domingo, 13 de novembro de 2011

O §3º do artigo 515 do CPC e o pedido expresso do recorrente: considerações com relação ao tema

Em primeiro lugar, deve-se deixar claro que a interpretação mais correta da causa madura não deixa espaço para que o tribunal deixe de julgar a matéria quando há pedido do apelante para que o faça. Se inserido na petição de autor, e estando pronta para julgamento – a lide versar sobre questão exclusivamente de direito, ou sobre fato (ou direito) que não exija a produção de mais provas – tem-se uma obrigatoriedade do julgador em fazê-lo.

No que diz respeito à necessidade de requerimento da parte, com a devida vênia, deve-se dar mais razão ao posicionamento que não exige o requerimento expresso da parte.

Deve-se perceber que nenhuma norma deve ser considerada em descompasso do ordenamento do qual faz parte. Assim, vemos que a inserção do §3° do artigo 515 está em conformidade com uma série de reformas que tem o escopo de trazer maior celeridade e efetividade no processo. Requerer maior formalidade no julgamento da causa madura, enquanto todo o resto do processo se busca a entrega da prestação jurisdicional de forma célere, aparenta um formalismo desarrazoado.

Mesmo porque uma interpretação dessa forma poderia conduzir a um absurdo. Imagine a situação em que o autor não está de acordo com súmula do Superior Tribunal de Justiça, mas o juiz, erroneamente, indefere a inicial por entender que as parte não é legítima. A parte entra com apelação e o juiz admite a sua possibilidade, quando não deveria, de acordo com o artigo 518, §1° ("O juiz não recebera do recurso de apelação quando a sentença estiver de acordo com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal"). Veja-se que o juiz deveria ter julgado o mérito e não aceitado a apelação. Contudo, ao cometer o primeiro erro – julgar que a parte não era legítima – acabou cometendo o segundo.

Não seria mais prático se o Tribunal, ao julgar a apelação do erro da legitimidade não decidisse logo o mérito da questão? Evitar-se-ia, dessa maneira, várias idas e vindas processuais. Como a questão se trata somente de direito, estaria o tribunal realizando somente o mesmo juízo que o juiz a quo, encurtando o lapso temporal. Mesmo porque poderia ter de analisar a matéria novamente, caso seja interposta outra apelação. Teríamos um encurtamento no julgamento da lide eliminando o primeiro grau de julgamento. Não se pode confundir duplo grau de jurisdição com passeio processual.

Além disso, não parece que o princípio dispositivo esteja sendo violado. Quando a parte, dispondo do seu princípio dispositivo, chama a tutela do Estado para julgar a sua apelação, sabe que tal recurso trará para o tribunal o conhecimento da matéria impugnada, mas também o previsto no artigo 515, §1° (Serão, porém, objeto de apreciação e julgamento pelo tribunal todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que a sentença não as tenha julgado por inteiro).

Dessa forma, a ilação de que não poderia o tribunal julgar o que não foi pedido não encontra acolhimento legal. O próprio ordenamento já prevê essa possibilidade. Ou seja, o acesso ao judiciário está mantido, mas, para isso, devem-se observar suas regras.

Convém salientar, por fim, que não se pode encarar a tutela jurisdicional como um direito previsto no ordenamento, totalmente desapegado ao direito material. O processo não deve ser encarado como um fim em si mesmo, mas sim como uma maneira de satisfação de um fim, sendo-lhe vedado transpor limites para tal.

Como na situação hipotética antes exposta, pode o juiz extinguir o processo sem o julgamento do mérito (artigo 267 do CPC) em matérias cujo entendimento já está consolidado nos tribunais, o que poderia sugerir que o tribunal deveria anular a sentença, devolvendo os autos para o juízo a quo.

Com frequência, observa-se que a lide já se encontra devidamente instruída, pronta para julgamento, e que pode, em uma interpretação do artigo 330 do CPC, ensejar um julgamento antecipado da lide. Por apego às formas, o julgador acaba olvidando que a o mérito da causa, a tutela do direito material, é a razão do processo.

O julgamento da lide pelo tribunal, mesmo sem pedido expresso do recorrente, é de interesse público. A sua utilização é um imperativo para se alcançar uma ordem jurídica justa, eficiente e sem morosidade. Deixar de aplicá-lo é ir de encontro ao desígnio social e do legislador. Não existe razoabilidade em tal procedimento. Melhor seria se o apelante alegasse porque não deveria ter sua causa julgada. Dessa forma, estando a causa em condições suficientes para julgamento, mesmo sem pedido expresso do recorrente, deve o tribunal julgar a lide.
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COSMO, Alan Marques. O §3º do artigo 515 do CPC e o pedido expresso do recorrente. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3054, 11 nov. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20413>

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