quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Lei 12.398, de 28 de março de 2011:estende aos avós o direito de visita aos netos

A responsabilidade avoenga, muito embora já estivesse normatizada em nosso Ordenamento Jurídico desde o CC/1916, imputava aos ascendentes somente o ônus de arcar com os alimentos dos netos, de maneira sucessiva e suplementar, sem, contudo, auferir-lhes prerrogativas.

Há muito se reivindicava a regulamentação do direito dos avós de participarem de maneira mais ativa na vida de seus netos, concedendo-lhes o direito de visitação, bem como conferindo-lhes legitimidade para fiscalizar o crescimento dos netos.

Apesar de lhes atribuir a responsabilidade com o pagamento da verba alimentar, verificava-se que raramente era ajustado a convivência e contato dos avós com os netos, resultando numa desproporcionalidade entre direitos e deveres, em que aos avós eram imputados somente obrigações, sem, contudo, garantir-lhes benefícios.

Com isso, os avós estavam sujeitos exclusivamente à disposição dos netos ou pais em estabelecer contato e visitação.

A Lei 12.398, de 28 de março de 2011, sancionada pela Presidenta Dilma Rouseef, veio para mudar esse paradigma, acrescentando o parágrafo único ao art. 1.589 do Código Civil e alterando a redação do art. 888 do CPC, estendendo aos avós o direito de visita aos netos. Verbis:
Código Civil
Art. 1.589. O pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação.
Parágrafo único. O direito de visita estende-se a qualquer dos avós, a critério do juiz, observados os interesses da criança ou do adolescente. (g.n.)
Código de Processo Civil
Art. 888. O juiz poderá ordenar ou autorizar, na pendência da ação principal ou antes de sua propositura:
VII - a guarda e a educação dos filhos, regulado o direito de visita que, no interesse da criança ou do adolescente, pode, a critério do juiz, ser extensivo a cada um dos avós; (g.n.)
Mesmo antes desta lei entrar em vigor, alguns juízes mais corajosos já se propunham a regular essa questão, conforme se denota no julgamento admiravelmente fundamentado, abaixo transcrito:
Embora o Código Civil não contemple, de modo expresso, o direito de visita entre avós e netos, esse direito resulta não apenas de princípios de direito natural, mas de imperativos do próprio sistema legal, que regula e admite essas relações, como em matéria de prestação de alimentos, de tutela legal e de sucessão legítima, além de outros preceitos. O direito dos avós de visitarem os netos e de serem por eles visitados, constitui, assim, corolário natural de um relacionamento afetivo e jurídico assente em lei. [37]
Entendimento semelhante foi o obtido no julgamento de acórdão de relatoria de Moura Bittencourt, no Tribunal de Justiça do Distrito Federal, in verbis:
O direito de visitas aos netos decorre da própria organização da família, sendo seus fundamentos a solidariedade de seus membros para a qual concorre em grande parte a convivência mais ou menos intensa e também as obrigações impostas pela lei, como as a que se referem os artigos 396 e 397 do Código Civil. Repugna ao direito não tenham os avós senão obrigações e encargos como o de prestação de alimentos aos descendentes. Não organização da família, os direitos e deveres são, em regra, recíprocos e nem poderão deixar de assim ser em virtude da solidariedade, que deve ser mantida de forma mais intensa, segundo os graus de parentesco [38]
Youssef Said Cahali, defendia esse posicionamento ainda na vigência do antigo Código Civil de 1916. Sustentava ele que:
Assim, sendo o direito de nomear tutor a última expressão do pátrio poder, como o diz Clóvis, e motivada a norma do art. 407 do CC no conhecimento, pelos avós, das necessidades de seus netos, e interesse deles, a serem resguardados, como o salienta Carvalho Santos, é a conseqüência lógica que o avô tem o direito de visitar seu neto, pois sem o exercício desse direito de visita, não lhe seria possível atender à obrigação maior de resguardar os interesses do neto. [39]
Nota-se, portanto, que antes mesmo da vigência desta nova lei, esse entendimento já era preponderante, e o direito de visita dos avós para com os netos já vinha sendo admitido por construção pretoriana e doutrinária.
Entretanto, em sentido diverso dos entendimentos esposados, o advogado e doutrinador Silvio Neves Baptista sustentava não haver direito de visitação os avós, fundamentando que:
A despeito de abalizadas opiniões de juristas consagrados, entendemos que não existe direito do avô em visitar o neto, nem Direito positivo, nem direito natural, muito menos ‘direito moral’. (...) (Por que só os avós ? A relação entre bisavós e bisnetos é também estreita e muito afetiva.) Na verdade, o neto é que tem o direito de personalidade de ser visitado, não só pelos avós, como também pelos bisavós, irmãos, tios, primos, padrinho, madrinha, enfim, por toda e qualquer pessoa que lhe tenha afeto. [40]
Sob esse prisma, o TJ-RS negou a um avô paterno o direito de visitação ao neto, sustentando que à relação avoenga não é garantido o direito de visitas, conforme ementa:
REGULAMENTAÇÃO DE VISITAS. PEDIDO DOS AVÓS BIOLÓGICOS. CRIANÇA ADOTADA. FATO NOVO SUPERVENIENTE. 1. O direito de visita é próprio do genitor não guardião em relação ao filho, admitindo-se apenas de forma excepcional fora dessa situação. 2. A relação avoenga, por si, não resguarda o direito de visitas, salvo quando se trata de neto que more com os avós ou mantenha com eles um convívio tão estreito que a ruptura abrupta e imotivada seja prejudicial ao infante. 3. A adoção atribui a condição de filho ao adotado, desligando-o de todo e qualquer vínculo com o genitor e seus parentes biológicos. Inteligência do art. 1.626 do CCB. 4. Se os netos foram adotados pelo companheiro do genitor, tendo havido o óbito da genitora, resta rompida a relação jurídica de parentesco com a família desta, não tendo os avós biológicos legitimidade para reclamarem a regulamentação de visitas, mormente quando os netos contam cinco anos e há mais de três anos não mantêm relacionamento com eles. 5. Sendo a adoção fato novo superveniente, deve o julgador tomá-lo em consideração no momento em que for prolatar sua decisão. Inteligência do art. 462 do CPC. Processo extinto sem resolução do mérito. Recurso provido, por maioria. (grifo nosso) [41]
Evidenciando a divergência existente a respeito desse tema, a Eminente Desembargadora Maria Berenice Dias acolheu o pedido dos avós, sustentando em seu voto vencido o reconhecimento do direito de visita destes aos netos, nos seguintes termos:
A solução preconizada além de carecer de fundamento jurídico, consagra perversa injustiça. Nada justifica impedir que os avós visitem os netos. Eles já perderam a filha e agora se está impedindo que visitem os netos. O falecimento da filha não pode levar também à perda do convívio com os netos. A situação revela-se por demais cruel, os netos não convivem com os avós em face da restrição do pai, e este fato não pode servir de argumento para negar a visitação [...] Não se pode olvidar que cada vez a Justiça vem prestigiando os elos de afetividade e privilegiando o melhor interesse de crianças e adolescentes. Tanto é assim que o estabelecimento do vínculo de parentalidade é feito independentemente da verdade biológica ou da verdade jurídica. É o elo da afetividade que serve de norte. Assim, onde há afeto, há direito, e por isso a Justiça passou a emprestar juridicidade ao afeto. Por isso já se encontra consagrado o direito de visitas dos avós, não se podendo dizer que haja carência da ação por inexistência desse direito já consagrado em sede jurisprudencial [42]
Não há como discordar que o impedimento de visitação dos avós aos netos seria uma situação profundamente injusta. Poderiam os avós ser obrigados a dispor de seus rendimentos para o pagamento da pensão alimentícia dos netos, mas o direito de visitá-los e acompanhar o seu desenvolvimento não?

Com o advento dessa nova lei, finalmente o nosso legislador assentou esse direito, desfazendo uma incerteza que perdurava há anos, garantindo aos avós o direito de convivência com os netos mesmo nos casos de divórcio dos pais.

Em verdade, o legislador, nada mais fez do que equilibrou a relação entre avós e netos. Ora, sendo os avós obrigados a pagarem pensão alimentícia aos netos, mesmo que de forma subsidiária e complementar, nada mais justo que tenham o direito de conviver com eles. Essa novidade legislativa só tende a trazer benefícios à educação e desenvolvimento dos menores.

A concessão do direito de visitas e fiscalização da educação dos netos, contudo, fica critério do juiz, que deverá preservar o melhor interesse do neto, como não poderia deixar de ser. Deverá o julgador ter elementos que indiquem a utilidade da medida. É difícil se vislumbrar, entretanto, o prejuízo que teria ao se permitir o direito de visita aos avós.

Assim, a relação entre avós e netos deve ser encarada reciprocamente, onde ao mesmo passo que os progenitores têm a obrigação de alimentar, ainda que subsidiária e complementar, também possuem o direito de coexistir harmoniosamente com os netos, o que pode ser estabelecido através da visitação periódica. 

 SCHEER, Genaro Costi. A relativização da responsabilidade alimentar avoenga. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3030, 18 out. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20244>.

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