sexta-feira, 28 de outubro de 2011

O projeto do novo CPC e a supressão dos embargos infringentes

A intimação do executado, após o trânsito em julgado da sentença, para que dê cumprimento à mesma, é ato totalmente dispensável, uma vez que as partes já estão cientes do provimento judicial através dos meios ordinários de comunicação processual.

1. Introdução

Em dezembro de 2010, foi aprovado no Senado Federal o Projeto de Lei nº 166, que trata sobre o Novo CPC, resultante de um anteprojeto elaborado por uma comissão de juristas, após vários debates envolvendo os mais diversos segmentos da área jurídica (advogados, membros do Ministério Público, magistrados, etc.).

Entre as inúmeras inovações sugeridas nesse projeto, que atualmente encontra-se na Câmara dos Deputados sob o nº 8046/2010, está a supressão do recurso denominado embargos infringentes, acolhendo, conforme consignado na exposição de motivos do anteprojeto, entendimento de amplo setor da doutrina pátria, que há muito vinha defendendo a abolição desta modalidade recursal.


2. A (Des)necessidade dos Embargos Infringentes

A exposição de motivos do anteprojeto do novo CPC explica que:
Uma das grandes alterações havidas no sistema recursal foi a supressão dos embargos infringentes. Há muito, doutrina da melhor qualidade vem propugnando pela necessidade de que sejam extintos. Em contrapartida a essa extinção, o relator terá o dever de declarar o voto vencido, sendo este considerado como parte integrante do acórdão, inclusive para fins de prequestionamento.
Com efeito, Câmara (2008, p. 101) diz expressamente:
[...] defendemos a abolição total dos embargos infringentes, não nos parecendo adequado que o mero fato de ter havido voto divergente em um julgamento colegiado deva ser capaz de permitir a interposição de recurso contra a decisão proferida.
Essa constatação, aliás, estava prevista, originariamente, na própria exposição de motivos do CPC vigente (de 1973), em trecho curiosamente suprimido após o processo legislativo do anteprojeto elaborado por Alfredo Buzaid. Constava do item 35 da exposição de motivos o seguinte esclarecimento (apud Santos): A existência de um voto vencido não basta por si só para justificar a criação do recurso; por que pela mesma razão se deve admitir um segundo recurso de embargos sempre que no novo julgamento subsistir um voto vencido; por esse modo poderia arrastar-se a verificação do acerto da sentença por largo tempo, vindo o ideal de justiça a ser sacrificado pelo desejo de aperfeiçoar a decisão.

Contudo, por alguma razão que ora desconhecemos, o supracitado item 35 da exposição de motivos do CPC de 1973 não consta na publicação oficial e os embargos infringentes permaneceram no ordenamento jurídico brasileiro, nos mesmos moldes em que era previsto no CPC anterior (de 1939), passando por uma restrição das suas hipóteses de cabimento posteriormente, com o advento da lei nº 10.352, de 26 de dezembro de 2001, que limitou os embargos infringentes à impugnação dos acórdãos não unânimes que, em sede de apelação, reformassem sentenças que resolveram o mérito (sentenças definitivas), ou que julgassem procedentes ações rescisórias.

Aqui vale destacar que o Brasil é o único país cuja lei prevê recurso contra decisão não unânime de tribunal. Com efeito, não há institutos similares aos embargos infringentes no Direito comparado, uma vez que mesmo Portugal, onde o recurso teve origem, há muito já o aboliu.

Destarte, reputamos bastante salutar a supressão dos embargos infringentes do projeto do Novo CPC, pois o mesmo está dissonante com o atual estágio do desenvolvimento científico do Direito Processual (fase instrumentalista), que se esforça para aproximar o processo do ideal de Justiça preconizado pela sociedade, o que envolve, entre outras questões, a celeridade com que os conflitos são resolvidos.

Basta pensar que os embargos infringentes são recursos cabíveis contra decisões não unânimes, ou seja, basta, em tese, a existência de um só voto vencido para autorizar a interposição dos infringentes, o que contraria a lógica do razoável e se mostra com um caráter nitidamente procrastinatório, mesmo porque, face a omissão legal sobre os efeitos desse recurso, entende-se que os mesmos são dotados de efeito suspensivo, uma vez que a suspensividade é a regra na sistemática recursal do CPC vigente.

Nem se diga, outrossim, que a supressão do referido recurso atenta contra o princípio do duplo grau de jurisdição, pois o mesmo só é cabível contra acórdãos, decisões de tribunais como se sabe, de modo que, neste estágio da marcha processual, o duplo grau já fora respeitado, uma vez que a lide já fora examinada por um magistrado de 1º grau e por um órgão colegiado.

Por outro lado, é interessante observar que o projeto do Novo CPC suprime o recurso, mas faz uma ressalva para assegurar a relevância do voto vencido: diz o art. 896, §3º, do projeto aprovado no Senado que
Art. 896. Proferidos os votos, o presidente anunciará o resultado do julgamento, designando para redigir o acórdão o relator ou, se vencido este, o autor do primeiro voto vencedor.
[...]
§ 3º. O voto vencido será necessariamente declarado e considerado parte integrante do acórdão para todos os fins legais, inclusive de prequestionamento.
Portanto, veja-se que o projeto permite que, em sede de Recurso Especial para o STJ ou de Recurso Extraordinário para o STF (recursos que possuem como um de seus requisitos de admissibilidade o prequestionamento), o voto vencido nas instâncias ordinárias poderá ser conhecido e até mesmo prevalecer. O que o projeto faz é excluir um recurso desnecessário, tanto que não possui similar em qualquer outro país, mas sem desconsiderar a importância do voto vencido, cuja existência indica a presença de uma controvérsia sobre o direito aplicável à demanda.

Vale destacar que essa posição dos autores do projeto do Novo CPC, contraria o entendimento majoritário do Superior Tribunal de Justiça, expresso na súmula nº 320, que possui o seguinte enunciado: "A questão federal somente ventilada no voto vencido não atende ao requisito do prequestionamento".

3. Considerações Finais

Tendo em vista as características da fase instrumentalista, atual estágio científico do Direito Processual Civil, notadamente a busca pela efetividade do processo inclusive pelo viés da celeridade de sua tramitação (justiça tardia não é justiça efetiva), pode-se entender que os embargos infringentes, recuso cabível quando há um julgamento não unânime em um tribunal, consistem em instituto desnecessário – e até mesmo indesejado – na ordem jurídica nacional, tanto que a doutrina há muito vem defendendo a sua extinção e que não há institutos similares no Direito comparado.

Por isso, reputamos bastante salutar a intenção do projeto do Novo CPC, que pretende simplificar o processo civil brasileiro e harmonizá-lo com as necessidades dos tempos hodiernos, de abolir tal recurso do nosso ordenamento jurídico, embora esta seja uma medida que contraria a jurisprudência pacificada do Superior Tribunal de Justiça.

Sempre lembrando que ao suprimir tal recurso o projeto cria uma medida a nosso ver suficiente para assegurar a importância do voto vencido, reconhecendo a controvérsia e possibilitando que, nos tribunais superiores, a decisão superada nas instâncias ordinárias possa prevalecer.

Isso nada mais é do que uma tentativa de se criar um CPC que estabeleça um equilíbrio entre a ampla defesa/contraditório e a razoável duração dos processos, todos estes direitos constitucionais expressos e igualmente relevantes, pois se não é efetiva uma justiça tardia, também não o é uma justiça que cria empecilhos a uma ampla discussão das controvérsias que permeiam a análise do direito das partes envolvidas.

LIRA, João Ricardo Imperes. O projeto do novo Código de Processo Civil e a supressão dos embargos infringentes. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3039, 27 out. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20298>.

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