terça-feira, 18 de outubro de 2011

Criminalização dos flanelinhas: ato consumado ou necessidade

Analisam-se as atividades dos “flanelinhas” ou “guardadores de carro”, desde o projeto de lei que propõe a criminalização destas atividades até as legislações municipais e estaduais que pretendem regular o tema.
(...)
Deve se iniciar qualquer texto acadêmico com a definição e a natureza do objeto, neste caso os "guadadores de carro" ou "flanelinhas" são aqueles pedintes que se especializam em cobrar pelo serviço de ‘vigilância’ de veículos estacionados em vias públicas, o oferecimento do serviço certamente constitui uma ameaça tácita, ou uma extorsão em branco como preferem alguns, de dano, furto ou roubo no caso de não pagamento.
As prefeituras tentam regular tal ilícito de tal forma que capitalize os resultados, com a regulação de políticas como a demarcação de áreas de "zona azul" na cidade, legitimando a cobrança pelo estacionamento em local público em nome do município.

A demonstração que ha reprovação pública a esta atividade pode ser observada no sitio www.odeioflanelinhas.cjb.br que anuncia deter aproximadamente 7000 acessos semanais e dedica-se a propiciar à população a oportunidade de expor sua revolta a esta atividade. Na realidade, políticos de todas as matizes aproveitam-se do ódio público a tais criminosos, o deputado Celso Russomano mantém em sue sitio eletrônico [07] um manual para tratamento de "guardadores", ele orienta que o cidadão pague com cheque, chame a polícia e comunique o fato como extorsão do CP art158.
 Conclusão:
São nobres as iniciativas de ambos os deputados, o que propõe a aplicação do art. 158 do CP, assim como, daquele que propõe a existência de um novo artigo no código para criminalizar esta conduta, porém ambas as propostas são ineptas e ineficazes, como demonstrado.

A solução não parece ser a criação de mais e mais leis, muito menos a aplicação sem técnica da legislação existente, bastaria a aplicação das normas atuais que prescrevem a vadiagem e a mendicância como contravenções, combinadas com a eficácia, mesmo que remota, de um órgão de segurança pública que inibisse os danos, furtos e ações criminosas de todo gênero contra os veículos estacionados em vias públicas e seus condutores.

Também é demagogia pregar que qualquer medida de diminuição do desemprego seja eficaz para diminuir a incidência de tal imoralidade, pela famosa lei do esforço mínimo – que expressa motivação básica do homo ecconomicus já explanado em retro – uma vez que a maioria dos contraventores então em melhor situação do que a maioria dos trabalhadores, e estes só deixarão o ilícito e a imoralidade se impelidos, não pela existência de mais uma lei, mas pela aplicação das normas existentes.

RODRIGUES, Renato Amoedo Nadier. Criminalização dos flanelinhas: ato consumado ou necessidade. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3029, 17 out. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20256>.
De fato, o ato analisado é odioso e ilícito, mas enquadra-lo no art.158 demonstra desconhecimento da norma, a extorsão do código penal brasileiro exige "violência ou grave ameaça", e não ha jurisprudência que considere "ameaça tácita" como tal [08].

A lei municipal de São José do Rio Preto (SP) de numero 7246/98 (assim como as outras legislações sobre o tema), que regulamentava a atividade dos "flanelinhas" loteando a cidade foi anulada por uma ADIN, a ação alegava, dentre outras motivações que a CF não permite que pessoas prestem serviços a administração pública sem realização de processo seletivo e que tal atividade constituía constrangimento indireto, uma "extorsão em branco".

A revolta da população, onerada por um vetor pelo estado que não cumpre suas obrigações, e por outro com a horda de pedintes nas ruas cresce com o empobrecimento e a crise social, e pressiona pela tentativa de prefeituras e estados em resolver este problema. Em conseqüência destes fatos, o deputado Neuton Lima (PTB-SP) criou o projeto de lei 2953/04 sob o argumento de que "sob a legislação atual o ato de cobrar para vigiar carros com a ameaça tácita de dano não constitui crime" [09]. Segundo o deputado deveria ser acrescentado o artigo 160-A ao CP com o texto "extorsão mediante promessa ou efetiva vigilância de veículos estacionados em vias ou locais públicos", cuja redação é a que segue: - "exigir mediante ameaça, solicitar, receber ou aceitar a promessa de receber dinheiro, ou qualquer outra vantagem econômica, em contrapartida da promessa ou da efetiva vigilância de veículos estacionados em vias e locais públicos" [10].

Ainda segundo o projeto, qualquer conduta que se enquadre no tipo penal acima descrito, estará passível de punição, estando o seu agente sujeito à pena de detenção de 06 (seis) meses a 02 (dois) anos, e multa. Importando lembrar que o simples receber, ou aceitar promessa de receber dinheiro, ou qualquer outra vantagem econômica, já configura o tipo penal, se fazendo desnecessário para tal, a comprovação de eventual "exigência mediante ameaça".

É bem verdade que o conteúdo legislativo até aqui tratado se limita à mera proposta, não havendo como se ter qualquer previsão acerca do início de sua eventual vigência, e se a sua aprovação se dará nos exatos termos propostos, isto, caso efetivamente venha a se tornar lei.

Mesmo que hipoteticamente considerando a proposta existem ressalvas vitais a sua aplicação [11], à saber: - devido a formação doutrinária de muitos, induzidos a tolerar o ilícito, poderia-se aplicar a esta situação o teor do art.89 da Lei nº 9.099/95, que prevê que ao propor a denúncia, o Promotor de Justiça poderá requerer a suspensão condicional do processo, pelo prazo de 02 (dois) a 04 (quatro) anos, evitando-se todo o custo e desgaste da tramitação de um processo criminal, que por certo não resultaria em punição mais gravosa, ante os limites máximos estabelecidos à pena; e finalmente, ainda que haja qualquer condenação com penas restritivas de liberdade, em razão do limite máximo ser de 02 (dois) anos, poderá haver substituição da pena de restritiva de liberdade por restritiva de direitos , nas quais se enquadram a prestação pecuniária (multa), perda de bens e valores, prestação de serviços à comunidade, interdição temporária de direitos e limitação de fim de semana, em cujas substituições devem ser observadas algumas exigências e detalhes previstos no próprio Código Penal.

Como se não fossem suficientes os benefícios da substituição de pena já tratados, ainda poderá o condenado ter direito a suspensão condicional da pena, oportunidade em que deverá atender às exigências do Juízo que o condenou, pelo período de 02 (dois) a 04 (quatro) anos, de forma a não cumprir qualquer restrição a sua liberdade.