terça-feira, 25 de outubro de 2011

Propriedade Fiduciária

Tal modalidade de propriedade resolúvel é constituída a partir de negócio jurídico de disposição condicional e vem definida no artigo 1.361, caput, CC. Ocorre a alienação fiduciária, quando o credor fiduciário adquire a propriedade resolúvel e a posse indireta de certo bem móvel ou imóvel (excepcionalmente), em garantia de financiamento efetuado pelo devedor alienante, que se mantém na posse direta da coisa. Essa situação persiste até que haja o adimplemento da dívida contraída pelo devedor, fato que resolve o direito do credor fiduciário, e torna o devedor pleno proprietário da coisa.

A partir do exposto, nota-se que o negócio jurídico que dá origem à propriedade fiduciária envolve duas figuras: o credor (fiduciário), que é o adquirente, e o devedor (fiduciante), que é o alienante. Baseia-se o mesmo na fidúcia (confiança), pois o devedor, ao alienar fiduciariamente o bem ao credor, confia que este último irá, após o cumprimento da obrigação, devolver o bem alienado.

Entretanto, embora tenha sido a confiança a base de tal negócio em sua origem romana, o Código Civil brasileiro não se baseia na fidúcia para determinar o retorno da propriedade ao devedor, mas sim, na própria cláusula inserida no negócio jurídico originário, que impõe que o credor passe o domínio do bem ao devedor com o pagamento da dívida por parte desse último. Apesar de que, a confiança é a base de qualquer relação obrigacional, uma vez que qualquer negócio jurídico é constituído a partir da lealdade e cooperação dos contraentes, consubstanciadas pelo princípio da boa-fé objetiva (art. 422, do CC) .

A propriedade fiduciária tem como conseqüência o desdobramento da posse; assim, o credor fica sendo o possuidor indireto e o devedor, o possuidor direto (art. 1.197). O primeiro detém o domínio da coisa como garantia do adimplemento pelo outro, que se mantém na posse direta do bem.

Assim, pode o devedor fruir livremente da coisa, mas assumindo os riscos, responsabilizando-se por eventual perda, destruição ou deterioração do objeto, já que responde como depositário fiel da mesma. Deve, contudo, entregá-la ao credor, em caso de inadimplemento. Este último tem a propriedade da coisa, porém é uma propriedade limitada, pois duas de suas mais importantes faculdades dominiais ficam com o devedor, quais sejam o uso e a fruição.

Cumpre ressaltar que o credor pode exigir outras garantias do devedor, como a fiança e o aval. Além disso, se o débito for saldado por terceiro, há sub-rogação deste tanto no direito de ver satisfeito seu crédito, como na propriedade fiduciária (art. 1.368, CC).

Um marcante fenômeno presente no âmbito da propriedade fiduciária é o constituto possessório. Ele atua como modo simultâneo de aquisição e de perda da posse e, é percebido por meio da inserção da cláusula constituti no contrato. Assim, proporciona uma inversão no título da posse do objeto, de forma que o fiduciante que o detinha como proprietário (em nome próprio), o mantém, mas, como depositário (em nome alheio). Em oposição a isso, o fiduciário adquire a posse indireta por simples ficção, ou seja, não é necessário a prática de qualquer outro ato de entrega da coisa no momento da alienação, subentendo-se a tradição.

Essa propriedade nada mais é do que um instituto de direito real de garantia, pois é a mesma vinculada ao cumprimento de uma obrigação de direito pessoal, de modo que para que haja a constituição válida e eficaz da propriedade fiduciária, exige-se registro do instrumento púbico ou particular do contrato junto ao cartório de títulos e documentos localizado no domicílio do devedor. Caso o bem envolvido seja automóvel, necessário será o registro e a anotação no documento de propriedade do veículo a cargo do órgão de trânsito responsável (DETRAN). Tais requisitos são enumerados pelo artigo 1.361, § 1º, do CC.

Podem ser objeto de alienação fiduciária: bens móveis infungíveis (regulados pelo CC/2002) e bens imóveis (regulados pela Lei 9.514/1997, aplicando-se subsidiariamente o CC, naquilo que não for incompatível com a lei especial).

O credor, como possuidor indireto, não deve turbar a posse do devedor fiduciário, que tem o direito de defender-se por meio de interditos. Entretanto, tais defesas não são cabíveis quando há o inadimplemento e, o credor propõe as medidas judiciais pertinentes. Nessa situação, o fiduciário deve efetuar a venda do bem, que pode ser judicial ou extrajudicial.

Muitas vezes, a venda da coisa, em decorrência de seu desgaste pelo uso e obsolescência, não é suficiente para cobrir o valor devido. Assim, o devedor continua obrigado pelo restante. Se ocorrer o inverso: após a venda houver saldo positivo, este irá para o bolso do devedor.

Cumpre lembrar os procedimentos judiciais que estão à disposição do credor em caso de inadimplência: a alienação da coisa, como exposto, para haver o preço do débito em aberto, se esta lhe for efetivamente entregue pelo devedor (§ 4º do art. 66 e art. 2º do Decreto-lei nº 911/ 69); ação de busca e apreensão, com medida initio litis (art. 3º do Decreto-lei nº 911/ 69); ação de depósito, se o bem não tiver sido encontrado na busca e apreensão que em pedido de depósito pode ser convertida (art. 4º); ou propositura de uma ação autônoma de ação executória (art.5º) pela qual pode optar o credor. A execução é também o meio para cobrança de saldo em aberto quando o preço de venda não for suficiente para saldar a dívida (§ 5º do art. 66, Decreto-lei 911/ 69).

A mora decorre do vencimento do prazo para o pagamento, mora ex re e pode ser comprovada por carta registrada expedida pelo cartório de títulos e documentos ou pelo protesto do título, a critério do credor ( a lei exige a prova documental). Comprovando a mora ou o inadimplemento, ao ingressar com ação de busca e apreensão contra o devedor ou terceiro, terá o fiduciário a liminar concedida de plano.

A citação ocorrerá após a efetivação da apreensão do bem (art 3º), podendo o réu, no prazo de 3 dias, contestar ou purgar a mora, se já tiver pago pelo menos 40% do preço financiado (há entendimento no sentido de que não seria necessário que ele tivesse pago os 40%, bastaria que ele pagasse o restante, seja quanto for). As alegações da contestação são limitadas, podendo o réu alegar somente o pagamento do débito ou o cumprimento das obrigações contratuais.

Diferentemente da ação decorrente da venda com reserva de domínio, essa busca e apreensão não demanda avaliação do bem. Não ocorrendo a purgação da mora, e sendo a contestação insubsistente, a procedência do pedido consolidará a propriedade e posse plena e exclusiva nas mãos do credor fiduciário. A apelação dessa sentença terá apenas efeito devolutivo e não impedirá a venda do bem alienado.

Se o réu quiser alegar alguma outra matéria, terá que fazê-lo em ação autônoma, sem a possibilidade de impedir o prosseguimento da busca e apreensão.

Não sendo o bem encontrado ou se se achar na posse do devedor, o credor poderá requerer a conversão da ação de busca e apreensão em ação de depósito, que será processada nos mesmos autos, consoante o art. 901 e seguintes do CPC. Nesse sentido, o réu será citado para, dentro de 5 dias, entregar a coisa ou pagar o equivalente, sob pena de prisão de até 1 ano. Com sentença de procedência do pedido de depósito, o juiz expedirá mandado para a entrega em 24 horas da coisa ou do equivalente em dinheiro (art. 904, CPC). Se o bem não for entregue, o juiz decretará a prisão, assunto polêmico, na medida em que há entendimento jurisprudencial de que há obstáculos legais a essa prisão.

O Superior Tribunal de Justiça não vem aceitando tal prisão, após o início da vigência da Constituição de 1988, sob o fundamento de que se trata de depósito atípico. O Supremo Tribunal Federal, em oposição, assentou que, "na alienação fiduciária, é admitida a prisão civil do devedor que se negar a restituir o bem objeto do contrato", conferindo a constitucionalidade da Convenção de São José da Costa Rica, que prevê como lícitas as prisões anteriormente estabelecidas nas cartas políticas dos países signatários e das suas leis promulgadas conforme as suas constituições (art.7º, § 2º, do Tratado).

Cumpre salientar que a defesa da constitucionalidade dessa prisão é baseada no argumento de que ela é conseqüência do descumprimento da ordem de depósito, sendo, portanto, decorrente da quebra da confiança conferida ao depositário, e não, uma sanção em decorrência do inadimplemento.

As jurisprudências abaixo ilustram a questão:
" PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL DEPOSITÁRIO INFIEL. PRISÃO CIVIL. INAPLICAÇÃO DO PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA.
1. O Supremo Tribunal Federal vem reconhecendo que "a prisão de quem foi declarado, por decisão judicial, como depositário infiel é constitucional, seja quanto ao depósito regulamentado no Código Civil como no caso de alienação protegida pela cláusula fiduciária" (HC 73.044/SP, Rel. Min. Maurício Correia,DJU 20.09.96).
2. Constitui dever do depositário prover a guarda e a conservação do bem. A prisão civil, entretanto, somente se justifica quando há recusa do depositário de restituir o bem que está sob sua custódia.
3. Inaplicação da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) mesmo após a edição da Emenda Constitucional nº 45/04, ante a falta de aprovação pelo quorum qualificado de três quintos, o que impede, nos exatos termos da norma do art. 5º, § 3º, da CF, que se o tenha por recepcionado pelo direito interno com status de emenda constitucional.
4. Recurso especial provido."
(Resp 967649/RS, processo nº 2007/0161039-8, Ministro Relator Castro Meira, 2ª Turma, data do julgamento: 18/10/2007, DJ 05.11.2007 p. 259)
"EMENTA: Prisão civil. Depositário infiel. É atribuído ao devedor, na alienação fiduciária, a qualidade de depositário, com todas as responsabilidades e encargos que lhe incumbem de acordo com a lei civil e penal. E ao depositário infiel cabe aplicar-se a prisão civil de que trata a invocada disposição constitucional. Precedentes do STF. Regimental não provido."
(AI-AgR 374231/PR-PARANÁ, Relator Ministro Nelson Jobim, 2ª Turma, data do julgamento: 06/08/2002, DJ 11-10-2002, PP-00037)_______________________________________________________________________________
BARBOSA, Aline Soares. Direito de superfície X propriedade fiduciária dentro da dinâmica do Estatuto da Cidade. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3036, 24 out. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20194>.

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