sexta-feira, 28 de outubro de 2011

O devido processo legal e a razoabilidade temporal como garantias fundamentais

No tópico pertinente mencionou-se que, para alguns estudiosos, a boa-fé objetiva processual teria raiz e espeque na garantia fundamental do devido processo legal. Longe de adentrar essa discussão, é de reconhecer-se que a concepção contemporânea da cláusula imbrica-se com o próprio cerne da boa-fé na relação processual.

A cláusula tem nascedouro na Magna Charta de João Sem-Terra, no ano de 1215, ao se referir à Law of the land (art. 39). A expressão, contudo, due process of law surgiu tão-só na lei inglesa de 1354, denominada Statute of Westminster of the Liberties of London [39].

No século XVIII começou a vicejar nas Constituições das colônias da "Nova Inglaterra" e em algumas "Declarações de Direitos", sendo finalmente consagrada na Constituição Federal americana de 1787.

E nosso arcabouço constitucional a garantia limitadora de abusos e desproporcionalidade alberga-se no inciso LIV do art. 5º da Constituição Federal, atraindo-se para a sua deliberada elasticidade todas as garantias processuais – sem mencionar as substantivas – possíveis, encerrando (mas permanentemente aberto) e acabando o rol de remédios, garantias e direitos fundamentais [40].

Em análise mais detida percebe-se que o devido processo legal tem como escopo, dentre outros, conectar-se à garantia de acesso à justiça, legitimador do Estado Constitucional de Direito. Por isso que Nelson Nery Júnior (2009, p. 87) pontifica que "O direito à tutela jurisdicional adequada, garantido pela CF 5º, XXXV, pressupõe a existência e o desenvolvimento de um processo devido (fair procedure, faires Verfahren, giusto processo).

Nesse contexto, o devido processo legal, principalmente no direito norte-americano, ganha releitura ou faceta moderna para surgir como procedural fairness, muito mais ligado à realidade do que aos aspectos formais do procedimento. Tenciona não bitolar e manter no fluxo processual em lindes meramente formais, mas, antes de tudo, direcionar o processo para os escopos fixados, dentro das garantias fundamentais e como própria garantia fundamental.

Por esse prisma, que se afirma ser a boa-fé objetiva obrigação decorrente do devido processo legal (faires Verfahren, debido proceso, processo equitativo, proceso justo, proceso limpio, proceso équo e processo giusto) [41], como garantia que as partes possuem de obterem os resultados garantidos pelo direito material.

Então, por essa óptica atual, a garantia do processo legal é dos jurisdicionados e também contra eles e o próprio Estado-juiz, a quem cabe efetivá-lo e garantido dentro da relação pública que se trava no processo, valendo de toda a proficuidade da boa-fé objetiva para alcançar os fins e a utilidade instrumental do processo.

Plasme-se a observação de Brunela Vincenzi (2003, p. 47-48), verbatim:
(...) a garantia do devido processo legal, nos sistemas de civil law, tem por objetivo delinear uma norma genérica reguladora das garantias internas do processo – as que definem a forma do procedimento e o exercício das posições subjetivas das partes e do juiz na relação jurídica processual – e a principal garantia externa do processo, qual seja, a efetividade das decisões judiciais. Assegura-se, assim, de forma genérica, que deverá ser concretizada caso a caso, observando-se o limite das garantias mínimas, uma garantia processual de meio e de resultado, concedendo às partes os meios e os remédios adequados para o exercício do processo e da jurisdição, de modo a possibilitar a realização do direito de forma efetiva, ou seja, garantindo o processo civil de resultados.
A garantia do devido processo legal, portanto, abre espaço na sociedade contemporânea para o processo civil de resultados, pois, garantindo os meios adequados – garantias mínimas -, pugna pela realização eficaz e tempestiva da tutela jurisdicional.

Consigna, pois, a estudiosa que o devido processo legal deve ser compreendido também como elemento garantidor da própria instrumentalidade do processo civil, concedendo-se as garantias, deveres e proibições mínimas para a realização eficaz e tempestiva da tutela jurisdicional.

Dessa forma, atos que vulnerem a boa-fé objetiva edificando procrastinações, desvirtuamento de formas, abuso de situações processuais e tudo quanto mais desloque o processo de seu eixo instrumental deve ser visto como mortificação do due process of law, ataque direto a uma garantia fundamental.

É Fred Didier Jr. (2009a) quem relembra que o Supremo Tribunal Federal segue o entendimento de que o devido processo lega determina um processo de lealdade e orientado pela boa-fé. Em artigo sobre o tema (2009a) ele cita o trecho da fundamentação de certo aresto daquela Corte Constitucional, cujo teor autoriza a citação:
O princípio do devido processo legal, que lastreia todo o leque de garantias constitucionais voltadas para a efetividade dos processos jurisdicionais e administrativos, assegura que todo julgamento seja realizado com a observância das regras procedimentais previamente estabelecidas, e, além, representa uma exigência de fair trail, no sentido de garantir a participação equânime, justa, leal, enfim, sempre imbuída pela boa-fé e pela ética dos sujeitos processuais. (...) A máxima do fair trail é uma das faces do princípio do devido processo legal positivado na Constituição de 1988, a qual assegura um modelo garantista de jurisdição, voltado para a proteção efetiva dos direitos individuais e coletivos, e que depende, para seu pleno funcionamento, da boa-fé e a lealdade dos sujeitos que dele participam, condição indispensável para a correção e legitimidade do conjunto de atos, relações e processos jurisdicionais e administrativos.(...) Nesse sentido, tal princípio possui um âmbito de proteção alargado, que exige o fair trial não apenas dentre aquele que fazem parte da relação processual, ou que atuam diretamente no processo, mas de todo o aparato jurisdicional, o que abrange todos os sujeitos, instituição e órgão, públicos e privados, que exercem, direta ou indiretamente, funções qualificadas constitucionalmente como essenciais à Justiça.
E, no fim da citação, após apresentar outras fundamentações para a boa-fé objetiva, que já foram vertidas no item pertinente desse estudo, arremata o doutrinador:
Todas essas opções são dogmaticamente corretas. Adota-se a do STF, principalmente em razão de um aspecto prático: a caracterização do devido processo legal como uma cláusula geral é pacífica, muito bem construída doutrinariamente e aceita pela jurisprudência. É com base nesta garantia que, no Direito estadunidense, se construiu o dever de boa-fé processual como conteúdo da garantia do fair trial. É mais fácil, portanto, a argumentação da existência de um dever geral de boa-fé processual como conteúdo do devido processo legal. Afinal, convenhamos, o processo para ser devido (giusto, como dizem os italianos, equitativo, como dizem os portugueses) precisa ser ético e leal. Não se poderia aceitar como justo um processo pautado em comportamento desleais ou antiéticos (2009a)
Dessa forma, infere-se que a boa-fé objetiva no processo é realidade jurídica existente, clamando por reconhecimento e auto-aplicabilidade, uma vez que ligada a direito fundamental plasmado na Constituição, cuja extensão e conteúdo, por essência, devem ser traçados pelo magistrado no caso concreto, sempre em ponderação com demais garantias, com a lógica do sistema processual e sua evidente instrumentalidade.

Além disso, é possível reforçar a tese de que a boa-fé objetiva é instituto de intermediação e enlace entre os valores constitucionais e a legislação infraconstitucional, demonstrando a sua instrumentalidade com a garantia de duração razoável dos procedimentos judiciais [42] e administrativos.

Primeiramente, destaca-se que o art. 5º, LXXVIII [43] garante a todos, no âmbito judicial e administrativo, a razoável duração dos processos e os meios que necessários para tanto. Importa dizer, além da auto-aplicabilidade expressa das normas de direitos fundamentais, que todo meio jurídico é viável para impor garantir a prestação jurisdicional.

Nesse norte, CAPERNA (2005) assevera que "a concepção de ética no processo encontra suporte no delineamento de duração do mesmo de acordo com o uso racional do tempo processual, aliás, perspectiva essa bem desenvolvida pela doutrina italiana e tipificada no art.111 da Constituição peninsular.

Isso importa dizer que os meios para atingir a celeridade são também direitos fundamentais, dessumindo-se que a boa-fé objetiva, como meio para tanto, é também garantia constitucional por extensão normativa.

NASCIMENTO, José Moacyr Doretto. A boa-fé objetiva e o processo civil . Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3039, 27 out. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20311>.

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