quarta-feira, 12 de outubro de 2011

A remoção do servidor público para acompanhamento de cônjuge

No Mato Grosso do Sul a remoção de servidor público para acompanhamento de cônjuge é regulada pelo art. 37 da Constituição Estadual: "Ao funcionário ou servidor será assegurado o direito de remoção para igual cargo ou função no lugar de residência do cônjuge ou companheiro, se este também for funcionário ou servidor".

Esse texto constitucional absolutamente claro já foi examinado em várias ocasiões pelo Tribunal de Justiça Estadual, quando sempre se decidiu que "Consoante garantia da Constituição Estadual e lei, o servidor tem o direito de ser removido para a localidade em que sua esposa exerce suas funções de servidora pública..." (Apelação Cível 2005.010769-1, Rel. Des. João Maria Lós). Exatamente o mesmo foi decidido no Mandado de Segurança nº 2003.010505-0 (Rel. Des. Claudionor Miguel Abss Duarte).

E tudo também recebe o importante amparo da Constituição Federal, quando ela, em diversas oportunidades, estabelece ser a família a base da sociedade, devendo ter especial proteção do Estado (art. 226); estabelece ser dever da família, da sociedade e do Estado (art. 227) assegurar à criança, com absoluta prioridade, dentre outros, o direito à educação e à convivência familiar; estabelece que os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores (art. 229).

Nessa ordem de idéias, o TJ/MS já considerou (Mandado de Segurança nº 2006.020369-7, Rel. Des. Horácio Vanderlei Nascimento Pithan), em processo que versava sobre remoção de servidor público, que "A unidade familiar é o bem maior a ser tutelado pelo Poder Judiciário, sobrepondo-se, até mesmo, ao interesse público".

Tal entendimento é encontrável também em julgados do STJ e do STF, sempre em discussões da mesma natureza:
"Não há que se falar, no caso ‘sub judice’, em prevalência do interesse público sobre o particular, porquanto o bem maior a ser tutelado é a união e manutenção da própria instituição familiar, esta tida como ‘fons vitae’ e organização ‘mater’, devendo se sobrepor a qualquer outra forma de organização existente" (STJ, ROMS 11.767, Rel. Min. Jorge Scartezzini, destaque nosso).
"
O entendimento ora perfilhado descansa no regaço do art. 226 da CF, que, sobre fazer da família a base de toda a sociedade, a ela garante ‘especial proteção do Estado’. Outra especial proteção à família não se poderia esperar senão aquela que garantisse à impetrante o direito de acompanhar seu cônjuge, e, assim, manter a integridade dos laços familiares que os prendem" (STF, MS 23.058, Rel. Min. Ayres Britto, destaque nosso).
Veja-se que no julgado abaixo o STJ examinou especificamente a questão da incidência do art. 37 da Constituição do Estado de Mato Grosso do Sul:
"FUNCIONÁRIO ESTADUAL. PEDIDO DE REMOÇÃO. ART. 37 DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL. ILEGALIDADE DO ATO. Assegurando a Constituição Estadual, em seu art. 37, o direito a remoção de funcionário ou servidor para igual cargo ou função em lugar de residência do cônjuge, sendo este também funcionário ou servidor, não há como negar o pedido de remoção, sem descumprir o dispositivo da lei fundamental estadual, cuja regra se sobrepõe às do direito administrativo, além de preservar a unidade da família" (RMS 1.048, destaques nossos).
Mas não é só, porque, para demonstrar como é forte e importante a jurisprudência sobre o tema, vem sendo decidido que remoção dessa natureza (para acompanhamento de cônjuge) deve ser garantida independentemente da existência de vaga (STF, RE 549.095; STJ, REsp 1.189.485) e independentemente do cônjuge do servidor ser regido pela mesma lei que traz a previsão da remoção (STF, RE 587.260).

Daí, então, poder ser dito: o direito em discussão não se caracteriza como ato meramente discricionário (trata-se, bem ao contrário, de ato vinculado: STJ, ROMS 11.767), apresentando-se como algo objetivo e cogente (STJ, ROMS 11.767), constituindo-se em verdadeiro e legítimo direito subjetivo do servidor (STJ, REsp 1.189.485), sequer se devendo falar em estabilidade do servidor para se chegar a tal garantia (TJ/RS, Apelação 70006139547, Rel. Des. Paulo de Tarso Vieira Sanseverino).

Tudo, obviamente, visando proteger a instituição familiar, "que poderia ser desestabilizada pela separação dos cônjuges" (Antonio Flávio de Oliveira, "Servidor Público", Ed. Fórum, 2ª ed., p. 68).

O que se sustenta, portanto, é que simplesmente se garanta o efetivo cumprimento da Constituição, pois a sua defesa "não se expõe nem deve submeter-se a qualquer juízo de oportunidade ou de conveniência, muito menos a avaliações discricionárias, fundadas em razões de pragmatismo governamental. A relação do Poder e de seus agentes com a Constituição há de ser, necessariamente, uma relação de incondicional respeito" (Celso de Mello, Prefácio da obra "Constituição do Brasil Interpretada", Atlas, destaque nosso).

BORGES NETTO, André Luiz. A remoção do servidor público para acompanhamento de cônjuge. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2991, 9 set. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/19953>.

A responsabilidade do advogado: perda de uma chance

A responsabilidade do advogado na esfera civil

A natureza jurídica da prestação de serviços advocatícios é contratual. O mandatário (advogado) deve buscar todos os meios possíveis para obter o melhor resultado e atender aos interesses do mandante (cliente), tanto na tutela judicial quanto extrajudicial.
 
É sabido que a obrigação do advogado é de meio e não de fim. O advogado deve, portanto, praticar todos os atos necessários e possíveis para melhor representar os interesses de seus clientes, mas não está obrigado ao êxito da demanda. Portanto, não se pode imputar ao patrono nenhuma responsabilidade pelo insucesso da causa, se restar provado que ele agiu correta e zelosamente no curso da demanda.

Certamente que além da responsabilidade civil o advogado também poderá responder na esfera disciplinar, nos termos da Lei 8.906/94, pelas infrações que cometer e também poderá responder na esfera criminal, como nos casos de quebra de sigilo profissional, tergiversação ou o patrocínio infiel.

A Lei 8.906/94 prevê, em seu artigo 32, que o advogado será responsabilizado por dolo ou culpa, pelos prejuízos causados.

O que é preciso discutir um pouco mais é a proporção do suposto dano causado por advogado ao seu cliente quando ele deixa de agir oportunamente ou, agindo, o faz de forma equivocada ou incompleta e efetivamente perde a chance de praticar um ato que poderia ser uma oportunidade de obtenção de melhor resultado àquele que o contratou.

A teoria da perda de uma chance

Para melhor compreender a questão da responsabilidade civil do advogado relacionada à teoria da perda de uma chance é preciso esclarecer alguns aspectos relevantes sobre o assunto:

1º O que se entende por teoria da perda de uma chance?

A teoria da perda de uma chance (perte d’une chance) surgiu na França, a partir da década de 60 do século passado.

A perda de uma chance é considerada por muitos doutrinadores, como Sílvio de Salvo Venosa, uma terceira modalidade de dano patrimonial — intermediária entre o dano emergente e o lucro cessante. Estes doutrinadores baseiam-se no posicionamento de que a vantagem que se espera alcançar é atual; no entanto, é incerta, pois o que se analisa é a potencialidade de uma perda e não o que a vítima efetivamente deixou de ganhar (lucro cessante) ou o que efetivamente perdeu (dano emergente). Assim, existe um dano atual e "hipotético".

Relevante destacar que o que se deve levar em conta para a fixação do quantum é a chance em si, e não o que a vítima poderia ter recebido.

O dano patrimonial, para efeitos de indenização, deve ser atual e certo, de forma a facilitar o cálculo dos valores devidos a título de perdas e danos.


É o caso, por exemplo, da perda do prazo para contestar a ação ou para interpor um recurso. A obrigação de meio não foi cumprida pelo advogado e, portanto, responderá pela perda estimada e não pelo valor integral do dano final, já que seu cliente perdeu a oportunidade de defender-se em 1ª Instância ou de reverter decisão já desfavorável em 2ª Instância.

2º Nexo de causalidade:

Há algumas peculiaridades no nexo causal e na qualidade do dano, sem as quais a obrigação de reparar pela chance perdida não se configura.

O nexo de causalidade, no que diz respeito à teoria da perda de uma chance, se forma entre o ato ilícito praticado pelo agente (advogado) e a chance perdida por seu cliente. Sendo assim, deve restar demonstrado que a conduta ilícita praticada pelo advogado impediu que o cliente tivesse a oportunidade de obter determinada vantagem.

3º A chance indenizável e a apuração do seu valor:

Nesta linha de raciocínio, impende ressaltar que não é toda e qualquer chance perdida que levará a uma indenização. Somente a chance séria e real poderá ser indenizável.

Por chance séria e real entende-se aquela que efetivamente é fundamentada na probabilidade e na certeza, isto é, na probabilidade de que haveria um ganho e na certeza de que a vantagem perdida resultou num prejuízo na busca desse ganho.

Explica o Professor Luiz Carlos de Assis Jr, em seu estudo sobre a "Responsabilidade do Advogado na Teoria da perda de uma chance":
"Isso não significa, porém, que as chances inferiores a 50% careçam de seriedade, mas que deve ser analisada com rigor redobrado, sob pena de se estabelecer condições absolutas incompatíveis com a incerteza inerente ao Direito. Ademais, não se vê grande diferença em uma chance equivalente a 49% e outra igual a 50%".
Em posicionamento contrário, Sérgio Savi entende que apenas a chance cuja probabilidade de sucesso na percepção da vantagem final fosse superior a 50% deva ser reparada quando perdida. Se a vítima não provar, porém, que sua chance era de, no mínimo 51%, seu pleito será improcedente, pois, "na presença de um percentual desfavorável superior àquele favorável, não há razão alguma que possa justificar a prevalência da segunda sobre a primeira e, assim, o ressarcimento de um dano não demonstrado". [01]

No contexto da responsabilidade do advogado, as condições preexistentes consistem de fatos e circunstâncias que levam o cliente a buscar os serviços advocatícios. Essa possibilidade medida é que constitui a oportunidade – a chance – do cliente, e o seu valor será baseado na força das razões fáticas e jurídicas que sustentariam a sua pretensão.

Um dos aspectos mais relevantes no que diz respeito à apuração do valor da indenização por perda de uma chance é que, comprovada a desídia do advogado, o ressarcimento nunca será igual ao dano final, caso contrário não se estaria indenizando a chance perdida e sim o próprio dano.

É o que ensina Rafael Peteffi Silva: "O valor da indenização por perda de chance será sempre inferior ao da vantagem final definitivamente perdida." [02]

A fixação desse valor, contudo, não pode ser arbitrária: "Diz-se, comumente, que deve [o juiz] seguir determinados critérios preestabelecidos, na lei, na doutrina ou na própria jurisprudência, os quais deverão nortear a (complexa) tarefa de quantificar, nos seus mais diversos aspectos, os danos à pessoa. Por outro lado, e mais relevante, os critérios de avaliação usualmente aceitos, embora não sejam critérios legais, apresentam-se como lógicos, devendo, porém, ser sempre explicitados, de modo a fundamentar adequadamente a decisão e, assim, garantir o controle de racionalidade da sentença. Esta é a linha que separa o arbitramento da arbitrariedade." [03]

O julgador, fundamentado na equidade, precisará decidir se a chance perdida é séria, atual e certa a ponto de merecer reparação.

Além disso, para definir o valor da indenização será preciso considerar os graus de probabilidade de êxito do cliente se o advogado tivesse efetivamente cumprido os prazos, considerando também a fase em que se encontra o processo e o entendimento majoritário relacionado ao objeto da ação.

4º Hipóteses de perda de uma chance e jurisprudências relacionadas ao exercício da advocacia: 
a)Não propositura de ação antes da consumação do prazo prescricional (especialmente depois da alteração legal que permite ao julgador, de ofício, se manifestar sobre a prescrição):
O TJMG, na AC 1.0540.04.001229-1/001, entendeu que "não se pode considerar que o simples fato de um advogado deixar de propor uma ação, gere uma indenização pela perda de uma chance", afinal, "a chance perdida deve ser certa e isenta de dúvidas, do contrário, ausente o dever de indenizar".

b)Não comparecimento de advogado em audiência ou não apresentação de contestação no prazo legal, acarretando a aplicação dos efeitos da revelia:

Importante considerar que dependendo da oportunidade perdida pelo advogado, como é o caso de não apresentação de defesa ou ausência em audiência, em uma causa onde as versões fáticas são controvertidas, a influência no resultado será uma. Se apenas questões de direito são discutidas, esta influência pode ser outra. Isto deve ser levado em consideração quando da quantificação do valor a ser indenizado.
RESPONSABILIDADE CIVIL. ADVOGADO. SENTENÇA DESFAVORÁVEL. OBRIGAÇÃO DE MEIO, NÃO DE RESULTADO. AUSÊNCIA DO CAUSÍDICO À AUDIÊNCIA. Para fixar-se a responsabilidade civil do advogado o juiz deve examinar a repercussão da omissão ou ato praticado e sua influência no resultado da demanda. Ainda, deve verificar as possibilidades de êxito do cliente. Confissão ficta aplicada em causa solvida em prova documental, exceto quanto à ocorrência de justa causa para a despedida. Todavia, é sabido que o depoimento pessoal, sem outros elementos, faz prova contra o depoente. Assim, conclui-se que a omissão do advogado não acarretou o decaimento. Não reconhecimento da responsabilidade civil. Recurso provido. (TJ RS. AP. Nº 71000513929. 3ª trc-jec. REL. DES. MARIA JOSÉ SCHMITT SANTANNA).

AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS. ALEGAÇÃO DE NEGLIGÊNCIA E IMPERÍCIA DE ADVOGADO, QUE SERIA RESPONSÁVEL PELA REVELIA E INTERPOSIÇÃO INTEMPESTIVA DE APELAÇÃO. Prova que só permite concluir pela culpa do profissional na última hipótese. Perda de uma chance. Possibilidade de indenização. Necessidade, porém, da seriedade e viabilidade da chance perdida. Circunstâncias não presentes na espécie. Acolhimento do pedido apenas para condenação do profissional ao ressarcimento dos honorários pagos pelos autores e preparo do recurso intempestivo. Apelo em parte provido. (TJRS, apelação cível nº 70005635750, 6ª câmara cível, rel. Des. Carlos Alberto Álvaro de Oliveira, j. Em 17/11/2003).

c) Perda de prazos para interposição de recursos:

O Tribunal de Justiça de São Paulo (AC 875850/5, da 31ª Câmara Cível, São Paulo, SP, 30 de setembro de 2008) decidiu: "a constatação da probabilidade de que o recurso seria provido, caso interposto, leva ao reconhecimento da existência do dano a justificar a reparação".

 (AC 875850/5, da 31ª Câmara Cível, São Paulo, SP, 30 de setembro de 2008) decidiu: "a constatação da probabilidade de que o recurso seria provido, caso interposto, leva ao reconhecimento da existência do dano a justificar a reparação".
O Tribunal de Justiça de São Paulo  Na AC 70024478000 o TJRS decidiu que os "advogados não interpuseram o recurso de apelação por questão de prudência e cautela, sobretudo porque a jurisprudência era majoritariamente contrária aos interesses da sua cliente". Afastou-se, então, a reparação por perda de chance.
RESPONSABILIDADE CIVIL. ADVOGADO. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DEFICIENTE. DANOS MORAIS E MATERIAIS. EXIGÊNCIA DE PROVA DE DOLO OU CULPA, ESTA GRAVE E INESCUSÁVEL A JUSTIFICAR RESPONSABILIZAÇÃO. A obrigação do profissional do direito é de meio e não de resultado, dependendo a responsabilidade civil da verificação de culpa (art. 159, do CC de 1916, e art. 14, § 4º, do CDC). Não havendo prova de que o profissional liberal haja obrado com culpa grave, ou errado grosseiramente, não há se falar em responsabilização. Não se tipifica desídia, negligência ou abandono da causa o não uso de todos os recursos ou prazos processuais, quando os pertinentes foram utilizados. Dir-se-á, inclusive, que a insistência, não raras vezes, provocando retardamento do feito, pode até tipificar litigância temerária, quando então sim poderia gerar responsabilização. Apelação desprovida. (TJRS. AP. Nº 70008064180. 9ª CC. REL. DES. MARILENE BONZANINI BERNARDI).

"A perda de prazo para apelar, por comprovada desídia do advogado empregado de sindicato que defendia os interesses do associado em ação de mandado de segurança não constitui automaticamente um dano material comum concretamente constatável, vez que jamais se saberá qual seria o pronunciamento do tribunal no julgamento do recurso se este tivesse sido tempestivamente interposto, caso em que a ação indenizatória só poderia, em tese, ter probabilidade de êxito se tivesse por causa de pedir a perda de uma chance, em que é admissível o arbitramento do valor da reparação levando-se em conta a perda, pelo cliente, da possibilidade de ter a sua causa reexaminada pelo órgão ad quem, não podendo esse valor corresponder ao benefício por ele ali perquirido (dano emergente) ou ao que efetivamente deixou de ganhar (lucro cessante). Agravo retido conhecido e não provido e apelação conhecida e provida. (TJMA - AC 7221/2006 - 1ª C.Cív. - Rel. Desemb. Jamil de Miranda Gedeon Neto - J. 04.06.2007)"
Entendimento recente do STJ sobre a teoria da perda de uma chance:
"A teoria de perda de uma chance (perte d’une chance) dá suporte à responsabilização do agente causador, não de dano emergente ou lucros cessantes, mas sim de algo que intermedeia um e outro: a perda da possibilidade de buscar posição jurídica mais vantajosa que muito provavelmente alcançaria se não fosse o ato ilícito praticado. Dessa forma, se razoável, séria e real, mas não fluida ou hipotética, a perda da chance é tida por lesão às justas expectativas do indivíduo, então frustradas. Nos casos em que se reputa essa responsabilização pela perda de uma chance a profissionais de advocacia em razão de condutas tidas por negligentes, diante da incerteza da vantagem não experimentada, a análise do juízo deve debruçar-se sobre a real possibilidade de êxito do processo eventualmente perdida por desídia do causídico. Assim, não é só porque perdeu o prazo de contestação ou interposição de recurso que o advogado deve ser automaticamente responsabilizado pela perda da chance, pois há que ponderar a probabilidade, que se supõe real, de que teria êxito em sagrar seu cliente vitorioso. Na hipótese, de perda do prazo para contestação, a pretensão foi de indenização de supostos danos materiais individualizados e bem definidos na inicial. Por isso, possui causa de pedir diversa daquela acolhida pelo tribunal a quo, que, com base na teoria da perda de uma chance, reconheceu presentes danos morais e fixou o quantum indenizatório segundo seu livre arbítrio. Daí, é forçoso reconhecer presente o julgamento extra petita, o que leva à anulação do acórdão que julgou a apelação. Precedentes citados: REsp 1.079.185-MG, DJe 4/8/2009, e REsp 788.459-BA, DJ 13/3/2006.
REsp 1.190.180-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 16/11/2010. (g.n)"

d)Não pagamento de custas:

O não recolhimento das custas ou o seu recolhimento irregular, especialmente nas ações de juizados especiais cíveis onde o entendimento majoritário é pela não abertura de prazo para regularização, poderá causar o não recebimento do Recurso, ainda que tempestivamente interposto.

O Colégio Recursal dos Juizados Especiais Cíveis do TJ SP, no Recurso Inominado nº 30359, da 1ª Turma, São Paulo, SP, 19 de dezembro de 2007, entendeu que a mera extinção de embargos à execução por falta de recolhimento de custas não justifica a reparação por perda de chance, ainda mais porque, in casu, "encontraria óbice na mínima, quiçá nenhuma, possibilidade de êxito dos embargos".

e)Não ajuizamento de ação rescisória:

Vislumbra-se, ainda, a hipótese do não ajuizamento da ação rescisória no prazo decadencial de dois anos, o que acarretaria a perda da oportunidade de invalidar uma decisão transitada em julgado, desde que o advogado tenha sido devidamente contratado para tanto.

Por outro lado, se a falta de ajuizamento da ação rescisória pode gerar responsabilidade por perda de chance, a sua propositura pode afastar a responsabilidade do advogado pela chance perdida em recurso intempestivo.

Foi essa a linha de raciocínio aplicada pelo STJ no AI 932.446/RS, ao decidir que o advogado que propõe ao cliente a propositura de ação rescisória – como forma de reparar o erro do qual resultou a perda da chance – afasta a sua responsabilidade pela perda do prazo recursal:
"AGRAVO. JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE. ADVOGADO QUE PERDE PRAZO RECURSAL. PEDIDO DE INDENIZAÇÃO FORMULADO POR SEU CLIENTE COM BASE NA PERDA DE UMA CHANCE. Acórdão vergastado reconhecendo que a ação rescisória proposta por clientes em situação idêntica resultou exitosa. Fundamento não atacado. Deficiência na fundamentação. [...]. negado provimento ao agravo de instrumento. STJ, AI 932.446/RS, Decisão Monocrática, Brasília, DF, 29 de outubro de 2007."
Diante do exposto é possível identificar que para que a chance seja indenizável ela precisa ser séria, real e o critério para definição do valor a ser indenizado deve ponderar a chance que se perdeu, o ato ilícito praticado e o suposto resultado a ser alcançado, caso a chance não tivesse sido perdida.

Conclusões

Diante das exposições feitas acima, conclui-se que:
I - Para que o advogado possa ser responsabilizado na teoria da perda de uma chance é necessário que restem demonstrados os elementos: culpa, ato ilícito, perda da chance de auferir uma vantagem futura e causalidade entre o ilícito e a interrupção dos fatos que poderiam desembocar na vantagem final esperada.
II - Na quantificação da reparação pela perda de chance, esse valor não pode alcançar o valor máximo da vantagem final pretendida e, quando for impossível calcular matematicamente este valor, o juiz o fixará por arbitramento.
III - A jurisprudência e a doutrina ainda não são pacíficas em relação ao tema, porém é possível afirmar que a teoria da perda de uma chance já é aceita no ordenamento jurídico brasileiro e que a chance séria e real deve ser indenizada considerados os critérios de razoabilidade para aferição de seu valor.

PAIVA, Andressa Barros Figueredo de. A perda de uma chance relacionada à advocacia. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2995, 13 set. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/19981>.

A transparência e o consentimento informado na relação médico-paciente

De acordo com o Dicionário Aurélio, transparente é o "que, deixando-se atravessar pela luz, permite distinguir nitidamente os objetos através de sua espessura". [03] Esse é o significado que, adaptado à Ciência do Direito, deverá ser buscado nos contratos médicos. Toda informação deverá ser prestada para que o paciente seja capaz de dar um consentimento eficaz e o médico de apreender todas as informações importantes para um possível procedimento.

Como dito acima, a transparência não é exigida somente do profissional da medicina. O paciente tem o dever de informar todos os detalhes relevantes da sua saúde.

Por meio das informações obtidas do paciente, Achával dispõe que o médico tem que ser capaz de responder os seguintes questionamentos: o quê, quando, em quem e como. [04]

Apesar disso, é fundamental a observância do princípio pelo facultativo, uma vez que é ele que detém o conhecimento específico, ele é quem saberá a importância e necessidade de cada informação, possuindo, ainda, os meios de descobrir as informações que deseja através de exames e procedimentos similares.

Essa obrigação de atuar conforme governa o princípio da transparência já era apontada na metade do século passado pela a jurisprudência francesa nos seguintes termos:
Pesa sobre o médico e sobre as clínicas, uma obrigação contratual, isto é, a necessidade do contrato médico compactuado entre o enfermo e o médico, de dar a vítima uma informação inteligível e leal das condições em que a operação será preparada e executada. [05]
Entendendo essa importância, o Código de Ética Médica, em seu art. 22, trata como dever do médico a informação ao paciente. Fabian dispõe sobre essa informação:
O médico deve esclarecer sobre a forma da intervenção e sobre aqueles riscos da intervenção, que não ficarem completamente fora da probabilidade. Para a probabilidade do risco não importa alguma estatística, é preciso informar sobre aqueles riscos raros que podem se realizar especificamente no tratamento. O paciente também deve saber os efeitos colaterais do tratamento. Quando o tratamento pode causar dores fortes, o médico deve informar sobre elas. [06]
O autor Achával revela a importância da informação completa, que não poderá se limitar a declaração do nome do procedimento a ser seguido pelo médico. Será necessário que se diga a maneira como será realizado, além das informações referentes aos riscos, ao pós-operatório, efeitos colaterais, entre outros detalhes importantes para o paciente.

Fabian reforça que "na fase pré-contratual, o fornecedor tem de informar praticamente sobre todo fato que tem importância para a escolha do consumidor." [07]

Muito mais do que o dever de informar, o princípio da transparência impõe diretrizes de como a informação deve ser repassada, a qualidade e quantidade. A observação desse princípio é fundamental para alcançar o consentimento informado, ou seja, o consentimento eficaz, do médico e principalmente do paciente.

A importância do dever de informar majora nos contratos médicos na especialidade cirúrgica. Isso porque os procedimentos cirúrgicos envolvem muitos riscos e, dependendo do caso, o paciente poderá preferir permanecer com o incômodo a correr um risco muito elevado.

A perfeita ponderação, por parte do paciente, sobre os benefícios e os riscos somente poderá ser alcançada sobre a égide do princípio da transparência. Sobre isso trata Ghersi:
Como já assinalamos no ordenamento jurídico contratual, a relação jurídica do serviço profissional médico é um contrato de confiança e de acordo com sua tipicidade é uma prestação de serviço, cuja uma de suas obrigações é a devida e adequada informação ao cliente ou aos seus familiares para que estes, ou aquele, possam tomar uma decisão pensada, meditada e racional. [08]
Nas palavras de Fabian, a transparência jurídica assegura que o consumidor possa formar e manifestar livremente sua vontade negocial. Somente fazendo uso dessa maneira de informar é que o paciente poderá fornecer o consentimento eficaz ou consentimento informado, como já explicitado.
Podemos conceituar o consentimento informado de acordo com Giostri:
Consentimento informado é aquele consentimento dado por um indivíduo capaz, que recebeu a informação necessária, que compreendeu adequadamente e que após analisá-la e fazer suas considerações, chegou a uma decisão sem ter sido submetido à coação, à influência indevida, à indução ou à intimidação de qualquer gênero. [09]
De acordo com Achával, "devemos interpretar o consentimento como uma coincidência na realização de um meio que se julga adequado para o fim desejado por ambos, o médico e o paciente." [10]
O mesmo autor atenta sobre a maneira em que a informação deve ser prestada ao paciente:
A informação ao paciente deve ser dada pelo médico como uma forma de comunicação, isto é, um intercâmbio – vocábulo que nos dá o significado de uma possibilidade mútua de compreensão – de atos, idéias próprias ou alheias, que fazem a circunstancia do diagnóstico e da terapia do paciente, tanto como a seu estado emocional.
[o médico] Deve saber escutar, porque não é um monólogo nem uma conferencia, e sim um diálogo administrado com paciência e controle até o fim. [11]
É imprescindível a observância, pelo médico, do que Achával descreve como intercâmbio. Não basta que o profissional descreva o procedimento em sua totalidade e revele todos os riscos. É preciso que haja uma efetiva comunicação entre as partes. O médico deverá dar ao paciente a oportunidade de fazer perguntas e ponderações e se certificar que o paciente está conseguindo absorver tudo que lhe é elucidado.

Mesmo posicionamento de Giostri:
Importante observar que até o nível de compreensão do paciente deve ser analisado no momento de prestar-lhe as informações devidas, pois a extensão da obrigação de informar sobre os riscos ou a modalidade de informação podem variar de acordo com a capacidade cognitiva do paciente ou mesmo com sua personalidade e comportamento. [12]
Para Fabian "o consentimento é somente eficaz quando o paciente souber a que tratamento ele deu o seu consentimento. O consentimento pressupõe o conhecimento. Um consentimento sem informação anterior é ineficaz, mesmo se o tratamento fosse lege artis." [13] (FABIAN, 2002).

Há casos, contudo, em que o paciente não poderá exteriorizar seu consentimento. O fato ocorre quando o paciente é civilmente incapaz para fazê-lo, ou quando a gravidade e urgência da situação impedem essa exteriorização. Sobre isso trata Caio Mário com as seguintes palavras:

Em face do consentimento do cliente, é de ver se este era pessoa consciente e responsável e foi devidamente esclarecido sobre os efeitos do tratamento e dos riscos, agravando-se a deliberação do médico se obteve a anuência sem os interessados estarem devidamente esclarecidos. [14]

Por fim, Achával decreta que "o consentimento é uma garantia da liberdade do paciente para escolher." [15]



Conclusão:

Embora o contrato médico esteja sob a influência de inúmeros princípios, é indiscutível que o princípio da transparência e o do consentimento informado estão entre os mais importantes.

Caso o paciente oculte informações relevantes sobre a sua saúde, o facultativo poderá responsabilizá-lo em caso de dano. O mesmo vale para o médico que omita riscos e demais informações importantes sobre o procedimento a ser adotado.

Somente poderá se considerar que uma parte optou por uma atitude, a partir do momento que ela estava consciente de todos os dados necessários, caso contrário, tudo não passaria de uma aposta. E nesse caso uma aposta com risco de morte.

GUERRA, André Fonseca. A transparência e o consentimento informado na relação médico-paciente. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2990, 8 set. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/19949>.