quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Servindo o público ou servindo-se do público?

Saiu na Folha.com no dia 25/11/11:

Desembargador é parado em blitz e dá voz de prisão a PM no Rio

Após ter seu carro oficial parado por agentes de uma blitz da Lei Seca em Copacabana (zona sul do Rio), o desembargador Cairo Ítalo França David, do Tribunal de Justiça do Estado, deu voz de prisão a um tenente da PM alegando que, por ser uma autoridade, não deveria ser fiscalizado. A informação foi divulgada pelo governo do Estado.
O desembargador, da 5ª Câmara Criminal, estava em carro oficial que era conduzido por Tarciso dos Santos Machado. Ao ser parado pelos policiais, o motorista se recusou a estacionar na baia de abordagem e parou o veículo no meio da rua. Além disso, se negou a fazer o teste do bafômetro e a entregar os documentos do carro.
David, então, desceu do veículo e disse aos agentes que não deveria ser fiscalizado por ser uma autoridade e deu voz de prisão para um dos integrantes da operação (…)
Após ouvir as declarações, o delegado Sandro Caldeira concluiu que não houve abuso de autoridade por parte dos agentes da operação e liberou o policial


E no dia anterior, também na Folha.com:

Agentes de trânsito cometem infrações, e fotos vão parar na internet 

Nas últimas semanas, diversos usuários da rede social Facebook divulgaram e reproduziram fotos que mostram agentes da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) em situações que desrespeitam a legislação de trânsito na cidade de São Paulo (…)
Segundo o Código de Trânsito Brasileiro, veículos oficiais e de emergências possuem privilégios de livre parada e trânsito apenas se estiverem com ‘o sistema de iluminação vermelha intermitente’ ligado.
Procurada pela Folha, a CET informou que seus agentes e funcionários são treinados e orientados sobre as regras do código e que ‘também respondem pelas infrações de trânsito que cometem’. A companhia também informa que denúncias e reclamações podem ser feitas por meio do telefone 1188 ou pelo site cetsp.com.br
”.

As duas matérias tratam de um mesmo problema: os servidores públicos não estão acima da lei. Pelo contrario: eles existem para fazer cumprir a lei.


No primeiro caso, o desembargador que deu voz de prisão ilegalmente ao policial dizendo que ele agiu com abuso de autoridade acabou cometendo um crime: abuso de autoridade. No Brasil, você só pode ser preso em duas situações: em flagrante (quando está cometendo ou acabou de cometer um delito) ou por ordem de um magistrado. No caso da primeira matéria, o magistrado (que é um servidor do poder Judiciário) deu a ordem de prisão, logo entraria na segunda hipótese, certo? Não. A ordem de prisão dada pelo magistrado (chamado de ‘mandado’) precisa ser legal, isto é, estar em uma das hipóteses autorizadas pela lei. O magistrado não está acima da lei. O magistrado existe para interpretar a lei e aplica-la. Ele nem pode criar uma lei e nem pode contrariar uma lei.

No segundo caso, os servidores são do poder Executivo. Como no caso dos servidores do Judiciário, eles também não estão acima da lei. Eles devem aplica-la e respeita-la.

E o mesmo acontece no caso dos servidores do Legislativo: ainda que eles possam fazer leis, eles não estão acima delas. Além disso, eles só podem fazer leis quando agem coletivamente (um único senador não pode fazer uma lei). Isso justamente para evitar que eles façam normas para atender seus objetivos pessoais.

Mas então por que há leis que os tratam de forma mais benéfica?

Na verdade, as leis não beneficiam (ou não deveriam beneficiar) os servidores públicos. Quando elas tratam os servidores públicos de forma diferenciada é por que (ou deveria ser porque) eles representam o interesse coletivo. É por isso, por exemplo, que uma ambulância ou um carro de polícia pode avançar o sinal fechado, o policial da primeira matéria pôde parar os carros na blitz ou, como explicado na segunda matéria, um carro da CET pode parar em qualquer lugar quando está com o sistema de iluminação vermelha intermitente ligado. Eles têm esses direitos não porque são pessoas especiais – não são – mas porque precisam ter esse direito para fazer cumprir as demais leis. Se o policial não pudesse parar os carros na blitz, como ele conseguiria aplicar a lei que proíbe as pessoas de dirigirem embriagadas, ou como ele poderia saber que o carro não é furtado? Se a CET não pudesse parar em um canteiro central, como é que ela poderia reorientar o tráfego depois de uma colisão? O interesse protegido nesses casos é público e por isso justifica o comportamento do servidor. Por outro lado, esses servidores não poderiam parar um carro só para atrasar a vida do motorista ou parar seu carro no passeio apenas para ir comprar rosquinhas na padaria. O interesse protegido, nesses casos, é particular e, por isso, não justifica o comportamento do servidor.


E é essa a grande pergunta que o servidor público deve se fazer antes de qualquer ação ou decisão, e que a Justiça fará sempre que tiver que julgar a conduta do servidor. Se o interesse protegido era o do servidor, ele terá agido ilegalmente ou, no mínimo, imoralmente (e tudo o que o servidor faz precisa ser não só legal, mas também moral). Além disso, ele terá infringido um outro princípio do artigo 37 de nossa Constituição: a impessoalidade. A impessoalidade não significa apenas que ele não deve agir para beneficiar ou prejudicar uma outra pessoa porque gosta ou desgosta dela, mas também não deve agir para se beneficiar.
PS: desde 1988 não existe funcionário público. Existem servidores públicos. Eles existem para servir o interesse da sociedade e não para servirem seus próprios interesses.

Fonte: http://direito.folha.com.br/1/post/2011/12/servindo-o-pblico-ou-servindo-se-do-pblico.html

Requisito negativo da tutela antecipada

Há previsão legal expressa, no art. 273, parágrafo 2º, do CPC, no sentido de que: "Não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado". O texto legal é claro, e, a interpretação dada a ele, pela doutrina mais abalizada, não poderia ser outra que não a de que: "... Toda vez que houver perigo de ‘irreversibilidade do provimento antecipado’, a tutela antecipada deve ser indeferida. É este o rigor da regra" (Bueno, 2007, p. 63).

A fim de que se evite, contudo, qualquer sombra de dúvida, importante, com mais pesar, esclarecer, na esteira da melhor doutrina, que:
Quanto à redação: a "irreversibilidade do provimento antecipado" a que se refere o § 2º do art. 273 não é, propriamente, irreversibilidade da decisão que concede ou não concede a tutela antecipada. Não se trata de irreversibilidade da decisão interlocutória que antecipa a tutela em favor de seu requerente. Essa decisão, presentes determinadas circunstâncias e fatos novos, é passível de ser revogada ou modificada, no que é expresso o § 4º do art. 273 (...). A irreversibilidade de que trata o dispositivo em comento diz respeito aos efeitos práticos que decorrem da decisão que antecipa a tutela, que lhe são conseqüentes, que são externos ao processo. É, propriamente, irreversibilidade daquilo que a "tutela jurisdicional" tem de mais sensível e importante: seus efeitos práticos e concretos. (Bueno, 2007: p. 63).
A regra visa, claramente, resguardar os interesses do réu que vem a ser atingido pelos efeitos da antecipação da tutela, e tem o intuito de sempre possibilitar o retorno ao status quo ante, em caso de revogação da medida.

Esta mesma regra da não concessão da antecipação em caso de irreversibilidade de seus efeitos práticos, contudo, não é absoluta. Entende a melhor doutrina que, em havendo conflito de direitos, entre autor e réu, deve ser privilegiado o direito mais provável, por ser este, justamente, o espírito da antecipação da tutela. Colhe-se, do Curso de Marinoni e Arenhart, o seguinte trecho:
Em virtude dessa regra, seria possível pensar que o juiz não pode conceder tutela antecipatória quando ela puder causar prejuízo irreversível ao réu. Contudo, se a tutela antecipatória, no caso do art. 273, I, tem por objetivo evitar um dano irreparável ao direito provável (é importante lembrar que o requerente da tutela antecipatória deve demonstrar um direito provável), não há como não admitir a concessão dessa tutela sob o simples argumento de que ela pode trazer um prejuízo irreversível ao réu. Seria como dizer que o direito provável deve sempre ser sacrificado diante da possibilidade de prejuízo irreversível ao direito improvável. (2010: p. 230).
Da mesma forma, estando em conflito os valores defendidos por autor e réu, conforme seus interesses, e visando a evitar o sacrifício de um direito qualitativamente diverso, a regra da vedação da antecipação da tutela cujos efeitos podem ser irreversíveis, deve ser abrandada, para benefício e realização do valor mais elevado. Segundo prega Cassio Scapinella:
Em suma, cabe ao magistrado verificar, em cada caso em que se requer a tutela antecipada, justamente porque ela opera, nesse estágio, com base em cognição sumária (daí o uso de "probabilidade" na fórmula), em que medida o dano a ser experimentado pelo autor que pretende a tutela antecipada e maior que o do réu. Se o dano do autor for maior, mesmo que em juízo de cognição sumária, a tutela antecipada deve ser concedida. Caso contrário, isto é, caso o juiz do caso concreto, sopesando os fatos e as razões, verifique que a tutela antecipada que favorece o autor cria maiores prejuízos para o réu, a tutela antecipada deve ser indeferida. (2007, p. 65).
As ideais defendidas por Didier Jr., Braga e Oliveira não diferem das de Scarpinella:
Mas essa exigência legal deve ser lida com temperamentos, pois, se levada às últimas conseqüências, pode conduzir à inutilização da antecipação de tutela. Deve ser abrandada, de forma que se preserve o instituto.
Isso porque, em muitos casos, mesmo sendo irreversível a medida antecipatória – ex.: cirurgia em paciente terminal, despoluição de águas fluviais, dentre outros -, o seu deferimento é essencial, para que se evite um "mal maior" para parte/requerente. Se o seu deferimento é fadado à produção de efeitos irreversíveis para o requerido, o seu indeferimento também implica conseqüências irreversíveis para o requerente. Nesse contexto, existe, pois, o perigo da irreversibilidade decorrente da não-concessão da medida. Não conceder a tutela antecipada para a efetivação do direito à saúde pode, por exemplo, muitas vez, implicar a conseqüência irreversível da morte do demandante (sic.). (2008: p. 629/630).

A discricionariedade dada ao aplicador do direito para decidir pela antecipação da tutela, ainda que com efeitos práticos irreversíveis, em que pese possa aparentar afronta direta ao texto do CPC, encontra fundamento, guarida e incentivo na Constituição Federal, e não apenas em suas regras gerais, mas também, no que ela estabelece como diretrizes básicas do próprio processo civil.

Ao lado de princípios processuais que, obrigatoriamente, devem ser seguidos, tais como o da efetividade processual e o da razoável duração do processo, a Constituição estabelece valores que lhe são caros, como o respeito à vida e à dignidade da pessoa humana, e, como forma de ponderação e equilíbrio entre eles, o princípio da proporcionalidade.

Mais uma vez, da sóbria e objetiva doutrina de Cassio Scapinella:
... Essa "preponderância de valores" deriva da Constituição. É o que a doutrina, usualmente, tem denominado "princípio da "proporcionalidade", que, em termos muito diretos, é muito bem representado pela balança que segura Têmis, a "estátua" da justiça. Pelo tal "princípio da proporcionalidade", é dado ao magistrado ponderar as situações de cada um dos litigantes para verificar qual, diante de determinados pressupostos, deve proteger, mesmo que isso signifique colocar em situação de irreversibilidade a outra. É por intermédio desse "princípio" que o magistrado consegue medir os valores dos bens jurídicos postos em conflito e decidir, concretamente, qual deve proteger, qual deve prevalecer, mesmo em detrimento (ou eliminação) do outro. Se o caso é mesmo de preponderância do princípio da efetividade da jurisdição, porque a tutela antecipada é adequada e necessária para tutelar um direito mais evidente que o outro, que assim seja. O sistema autoriza o magistrado à concessão da tutela antecipada, não sendo, nesse caso específico, a irreversibilidade óbice. (2007, p. 67/68).
Portanto, citando, novamente, palavras de Didier Jr., Braga e Oliveira:
Toda vez que forem constatados a verossimilhança do direito e o risco de danos irreparáveis (ou de difícil reparação) resultantes de sua não satisfação imediata, deve-se privilegiar esse direito provável, adiantando essa fruição, em detrimento do direito improvável da contraparte. Deve-se da primazia à efetividade da tutela com sua antecipação, em prejuízo da segurança jurídica da parte adversária, que deverá suportar sua irreversibilidade e contentar-se, quando possível, com uma reparação pelo equivalente em pecúnia. (2008: p. 630).
Chega-se, assim, à afirmação de que o requisito negativo estabelecido no artigo 273, § 2º, do Código de Processo Civil, verdadeira vedação legal à concessão da tutela antecipada, não é óbice absoluto à sua concessão, e pode ser afastado, em prol de valores qualitativamente diversos e que gozam de diferenciado prestígio no ordenamento jurídico nacional.
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FERREIRA, Rodrigo Emiliano. Tutela antecipada: linhas gerais e requisitos para sua concessão . Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3080, 7 dez. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20599>.

Tutela antecipada: prova inequívoca e verossimilhança

O primeiro conceito a ser buscado, assim, é o de prova inequívoca, afinal, é dela que surge a verossimilhança, devendo, ambas, sempre estarem presentes, em qualquer hipótese de antecipação da tutela.

Quanto ao conceito prova não deve haver maiores digressões, afinal, está ele presente no dia a dia dos profissionais do direito desde os primeiros anos da vida acadêmica, sendo um dos primeiros a serem enfrentados quando se estuda processo civil. De forma simples e rápida, porém, a prova pode ser definida como sendo os elementos de convicção, presentes nos autos do processo.

Sem dúvida que o problema maior reside na definição do que vem a ser a prova dita inequívoca.

A princípio poder-se-ia acreditar que prova inequívoca é a absoluta, incontestável e que não deixa nenhuma margem a que o requerido se oponha aos fatos narrados pelo autor. Contudo, não é assim.

Cassio Scarpinella Bueno, discorrendo acerca do assunto, escreve que:
O melhor entendimento para "prova inequívoca" é aquele que afirma tratar-se de prova robusta, contundente, que dê, por si só, a maior margem de segurança possível para o magistrado sobre a existência ou inexistência de um fato. (2007: p. 37).
Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira, definem prova inequívoca de forma bastante similar:
Prova inequívoca não é aquela que conduza a uma verdade plena, absoluta, real – ideal inatingível tal como já visto no capítulo relativo à Teoria Geral da Prova -, tampouco a que conduz à melhor verdade possível (a mais próxima da realidade) – o que só é viável após uma cognição exauriente. Trata-se de prova robusta, consistente, que conduza o magistrado a um juízo de probabilidade, o que é perfeitamente viável no contexto da cognição sumária. (2008: p.624).
Colhe-se da doutrina, portanto, e tal lição encontra respaldo nos valores norteadores do processo civil atual, que a prova inequívoca mencionada pelo Código não é a prova absoluta, mas, também, não é a prova por demais tênue e que não traga aos autos um mínimo grau de segurança de que os fatos narrados são verdadeiros.

A prova inequívoca deve ser prova forte, contundente e que convença de que os fatos que fundam a pretensão do postulante têm elevadas chances de serem verdadeiros e virem a se confirmar, durante a instrução processual.

Prova inequívoca, repita-se, é aquela que, prima facie, inclina o magistrado ao convencimento de que os fatos narrados pelo autor ocorreram da forma por ele indicada, conduzindo, portanto, a um juízo de que sua pretensão, provavelmente, será acolhida ao final:
... É a prova inequívoca que conduz o magistrado a um estado de verossimilhança da alegação. Verossimilhança no sentido de que aquilo que foi narrado e provado parece ser verdadeiro. Não que o seja, e nem precisa; mas tem aparência de verdadeiro. É demonstrar ao juízo que, ao que tudo indica, mormente à luz daquelas provas que são apresentadas (sejam documentais ou não), o fato jurídico conduz à solução e aos efeitos que o autor pretende alcançar na sua investida jurisdicional. (Bueno, 2007: p. 38).
Não se exige, assim, prova absoluta dos fatos, mas, apenas, provas, evidências que apontem na direção da veracidade destes fatos. Atento a esta circunstância, Marinoni escreve que: "... Exigir uma evidência que torne impossível a antecipação da tutela é uma opção distante da realidade da justiça civil; uma opção cômoda, mas não séria" (2009: p. 164).

A inequivocidade que se exige da prova, por fim, deve ser temperada pelos valores em discussão no processo. Sem dúvida, não raras vezes os valores pretendidos e defendidos por autor e réu são diversos, e recebem, inclusive, diferenciada proteção jurídica.

Para ilustrar a situação, interessante a menção a um exemplo presente na rotina forense. O autor que vem a juízo postulando seja o Estado compelido ao fornecimento de um medicamento batalha pela preservação do valor "vida", que merece a mais completa e atenciosa proteção do ordenamento jurídico, inclusive da Constituição Federal, em seu artigo 5º. Já o Estado, que se opõe à pretensão do autor, defende seu equilíbrio fiscal. Por certo que, entre a vida e o equilíbrio fiscal, o primeiro valor deve ser destacado, protegido e realizado com prioridade inafastável.

E, por óbvio que, havendo conflito entre valores diferenciados, também diferenciado deve ser o critério para que a prova seja considerada inequívoca:
Assim, nas situações em que o direito material justifica a redução da exigência da convicção no final do processo e naquelas em que o direito material e o caso concreto apontam para a dificuldade de se produzir prova quando da tutela antecipatória, não há como deixar de elaborar critérios que possam auxiliar o encontro de um tratamento justo. (Marinoni, 2009: p. 186).
Conclui-se, assim, que prova inequívoca é aquela que conduz o magistrado à impressão, impressão séria, insista-se, e não mera intuição desfundamentada, de que os fatos narrados pelo autor são verdadeiros e dão fundamento sólido à sua pretensão, tornando-a verossímil, ou seja, sinalizando que o direito vigente a acolhe. Segundo a doutrina de Cássio Scarpinella:
É a prova que é inequívoca (prova contundente, prova bastante, prova forte, prova muito convincente por si só, independentemente da apresentação de outras), e, como toda e qualquer prova (e a teoria da prova não se prende, apenas e exclusivamente, à tutela antecipada), ela nada mais é do que um meio para convencer o magistrado de alguma coisa. (2007: p. 38/39).
Mais adiante o mesmo Cassio Scarpinella finaliza o raciocínio:
Por essa razão, aliás, é que me parece importante sempre entender, compreender, interpretar e aplicar as duas expressões em conjunto; é a prova inequívoca que conduz o magistrado à verossimilhança da alegação. (2007: p. 39).
A verossimilhança necessária para a antecipação da tutela, assim, não brota da mera argumentação jurídica de seu pretendente. Muito mais do que desenvolver uma tese jurídica bem fundamentada, do ponto de vista teórico, o autor deve concatenar esta mesma tese aos fatos dos quais trouxe a prova inequívoca aos autos:
Esse pressuposto é indicativo de que não basta ao requerente da tutela antecipada formular, retoricamente, seu pedido. A lei é clara quanto à necessidade de serem apresentadas provas, substratos materiais, do quanto alegado. Não basta falar (escrever); tem de demonstrar, mesmo que a prova não seja documental. (Bueno, 2007: p. 39).
A verossimilhança nasce de um juízo crítico positivo dos fundamentos jurídicos da pretensão posta, ou seja, das alegações "de direito". Didier Jr., Braga e Oliveira escrevem que:
É imprescindível acrescentar que a verossimilhança refere-se não só à matéria de fato, como também à plausibilidade da subsunção dos fatos à norma invocada, conduzindo aos efeitos pretendidos. O magistrado precisa avaliar se há probabilidade de ter acontecido o que foi narrado e quais as chances de êxito do demandante. (2008: p. 627).
O raciocínio jurídico apresentado, contudo, deve, necessariamente, estar calcado em fatos comprovados inequivocamente, isto é, com o necessário grau de certeza, conforme prudente apreciação dos valores postos em juízo. Segundo a doutrina:
Trata-se, enfim, de um pressuposto objetivo de concessão da tutela antecipada: o magistrado deverá demonstrar que há nos autos prova produzida, com tais características, que justifique a conclusão pela verossimilhança das alegações. Significa dizer, ainda, que a mera alegação do demandante, não acompanhada de prova, não permite a concessão da medida, por mais verossímil que seja. (Didier Jr., Braga e Oliveira, 2008: p. 626).
Parâmetro bastante razoável para a averiguação da presença da verossimilhança pode colhido do Curso de Marinoni e Arenhart, que escrevem que:
A verossimilhança a ser exigida pelo juiz, contudo, deve considerar: (i) o valor do bem jurídico ameaçado, (ii) a dificuldade de o autor provar sua alegação, (iii) a credibilidade da alegação, de acordo com as regras de experiência, e (iv) a própria urgência descrita. (2010: p.213).
A verossimilhança do direito do postulante da tutela antecipada, assim, está calcada na prova inequívoca, anda próxima dela, mas com ela não se confunde.
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FERREIRA, Rodrigo Emiliano. Tutela antecipada: linhas gerais e requisitos para sua concessão . Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3080, 7 dez. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20599>.

Pressupostos gerais da tutela antecipada

De tudo quanto já foi dito, e da leitura do artigo 273, e de seus dois incisos, do CPC, pode-se concluir, seguindo o raciocínio de Cássio Scarpinella, que muito bem sistematiza e expõe a matéria, que, para a concessão da antecipação da tutela:
Os pressupostos legais são de duas ordens: (i) necessários e (ii) cumulativo-alternativos. São sempre necessárias, para a concessão da tutela antecipada, a prova inequívoca e a verossimilhança da alegação a que se refere o caput do artigo 273. São cumulativo-alternativos o "receio de dano irreparável ou de difícil reparação" e o "abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu", de que se ocupam, respectivamente, os incisos I e II do mesmo dispositivo. Digo que são "alternativos" porque basta a situação descrita no inciso I ou no inciso II para a concessão da tutela antecipada. Mas não é só. Sempre se há de estar diante de uma "prova inequívoca que convença da verossimilhança". Daí serem estes dois pressupostos alternativos (em relação às situações descritas nos incisos), mas cumulativos com o que está no caput, os pressupostos necessários para a concessão da tutela antecipada... (2007: p. 36).
A maior dificuldade, sem duvida, quando da interpretação do texto legal, vem da necessidade de compreensão do significado da expressão: "existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação".

Pouco tempo após a edição da Lei nº 8.952, de 13 de dezembro de 1994, que alterou o artigo 273 do CPC, doutrinadores renomados, chegaram a afirmar que o texto legal continha uma incoerência em si, ao fazer menção a "prova inequívoca" e a "verossimilhança", associando, a primeira à certeza, e a segunda à dúvida. Diziam eles que o Código exigia "certeza absoluta do que era duvidoso".

Tais dificuldades de interpretação, porém, foram extirpadas pelo estudo mais calmo e atento, realizado por juristas de renome e que escreveram aprofundadas monografias sobre a tutela antecipada.
Marinoni escreve:
A grande dificuldade da doutrina e dos tribunais, diante dessa imprescindível análise, decorre da relação, feita pelo art. 273, entre prova inequívoca e verossimilhança. Melhor explicando: há dificuldade de compreender como uma prova inequívoca pode gerar somente verossimilhança.
Essa dificuldade é facilmente explicável, pois decorre de vício que se encontra na base da formação dos doutrinadores e operadores do direito, os quais não distinguem "prova" de "convencimento judicial". Ora, como o art. 273 do Código de Processo Civil fala em "prova inequívoca" e "convencimento da verossimilhança", qualquer tentativa de explicar a relação entre as duas expressões será inútil se não se partir da distinção entre prova e convencimento. (2009: p. 167).
Pois bem. A prova inequívoca, a que se refere o caput do artigo 273 do Código de Processo Civil, só pode ser prova forte e que evidencie a existência e exatidão dos fatos narrados pelo autor e que fundamentam o direito que ele postula em Juízo. Essa conclusão decorre do raciocínio simples de que o direito, em regra, não se prova. Prova forte, segura e que convença, portanto, só pode ser prova acerca dos fatos.

Cássio Sacarpinella Bueno sintetiza a ideia aqui apresentada ao afirmar que: "O que acabei de afirmar deve ser frisado. O adjetivo ‘inequívoca’ relaciona-se à prova; a ‘verossimilhança’ é da alegação" (2007, p. 38).

Tal prova inequívoca dos fatos narrados é que conduz à verossimilhança do alegado, ou seja, convence o magistrado de que, dos fatos narrados pelo autor, inequivocamente comprovados, é provável, verossímil portanto, a hipótese de que o autor tenha razão e verá acolhida sua pretensão, quando do sentenciamento.
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FERREIRA, Rodrigo Emiliano. Tutela antecipada: linhas gerais e requisitos para sua concessão . Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3080, 7 dez. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20599>.

Conceito de tutela antecipada

Já é hora, aqui, de apresentar um conceito para a antecipação da tutela, conceito este que não se encontra, rotineiramente, nos manuais de processo civil.

Luiz Guilherme Marinoni conceitua o que ele prefere chamar de tutela antecipatória, como a técnica processual que consiste na antecipação dos efeitos da sentença condenatória. Segundo o estudioso do instituto:
A "antecipação total dos efeitos" da sentença condenatória nada mais é do que a antecipação do efeito executivo (ou melhor, a produção antecipada do efeito executivo) da sentença de condenação, que torna viável a antecipação da realização do direito afirmado pelo autor. A "antecipação total dos efeitos" da sentença condenatória consiste na antecipação da realização do direito que o autor pretende ver realizado. (2009: p. 44/45).
A mesma conclusão, vale dizer, conceito equivalente para a antecipação da tutela, pode ser buscado na obra de Cássio Scarpinella Bueno, que escreve o seguinte:
... nada, absolutamente nada, há de errado em entender que a "tutela antecipada" é antecipada justamente porque os efeitos da sentença que, como regra, fica sujeita a um recurso que tem efeito suspensivo podem vir a ser sentidos antes disso, antecipadamente a isso. (2007: p. 32).
Mais adiante Cassio Scarpinella Bueno continua discorrendo sobre o assunto e afirma que:
... A tutela antecipada é, decididamente, mecanismo para retirar o efeito suspensivo da apelação fora daqueles casos em que o próprio legislador, genérica e abstratamente, já assumiu, expressamente, o risco processual dessa iniciativa. (2007: p. 100).
A antecipação da tutela, portanto, consiste em técnica processual capaz de transportar para antes de seu tempo os efeitos que somente a sentença com trânsito em julgado poderia produzir, sendo exequível desde logo e permeando o processo de efetividade, ainda que efetividade apenas jurídica.
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FERREIRA, Rodrigo Emiliano. Tutela antecipada: linhas gerais e requisitos para sua concessão . Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3080, 7 dez. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20599>.

Avós ficam com a guarda de neto abandonado pelos pais

Criança de um ano e sete meses ficará na companhia do irmão mais velho que também já é criado pelos avós paternos. Pais biológicos são dependentes químicos.

Decisão do desembargador Luiz Fernando Boller, da 4ª Câmara de Direito Civil do TJ-SC, encerrou importante capítulo da história de uma família de Laguna.

Os avós paternos buscavam com insistência obter a guarda de seu neto, de apenas um ano e sete meses de idade, encaminhado a um abrigo por conta da omissão de seus pais biológicos, que são dependentes químicos.

Os apelantes - que já detém a guarda de um irmão mais velho da criança -, argumentaram que jamais foram coniventes com a omissão da mãe, que já por ocasião do nascimento do menino teria manifestado disposição de entregá-lo para adoção.

Os avós destacaram que sempre quiseram prestar auxílio material e moral para que a nora assumisse suas responsabilidades, principalmente nos momentos em que ela se apresentava emocionalmente instável, por conta do tumultuado relacionamento afetivo com o companheiro.

A juíza de primeiro grau julgou improcedente o pedido feito pelos avós. Mas o desembargador Boller anotou que "o estudo social evidencia que os avós paternos reúnem condições de ordem assistencial, material, afetiva e financeira estrutural de criarem o neto com qualidade de vida".

Pelo julgado, "a existência de vínculo afetivo substancial entre o menor e seus avós paternos foi destacada pela assistente social que trabalhou na instituição no período em que o menor esteve abrigado, sobressaindo a preocupação e dedicação demonstradas pelos insurgentes quando o infante esteve hospitalizado para tratamento de uma virose".

A decisão concluiu pela manutenção do vínculo fraterno, registrando que "revela-se prejudicial, sim, o afastamento da criança de seus parentes próximos, que demonstram interesse em atender as suas necessidades básicas, sobretudo afetivas, estas de significativa influência na fase de desenvolvimento em que se encontra o menor, dada a necessidade de se sentir amado e protegido para que possa crescer de maneira sadia".

Assim, a Câmara conheceu e deu provimento ao reclamo, concedendo a guarda definitiva do pequenino R. B. B. aos avós M. J. G. B. e R. J. B. A decisão foi unânime.

Os advogados Tatiane Yara Odebrecht, Adaliany Vieira Constantino e Sandro Matias da Cunha atuam em nome dos avós. (Proc. nº 2011.055828-2).

Fonte: JUSBRASIL

Embargos rejeitados não inviabilizam Recurso Especial

A 3ª Turma do STJ decidiu que a negligência de uma parte não pode gerar ônus à outra quanto ao interesse processual. Com esse entendimento, a ministra Nancy Andrighi, do STJ, acolheu parcialmente o Recurso Especial de um banco sem o conhecimento de Embargos Infringentes da parte contrária. Para a ministra, o não conhecimento dos embargos, sem a sua impugnação por agravo regimental, não inviabiliza o conhecimento de Recurso Especial.

No caso, um homem ajuizou ação por danos morais e materiais contra o banco ABN Amro Real por causa de um desconto de R$ 2,8 mil em sua conta, decorrente de um cheque adulterado cujo valor original seria R$ 15. Apesar de o banco ter sido avisado, o desconto na conta corrente do autor resultou em encargos de mais de R$ 5 mil e o nome dele foi para o cadastro de inadimplência.

A ação em primeira instância foi julgada procedente e o banco foi condenado a indenizar o autor em R$ 18 mil. O Tribunal de Justiça do Paraná, no entanto, ao julgar apelação do banco reduziu o valor para R$ 12 mil e, por maioria, determinou que a correção monetária fosse a partir da data do acórdão.

Após a morte do autor, o espólio do correntista interpôs Embargos Infringentes para tentar prevalecer o voto vencido do desembargador relator quanto à correção monetária. Os embargos não foram conhecidos por deserção, pois o espólio não recolheu os valores das custas processuais. O banco interpôs Recurso Especial, alegando que a culpa exclusiva de terceiro não deveria gerar sua obrigação de indenizar o correntista.

O TJ-PR rejeitou o recurso, considerando que o não conhecimento dos embargos necessitaria da interposição de Agravo Regimental, peça sem o qual o recurso não poderia ter sido manejado. A inadmissão do recurso motivou a interposição de Agravo de Instrumento, que foi conhecido pela ministra do STJ. Nancy entendeu que o interesse na interposição do agravo jamais seria do ABN Amro Real, mas do espólio. “Mas, se o recurso não foi conhecido por falha da parte contrária, esses precedentes são inaplicáveis. Uma parte não pode ser prejudicada pela torpeza da outra. O recurso especial, portanto, é tempestivo”, concluiu a ministra.

Sobre o mérito do recurso, a ministra explicou que a jurisprudência do STJ considera que as instituições financeiras não se eximem de responsabilidade de indenizar o correntista, pois a responsabilidade está no risco inerente à atividade. O valor da indenização foi considerado pela ministra como moderado e o recurso do banco teve, nessa questão, negado seu provimento. Os demais ministros da 3ª Turma acompanharam o voto da relatora. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

REsp 1091958
Revista Consultor Jurídico

Nome de inadimplente pode ficar cinco anos em cadastro

Sabido que o STJ deu nova redação a Súmula 323 incluindo em seu texto ideia de que o nome do devedor só pode ser mantido nos cadastros dos serviços de proteção ao crédito pelo prazo máximo de cinco anos, ressalvando, portanto, que tal situação independe da prescrição da execução. Vejamos, o texto antigo e o novo na sequência:

"A inscrição de inadimplente pode ser mantida nos serviços de proteção ao crédito por, no máximo, cinco anos".

"A inscrição do nome do devedor pode ser mantida nos serviços de proteção ao crédito até o prazo máximo de cinco anos, independentemente da prescrição da execução".

Sabemos que a Súmula 323 trata do prazo de manutenção da inscrição de nomes em cadastros de inadimplentes dos serviços de proteção ao crédito diante do que pontua os parágrafos 1º e 5º do artigo 43 do Código de Defesa do Consumidor.

A nova redação trazida pelo STJ na Súmula 323 encerrou mais uma contradição jurídica cruel, que estava presente no cenário jurídico da matéria. Afinal, se ocorreu à prescrição da dívida, significa que o credor não mais poderá cobrar, não podendo mais compensá-la. Em outras palavras, a prescrição extingue a exigibilidade da dívida, mas não extingue a própria dívida que se transforma em obrigação natural, tanto que se a mesma for quitada não poderá ser repetida.

Desta forma, a dívida inexigível não constitui ameaça ao patrimônio do devedor. Pelo contrário, esse patrimônio enquanto garantia dos credores permanece inalterado, para suportar as dívidas exigíveis. Tal inalteração do patrimônio do devedor, relativo à dívida tornada inexigível pela prescrição que fica abalada sob o aspecto do direito de crédito do devedor com a permanência da inscrição do seu nome nos cadastros de proteção aos credores em razão da dívida prescrita. Mas a inscrição nos serviços de proteção ao crédito causa ao devedor da dívida prescrita uma sanção consistente da restrição do crédito na praça, como se ele estivesse obrigado a pagar uma dívida exigível, quando, na verdade, não há dívida exigível contra ele.

Assim, a admissão de manter o nome do devedor de dívida prescrita por cinco anos, independente de prescrição, inscrito nos órgãos de proteção ao crédito, seria o mesmo que aceitar a inscrição do nome do devedor por dívida subordinada a termo ou encargo ou mesmo à condição suspensiva. Para todos esses casos a obrigação existe, mas é inexigível. Entretanto, é pacífico que nos casos de dívida a termo, ou sujeita a encargo ou condição suspensiva, a inscrição do nome do devedor nos cadastros de maus pagadores somente pode ser efetuada quando a dívida se torna exigível.

O mesmo raciocínio da exigibilidade como condição para manter a inscrição do nome do devedor nos órgãos de proteção ao crédito aplicada ao caso da dívida prescrita impõe que, consumada a prescrição, o nome do devedor deve ser suprimido de tais cadastros. Não sendo desta forma, estaríamos formando odiosa discriminação e violando a ordem constitucional para infligir ao devedor uma punição, consubstanciada na restrição de crédito que experimentará em razão da inscrição do seu nome como mau pagador, a partir de dívida já não mais exigível, ou seja, estaria impondo ao devedor uma pena restritiva de direitos não prevista em lei — violando assim a Carta Cidadã.

André Marques é advogado, consultor, escritor e Doutorando em Direito.
Revista Consultor Jurídico

A desconsideração da personalidade jurídica no novo CPC

A já famosa desconsideração da personalidade jurídica é, na verdade, um instituto recente, criado pela jurisprudência, portanto, não tem previsão legal específica sobre seu momento processual de aplicação. Por isso, seu procedimento é objeto de muitas discussões.

Nosso CPC é datado de 1973, todavia, a primeira vez que o ordenamento jurídico brasileiro mencionou a desconsideração foi em 1990, no Código de Defesa do Consumidor (art. 28, §5º). É evidente a desatualização do nosso código processual, o que, dentre outros motivos, ocasionou a elaboração do Anteprojeto do novo Código de Processo Civil, o qual criou capítulo especial para tratar do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, o que, a priori, já põe termo a um dos grandes debates referentes a este assunto: a desconsideração é um incidente ou uma ação autônoma?

O Anteprojeto do novo CPC foi apresentado ao Senado em junho de 2010. Em seu capítulo II, do titulo IV tratou do incidente da desconsideração da personalidade jurídica. Ao longo do tempo foram apresentadas emendas pelos senadores, sugestões populares de professores, tribunais, análise de projetos de lei em trâmite e opiniões de outras instituições de direito. Em 15 de dezembro de 2010 nasceu o seguinte texto:

Art. 77 Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado na forma da lei, o juiz pode, em qualquer processo ou procedimento, decidir, a requerimento da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou dos sócios da pessoa jurídica ou aos bens de empresa do mesmo grupo econômico.
Parágrafo único. O incidente da desconsideração da personalidade jurídica:
I – pode ser suscitado nos casos de abuso de direito por parte do sócio;
II – é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e também na execução fundada em título executivo extrajudicial.
Art. 78. Requerida a desconsideração da personalidade jurídica, o sócio ou o terceiro e a pessoa jurídica serão citados para, no prazo comum de quinze dias, se manifestar e requerer as provas cabíveis.
Art. 79. Concluída a instrução, se necessária, o incidente será resolvido por decisão interlocutória impugnável por agravo de instrumento.

O caput do primeiro dispositivo sobre a matéria foi alterado em sua parte final quando encaminhado à Câmara dos Deputados. Previa os requisitos para que fosse decretada a desconsideração: (i) abuso da personalidade jurídica; (ii) requerimento da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo; e (iii) extensão dos efeitos de certas e determinadas coisas aos bens dos administradores ou sócios. Com a emenda, acrescentou-se a extensão da responsabilidade aos bens de empresa do mesmo grupo econômico.

Além disso, criou-se o parágrafo único, que se subdivide em dois incisos, tratando o primeiro dos casos de abuso por parte do sócio, o que caracteriza a desconsideração inversa (quando o sócio abusa da sociedade, para usá-la indevidamente com o fito de camuflar o seu patrimônio pessoal).

O segundo inciso do art. 77 prevê o cabimento da desconsideração a qualquer tempo, o que enfatiza sua característica incidental. No entanto, necessário fazer uma ressalva, tendo em vista que não foram colacionadas no dispositivo as medidas cautelares, o que afasta a incidência da desconsideração em momento anterior ao início do curso do processo.

Em breve comparação ao art. 50 , do CC, o novo CPC praticamente o transcreve, no entanto, apesar de o desvio de finalidade e a confusão patrimonial serem gêneros da espécie abuso de poder, não estão previstos de forma explícita no novo dispositivo. Assim, pode-se dizer que há uma restrição  à aplicação da desconsideração, que também pode ser proveniente, por exemplo, da fraude .

Para José Maria Tesheiner, a fraude é um dos modelos processuais básicos para se decretar a desconsideração. Entretanto, o novo CPC o simplificou, passando a exigir ação, incidental, com intimação para exercício do devido processo legal em quinze dias.

A fim de regulamentar esse procedimento, foi redigido o art. 78 , que registra a possibilidade de primeiro o juiz proferir decisão que desconsidere a personalidade, para depois abrir prazo para as partes exercerem o contraditório e a ampla defesa.

O art. 78 traz mudança, no que se refere aos termos “intimação” e “citação” . Antes, estava previsto que o sócio ou o terceiro e a pessoa jurídica seriam intimados da decisão que desconsiderou a personalidade. Na nova redação, as três figuras jurídicas devem ser citadas, o que confere ao incidente um maior rigor, portanto, formalidade.

Cabe aqui uma crítica. A intimação visa à proteção dos princípios da celeridade e da efetividade. A citação requer um desgaste maior, sendo na maioria das vezes morosa e, portanto, um óbice aos princípios aludidos. Os novos preceitos que orientam o trâmite processual têm deixado de lado as formalidades, garantindo a efetividade. A utilização da citação como meio de informação da decisão de desconsideração implica na demora da prestação da tutela jurisdicional pretendida pelo credor, qual seja, a satisfação de seu crédito, podendo ensejar prestígio à fraude apurada.

Relevante ainda constatar que o novo CPC aplica a desconsideração de forma incidental, o que afasta a necessidade de citação, sendo esta exclusiva da ação incidental. Com isso, surge a seguinte questão: é possível um incidente com figuras que não são partes no processo principal? Ou seja, há a possibilidade de se ter um incidente baseado em uma nova relação jurídica, mas com procedimento no processo principal?

Considerando que não há motivos para que a desconsideração seja apreciada em ação autônoma e tendo em vista que a sociedade cuja personalidade é superada não tem seus bens atingidos, não sendo, portanto parte legitima no incidente processual ora estudado, é possível que haja um incidente com uma nova relação jurídica, não no que se refere ao objeto principal, masno tocante às partes envolvidas. 

O art. 79 adota a previsão do art. 50, do CC, ou seja, a desconsideração da personalidade jurídica deverá ser declarada incidentalmente no processo de conhecimento, viabilizando o alcance patrimonial dos sócios. Assim, com o objetivo de defender seus próprios interesses, os sócios poderão fazer uso do Agravo de Instrumento, para impugnar a decisão que afetou o seu patrimônio, atendendo às garantias constitucionais da ampla defesa e do contraditório.   

 Apesar das inovações, a matéria ainda está longe de se positivar de forma integral. Apenas a título de curiosidade traz-se o Projeto de Lei 2.426/2003, que visa regulamentar o art. 50, do CC. Apresentado em 5 de novembro de 2003, pelo deputado Ricardo Fiúza, sua justificação se deu da seguinte forma:

Embora só recentemente tenha sido introduzido na legislação brasileira, o instituto da desconsideração da personalidade jurídica vem sendo utilizado com um certo açodamento e desconhecimento das verdadeiras razões que autorizam um magistrado a declarar a desconsideração da personalidade jurídica.
(...)

Vanessa Alves da Cunha é integrante do Antonelli & Associados.
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Parte da área rural pode sofrer penhora, decide STJ

A 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça manteve penhora de parte de propriedade rural onde residia a família do executado. A fazenda de 177 hectares teve 50% penhorados, pois foi considerado que a sede onde a família reside não é atingida. O Tribunal de Justiça do Espírito Santo havia entendido que o conceito de propriedade familiar do imóvel deveria ser afastado, pois os proprietários possuíam empregados na exploração agropecuária e o terreno era classificado como média propriedade. Além disso, o débito não era resultado da atividade produtiva própria da fazenda.

No entanto, o executado alegou que a extensão do imóvel não deveria ser considerado para a penhora, pois a propriedade servia de residência da família, o que garantiria sua impenhorabilidade. O ministro Luis Felipe Salomão, entretanto, citou jurisprudência da 3ª Turma, que reconheceu que a extensão do módulo fiscal alcança uma “porção de terra, mínima e suficiente para que a exploração da atividade agropecuária mostre-se economicamente viável pelo agricultor e sua família”. No caso, a penhora incidiu sobre área correspondente a 8,85 módulos fiscais, “por isso ficou contemplada a impenhorabilidade garantida ao bem de família constituído por imóvel rural”, afirmou o relator.

Salomão ressalvou, porém, que a Lei 8.009/90 prevê que a impenhorabilidade do bem alcança a sede de moradia. Dessa forma, o ministro registrou que a sede da fazenda, onde a família mora, ficará dentro dos 50% da área da propriedade que não forem penhorados. O relator também garantiu o acesso à via pública aos proprietários. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

REsp 1018635
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