e por conseguinte se dele se há ou não de conhecer; no caso afirmativo, depois, já no plano do mérito, investigar se o recurso é ou não procedente (em outras palavras: se o recorrente tem ou não razão em impugnar a decisão do órgão inferior), e por conseguinte se se lhe deve dar ou negar provimento. Não obstante a técnica peculiar (e imprópria) usada pelo legislador constituinte, ao redigir a letra a do artigo 102, nº III, e os dispositivos correspondentes em Constituições anteriores (cf., supra, o comentário n 319 ao art. 541), o julgamento dos recursos nela fundados há de obedecer à mesma sistemática, sem desprezar a distinção entre as duas etapas. É inadequada a maneira por que o Supremo Tribunal Federal costuma pronunciar-se acerca desses recursos, dizendo que deles ‘não conhece’ quando entende inexistir a alegada infração. Desde que se examine a federal question suscitada pelo recorrente, isso significa que se julga o recurso de meritis, pouco importando que se acolha ou se repila a impugnação feita à decisão recorrida; em casos tais, o que se deve dizer é que se conheceu do recurso e, respectivamente, que se lhe deu ou negou provimento.
A praxe até agora adotada leva a conseqüências absurdas. Uma delas consiste em que quando se manifesta divergência entre os Ministros, os que reconhecem a ofensa à Constituição dão provimento ao extraordinário, enquanto os que a negam declaram ‘não conhecer’ do recurso; ora, tomados os votos ao pé da letra, estar-se-ia diante de deliberação sui generis, onde alguns votantes se encontram no plano da preliminar, ao passo que outros já ingressaram no do mérito... É impossível, a todas as luzes — e vem a pêlo recordar a norma do artigo 560, caput, do Código — que se invistam ambos os planos ao mesmo tempo!

CRUZ, Henrique Jorge Dantas da. Alguns apontamentos a respeito dos recursos extraordinário e especial. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3022, 10 out. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20171>

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