quarta-feira, 28 de setembro de 2011

A morosidade processual é um fenômeno brasileiro?

É comum ouvirmos que um dos maiores problemas da Justiça brasileira é a sua morosidade. O próprio Ministro Carlos Veloso ao assumir a presidência do Supremo Tribunal Federal, reconheceu que a Justiça no Brasil é lenta . Mas será que apenas o Judiciário brasileiro padece desse mal?

Com efeito, em Portugal, por exemplo, uma simples ação de despejo leva, aproximadamente, 11 (onze) anos, para se chegar ao fim, apenas em primeiro grau de jurisdição.

Na Itália, a seu turno, as ações duram, somente na primeira instância, em média, 04 (quatro) anos. No Japão, antes da edição do novo Código de Procedimentos, ocorrida em 1998, para percorrer todas as instâncias e chegar até à Suprema Corte do Japão, não se levava menos do que uma década.

Não significa que se deva, acomodadamente, utilizar de dados estatísticos de outros países para justificar a morosidade excessiva dos nossos processos. Mas trata-se de uma realidade da qual não se pode ignorar.

O tempo serve de medida para tudo. Sua importância se dá não apenas para considerarmos o que vamos, temporalmente, gastar com uma simples refeição, perpassando por um tratamento de saúde, ou com os processos judiciais. A lógica, por conseguinte, é bastante simples, pois se o tempo é a dimensão fundamental da vida humana, e se o que se busca no processo judicial interfere diretamente na felicidade do litigante, não há como negar que a demora na solução do processo gera uma infelicidade pessoal, uma angústia, para não dizer outras coisas. Portanto, não faz sentido deixarmos de valorar o que se passa na vida das partes envolvidas em um litígio. É preciso não perder de vista que atrás de cada processo, há um drama de uma vida e não simplesmente uma capa, sem rosto!

Dessa forma, não obstante o Judiciário brasileiro, se comparado a alguns outros, não seja tão lento assim; entrementes, há muito para se fazer, no sentido de melhorar o tempo de duração processual.
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BORGES, Leonardo Dias. A garantia da razoável duração do processo do trabalho. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3009, 27 set. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20080>. Acesso em: 28 set. 2011.

O que se deve entender por tempo razoável na duração do processo?

Como dito mais acima, a Emenda Constitucional no. 45, de 2004, cujo texto foi promulgado em 08.12.2004, expressamente passou a tratar da razoável duração temporal do processo. Ocorre que malgrado tenha sido uma providência legislativa da mais alta relevância; entrementes, o legislador constituinte derivado não se ocupou em traçar o alcance do que venha a ser o prazo razoável para a duração dos processos. [05]

Portanto, fica uma pergunta: o que se deve entender por 'razoável duração do processo'? Um mês? Seis meses? Um ano? E por aí vai... Vejamos, dessa forma, o se pode entender por 'razoável duração do processo', apenas sob o enfoque de alguns doutrinadores.

Temos um tema que envolve um conceito indeterminado. Trata-se, por conseguinte, de um problema de difícil solução. Basta recordarmos que Karl Larenz, ao enfrentar a questão relativa a utilização de conceitos indeterminados, lembra que se trata de um tema que oferece vasto campo de discussão entre os doutrinadores, de difícil solução. [06]

O problema assume uma proporção ainda maior se apercebe que o tema tem seu ponto de partida na Constituição Federal. Mas não é só. Trata-se de um Direito Fundamental! Portanto, a matéria não pode deixar de ser vista através de seu viés político. Aliás, o conteúdo político de uma Constituição deve ser visto não só pelo seu sentido vernacular, mas também com a observância das peculiaridades da linguagem técnica. [07]

Agustín Gordillo esclarece que a interpretação e a aplicação dos conceitos indeterminados, em função dos argumentos desenvolvidos pelas diversas teorias, culminam por transformar-se em atividade vinculada à lei, inclusive para perquerir, em determinadas ocasiões, a vontade do legislador. As condições de fato, como o fim, são sempre postuladas pela norma (implícita ou explicitamente) esão descobertas mediante interpretação; só há exceção quando a condição de fato vem enunciada como condição prática ou de valor [08].

Mauro Cappelletti, a seu turno, lembra que o conceito de tempo razoável pode variar de um lugar para o outro, pois 'em muitos países, as partes que buscam uma solução judicial precisam esperar dois ou três anos, ou mais, por uma decisão exequível. Os feitos dessa delonga, especialmente se considerados os índices de inflação, podem ser devastadores. (...) A Convenção Européia para Proteção dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais reconhece explicitamente, no artigo 6o., parágrafo primeiro, que a Justiça que não cumpre suas funções dentro de um prazo razoável é, para muitas pessoas, uma Justiça inacessível.' [09]

Mauro Cappelletti lembra que na Itália os processos chegam a ficar apenas na primeira instância por 566 (quinhentos e sessenta e seis) dias; ao chegarem aos Tribunais de primeira instância tomam 944 (novecentos e quarenta e quatro) dias e na Corte de Apelação levam 769 (setecentos e sessenta e nove) dias. No Tribunal de Grande Instância da França, lembrando o Professor kohl, o processo chega a demorar 1,9 anos; e 2,33 anos perante o Tribunal de Primeira Instância da Bélgica. [10]

(...)
Há também uma pesquisa feita pelo Supremo Tribunal Federal, segundo a qual demonstra que um processo, em média, demora de 10 (dez) a 20 (vinte) meses, na primeira instância, de 20 (vinte) a 40 (quarenta) meses, na segunda e de 20 (vinte) a 40 (quarenta) meses nas instâncias superiores. [15] [16]
(...)
Ao fazer uma pesquisa na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, também pude observar que os julgados que tratam do tempo razoável de duração do processo, não explicitam qualquer conceito acerca da matéria. Foi o caso por exemplo do RE no. 00432-1-SP, tendo como relator o Ministro Gilmar Mendes, tendo como tema de fundo a questão relativa a repercussão geral acerca do cabimento de juros de mora, no período compreendido entre a data da conta de liquidação e da expedição da requisição de pequeno valor ou do precatório, menciona a necessidade de se decidir em observância com o tempo de razoável a matéria, sem, contudo, dizer especificamente o que seria este 'tempo razoável'. [19]
(...)
O Ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, em encontro com o Presidente da Câmara dos Deputados, Marco Maia, realizado no dia 26 de maio de 2011, que teve como escopo requerer agilidade na tramitação do projeto de novo Código de Processo Civil, demonstrou o Ministro ao Parlamentar que a maior preocupação do projeto de CPC é fazer com que o processo judicial tenha uma duração razoável. Na saída do encontro, disse o Ministro aos jornalistas que 'a proposta do Código é desformalizar o processo de tal maneira que haja uma redução de 50% na duração dos processos, até que se obtenha uma resposta definitiva do Judiciário. A agilidade na prestação da justiça é um anseio nacional, é um interesse de todos'.' [30] Não há dúvida de que agilidade nos julgamentos e deixar o processo menos formal são elementos da mais alta relevância em um Estado Democrático de Direito. Todavia, como se pode depreender, em nenhum momento disse o Ministro, inclusive na qualidade de Presidente do anteprojeto de novo Código de Processo Civil, o que se poderia estabelecer como sendo um prazo razoável de duração do processo. [31]

Por sua vez, Lênio Luiz Streck em palestra proferida na TV Justiça, no programa intitulado 'Aula Magna', ao tratar da falta de definição do que seria o tempo razoável de duração do processo, chega a dizer, em tom jocoso, que o legislador deveria, juntamente com a referida expressão, ter criado a possibilidade de se construir um aparelho que resolveu chamar de 'razoavelômetro'! [32]

Só para se ter uma idéia de como é complicado estabelecer um limite temporal ao conceito constitucional de razoabilidade temporal na duração do processo, a Comissão Européia para a Eficiência da Justiça, através de uma Comissão criada, no ano de 2002, apenas e tão somente para tentar saber o tempo médio de duração dos processos nos países membros, até hoje ainda não conseguiu alcançar os seus objetivos [33].

Como se pode depreender ninguém arriscou a estabelecer um conceito temporal para o que venha ser tempo razoável de duração do processo. Seria esta expressão tão enigmática assim? E há uma explicação para isso. Isto se dá pelo simples fato de que ninguém, até o momento, se dispôs a categorizar as ações e formular dados estatísticos, acerca do tempo médio de duração de cada uma, considerando-se a matéria de fundo. Por conseguinte, enquanto isso não for feito, a questão não sairá do campo do sentimento do que cada um acha o que é o tempo razoável.

Nenhum doutrinador ou julgador que, de alguma forma, menciona o tempo razoável de duração do processo, se arrisca a dizer o que vem a ser, objetivamente, este tempo!

Para piorar ainda mais a vida do cidadão, como o conceito tempo razoável de duração do processo é indeterminado, favorece a ingerência das mais diversas teorias de hermenêutica sobre o tema, culminando num manancial de idéias que se espraiam pelos julgamentos, sem trazer qualquer segurança jurídica. Assim, em termos práticos, não será desarrazoado que aconteça que magistrados, de acordo com o caso concreto, 'entendam' que o tempo razoável foi ou não observado. Enfim...
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BORGES, Leonardo Dias. A garantia da razoável duração do processo do trabalho. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3009, 27 set. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20080>. Acesso em: 28 set. 2011.

Nova conjuntura do direito processual

Temos assistidos a um generalizado clamor contra a pouca eficiência da justiça oficial para solucionar em tempo razoável os litígios que lhe são submetidos. Não é por outra razão que a expressão celeridade, se tornou uma das palavras chaves na Reforma do Judiciário, ocorrida com a Emenda Constitucional no. 45, de 2004.
Com efeito, mesmo antes do inciso LXXVIII [01], inserido no artigo 5o. da Constituição Federal, pela mencionada Emenda Constitucional, já se encontrava doutrina que pugnava pela a necessidade de se obter uma tutela jurisdicional tempestiva. Tal interpretação se dava através de uma leitura conferida ao inciso LXXXV [02] do mesmo artigo constitucional, que enxergava no princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário a necessidade de uma tutela jurisdicional, não só adequada, mas também tempestiva [03].
A idéia de uma tutela jurisdicional como direito fundamental tem levado juristas e o legislador a um esforço comum, no sentido de se tentar encontrar um mecanismo de aperfeiçoamento das leis processuais.

O direito processual, nessa nova conjuntura, deve deixar de ser um simples repositório de formas e praxes dos pleitos jurídicos, devendo assumir a qualidade de um verdadeiro instrumento, capaz de outorgar ao cidadão a recomposição do direito lesionado.
Vale lembrar que até o Século XVIII, o processo não gozava de qualquer espécie de autonomia. A própria ação não era vista como direito distinto daquele que a parte deduzia em juízo para reclamar a tutela estatal. A ação era simplesmente o direito subjetivo material do litigante que reagia contra a violação sofrida. E o processo, por conseguinte, não passava de um amontoado de formas e praxes do foro, para cuidar do conflito submetido ao juiz. Foi somente no Século XIX, com estudos da relação processual, que o processo começou a se estruturar como aliado do direito material. Daí em diante, o processo adquiriu vida própria e construiu os conceitos informadores de todo o seu sistema. [04]
Um século de extensos e profícuos estudos sobre os conceitos e as categorias fundamentais do Direito Processual, não foi suficiente para que os estudiosos atentarem para um fato muito simples; porém, significativo: a sociedade continuava ansiosa por uma prestação jurisdicional mais efetiva. Aspirava-se, cada vez mais, uma tutela que fosse mais pronta e consentânea com uma justa e célere realização – ou mesmo preservação – dos direitos subjetivos ameaçados ou violados.

Passou a se exigir que o processo fosse capaz de implementar a vontade da lei material.

Mas foi no relacionamento com o Direito Constitucional que o processo mais se distinguiu em seu eminente caráter publicístico. Mas não basta a publicização do processo. Para sua concreta notabilidade, o processo contemporâneo, deve ser aplicado como um instituto de cidadania. Portanto, mais do que um meio de atuação da soberania do Estado, o processo deve assumir a categoria de garantia de acesso do cidadão à tutela jurisdicional, declarada e assegurada pela Constituição, evidentemente, em tempo razoável, sob pena de se tornar um mero discurso acadêmico.
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BORGES, Leonardo Dias. A garantia da razoável duração do processo do trabalho. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3009, 27 set. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20080>. Acesso em: 28 set. 2011.