quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Fundamentos da Teoria da Proteção Integral da Criança e do Adolescente

Somente em 1988, a criança e o adolescente passaram a ser tratados como sujeitos de direitos. Custódio (2009, p.26) ressalta o quanto a Constituição Federal de 1988 foi importante, e que "configurou uma opção política e jurídica que resultou na concretização do novo direito embasado na concepção de democracia".

De acordo com o artigo 227 da Constituição Federal,
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Sobre a Teoria da Proteção Integral, Veronese (2006, p.06) assim explica:

Quando a legislação pátria recepcionou a Doutrina da Proteção Integral fez uma opção que implicaria um projeto político-social para o país, pois, ao contemplar a criança e o adolescente como sujeitos que possuem características próprias ante o processo de desenvolvimento em que se encontram, obrigou as políticas públicas voltadas para esta área a uma ação conjunta com a família, com a sociedade e o Estado.
A Carta Magna veio trazer para a criança e ao adolescente o direito fundamental de ser ouvida, amada, protegida e cuidada, com base no princípio da prioridade absoluta. Tornou também, reconhecidos os direitos da criança e do adolescente, recebendo um instrumento importante com a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei 8.069, de 13 de julho de 1990, representando um marco na história de afirmação dos direitos da criança e do adolescente. (SOUZA, 2008, p.32)

O Estatuto surge para romper a discriminação imposta pelo Código de Menores, sendo que aparece para igualar crianças e adolescentes, nos seus direitos, sem qualquer distinção. Aliás, o Estatuto da Criança e do Adolescente conduziu as diretrizes para a política da proteção integral da criança e do adolescente, reconhecendo-os como cidadãos, e, para isso, efetivou a articulação entre o Estado e a sociedade com a criação de Conselhos de Direitos, de Conselhos Tutelares e dos Fundos da Infância e Adolescência (FIA). (COSTA & VERONESE, 2006, p.54)

Costa e Veronese (2006, p. 53) afirmam, que "a Doutrina da Proteção Integral dá nascimento à criança e ao adolescente como sujeitos de direitos, uma vez que são pessoas que se encontram em uma fase especial de desenvolvimento, precisando, portanto, de prioridade absoluta no que lhes diz respeito".

Vale salientar, que o Estatuto da Criança e do Adolescente constitui um sistema aberto de regras e princípios. As regras fornecem a segurança necessária para determinar a conduta; já os princípios são os valores relevantes que complementam as regras, possuindo uma integração sistêmica. Regras e princípios formam as normas, construindo assim uma interpretação dos textos normativos. (MACIEL, 2007, p.19)

Assim, pela abrangência de princípios que norteiam os Direitos da Criança e do Adolescente, destacam-se principalmente: o Princípio da Prioridade Absoluta, o Princípio do Melhor Interesse da Criança, o Princípio da Municipalização do Atendimento e o Princípio da Universalização, sendo que esses são alguns, dos diversos princípios que possuem a função de garantir a proteção da criança e do adolescente, conforme estabelecido na Lei 8.069/90 e na Carta Magna.

SOUZA, Ismael Francisco de; DUARTE, Priscilia Ugioni. A proteção aos direitos da criança. Um estudo sobre a inquirição nos casos de abuso sexual. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2975, 24 ago. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/19840>. Acesso em: 28 set. 2011.

O disciplinamento previsto no ECA sobre viagem de criança ao exterior

O Estatuto da Criança e do Adolescente não estabelece um disciplinamento abrangente e satisfatório a respeito das situações que demandam ou não a autorização dos pais ou responsável, ou mesmo a autorização judicial, para a viagem de criança ou adolescente ao exterior.

Prevê o ECA, no seu artigo 84, incisos I e II, apenas duas hipóteses de dispensa de autorização judicial, a saber:
a) quando a criança ou o adolescente estiver acompanhado de ambos os pais ou responsável;
b) quando a criança ou o adolescente viajar na companhia de um dos pais, autorizado expressamente pelo outro, por meio de documento com firma reconhecida.

Além disso, o Estatuto de Regência Infanto-juvenil prescreve apenas que nenhuma criança ou adolescente nascido em território nacional poderá sair do País em companhia de estrangeiro residente ou domiciliado no exterior, sem prévia e expressa autorização judicial (artigo 85).


O ESTABELECIMENTO DE DISPOSIÇÕES SOBRE AUTORIZAÇÃO DE VIAGEM AO EXTERIOR PELO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA

A escassez de conteúdo legal no ECA, somada à necessidade de dar resposta a pedidos envolvendo autorização de viagem em situações não contempladas pela legislação, levou ao estabelecimento de um emaranhado de interpretações pelos Juízos da Infância e da Juventude dos Estados da Federação e do Distrito Federal, a respeito da necessidade ou não de autorização judicial para saída de crianças e adolescente do País.

Portarias foram editadas por Juízos da Infância e Juventude de algumas comarcas, estabelecendo procedimentos que, em alguns casos, entraram em choque com outros estabelecidos por juízos de comarcas diversas, gerando insegurança para os interessados na obtenção da autorização de viagem, ante a diversidade de requisitos e exigências.

Movido por essa instabilidade nacional envolvendo a questão, assim como por provocação do Ministério das Relações Exteriores e do Departamento de Polícia Federal, o CNJ editou inicialmente a Resolução nº 74/2009 e, revogando-a, posteriormente, editou a Resolução nº 131/2011, dispondo sobre a concessão de autorização de viagem para o exterior de crianças e adolescentes.

Como não havia no texto da Lei nº 8.069/90 previsão acerca da viagem de criança ou adolescente ao exterior desacompanhada, após colher ideias e sugestões junto aos tribunais de justiça dos Estados da Federação, além de outros órgãos e instituições, o CNJ, por meio da Resolução nº 131/2011, dispôs sobre a viagem de criança ou adolescente ao exterior desacompanhada.

A questão trazida à discussão neste pequeno estudo reside exatamente na disposição contida no artigo 1º, inciso III, da Resolução nº 131 do CNJ, que previu a possibilidade de a criança viajar ao exterior desacompanhada dos pais ou de terceira pessoa, contanto que haja autorização de ambos os pais, com firma reconhecida.

Não obstante tratar-se de viagem para fora do território nacional, com a possibilidade do enfrentamento de obstáculos de maior complexidade pela criança, como as regras, os costumes, a distância e a língua do país estrangeiro, a inovação trazida com a resolução do CNJ, por ser dirigida apenas a viagens ao exterior, não contemplou a situação de crianças que precisam viajar desacompanhadas dentro do território nacional.

O artigo 83, § 1º, alínea "b", nº 2, da Lei nº 8.069/90, prevê a dispensa de autorização judicial quando a criança estiver acompanhada de pessoa maior, expressamente autorizada pelo pai, mãe ou responsável. Contudo, não prevê a possibilidade da dispensa de autorização judicial quando a criança viajar desacompanhada, dentro do território nacional e fora da comarca contígua à da sua residência, da mesma unidade da Federação ou incluída na mesma região metropolitana, ainda que a viagem tenha sido autorizada expressamente pelos pais ou responsável legal pela criança, mediante documento com firma reconhecida.

Essa situação tem levado à exigência de autorização judicial para que a criança, desacompanhada, empreenda viagem, dentro do território nacional, para outro Estado da Federação, quando, a exemplo do que já foi disciplinado pelo CNJ acerca da viagem de criança para o exterior, poderia ser autorizada a viajar pelos próprios pais ou responsável legal, por meio de documento escrito, com firma reconhecida.


 FACUNDES, Rosinei da Silva. A Resolução nº 131 do CNJ está em harmonia com a legislação sobre viagem de criança dentro do território nacional? . Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3010, 28 set. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20091>. Acesso em: 29 set. 2011.

O disciplinamento legal sobre viagem de criança dentro do território nacional

Embora a viagem de criança dentro do território nacional, desacompanhada dos pais ou responsável, não se submeta aos mesmos requisitos exigidos para a viagem ao exterior, em alguns pontos as duas apresentam aspectos que se semelham. Não poderia ser diferente, pois em ambos os casos cuida-se de disposições inseridas nas normas de prevenção à possível violação de direitos da criança e do adolescente.

De acordo com o artigo 83, parágrafos e alíneas, da Lei nº 8.069/90, tem-se como regra a vedação da viagem de criança (pessoa menor de 12 anos de idade) para fora da comarca onde reside, desacompanhada dos pais ou responsável (guardião ou tutor), sem expressa autorização judicial. Contudo, tratando-se de viagem para comarca contígua à da residência da criança, ou de viagem dentro do mesmo Estado Federado, ou, ainda, dentro da mesma região metropolitana, não será exigida autorização judicial. É óbvio que nessas situações os pais ou o responsável pela criança cuidarão para que ela viaje em segurança e sob os cuidados de alguma pessoa idônea, sobretudo se a criança ainda for de pouca idade e o deslocamento envolver município ou localidade distante.

O provimento jurisdicional também não será necessário quando a criança viajar acompanhada por ascendente (avós, bisavós), ou colateral maior de 18 anos (tio, irmão ou sobrinho), comprovado documentalmente o parentesco.

Por fim, o Estatuto da Criança e do Adolescente não exige autorização judicial quando a criança viajar acompanhada de pessoa maior de 18 anos, expressamente autorizada pelo pai, mãe ou responsável. Essa autorização do pai, da mãe ou do responsável legal pela criança é um documento escrito, que pode ser particular e que, geralmente, está disponível nas Varas da Infância e da Juventude. É um documento que deverá ser assinado pelos pais ou responsável legal pela criança, com o reconhecimento de firma, por autenticidade ou semelhança.

De acordo com o acima exposto, na maioria dos casos ou não haverá a necessidade de autorização ou os pais ou responsável legal poderão autorizar a viagem da criança que venha a ser realizada dentro do território nacional, sem que para isso intervenha o Poder Judiciário. Somente em algumas situações haverá a exigência de autorização judicial para a viagem de criança no âmbito do território brasileiro.

Além da hipótese em que a criança, viajando desacompanhada dos pais ou responsável, não se insira em nenhuma das situações anteriormente elencadas, os casos seguintes podem requerer autorização judicial:

a) discordância dos pais ou responsável legal com relação à conveniência da viagem, fator esse capaz de
justificar a necessidade da intervenção judicial;
b) morte ou ausência de ambos os pais ou responsável legal pela criança;
c) algum motivo de força maior devidamente comprovado.

Vê-se que a intervenção judicial para a viagem da criança poderá ser necessária como forma de suprimento da outorga de consentimento que comumente é exercida pelos pais ou pelo responsável legal pela criança.

FACUNDES, Rosinei da Silva. A Resolução nº 131 do CNJ está em harmonia com a legislação sobre viagem de criança dentro do território nacional? . Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3010, 28 set. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20091>. Acesso em: 29 set. 2011.