quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Conseqüências da anulação do negócio por erro – interesse negativo

Neste caso, Venosa (2003, 438) diz que “a responsabilidade é exatamente daquele que pede a anulação do negócio, já que é o único responsável por sua má destinação do mesmo. Seria sumamente injusto que o declaratário que não errou, nem concorreu para o erro do declarante, arcasse com duplo prejuízo, duplo castigo: a anulação do negócio e a absorção do prejuízo pelas importâncias a serem pagas ou devolvidas, conforme o caso, além dos ônus da sucumbência processual”.

 No mesmo sentido, Maria Helena Diniz (2003, 387) ressalta que “tem-se observado com razão, que basta o erro de uma das partes para que o negócio seja anulável” e continua dizendo que “mas o contratante que se achou em erro e promove a invalidade do contrato pode ser condenado a ressarcir os danos que causar à outra parte por não ter procedido com a diligência necessária ao prestar o seu consentimento”.

Assim, ocorreu de dois vendedores alcançarem anulação do negócio jurídico, pois venderam, levados a erro, um imóvel por valor abaixo da metade. Recebendo de volta o imóvel, foram condenados a devolver aos compradores o valor recebido com correção monetária desde a época do ato.

Defeitos dos negócios jurídicos - Erro

O Código Civil prevê em seu artigo 171 alguns casos de anulação do negócio jurídico: I – por incapacidade relativa do agente e II – por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores.

Em todos esses casos o ato se torna anulável, sendo de quatro anos o prazo de decadência para pleitear-se a anulação do negócio jurídico, a contar, no caso de coação, do dia em que ela cessar e, nos demais casos, do dia em que se realizou o negócio jurídico.

1º) Erro ou ignorância - Erro é a falsa idéia da realidade e ignorância é o total desconhecimento acerca de algo, sendo ambos capazes de conduzir o declarante a manifestar sua vontade de maneira diversa da que manifestaria se porventura tivesse o correto conhecimento da realidade. O legislador equiparou o erro e a ignorância nos seus efeitos jurídicos.
De acordo com a lei, podemos elencar as seguintes características que deve ter o erro para anular o negócio jurídico:

a) Ser escusável ou reconhecível pela outra parte – É o erro justificável, tendo em vista as circunstâncias do caso. “Se o erro facilmente perceptível pudesse trazer anulabilidade ao negócio jurídico, estaria instalada a total instabilidade nas relações jurídicas. O novo Código de certa forma introduz o requisito da escusabilidade, pois exige que se examine o erro no caso ou na situação concreta da parte que nele incide”. “Assim, poderá ser anulável o negócio para um leigo em um negócio, para o qual não se admitiria o erro de um técnico na matéria” (Venosa, 2003, 428).

b) Ser real - Aquele do qual decorra prejuízo verdadeiro para o interessado.

c) Ser substancial – “É o que tem papel decisivo na determinação da vontade do declarante, de modo que, se conhecesse o verdadeiro estado das coisas, não teria desejado, de modo nenhum, concluir o negócio” (Venosa, 2003, 430).

Art. 139 CC – Erro é substancial quando:
I - Recai sobre: a natureza do ato (o agente quer praticar um ato, mas pratica outro. Ex: Recebe a título de doação, quando, na verdade, se trata de empréstimo); o objeto principal da declaração (o objeto do negócio não é o pretendido pelo agente. Ex: Adquire acreditando tratar-se de imóvel localizado em Catalão, quando, na verdade, se trata de imóvel localizado em Ouvidor); ou alguma das qualidades essenciais do objeto principal da declaração (o objeto não apresenta alguma das qualidades essenciais que o agente imaginava. Ex: Adquire copos acreditando serem de cristal, quando, na verdade, são apenas de vidro);

II - Recai sobre a identidade ou a qualidade essencial da pessoa, a quem se refira a declaração de vontade (a pessoa a quem se refere a declaração de vontade não possui a identidade física ou moral que o agente imaginava e sem a qual não teria praticado o ato. Ex: Faz doação a alguém acreditando ser quem ajudou seu filho, quando, na verdade, isto não ocorreu);

III – Recai sobre ou a vigência ou interpretação de norma de direito, desde que não implique em recusa à aplicação da lei e seja o motivo único ou principal do negócio (ex. contratação da importação de mercadoria cujo ingresso no território nacional não é admitido legalmente).

Quanto ao erro de direito, atenção para a previsão do art. 3º da LICC: “Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece”. É interessante observar como o faz Venosa (2003, 434) que “quem é levado a falso entendimento, por ignorância de lei não cogente, não está desobedecendo-a. logo, em nossa sistemática, nada impede que se alegue erro de direito se seu reconhecimento não ferir norma de ordem pública ou cogente e servir parta demonstrar descompasso entre a vontade real do declarante e a vontade manifestada”. (...) “Como exemplo, citamos o caso de quem contrata a importação de determinada mercadoria sem saber ser ela proibida. A parte não pretendeu furtar-se ao cumprimento da lei, tanto que efetuou o contrato. É o caso típico em que a vontade foi externada viciada por erro”.

OBS. Quando o erro não é substancial, diz-se acidental. Acidental é o erro que diz respeito às qualidades secundárias ou acessórias da pessoa, ou do objeto. Não acarreta a anulação do ato. “O erro de indicação da pessoa, ou coisa, a que se referir a declaração de vontade, não viciará o negócio quando, por seu contexto e pelas circunstâncias, se puder identificar a coisa ou a pessoa cogitada” (art. 142 CC).

Art. 140 CC - “O falso motivo só vicia a declaração de vontade, quando expresso como razão determinante”. É claro que o declaratário deve ter conhecimento do motivo para que este possa ser alegado como fundamento de anulação do ato.

Art. 141 CC - “A transmissão errônea da vontade por meios interpostos é anulável nos mesmos casos em que o é a declaração direta”. Assim sendo, se o veículo de comunicação utilizado transmite a declaração de vontade incorretamente, pode-se alegar erro. Atenção para o disposto no art. 144 CC: “O erro não prejudica a validade do negócio jurídico quando a pessoa, a quem a manifestação de vontade se dirige, se oferecer para executá-la na conformidade da vontade real do manifestante”. Deve, então, ser possível a execução de acordo com a vontade real, pois de nada adiantará a boa vontade do declaratário se for ela impossível.

Art. 143 CC – “O erro de cálculo apenas autoriza a retificação da declaração de vontade”.

Representação

Segundo Silvio de Salvo Venosa (2003, 392), “a noção fundamental, pois, é a de que o representante atua em nome do representado, no lugar do representado. O representante conclui o negócio não em seu próprio nome, mas como pertencente ao representado. Quem é a parte no negócio é o representado e não o representante. Reside aí o conceito básico da representação. Estritamente falando, o representante é um substituto do representado, porque o substitui não apenas na manifestação externa, fática do negócio, como também na própria vontade do representado”.

A representação pode ser:

a) legal – é a lei que estabelece a representação, como nos casos dos incapazes.

b) convencional – é a estabelecida pelo interessado, que em regra baseia-se no mandato.
Em qualquer desses casos, a manifestação de vontade pelo representante, nos limites dos seus poderes, produz efeitos em relação ao representado. Entretanto, é anulável o negócio concluído pelo representante em conflito de interesses com o representado, se tal fato era ou devia ser do conhecimento de quem com aquele tratou. O prazo decadencial para pleitear tal anulação é de 180 dias, a contar da conclusão do negócio ou da cessação da incapacidade.

c) judicial - que se verifica em relação aos administradores nomeados pelo Juiz, no curso de processos, como os depositários judiciais.

O representante é obrigado a provar às pessoas, com quem tratar em nome do representado, a sua qualidade e a extensão de seus poderes, sob pena de, não o fazendo, responder pelos atos que a estes excederem.

Salvo se a lei ou o representado o permitir, é anulável o negócio jurídico que o representante, no seu interesse ou por conta de outrem, celebrar consigo mesmo (autocontrato ou contrato consigo mesmo). Para esse efeito, tem-se como celebrado pelo representante o negócio realizado por aquele em quem os poderes houverem sido substabelecido. Anteriormente à entrada em vigor do atual Código Civil, o Superior Tribunal de Justiça já havia sumulado que “é nula a obrigação cambial assumida por procurador do mutuário vinculado ao mutuante, no exclusivo interesse dele”.

Nas profundezas da Amazônia, um rio

Roberto Filizola
5 de outubro de 2011 às 11:24h
 
Os estudos sobre o recém-descoberto Hamza ainda não foram finalizados, mas já se pode dizer que o rio, abaixo 4 quilômetros do Amazonas e cuja largura pode chegar a 400, é bem-vindo na manutenção do equilíbrio da biosfera.

Agosto de 2011, cidade do Rio de Janeiro. Aquele que era para ter sido tão somente mais um Congresso Internacional da Sociedade Brasileira de Geofísica, aliás, o 12º, transformou-se numa importante vitrine para uma equipe de pesquisadores de Geofísica do Observatório Nacional, sediado no Rio de Janeiro. No evento, a equipe anunciou uma descoberta que percorreu o mundo prontamente: um rio subterrâneo que se movimenta 4 quilômetros abaixo do Rio Amazonas. Por que tal acontecimento despertou tamanho interesse? Afinal, as águas subterrâneas são um fenômeno conhecido desde longa data. Os poços artesianos, as fontes, os aquíferos atestam. Além disso, a infiltração das águas em rochas calcárias possibilita a formação de cavernas e grutas, e nessas cavidades as águas escoam como riachos subterrâneos. A ilustração ao lado pode fornecer uma ideia da dimensão da descoberta, justificando tamanha repercussão na mídia e no meio científico.

Observe que o curso d’água em cena, batizado de Rio Hamza, em homenagem ao pesquisador de origem indiana e coordenador das pesquisas, Valiya Hamza, possui cerca de 6 mil quilômetros de extensão. Mas não somente a distância percorrida impressiona: em determinados pontos, sua largura pode chegar a 400 quilômetros e sua vazão média é de  3.090 m. Para efeitos de comparação, o Rio Amazonas apresenta até 100 quilômetros de largura no local pesquisado, e o Rio São Francisco uma vazão média de 2.700 m.

Como tudo começou

Entre os integrantes da equipe de pesquisadores da Coordenação de Geofísica do Observatório Nacional está a doutoranda Elizabeth Tavares Pimentel, da Universidade Federal do Amazonas. A descoberta faz parte de suas pesquisas envolvendo estudos sobre geotermia, ramo da Geologia que estuda a temperatura do planeta em diferentes profundidades. Para os estudos de geotermia profunda, a pesquisadora -valeu-se dos dados de temperatura de 241 poços perfurados pela Petrobras ao longo das décadas de 1970 e 1980, na Amazônia. Tais perfurações aconteceram em bacias sedimentares da região. Como se sabe, esse tipo de estrutura geológica pode estar associado à ocorrência de petróleo, razão pela qual foram realizadas as perfurações. Por outro lado, os -terrenos sedimentares apresentam porosidade e permeabilidade tal que permitem não só o escoamento e a circulação da água, como tambem o seu armazenamento. Essas características auxiliam no entendimento do fenômeno. Na altura do estado do Acre, a circulação da água é vertical até cerca de 2 quilômetros de profundidade-, onde muda de direção para, em profundidades maiores, ao redor dos 4 quilômetros, tornar-se quase horizontal. Nesse aspecto, o Rio Hamza- mais uma vez se distingue do Amazonas: enquanto neste as águas se deslocam a uma velocidade de 0,1 a 2 metros por segundo, naquele o fluxo se dá na ordem de 10 a 100 metros por ano. De fato, as rochas -sedimentares se assemelham a uma esponja, ou melhor, o atrito causado pela rocha sedimentar impede o deslocamento mais rápido das águas.

A essa altura, duas breves conclusões podem ser tiradas. Em primeiro lugar, que um fenômeno dessas dimensões não pode acontecer em qualquer ponto da Terra. Além das condições climáticas, próprias da região equatorial, das particularidades geológicas e geomorfológicas da Amazônia, não se pode desprezar a extensão, a superfície onde o evento está se dando. Por exemplo, na África Equatorial há uma semelhança do ponto de vista climático na chamada Bacia do Congo. Contudo, os terrenos sedimentares africanos não se encontram orientados como no caso amazônico, tampouco atingem a faixa litorânea. Observe o planisfério.

Em segundo lugar, um trabalho com o alcance do realizado pela Petrobras na Amazônia brasileira também não se verifica em território africano. Até porque, naquele continente, a região da Bacia do Congo encontra-se compartilhada por diversos países.

Feitas essas considerações, não pode ficar de fora dessa breve reflexão o entendimento que se tenha de rio. Será o Hamza-, de fato, um rio mesmo que subterrâneo? Nos debates que se seguiram à exposição da equipe do Observatório Nacional, houve quem questionasse se tal corpo d’água pode ser enquadrado enquanto um rio ou se não seria tão somente um aquífero. Entre os argumentos foi citada a velocidade do fluxo das águas subterrâneas, tida como muito inferior àquela própria de um rio. Contudo, qual velocidade deve ser tomada como referência? A isso se pode incluir outra observação, de caráter escalar: aquilo que no Sul do País pode ser tomado como um “verdadeiro” rio, na Amazônia não passaria de um igarapé. Ou seja, no atual estágio da pesquisa a respeito do Hamza parece prematura a necessidade de se levantarem critérios que possam ou não justificá-lo enquanto rio.

Por fim, e buscando apontar para a relevância do achado, o volume de água que chega ao Oceano Atlântico pode ser associado à ocorrência de verdadeiros bolsões de baixa salinidade na margem continental, isto é, nas bordas laterais do continente junto à foz do Rio Amazonas. Na medida em que o entendimento sobre o processo de formação do Rio Hamza e sua relação com o ambiente da Região Amazônica avançam, certamente algumas lacunas serão preenchidas e verdades tomadas como definitivas revistas. Importa destacar que os limites acerca da exploração dos recursos amazônicos, ou das relações sociedade–natureza, ficarão mais claros. Considerando-se as dimensões amazônicas e o alcance dos processos que se desenrolam na região, é de se esperar que os cuidados ambientais sejam redobrados. Nesse sentido, a descoberta do Rio Hamza é bem-vinda ao campo das lutas pela manutenção do equilíbrio dinâmico da biosfera.