domingo, 13 de novembro de 2011

O §3º do artigo 515 do CPC e o pedido expresso do recorrente: posicionamento a favor

1- Introdução

A introdução do §3° no artigo 515 do Código de Processo Civil tem suscitado muitas dúvidas sobre a sua correta utilização. Dentre elas, temos a questão da faculdade ou não do Tribunal julgar a lide quando não há pedido expresso do apelante com relação ao julgamento do mérito da causa. Este estudo pretende analisar esse ponto: quando o legislador usou o vocábulo "poder" no aludido diploma quis se dar uma discricionariedade ao julgador, a depender do pedido da parte, ou de um dever que obriga o magistrado a fazê-lo de ofício.

Procura-se, aqui, examinar o que é que deve prevalecer: o princípio dispositivo, que prescreve que somente o demandado deve ser objeto de apreciação do juiz, ou, dentre outros, o princípio da economia processual, determinando uma redução no vaivém do processo entre as instâncias, julgando a lide de maneira mais rápida e eficiente.

2- Controvérsia com relação à causa madura

Reza o §3° do artigo 515 do CPC: "Nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 267), o tribunal pode julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento". Como se vê, permite-se que o tribunal faça um julgamento da causa. Contudo, esse "pode" previsto no dispositivo diria respeito a uma obrigatoriedade, o juízo ad quem estaria obrigado a fazê-lo, ou seria somente uma faculdade, caso a parte solicitasse. Vejamos cada uma dessas vertentes.

2.1- Posicionamento a favor da necessidade de pedido do recorrente

De acordo com esse entendimento, temos que não é somente a existência da apelação que estabelece o objeto de conhecimento do recurso. Há uma necessidade de que o tribunal esteja adstrito ao pedido do recorrente, mantendo-se fiel ao princípio dispositivo, expresso no artigo 2º do CPC. In verbis: "Nenhum juiz prestará a tutela jurisdicional senão quando a parte ou o interessado a requere, nos casos e formas legais.".

Ademais, prescreve o artigo 128 do mesmo código: "O juiz decidirá a lide nos termos em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões, não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte". Ora, se o apelante não quis nenhum posicionamento jurisdicional no tribunal ad quem com relação ao mérito da causa, não poderia o julgador, de ofício, fazê-lo.

Outro ponto que convém esclarecer diz respeito ao §1° do artigo 515 do CPC. O diploma ("Serão, porém, objeto de apreciação e julgamento pelo tribunal todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que a sentença não as tenha julgado por inteiro") prevê a possibilidade de julgamento da lide mesmo com questões que não foram objeto da sentença do juízo a quo. Contudo, aqui se apresenta o aspecto da profundidade do efeito devolutivo, e não de sua extensão. Com relação ao tema, convém evocar a lição de Humberto Teodoro Júnior:

O julgamento da apelação terá de ser no sentido de acolher ou não o pedido do recorrente. Não poderá, portanto, o acórdão, fora do pedido, decidir outras questões que não sejam pressupostos da solução a ser dada ao pedido do apelante. Nisso consiste a extensão do efeito devolutivo do recurso, terreno em que prevalece a vontade da parte. Diversa é a profundidade da devolução, cujo comando é todo regido pela lei. Ampliar o julgamento do recurso para questões não suscitadas e, por isso mesmo, não debatidas entre as partes, resulta em violação não apenas dos limites legais da jurisdição, mas sobretudo da garantia do contraditório. [01]

Ou seja, para o autor, o julgamento da lide sem requerimento da parte seria uma afronta aos direitos das partes, em especial para aquele que acabar por ser sucumbente.

Em sentido diverso, Fredie Didier Jr. e Leonardo José Carneiro da Cunha chamam a atenção para o fato de que o julgamento do mérito aqui já não mais seria uma decorrência do efeito devolutivo do recurso, porquanto já ocorreu após o seu julgamento, mas sim do efeito desobstrutivo. Contudo, não discordam que o sistema não comporta tal julgamento sem requerimento do recorrente.

Bom lembrar que outro problema pode surgir em um julgamento do mérito da causa sem pedido do apelante. Caso o apelante venha a se tornar derrotado, estaríamos diante de uma ofensa a outro princípio: o da proibição da reformatio in pejus.

De acordo com tal princípio, não se permitiria que o tribunal ad quem, no julgamento de um recurso, proferisse uma decisão mais desfavorável a quem interpôs o recurso. Contudo, se se entendesse como razoável que pudesse o tribunal enfrentar o mérito da causa sem pedido expresso do apelante, tal situação poderia ocorrer. Poder-se-ia transformar uma sentença que extingue o processo sem julgamento do mérito em uma que o julga. O que antes poderia acabar com uma coisa julgada formal pode se transformar em material, evidentemente mais prejudicial para o apelante.

Por fim, vale a pena ressaltar que a doutrina majoritária se posiciona que, se houve requisição do apelante, é obrigatório que o tribunal aprecie a matéria. Esse entendimento é bem expresso nas palavras de Fredie Didier Jr. e Leonardo José Carneiro da Cunha:

Na hipótese de o apelante requerer que o tribunal, provendo seu recurso, já aprecie o mérito, aí sim cabe ao tribunal, obrigatoriamente, proceder a análise do mérito. Nesse caso, o tribunal apenas deixará de apreciar o mérito, se a questão não for exclusivamente de direito.Vale dizer que, havendo requerimento expresso do apelante, e preenchidos os demais pressupostos legais, é obrigatório ao tribunal, aplicando o §3° do art. 515 do CPC, já conhecer do mérito da demanda, ao prover a apelação interposta contra sentença terminativa, a não ser que a matéria ainda reclame alguma providência ou prova a ser produzida no juízo singular. [02]

Portanto, essa corrente doutrinária encara que não cabe ao tribunal, sem demanda expressa do apelante, de apreciar a demanda, caso contrário estaria infringindo o princípio dispositivo. No momento em que examina o mérito, o tribunal estaria julgando extra ou ultra petita. Contudo, se ocorrer o pedido do apelante, o tribunal tem a função de julgar, somente podendo se negar a fazê-lo caso a causa não se apresente em condições de imediato julgamento, sendo, portanto, encaminhada ao juízo a quo.
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COSMO, Alan Marques. O §3º do artigo 515 do CPC e o pedido expresso do recorrente. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3054, 11 nov. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20413>

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