segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Advogadas divergem sobre consequências das mudanças na lei

Para ex-desembargadora, dispositivo do Código Civil vai acirrar disputas no término das relações entre casais.

Colega discorda e afirma que Justiça deve, sim, estabelecer quem é o culpado por uma separação.

A nova lei segundo a qual o abandono de lar por dois anos tira o direito sobre a propriedade da casa reacendeu o debate a respeito da seguinte questão: a Justiça deve ou não punir o culpado pela separação de um casal?

A ex-desembargadora e hoje advogada Maria Berenice Dias diz que a "boa intenção" do legislador que fez as mudanças no Código Civil acabou em "desastre". Segundo ela, a nova regra só vai acirrar as disputas no término das relações. "Estamos trazendo uma coisa que já foi superada -ter de provar a culpa na separação. Tem muita mulher que sai de casa de tanto que apanhou. E tem homem que deixava a mulher no imóvel que agora vai pensar duas vezes em sair", afirma.

Outros especialistas discordam."Essa norma foi importante para mostrar que os deveres do casamento existem e que seu descumprimento pode gerar consequências punitivas", diz a advogada Regina Beatriz Tavares da Silva, segundo quem a culpa de uma das partes pelo fim da união deve, sim, ser alvo da Justiça.

Com essa nova modalidade de usucapião, advogados recomendam tomar precauções na hora das separações.

"Casais terão que preferencialmente fazer um acordo por escrito antes da separação para que o juiz não interprete que houve abandono", diz o defensor público de São Paulo Luiz Rascovski. Para ele, a forma mais simples é comunicar por carta registrada a intenção de dividir o imóvel no futuro. Mas Tavares alerta que, para evitar configuração de abandono de lar, o mais indicado é formalizar rápido a separação na Justiça.

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1507201102.htm

Cessação da Incapacidade civil

A incapacidade cessa quando desaparecem as causas que a determinaram. No entanto, existe a cessação da incapacidade do menor antes da idade legal, caso em que se diz ocorrer sua emancipação. Isto porque, não obstante a fixação da idade de 18 anos como a que se presume tenha o indivíduo alcançado um desenvolvimento intelectual, negocial e econômico, é certo que alguns menores se enquadrarão nesta situação antes da maioridade.
A emancipação pode decorrer de ato de vontade ou de certos eventos. A emancipação resultante de ato de vontade decorre de concessão dos pais (o menor deve ter 16 anos completos; o instrumento público é indispensável; independe de homologação judicial; é irrevogável; somente produz efeitos após o registro) ou de sentença do juiz, ouvido o tutor (esta hipótese é aplicável se se tratar de menor sob tutela; o menor deve ter 16 anos completos; é irrevogável; somente produz efeitos após o registro).
A jurisprudência tem entendido que “a emancipação por outorga dos pais não exclui, por si só, a responsabilidade decorrente de atos ilícitos do filho” (STJ, 3ª Turma, RESP 122573/PR, Rel. Mm. Eduardo Ribeiro, decisão de 23/06/1 998, DJ de 18/12/1 998, p. 340).
No parágrafo único do artigo 5º do Novo Código Civil estão arrolados como eventos que ensejam a emancipação do menor: o casamento; o exercício de emprego público efetivo; a colação de grau em curso de ensino superior; pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com 16 (dezesseis) anos completos tenha economia própria.
No que tange ao casamento, entende-se como melhor posicionamento aquele que considera que proclamada a nulidade ou mesmo a anulabilidade o emancipado retorna à situação de incapaz, salvo se o contraiu de boa-fé. Neste caso, o casamento será putativo em relação a ele e produzirá todos os efeitos de um casamento válido, inclusive a emancipação.

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DONZELE, Patricia F. L. A incapacidade no Novo Código Civil. CEPPG revista, CatalãoGO, n. Ano VI, p. 38-46, 2004

Incapacidade Relativa - incisos II e III

Quanto ao inciso II deste artigo 4º, seu rol é inovador. Deve-se ter atenção para a inteligência das palavras utilizadas pelo legislador, que muito bem diferenciou aqueles indivíduos “que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos” (atos civis) dos que “por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido”. Fica claro que os primeiros precisam ser representados por terem condições para agir por si só. Já os últimos têm a capacidade reduzida, assim, precisarão apenas da assistência dos responsáveis por eles.
Além dos deficientes mentais, este mesmo inciso II também dispõe sobre os ébrios habituais e os viciados em tóxicos com discernimento reduzido. Neste ponto o legislador acompanhou a doutrina já existente, que em virtude da disposição do Decreto n.º 891/1938, já os entendia como relativamente incapazes.
Os incapazes previstos nos incisos II e III submetem-se à curatela, respectivamente, nos termos dos incisos III e IV do artigo 1.767 do Novo Código Civil.
Os pródigos, pessoas que desordenadamente dilapidam os seus bens ou patrimônio, fazendo gastos excessivos ou anormais, têm sua incapacidade limitada aos atos que possam comprometer seu patrimônio. O melhor entendimento é aquele segundo o qual a incapacidade do pródigo é estabelecida com o objetivo de protegê-lo, e não de proteger apenas alguns de seus familiares.
Quanto aos índios, o Código Civil de 2002 remete a disciplina da incapacidade dos mesmos à legislação especial, que atualmente é o Estatuto do Índio (Lei n.  6.001/73). Essa Lei coloca o silvícola e sua comunidade sob regime tutelar, enquanto não integrados, admitindo, em certas hipóteses, sua emancipação individual e até mesmo a emancipação de toda uma comunidade.
Da mesma forma que o Código Civil de 1916 não elencou o deficiente visual entre os incapazes, o diploma legal vigente também não o fez. Lembra, entretanto, o renomado civilista Sílvio de Salvo VENOSA (2003, 167) que “a norma jurídica não permite que intervenha nos atos jurídicos em que a visão seja essencial; não pode, portanto, servir de testemunha quando o fato não dispense o sentido da visão, fazer testamento de outra forma que não a pública, nem servir de testemunha em testamentos”.

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DONZELE, Patricia F. L. A incapacidade no Novo Código Civil. CEPPG revista, CatalãoGO, n. Ano VI, p. 38-46, 2004

Incapacidade Relativa - inciso I

Por sua vez, o artigo 4º do Novo Código Civil elenca como relativamente incapazes: I - os maiores de 16 e menores de 18 anos; II - os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido; III - os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo; e IV - os pródigos.
Significativa mudança em relação à previsão do Código Civil anterior foi a redução da maioridade civil de 21 anos para 18 anos. Assim, são relativamente incapazes os maiores de 16 e menores de 18 anos, necessitando da assistência para poder praticar os atos da vida civil, sem a qual o ato é passível de anulação.
Em alguns casos, mesmo que pratiquem ato jurídico sem assistência, não ocorrerá a declaração de anulação. Como exemplo pode-se citar o seguinte julgado: “Ato praticado por menor relativamente incapaz sem assistência de seu representante legal. Inocorrência de prejuízo ao menor. Ato válido e eficaz”. (Ap. 95.160-2, 10.9.85, 14ª CC TJSP, Rel. Des. Marcus Vinicius, in JTJ 97-199).
Também existem situações em que a lei possibilita ao maior de 16 anos praticar certos atos sem necessidade de assistência: ser testemunha de ato jurídico (artigo 228, I, NCC), aceitar mandato (artigo 666, NCC), ser eleitor (artigo 4ª do Código Eleitoral e artigo 14, §1º, I da Constituição Federal brasileira de 1988), casar mediante autorização (artigo 1.517, NCC), fazer testamento (artigo 1.860, parágrafo único, NCC) etc.
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DONZELE, Patricia F. L. A incapacidade no Novo Código Civil. CEPPG revista, CatalãoGO, n. Ano VI, p. 38-46, 2004

Incapacidade Absoluta - inciso III

Em relação ao inciso III (art. 3º CC), apesar de haver incapacidade mesmo em se tratando de causa transitória, o artigo 1.767, II só se refere à curatela daqueles que, por causa duradoura, não puderem exprimir a sua vontade. A conclusão a que se chega é a de que, em se tratando de causa transitória, inviável será a prévia interdição, uma vez que, durante o procedimento respectivo, é provável a cessação da incapacidade. Assim, em tais casos (incapacidade transitória) o efeito do dispositivo consiste basicamente em ensejar o reconhecimento da nulidade absoluta dos atos praticados pelo incapaz.
Os ausentes não mais são relacionados entre os absolutamente incapazes, impropriedade técnica existente no Código Civil anterior. Isto porque a ausência não gera qualquer tipo de incapacidade, o que pode ser constatado pelo significado da mesma, exposto no artigo 22 do Novo Código Civil. Ausente é aquela pessoa que desaparece do seu domicílio sem dela haver notícia, desde que não tenha deixado representante ou procurador a quem caiba administrar-lhe os bens.
Manteve-se a proteção ao patrimônio do ausente pela nomeação de curador por juiz a requerimento de qualquer dos interessados aludidos na lei ou do Ministério Público. Aliás, a nomeação de curador está ligada à necessidade de proteção a um patrimônio. Neste sentido, sustenta o renomado civilista Sílvio de Salvo VENOSA (2003, 168) que:

Se o ausente for titular de direitos, estes não podem ficar ao desamparo, decorrendo daí o dever de a lei tutelar seus interesses coma nomeação de curador para representá-lo. O sentido maior da lei é defender o patrimônio daquele que se ausentou, proporcionando sua transmissão aos herdeiros. 

Também não mais figura no rol dos absolutamente incapazes os surdos-mudos que não puderam exprimir a sua vontade. A situação das pessoas que têm esta deficiência dependerá da sua real condição para averiguar se serão encaixadas como: absolutamente incapazes, impossibilitados totalmente de expressar sua vontade por não terem recebido educação – hipótese do inciso II do artigo 3º do NCC; relativamente incapazes, na hipótese do inciso III do artigo 4º do NCC - “excepcionais, sem desenvolvimento mental completo” -; e plenamente capazes, quando podem expressar sua vontade por terem recebido educação adequada.



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DONZELE, Patricia F. L. A incapacidade no Novo Código Civil. CEPPG revista, CatalãoGO, n. Ano VI, p. 38-46, 2004

Incapacidade Absoluta - inciso II

Em relação ao inciso II (art. 3º CC), houve um avanço considerável, pois se retirou a expressão “loucos de todo o gênero” que aparecia no Código revogado e era motivos das mais variadas críticas na doutrina, especialmente pela abrangência do termo empregado. Tendência que surge em 1934 com o Decreto n. 24.559 de se diferenciar o “psicopata” – palavra que substituiu a expressão “loucos de todo o gênero” - em absoluta e relativamente incapaz.
Em se tratando das pessoas que por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática dos atos da vida civil, deve-se frisar que, regra geral, somente os atos praticados por tais incapazes após a decretação de sua interdição é que se tornam nulos. Como se sabe, interdição é o ato judicial que declara a incapacidade real e efetiva de pessoa maior, para a prática de alguns atos da vida civil, na regência de si mesma e de seus bens, privada de discernimento. Em sendo ato judicial, esta sentença é constitutiva, gerando efeitos ex nunc, ou seja, não retroativos.
Esta situação pode levar a injustiças se se considerar que foram praticados atos antes da sentença de interdição por estes indivíduos. Por isso, o melhor entendimento é o de que há possibilidade de se invalidar estes atos, comprovando-se que, ao tempo de sua prática, o contratante já era incapaz. Por outro lado, comprovando-se a boa-fé do contratante que realizou negócio com incapaz, ou seja, que ele não sabia da alienação nem tinha meios de sabê-lo, poderá o mesmo conseguir que não se invalide o ato.
Citadas por Nelson Godoy Bassil DOWER (2004, 97-8), duas jurisprudências ilustram o exposto:
Sem que previamente tenha sido interditado – decidiu o tribunal – ninguém pode ser considerado incapaz (in RT 447/63).

Não se pode exigir de terceiros o entendimento e a desconfiança de possível incapacidade do contratante. A interdição só produz efeitos após seu acolhimento por sentença e à lei importa mais proteger terceiro de boa-fé do que interesse de incapaz.

Os negócios praticados por amental não interditado são válidos, sendo que sua anulação só pode ser pleiteada em ação própria (in RT 618/188).

As pessoas legitimadas para propor procedimento de interdição são as enumeradas taxativamente no artigo 1768 do Código Civil: I – os pais ou tutores; II – o cônjuge ou qualquer parente; III – o Ministério Público.  Atentando-se para o fato de que a legitimação do Ministério Público está adstrita às hipóteses previstas nos incisos do artigo 1769 do mesmo diploma legal.
De acordo com o inciso III do artigo 9º do Novo Código Civil, a sentença constitutiva da interdição deve ser levada a registro público e sabe-se que isto é imprescindível para que ela tenha eficácia erga omnes. Segundo o artigo 92 da Lei de Registros Públicos, deve, ainda, haver a publicação desta sentença por três vezes na imprensa local e na oficial.
Impõe-se ressaltar, ainda, que os intervalos lúcidos não são admitidos, atualmente, como causa de cessação temporária da incapacidade. Trata-se de acertada decisão do legislador do Novo Código Civil, pois como relata Silvio RODRIGUES (2003, 44-5), o fato de o Código Civil de 1916 ter disciplinado de forma oposta esta situação “constituía uma importante fonte de demandas, pois é fácil imaginar os debates que a lei facultava; uns interessados alegando que o ato foi praticado durante um intervalo lúcido, outros, negando tal fato. E enorme, também, a dificuldade de prova”.
Agora não resta dúvida de que o fato de o incapaz se apresentar lúcido em certos momentos não obstará a decretação de sua interdição se o juiz considerar ser ela necessária para resguardá-lo. Ressalta-se, como o faz a consagrada civilista Maria Helena DINIZ (2002, 180), que:

... é preciso esclarecer que imprescindível será que se tenha um estado duradouro, que justifique, não podendo ser passageiro ou um estado fugaz de falta de percepção. A alteração das faculdades mentais determinante da interdição não consiste em manifestações passageiras, deve ser permanente, podendo não ser contínua.


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DONZELE, Patricia F. L. A incapacidade no Novo Código Civil. CEPPG revista, CatalãoGO, n. Ano VI, p. 38-46, 2004

Incapacidade Absoluta - inciso I

São elencados como absolutamente incapazes pelo artigo 3º do Código vigente: I - os menores de 16 anos; II - os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática dos atos da vida civil; e III - os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade.
Não houve alteração no que diz respeito ao inciso I, mantendo-se a idade de 16 anos como parâmetro para a incapacidade. O legislador continuou a entender que o menor de 16 anos de idade não tem discernimento necessário para praticar por si só os atos da vida civil, não tendo, portanto, capacidade de fato. Entretanto, como tem capacidade de direito - adquirida do nascimento com vida – a lei indica pessoas que agem em nome do incapaz para suprir esta incapacidade: os representantes legais.

Nesse sentido encontram-se as seguintes jurisprudências:

Tratando-se de menor absolutamente incapaz, ocorre a representação e o representante pratica por si o ato que é de interesse do representado, podendo, pois, outorgar procuração ad judicia por instrumento particular. (Ap. 4.198-1, 31.10.80, 6ª CC TJSP, Rel. Des. CESAR DE MORAES, in RT 551-72).

As pessoas absolutamente incapazes não podem constituir procurador. Assim, tratando-se de menoridade absoluta, ocorre a representação, e não a assistência, praticando o representante por si o ato que é de interesse do representado, podendo, pois, a procuração ser outorgada por instrumento particular. (Ap. 10.259, 29.6.77, lª CC TAMG, Rel. Juiz OLIVEIRA LEITE, in RT 530-204).

Não despidos de razão encontram-se os questionamentos a respeito da manutenção deste limite de 16 anos no Novo Código Civil, uma vez que é notória a grande diferença de maturidade entre os indivíduos de 1916 com os dos dias atuais. Tanto que foi reduzida de 21 para 18 anos a idade para aquisição da maioridade civil. Este questionamento é tendência não apenas no âmbito do Direito Civil como também no do Direito Penal.

Por outro lado, parece que os doutrinadores em geral não discordam que deve haver um limite etário estabelecido em lei. Nas palavras do saudoso civilista Silvio RODRIGUES (2003, 43):

O propósito do legislador brasileiro de fixar certa idade para aquisição de uma capacidade relativa já se encontra noutras legislações, e merece aplauso, porque a lei não pode ser casuísta, deferindo ao juiz prerrogativa para, examinando cada caso particular, decidir se determinado menor atingiu ou não uma relativa capacidade. A norma fixa em 16 anos a idade da maturidade relativa, e em 18 a da maioridade, baseando-se naquilo que habitualmente acontece.


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DONZELE, Patricia F. L. A incapacidade no Novo Código Civil. CEPPG revista, CatalãoGO, n. Ano VI, p. 38-46, 2004

A reforma do Código Civil

Concordamos que o Código Civil, enquanto lei geral, deva apresentar suas normas de forma suficientemente aberta, de modo a admitir a função criadora do intérprete, face às transformações sociais inevitáveis.
Nesse sentido e reconhecendo a dificuldade de reforma de um Código, mesmo quando a sociedade assim anseie, VENOSA (2003, 120) defende que:

Isto não significa que o Direito deva manter-se preso a legislações já ultrapassadas. Note que no intervalo entre a promulgação de um código e outro (os países que já passaram por essa experiência são prova disso, como a Itália e Portugal, por exemplo) existe a jurisprudência, para dar a coloração da época aos dispositivos legais interpretados. Quanto mais envelhece uma lei, maior será o desafio do intérprete. Com isso, o intérprete passa a tirar conclusões de dispositivos legais, às vezes não imaginados pelo legislador. 

Alguns anos mais se passaram até que o Projeto de Lei n.º 634/B foi finalmente levado a votação no ano de 2001, modificado em ambas as casas do Congresso e levado à sanção presidencial, para dar origem ao novo Código Civil, Lei n.º 10.406, de 10 de janeiro de 2002.
Enquanto o novo Código Civil não era promulgado, já foi comentado anteriormente neste artigo, que várias leis especiais iam surgindo derrogadoras de muitas normas do Código Civil de 1916. Atento a este fato, em ofício enviado ao presidente da Comissão Especial de Reforma do Código Civil, a 02 de maio de 2000, seu Relator Geral – Deputado Ricardo Fiúza - ressalta que:

... o trabalho de compatibilização do Projeto com a legislação superveniente à sua feitura já definitiva impõe-se sob pena de conversão do Projeto num mero capítulo do Direito Histórico, sem que alcance a indispensável atualidade, que possibilite seu ingresso no campo do Direito Positivo (FIÚZA, 2000, 4).

Entre as alterações realizadas para dar origem ao novo Código Civil, podemos citar a referente à estrutura organizacional do próprio Código. O Código Civil de 1916, idealizado na época em que a sociedade era eminentemente agrária e patriarcal, começa sua parte especial com o Livro dedicado ao direito de família, seguido do direito de propriedade, para apenas em seguida tratar das obrigações e contratos, findando com o direito das sucessões.
Com a urbanização da sociedade e o progresso da tecnologia, muda-se a maneira de pensar da sociedade, o que vai influenciar diretamente nas alterações que culminarão no Código Civil de 2002.

Advindo de uma época em que as relações de consumo vão tomando grande espaço e importância na vida das pessoas, a disciplina dos direitos obrigacionais torna-se cada vez mais relevante. Assim, podemos notar na estrutura do novo diploma civil, que imediatamente após a Parte Geral, o primeiro livro da Parte Especial é o relativo ao direito das obrigações. Em seguida está o livro dedicado à atividade negocial, denominado Direito de Empresa, que aliás é novidade deste Código, para só depois tratar dos direitos das coisas, da família e, por fim, das sucessões.
O grande mestre GOMES (1978, 11) já defendia esta mudança estrutural algum tempo atrás, manifestando-se no sentido de que:

A principal razão dessa prioridade é de ordem lógica. O estudo de vários institutos dos outros departamentos do Direito Civil depende do conhecimento de conceitos e construções teóricos do Direito das Obrigações, tanto mais quanto ele encerra, em sua parte geral, preceitos que transcendem sua órbita e se aplicam a outras seções do Direito Privado. Natural, pois, que sejam apreendidos primeiro que quaisquer outros. Mais fácil se torna, assim, a exposição metódica.

Observe-se que a Comissão encarregada de elaborar o Projeto do novo Código Civil trabalhou de forma a aproveitar o Código Civil de 1916, dando-lhe nova roupagem mais de acordo com a realidade de nova época, com as exigências de compatibilização com a evolução do Direito. REALE (1999, 5) informa que o trabalho do projeto de Código utilizou-se do critério de preservar, sempre que possível, as disposições do Código de 1916, em respeito a um patrimônio de pesquisas e de estudos de um universo de juristas. Adverte entretanto que "a estrutura do novo código é essencialmente social, ao contrário do contraste individualista do Código Civil ainda em vigor, onde o espírito da época o individual se sobrepunha aos interesses sociais".
Conclui-se que o novo Código Civil reflete a preocupação da correlação com a sociedade contemporânea, o que vem demonstrado nos valores erigidos como essenciais nos trabalhos de sua elaboração: a eticidade, refletida na opção por normas genéricas, que possibilitam a atualização dos preceitos legais; a operabilidade, que pode ser constatada, principalmente, na opção por uma linguagem precisa e atual; e a socialidade, superadora do caráter individualista.


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DONZELE, Patricia F. L. A codificação do Direito Civil brasileiro Do Código de 1916 ao Código de 2002. CEPPG revista, Catalão - GO, n. ano VI, p. 123-128, 2004.

Tentativas de reforma do Código Civil de 1916

Informa RODRIGUES (2002, 13) que em 1940 ocorre a primeira tentativa de reforma do Código Civil de 1916, quando surgiu o Anteprojeto de Código de Obrigações e que se circunscreveu à Parte Geral das Obrigações.
Apesar desta tentativa frustrada, foram surgindo várias leis especiais que derrogaram muitas normas do Código Civil e amenizavam as duras críticas à idéia de codificação do Direito, além de atenderem aos reclamos sociais.
 Não foram poucos os juristas que se opuseram à codificação, sendo as alegações mais comuns as que afirmavam ser a codificação um impedimento ao desenvolvimento ulterior que traria o apego à letra da lei. CAENEGEM (2000, 19) faz a seguinte pontuação:

Toda codificação coloca, portanto, um dilema: se o código não é modificado, perde todo o contato com a realidade, fica ultrapassado e impede o desenvolvimento social; mas, se os componentes do código são constantemente modificados para adaptar-se às novas situações, o todo perde sua unidade lógica e começa a mostrar divergências crescentes e até mesmo contradições. Os perigos são reais, pois a experiência mostra que a compilação de um novo código é uma tarefa difícil que raramente alcança êxito.

É bem verdade que a codificação traz a imobilização do Direito, mas as suas vantagens superam este fato. Concordamos com GAGLIANO e PAMPLONA FILHO (2003, 40) quando afirmam ter a codificação a grande virtude de possibilitar a unidade política da nação, além de permitir e facilitar “o estudo sistematizado do direito, que passa a se encontrar de forma cientificamente organizada, gozando o ordenamento de maior estabilidade nas relações jurídicas”.
Obviamente que sempre haverá a necessidade de constantes reformas e adaptações às leis existentes. Provavelmente foi com esse pensamento que ocorreu a segunda tentativa de reforma do Código de 1916 no começo da década de 1960, que resultou no Projeto de Código Civil e no Projeto de Código das Obrigações, ambos em 1965.
Posteriormente, no ano de 1969, reuniu-se uma Comissão nomeada pelo Ministro da Justiça para rever o Código Civil ainda vigente. Fruto deste árduo trabalho, a Comissão apresentou o Anteprojeto de Código Civil em 1973, que em 1975 transformou-se no Projeto de Lei n.º 634. Apenas em 1984, depois de anos de debate, foi publicada a redação final do projeto aprovada pela Câmara dos Deputados, com algumas alterações, dando origem ao Projeto de Lei n.º 634/B.
Por ser um trabalho lento, que exige extremo cuidado e estudo, natural que seja demorada a reforma de um Código. Tendo em vista este fato, informa REALE (1998, 28) que os trabalhos de reforma tentaram abrandar o  “excessivo rigorismo formal, no sentido de que tudo se deve resolver através de preceitos normativos expressos, sendo pouquíssimas as referências à eqüidade, à boa-fé, à justa causa e demais critérios éticos”.
Com este intuito, em certos casos preferiu-se estabelecer normas genéricas, que permitam ao juiz encontrar solução mais justa ou eqüitativa frente ao caso concreto. Assim é que “o novo código, por conseguinte, confere ao juiz não só poder para suprir lacunas, mas também para resolver onde e quando for previsto o recurso a valores éticos, ou se a regra jurídica for deficiente ou inajustável à especificidade do caso concreto” (REALE, 1998, 28).

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DONZELE, Patricia F. L. A codificação do Direito Civil brasileiro Do Código de 1916 ao Código de 2002. CEPPG revista, Catalão - GO, n. ano VI, p. 123-128, 2004.

A Codificação do Direito Civil brasileiro

Na época em que ainda era colônia de Portugal, o Brasil adotava o sistema normativo do colonizador. Com a proclamação de sua independência, nada mais natural do que o surgimento da necessidade de leis próprias para o país. É a determinação que se constata na primeira Constituição brasileira: Constituição Imperial de 25 de março de 1824, no título VIII, que tratava “Das Disposições Gerais e Garantias dos Direitos Civis e Políticos dos Cidadãos Brasileiros”, de que se organizasse um Código Civil baseado na Justiça e na eqüidade (artigo 179, n. 18). 
Após vários estudos e a consolidação das leis civis, somente no ano de 1899 é que o jurista Clóvis Beviláqua apresenta projeto que, após dezesseis anos de debate, transformou-se no Código Civil brasileiro, promulgado em 1º de janeiro de 1916, e vigente a partir de 1º de janeiro de 1917.
Na opinião de R. Limongi França, citado por DINIZ (2003, 49), o Código Civil de 1916 foi um diploma atualizado para a sua época, que era a de um direito de cunho individualista. Observe-se, entretanto, que o Código Civil só entrou em vigor a partir de 1917, ou seja, 87 anos depois, quando já não estava mais em vigor a Constituição do Império, que sofreu a influência do esforço de codificação das leis civis empreendidas pelo Código napoleônico de 1804.
Com o passar do tempo foi ocorrendo um constante intervencionismo estatal e, conseqüentemente, uma publicização do Direito privado. Como se sabe, o Direito Civil é considerado o ramo por excelência do Direito privado e, como tal, sofreu o impacto destes acontecimentos.
Este fenômeno de publicização do Direito privado é, na verdade, uma socialização universal das relações jurídicas, do Direito como um todo. Como bem esclarece o brilhante jurista REALE (1998, 23), “se não houve a vitória do socialismo, houve o triunfo da ‘socialidade’, fazendo prevalecer os valores coletivos sobre os individuais, sem perda, porém, do valor fundante da pessoa humana”.

Ressalta VENOSA (2003, 89) que, não obstante notarmos a cada dia uma influência do Estado mais absorvente, um acentuamento na restrição à liberdade individual,

Tal fato não significa que haja tendência para o desaparecimento do direito privado. A todo momento os particulares criam novas relações jurídicas. Sua autonomia de vontade ainda tem e, esperamos, sempre terá campo de atuação, pois nela reside a liberdade do indivíduo, bem supremo que em um regime político que se diz democrático deve ser resguardado a qualquer custo.

Fruto disso é que o individualismo exacerbado que se encontrava no diploma civil de 1916 não podia mais ser aceito numa época em que o enfoque social ocupa franco destaque.

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DONZELE, Patricia F. L. A codificação do Direito Civil brasileiro Do Código de 1916 ao Código de 2002. CEPPG revista, Catalão - GO, n. ano VI, p. 123-128, 2004.