terça-feira, 8 de novembro de 2011

Atos lesivos que não são ilícitos

Conseqüência - A principal conseqüência do ato ilícito é a obrigação de reparar o dano.

Atos lesivos que não são ilícitos - Alguns atos lesivos não são ilícitos, tais como:

a) Os praticados em legítima defesa (“Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem” - art. 25 do CP) ou no exercício regular de um direito;

b) A deterioração ou destruição de coisa alheia, ou a lesão à pessoa, a fim de remover perigo iminente, quando as circunstâncias tornarem o ato absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo (estado de necessidade). Apesar de o ato praticado em tal situação não ser ilícito, encontra-se obrigado o agente a indenizar a vítima, se esta não for culpada pelo perigo. Neste caso, o autor do dano terá direito regressivo contra o terceiro causador do perigo e contra o terceiro em defesa de quem se causou o dano.

Ato ilícito

Conceito - É o ato praticado em desacordo com a ordem jurídica, violando direito subjetivo individual (Maria Helena Diniz). Adotando a teoria do abuso do direito, que será analisada em direito das obrigações, o Código Civil ainda estabelece que “também co­mete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico, pela boa-fé ou pelos bons costumes”. Art. 187, CC.

Ato ilícito e infração penal - O ato ilícito tem o mesmo fundamento ético da infração penal (infração a um dever preexistente e a imputação do resultado à consciência do agente), distinguindo-se desta, eis que enquanto o primeiro consiste na ofensa ao interesse privado de alguém, a segunda se caracteriza numa violação de norma imprescindível à existência da sociedade.

Ato ilícito e negócio ilícito - O ato ilícito distingue-se do negócio ilícito, pois este é punido com a invalidade, ao passo que aquele é reprimido com a obrigação de indenizar. Segundo Orlando Gomes, é ilícito o negócio quando sua causa ou seu motivo determinante não forem conformes ao direito, ou quando o objeto e o comportamento das partes não forem idôneos.

Elementos do ato ilícito:

a) Prática pelo agente de ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência - culpa em sentido amplo, que abrange o dolo (violação intencional de um dever jurídico) e a culpa em sentido estrito (violação não intencional de um dever jurídico, por imprudência, imperícia ou negligência). O agente deve ter conhecimento da ilicitude do seu ato. Excepcionalmente, a legislação contempla hipóteses de responsabilidade objetiva (independente de culpa). A esse respeito, preceitua o art. 927, parágrafo único, do Código Civil: “Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.

Segundo Maria Helena Diniz, a culpa pode ser classificada:

I - Em função da natureza do dever violado: contratual (se tal dever se fundar num contrato) ou extracontratual ou aquiliana (se tal dever decorre de preceito de direito);

II - Quanto à graduação: grave (“quando, dolosamente, houver negligência extrema do agente, não prevendo aquilo que é previsível ao comum dos homens”), leve (“a lesão de direito seria apenas evitável com atenção ordinária”) e levíssima (“se a falta for evitável por uma atenção extraordinária, ou especial habilidade e conhecimento singular”). Essa distinção, geralmente, não tem relevância na fixação do valor da indenização por danos materiais, pois “a indenização mede-se pela extensão do dano”. Entretanto, se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, pode o Juiz reduzir, equitativamente, a indenização. A extensão do dano também influi na fixação do valor da indenização por danos morais;

III - Em relação aos modos de sua apreciação: in concreto (quando se examina a imprudência ou a negligência do agente no caso concreto) ou in abstrato (“quando se faz a análise comparativa da conduta do agente com a do homem normal”);

IV - Quanto ao conteúdo da conduta culposa: in committendo (se houver a prática de um ato positivo), in omittendo (se houver uma omissão), in eligendo (decorre da má escolha daquele a quem se atribui a prática de um ato ou o adimplemento de uma obrigação), in vigilando (advém da falta de atenção para com o comportamento de outra pessoa, por cujo ato licito o responsável deve responder) e in custodiendo (é a falta de atenção ou cautela relativamente a pessoa, animal ou objeto, sob os cuidados do agente).

b) Ocorrência de um dano - Pode ser moral ou patrimonial. Este, por sua vez, compreende danos emergentes (o que a vítima perdeu) e lucros cessantes (o que a vítima deixou de ganhar). “Se o dano material e o moral decorrerem do mesmo fato serão cumuláveis as indenizações” (Súmula 37 do STJ).

c) Nexo de causalidade entre o dano e o comportamento do agente - O dano deve decorrer da conduta do agente. Assim, exclui-se a responsabilidade, se o dano decorreu de culpa exclusiva da vítima, de caso fortuito ou força maior.

Simulação

Também será nulo o negócio jurídico simulado. A simulação é a “declaração enganosa de vontade, visando produzir efeitos diversos dos ostensivamente indicados”. Existe dolo de ambas as partes contra terceiro. Tem as seguintes características: falsa declaração bilateral de vontade; a vontade exteriorizada diverge da interna ou real, não correspondendo à intenção das partes; é sempre concertada com a outra parte, sendo intencional o desacordo entre a vontade interna e a declarada; é feita no sentido de iludir terceiro (art. 167, CC).

A simulação pode ser: absoluta (a declaração enganosa de vontade exprime um negócio jurídico bilateral ou unilateral, não havendo a intenção de realizar negócio algum) ou relativa (a declaração enganosa de vontade exprime um negócio jurídico fictício -contrato aparente -, enquanto, na realidade, deverá realizar outro negócio -contrato real -, diverso do primeiro).

A simulação relativa pode ser:
a) subjetiva -se a parte contratante não for o indivíduo que tira proveito do negócio. Quando o negócio jurídico aparentar conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem;

b) objetiva - relativa à natureza do negócio pretendido, ao objeto ou a um dos elementos contratuais. Quando o negócio jurídico contiver declaração, confissão, condição, ou cláusula não verdadeira ou quando os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados;

O Código Civil de 2002 não mais distingue entre simulação inocente e maliciosa, pois ambas produzem o mesmo efeito: nulidade do negócio simulado e a subsistência do dissimulado, se válido for na sua substância e na forma (art. 167). A simulação inocente era aquela que não causava prejuízo e a simulação maliciosa a que causava prejuízo.

OBS.   Dissimulação não é o mesmo que simulação, pois nesta se quer enganar sobre a existência de uma situação não verdadeira, enquanto naquela simplesmente se oculta de outrem uma situação existente, Todavia, a simulação relativa se destina a encobrir um negócio dissimulado. Diante disso, o Código Civil estabelece que, apesar de nulo o negócio simulado, subsiste o que se dissimulou, se válido for na sua substância e na forma.

Reserva mental é a emissão de uma intencional declaração não querida em seu conteúdo, nem em seu resultado, tendo por único objetivo enganar o declaratário. Equipara-se à simulação, em seus efeitos jurídicos, no caso de ser bilateral. Caso contrário (se for unilateral), não pode ser invocada pelo declarante para invalidar o negócio. A esse respeito, o art. 110 do CC estabelece que “A manifestação de vontade subsiste ainda que o seu autor haja feito a reserva mental de não querer o que manifestou, salvo se dela o destinatário tinha conhecimento”.

Na vigência do Código Civil de 1916, os contraentes não poderiam alegar, ou requerer em juízo quanto à simulação maliciosa, em litígio de um contra o outro ou contra terceiros. Tratava-se de aplicação do principio de que ninguém pode ser ouvido em juízo alegando a própria torpeza (nemo auditur propriam turpitudinem allegans). Entretanto, diante do Código Civil de 2002, a regra não mais se afigura aplicável, uma vez que a simulação passou a ser causa de nulidade absoluta do negócio jurídico, razão pela qual pode ser alegada por qualquer interessado, inclusive por aqueles que realizaram o negócio simulado.

Apesar de ser nulo o negócio simulado, ressalvam-se os direitos de terceiros de boa-fé em face dos contraentes do aludido negócio. Trata-se, pois, de exceção à regra de que a declaração de nulidade produz efeitos ex tunc.

Invalidade dos negócios jurídicos

É sanção imposta pela lei, que determina a privação dos efeitos jurídicos do negócio praticado com inobservância das disposições legais.

São duas as espécies de atos inválidos de acordo com o Código Civil: os nulos e os anuláveis.

A) Nulidade (nulidade absoluta) - De acordo com o art. 166 do CC, o negócio jurídico é nulo quando:
- celebrado por pessoa absolutamente incapaz;
- for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto;
- o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito. E preciso, neste caso, que o motivo determinante ilícito seja comum a ambas as partes, não bastando que seja do conhecimento de apenas um dos contratantes.
- não revestir a forma prescrita em lei;
- for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade;
- tiver por objetivo fraudar lei imperativa;
- a lei taxativamente o declarar nulo (nulidade textual ou expressa) – ex.. art. 318, CC, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção (nulidade virtual ou implícita) – ex. art. 426, CC. .

Efeitos da nulidade absoluta:
- pode ser alegada por qualquer interessado, ou pelo Ministério Público (quando lhe couber intervir), produzindo efeitos erga omnes (art. 168, caput);
- pode ser conhecida de ofício pelo juiz, quando conhecer do negócio jurídico ou dos seus efeitos e a encontrar provada (art. 168, parágrafo único);
- não admite confirmação pelas partes, nem suprimento pelo juiz (art. 169, 1ª parte);
- a declaração judicial produz, em regra, efeitos ex tunc, salvo em hipóteses excepcionais, como no caso de casamento putativo;
- em regra, é imprescritível, não convalescendo pelo decurso de tempo (art. 169, 2ª parte);
- admite conversão, vez que, se o negócio jurídico nulo contiver os requisitos de outro, subsistirá este quando o fim a que visavam as partes permitir supor que o teriam querido, se houvesse previsto a nulidade. Ex.: “poder-se-á ter a transformação de um contrato de compra e venda, nulo por defeito de forma, num compromisso de compra e venda” (Maria Helena Diniz). (art. 170).

B) Anulabilidade (nulidade relativa) - De acordo com o Código Civil, o negócio jurídico é anulável quando (art. 171):
- celebrado por pessoa relativamente incapaz;
- viciado por erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores;
- a lei expressamente o declarar.

Efeitos da anulabilidade:
- pode ser alegada somente pelos interessados e somente aproveita aos que a alegarem, salvo solidariedade ou indivisibilidade (art. 177, 2ª parte);
- não pode ser conhecida de ofício pelo juiz (art. 177, 1ª parte);
- somente produz efeitos depois de julgada por sentença (art. 177, 1ª parte);
- a declaração judicial produz efeitos ex nunc;
- submete-se aos seguintes prazos decadenciais: quatro anos, contados, no caso de coação, do dia em que ela cessar, no caso de erro, dolo, fraude contra credores, estado de perigo e lesão, do dia em que se realizou o negócio jurídico, e no de atos de incapazes, do dia em que cessar a incapacidade; dois anos, a contar da conclusão do ato, quando a lei dispuser que determinado ato é anulável, sem estabelecer prazo para pleitear-se a anulação (arts. 178 e 179);
- admite confirmação pelas partes, que retroage à data do ato, ressalvados os direitos de terceiros (art. 172). O ato de confirmação deve conter a substância do negócio celebrado e a vontade expressa de mantê-lo (art. 173). Pode ser tácita, quando o negócio já foi cumprido em parte pelo devedor, ciente do vício que a inquinava (execução voluntária de negócio anulável) - art. 174. Importa a extinção de todas as ações, ou exceções, de que dispusesse o devedor contra o negócio confirmado (art. 175). Quando a anulabilidade do negócio resultar da falta de autorização de terceiro, será validado se este a der posteriormente (art. 176).