terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Fortaleza obtém vitória na cobrança pelo uso do solo

É possível que os municípios cobrem, das concessionárias de serviços de telecomunicações, energia, gás e TV a Cabo, uma remuneração pela passagem das redes de infraestrutura em seu solo urbano? Embora o tema ainda não tenha sido pacificado na jurisprudência brasileira, a Justiça cearense vem decidindo pela possibilidade da cobrança, julgando constitucional da Lei 8.744/03, do município de Fortaleza.

O juiz Irandes B. Sales, da 1ª Vara da Fazenda Pública, garantiu à Prefeitura de Fortaleza o direito de cobrar pelo uso, por parte da empresa de TV por assinatura Net, de logradouros públicos, do espaço aéreo, do solo e subsolo para a passagem de cabos de comunicação. Sales negou Mandado de Segurança, que pedia a suspensão da cobrança, contra ato da Secretaria de Meio Ambiente e Controle Urbano de Fortaleza.

Em outra ocasião, em Agravo de Instrumento relatado pelo desembargador José Arísio Lopes da Costa, hoje presidente do Tribunal de Justiça do Ceará, a 3ª Câmara Cível reformou decisão que suspendia a cobrança efetuada à Telemar, confirmando o entendimento de que a cobrança da lei municipal é juridicamente possível, tendo em vista o que dispõe o artigo 103 do Código Civil brasileiro. O dispositivo prevê: "O uso comum de bens públicos pode ser gratuito ou retribuído, conforme for estabelecido legalmente pela entidade a cuja administração pertencerem."

A questão é transversal a pelo menos quatro áreas do direito: tributário, administrativo, ambiental e constitucional. De um lado, as concessionárias alegam que os municípios não podem instituir a cobrança, uma vez que apenas a União poderia legislar sobre serviços de telecomunicação e energia (CF, arts. 21, incisos XI; XII, a e b e 22, IV). argumentam ainda que o solo urbano e o espaço aéreo é um bem de uso comum do povo, e que assim qualquer cobrança oneraria o próprio serviço, que tem caráter público e seria voltado para os próprios cidadãos.

Os municípios, de outro lado, defendem a legalidade da cobrança com fundamento na necessidade da ordenação do solo urbano. Realizados os estudos técnico-jurídicos, alguns optaram pela instituição de taxa, cujo fato gerador seria o exercício do poder de Polícia; outros, como no caso do município de Fortaleza, inclinaram-se pela cobrança de uma tarifa, em contra-prestação ao uso especial de um bem de uso comum sob sua administração e gerenciamento. Os municípios entendem que têm obrigação de preservar e controlar o meio ambiente urbano, o qual alegam ser afetado pela passagem das redes de infraestrutura.

É fato que no final dos anos 90, e no início dos anos 2000, o Brasil viveu um período de grande expansão da oferta dos serviços de telecomunicações e energia. Questionada por uns e defendida por outros, a privatização ocorrida durante o governo do presidente Fernando Henrique trouxe a algumas cidades brasileiras — fenômeno crescente ainda nos dias de hoje — a necessidade de suporte de grandes redes de infraestrutura no seu espaço urbano: cabos, fios e dutos, ora subterrâneos, ora utilizando-se de postes no espaço aéreo, passaram a cortar as principais capitais brasileiras, e avançam agora também sobre as cidades do interior.

A Procuradoria-Geral do Município de Fortaleza diz que a questão da ordenação do solo urbano é fundamental, conforme explica o procurador Henrique Araújo: "Os casos de explosão de bueiros no Rio de Janeiro, com vítimas fatais, demonstram que as administrações precisam ter o controle do seu subsolo. Em Fortaleza, há constantes problemas com a malha viária e passeios relacionados às redes de infraestrutura. A ordenação e a cobrança pelo uso do solo são fundamentais para manter um meio ambiente urbano livre de perigo para os cidadãos."

Para Guilherme Rodrigues, procurador e presidente da Associação dos Procuradores de Fortaleza, a tese municipalista deve prevalecer. "Nossa mobilização não trata apenas de questões de cunho corporativista, até porque temos a clara compreensão de que o fortalecimento da advocacia pública também passa pelos resultados alcançados na defesa dos interesses do ente que representamos. As recentes decisões proferidas demonstram que o Poder Judiciário está sensível a uma análise mais acurada do tema, e que essa não é uma matéria encerrada". 

STJ e STF
O STJ já teve oportunidade de apreciar algumas normas municipais que instituíram taxas ou tarifas pelo uso do solo. O entendimento não é unânime.

Os acórdãos que decidiram pela impossibilidade de uma taxação (REsp 1.195.374/RJ, REsp 863.577/RS e Ag 1.089.887/SP) seguem o RMS 12.081/SE. Nesta decisão, de 2001, relatada pela ministra Eliana Calmon, o município de Barra dos Coqueiros foi proibido de instituiu taxa de licença para publicidade e pela exploração de atividade ruas, em razão da a instalação de postes para serviços de energia elétrica e telecomunicações.

À época, os fundamentos lançados pela relatora foram no sentido de que não haveria serviço público divisível ou exercício do poder de polícia pela simples instalação de postes. Argumentou ainda que a administração só pode cobrar preço público quando explora atividade comercial ou industrial.

Por outro lado, no julgamento de recurso da empresa de TV a Cabo Net RIO, no Resp 599.046, o ministro Humberto Martins entendeu que os municípios podem ordenar seu espaço urbano e cobrar pelo seu uso, sem que isso interfira na competência da União prevista no artigo 21, XI e XII, a e b, e 22, IV, da Constituição, e sem contrariar a Lei Federal 9.472/97. Citou como precedente o RMS 22.885/DF.

Já no STF o debate foi mais aprofundado . O caso paradigma foi o RE 581.947/RO, de relatoria do ministro Eros Grau e julgado em maio de 2010, no qual se apreciou taxa instituída pelo município de Ji-Paraná pelo exercício do poder de polícia, quando à fiscalização da ordenação da rede elétrica.

Eros Grau, hoje aposentado, fez uma análise densa sobre o dever-poder que as concessionárias de serviço público de energia têm em relação aos usuários, ressaltando inclusive o direito que têm de fazer desapropriações em nome do estado. Teceu ainda considerações sobre os bens públicos e o seu uso, entendendo que a passagem das redes de infraestrutura, embora se desvirtuando do uso normal dos bens de uso comum, não gera direito à cobrança, porque são como se fossem servidões administrativas que têm de ser necessariamente suportadas pelos municípios, em razão de ser também de caráter público o serviço prestado.

No entanto, em todas as vezes que se referiu ao custo suportado pelos municípios, o relator ressalvou a possibilidade de uma indenização, desde que previamente prevista em lei: "O fato é que, ainda que os bens do domínio público e do patrimônio administrativo não tolerem o gravame das servidões, sujeitam-se, na situação a que respeitam os autos, aos efeitos da restrição decorrente da instalação, no solo, de equipamentos necessários à prestação de serviço público. Por certo que não conduzindo, a imposição dessa restrição, à extinção de direitos, não acarreta o dever de indenizar, salvo disposição legal expressa em contrário, no caso contudo inexistente."

Ao proferir seu voto, o ministro Ricardo Lewandowisk pontuou: "Fiquei impressionado, senhor presidente, com a argumentação do município recorrente no sentido de que, no exercício do poder de polícia, ele, município, realiza atividade de fiscalização examinando os recuos de testadas e sacadas de edificações, a colocação de placas e faixas de propaganda, o plantio e podas de árvores, o tráfego de veículos com gabarito elevado e a adequação de quaisquer eventos nos espaços comuns ante a influência dos acidentes geográficos existentes nos locais, dentre estes os equipamentos da rede de força elétrica (....). Então eu não afasto a possibilidade de o município editar uma lei específica para cobrar taxa se prestar esses serviço de forma efetiva ou potencial."

O ministro Ayres Britto também discordou do relator, embora o tenha acompanhado: "Senhor presidente, só lembraria — peço que figure da ata 3 que não estou de todo convencido quanto aos fundamentos do belo voto do eminente relator. Vou acompanhar Sua Excelência mas, por um dever de busca da verdade científica perante mim mesmo, seguirei meditando sobre o tema. E penso que temos um encontro marcado, como diria o ministro Gilmar Mendes, com essa matéria."

Ao que ponderou o ministro Gilmar: "Senhor presidente, também estava comentando com o ministro Ricardo Lewandowski que o caso longe me parece estar de um tratamento pacífico, porque os municípios acabam...talvez a lei não tenha conseguido apreender o objeto do serviço prestado, mas certamente há e pode haver o exercício de poder de polícia."

"Noutras palavras, não vamos apagar as luzes para o município", sentenciou o presidente Cezar Peluso.

No entendimento da Procuradoria-Geral do Município de Fortaleza, embora o recurso não tenha sido provido e trouxesse uma cobrança com fundamento diferente da lei fortalezense, a discussão segue em aberto: "Os ministros do STF claramente não fecharam questão. Acompanharam o relator com muitas ressalvas e ponderações, deixando o assunto para uma discussão mais aprofundada, inclusive quanto ao poder de polícia", ressalta Henrique Araújo.

Processo TJ-CE 0010141-32.2006.8.06.0000/0
Revista Consultor Jurídico

Casal será indenizado por barulho de trem no Sul

Um casal residente no município de São Leopoldo, na região metropolitana de Porto Alegre, vai receber R$ 20 mil de indenização, a título de danos morais, da Empresa de Trens Urbanos de Porto Alegre S/A (Trensurb). Motivo: o barulho causado pela passagem dos trens na Estação São Leopoldo. A determinação é da 9ª Câmara Cível do TJRGS que, além de confirmar a condenação da empresa, dobrou o valor fixado no primeiro grau. Cabe recurso.

Além da indenização pelo barulho excessivo, classificado de ‘‘infernal’’, o casal foi à Justiça pedir ressarcimento pelos danos materiais que decorreram da instalação da estação do Trensurb. Afirmou que, após a construção da estação, o piso térreo do seu imóvel ficou emparedado a noroeste, e o nível superior ficou praticamente ao lado do empreendimento. Além disso, o estabelecimento comercial, localizado no térreo, possuía duas entradas, sendo que uma delas ficou totalmente obstruída, o que, segundo o casal, diminuiu a clientela. Sustentou, ainda, que o valor do imóvel no mercado foi depreciado.

Já a Trensurb alegou que o casal de comerciantes foi beneficiado com a inauguração da obra. Explicou, também, que o barulho decorrente do deslocamento dos trens é pouco percebido por quem está fora das estações, pois as obras contam com tecnologia de redução de ruído.

Em primeira instância, a juíza Daniela Azevedo Hampe julgou parcialmente procedente a ação. Ela não constatou dano material no caso. O valor da indenização por dano moral, em função do incômodo causado pelo barulho, foi fixado em R$ 10 mil para o casal.

O casal e a Trensurb recorreram ao Tribunal de Justiça. A relatora do recurso, desembargadora Íris Helena Medeiros Nogueira, considerou os ruídos em excesso, produzidos no período compreendido entre às 5h30min até às 0h30min, como causadores de dano moral. Segundo ela, tais barulhos levam ao estresse físico e mental. Com informações da Assessoria de Imprensa do TJ-RS.
Clique aqui para ler o acórdão.
Revista Consultor Jurídico

Direito de propriedade deve atender à função social

Eu não tenho onde morar
É por isso que eu moro na areia
Eu nasci pequenininho
Como todo mundo nasceu
Todo mundo mora direito
Quem mora torto sou eu
(Dorival Caymmi - Eu Não Tenho Onde Morar - 1960)

O que aconteceu na localidade conhecida por Pinheirinho, em São José dos Campos, município que possui um dos maiores orçamentos per capita do Brasil, pode ser considerado uma das maiores agressões aos Direitos Humanos da história recente em nosso país.

Querem dizer que tudo se deu em nome da lei, mas com tal argumento confere-se ao Direito uma instrumentalidade para o cometimento de atrocidades e, pior, tenta-se fazer com que todos os cidadãos sejam cúmplices do fato. Só que o Direito não o corrobora. Senão vejamos.

Na base jurídica do ato cometido está, dizem, o direito de propriedade. Um terreno foi invadido, obstruindo-se o direito da posse tranqüila ao seu titular, e, portanto, precisa ser desocupado. Simples assim.
Mas, o direito de propriedade, conforme previsto constitucionalmente, deve atender à sua função social (artigo 5º, inciso XXIII, da CF). Sem esse pressuposto nenhum direito de propriedade pode ser exercido.

A Constituição, ainda, garante a todos os cidadãos, como preceito fundamental, o direito à moradia (artigo 6º, inserto no Título II, do Capítulo II, da CF).

Desse ponto de vista, a ocupação, para fins de moradia, de uma terra improdutiva, abandonada, sobre a qual o proprietário não exerce o direito de posse, que não serve sequer ao lazer e que pela sua localidade e tamanho precisa, necessariamente, atender a uma finalidade social, não é mera invasão. Trata-se, em verdade, de uma ação política que visa pôr à prova a eficácia dos preceitos constitucionais, cabendo esclarecer que essa não é uma temática exclusiva do meio rural já que as normas jurídicas mencionadas não fazem essa diferenciação e também a Constituição de 1988 passou a admitir o usucapião de imóveis urbanos (artigo 183).

Assim, diante de uma ocupação dessa natureza compete ao proprietário, que pretenda recuperar a posse da terra, com o pressuposto que de fato a exerça, demonstrar que sua propriedade cumpre uma função social, tendo direito, inclusive, a uma decisão liminar, proferida logo no início do processo judicial, quando o esbulho tenha ocorrido a menos de um ano e um dia da propositura da ação possessória. Vale reforçar: como fundamento da ação não basta demonstrar o título de propriedade. Deve-se demonstrar a posse e provar que a propriedade cumpre uma função social.

Do contrário, a ocupação representa uma desapropriação indireta do imóvel, que recupera a função social da propriedade, agindo o particular em substituição ao Estado, que se mostra inerte em duplo sentido: no aspecto da realização de políticas públicas efetivas de construção de moradias dignas para todos; e no que tange à exigência plena das finalidades sociais das propriedades privadas. Nesse caso, confere-se ao proprietário a possibilidade de acionar judicialmente o Estado para pleitear o recebimento de indenização equivalente ao valor de mercado do imóvel, que, então, deve ser desapropriado para atender sua função social. Vide, a propósito, decisão proferida no Processo 1.0000.00.271812-0/000(1), da 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, relator desembargador Garcia Leão, que julgou procedente o pedido do proprietário de receber indenização do Estado pela desapropriação. Quando propriedades rurais ou urbanas, cuja posse não é exercida por seu titular, e que não atendem função social alguma, estando apta a tanto, passam a ser ocupadas por cidadãos que não têm onde morar, também os respectivos proprietários são atingidos pela inércia do Estado, vez que só existem cidadãos prontos para o ato em questão porque o Estado não cumpre a sua obrigação constitucional.

Várias, são, aliás, as decisões da Justiça do Estado de São Paulo no sentido da afirmação da função social da propriedade, aplicada em situações análogas à do Pinheirinho. Em sentença proferida pelo juiz Amable Lopez Soto, em janeiro de 2006, nos autos do processo 007.96.318877-9, em trâmite na Vara Cível do Fórum Regional VII de Itaquera, restou consignado:
Ocorre que hoje a área transformou-se em um dos muitos bairros pobres de São Paulo, logo, a partir da inação do Estado em criar as condições de moradia para milhares de pessoas que vivem na rua, sem teto próprio, estas, por extrema necessidade, acabaram por praticar o ato de desapropriação indireta do imóvel, repartindo o espaço de forma a permitir uma moradia minimamente digna.
A partir da inação do Estado parte da população fez uso de um dos instrumentos que, a princípio, só ao Estado é permitido, o de desapropriação indireta de área que não cumpria sua função social.

Ao final, julgando improcedente o pedido de reintegração, concluiu:
Enfim, o que se tem nestes autos é uma verdadeira impossibilidade de reintegração de posse ante o tempo e a situação hoje existente, cabendo ao autor, como forma de não se empobrecer sem justa causa e, ante a responsabilidade do Estado, propor a ação de reparação que permita recompor, pela via da indenização, seu patrimônio.

No corpo de sua sentença, Amable cita várias outras decisões com igual teor.
a) O particular que tem sua propriedade invadida por mais de cinco mil pessoas que, se desalojadas, não terão para onde ir, deve buscar do Poder Público a indenização a que faz jus decorrentes da desapropriação indireta. Entretanto, a reintegração de posse não deve ser deferida, em homenagem ao princípio da função social que a propriedade tem, nos termos do artigo 2º, IV, da Lei 4.132/62 e artigo 5º, inciso XXIII, da Constituição Federal.
(....)
...tecnicamente a sentença não merece reparos. Mas o direito evolui, situação que, particularmente, atingiu o direito de propriedade. Não é mais possível idealizar a proteção desse direito no interesse exclusivo do particular, pois hoje princípios da função social da propriedade aguardam proteção mais efetiva. Não fora isso, a função do Judiciário, de solucionar conflitos de interesse, não pode desprezar a necessidade de por fim ao embate posto nos autos, mas de impedir, com a decisão dada, que outras lides venham a acontecer.
Está em estudo um litígio entre um particular que teve suas terras inutilizadas invadidas e um grupo de mais de cinco mil famílias que ali se instalaram por não ter outro lugar para ficar.
Retiradas do local, por certo deverão ocupar outro. Se particular, novo conflito será criado. Se públicas, também o Poder Público, em tese, tem direito de recuperá-las. O certo é que, para qualquer local onde sejam essas pessoas levadas, o mesmo problema que aqui aparentemente se resolve será novamente criado. Sequer condenar os requeridos a flutuar é possível, pois em tese o espaço aéreo sobre um imóvel pertence ao dono da superfície (artigo 526 do CC).
Quando o Poder Público, responsável pela proteção de todos os cidadãos, inclusive dos aqui requeridos, permite durante muito tempo que muitos se instalem em determinado local, há de ser reconhecida a desapropriação indireta. É o sacrifício do um proprietário, indenizado, entretanto, por toda a sociedade, que servirá de solução a um conflito que se eternizaria com a simples determinação de sua desocupação.
Entendido que o imóvel foi, de forma indireta, desapropriado, não caberia a ação possessória que tem por finalidade recuperar a posse em decorrência da propriedade. Mas, tendo havido perda desta, para o interesse público em disputa, a pretensão deve ser tão somente indenizatória contra o Poder Público responsável pela política urbana.
Os bens indiretamente expropriados, porque aproveitados para fins de necessidade, utilidade pública, ou de interesse social, não podem ser reavidos in natura, impossível vindicar o próprio bem, a ação cujo fundamento é o direito de propriedade, visa, precipuamente, à prestação do equivalente da coisa desapropriada, que é a indenização... (STF, RTJ 61/389). (José Luis Gavião de Almeida, Acórdão proferido na apelação n. 823.916-7, J. 27/08/02 – RT 811/243):
b) A Prefeitura do Município, reconhecendo a existência do problema social ínsito nesta ação e em duas outras de áreas contíguas que tramitam nas duas outras varas cíveis deste foro, ajuizou ação de desapropriação ora em trâmite na 5ª Vara da Fazenda Pública.
Pretende-se regularizar a situação de fato já consolidada no tempo (os réus ocupam o imóvel, no mínimo, desde 1.994), mediante pagamento de indenização a quem de direito.
Não é razoável que para proteção da posse de uma empresa seja destruído um bairro inteiro numa verdadeira operação de guerra, desencadeada pelo Estado, quando existe outra solução mais afinada com o interesse social, isto é, a desapropriação do imóvel com o pagamento da indenização a quem faça. (Magistrado Mário Dacache, autos do processo n. 2.122/95, juízo cível do Fórum Regional VII de Itaquera)
c) No caso dos autos a coisa reivindicada não é concreta, nem mesmo existente. É uma ficção.
Os lotes de terreno reivindicados e o próprio loteamento não passam, há muito tempo, de mera abstração jurídica. A realidade urbana é outra. A favela já tem vida própria, está, repita-se, dotada de equipamentos urbanos. Lá vivem muitas centenas, ou milhares de pessoas. (…) Lá existe uma outra realidade urbana, com vida própria, com os direitos civis sendo exercitados com naturalidade. O comércio está presente, serviços são prestados, barracos são vendidos, comprados, alugados, tudo a mostrar que o primitivo loteamento só tem vida no papel. (…).
Loteamentos e lotes urbanos são fatos e realidades urbanísticas. Só existem, efetivamente, dentro do contexto urbanístico. Se são tragados por uma favela consolidada, por força de uma certa erosão social, deixam de existir como loteamento e lotes.
A realidade concreta prepondera sobre a 'pseudo-realidade jurídico-cartorária'. Esta não pode subsistir em razão da perda do objeto do direito de propriedade. Se um cataclisma, se uma erosão física, provocada pela natureza, pelo homem ou por ambos, faz perecer o imóvel, perde-se o direito de propriedade.
É verdade que a coisa, o terreno, ainda existe fisicamente.
Para o direito, contudo, a existência física da coisa não é fator decisivo, consoante se verifica dos mencionados incisos I e III do artigo 78 do CC (de 1.916). O fundamental é que a coisa seja funcionalmente dirigida a um finalidade viável, jurídica e economicamente. Pense-se no que ocorre com a denominada desapropriação indireta. (…)
Por aí se vê que a dimensão simplesmente normativa do Direito é inseparável do conteúdo ético social do mesmo, deixando a certeza de que a solução que se revela impossível do ponto de vista social é igualmente impossível do ponto de vista jurídico. (…)
O princípio da função social atua no conteúdo do direito. E, dentre os poderes inerentes ao domínio, previstos no artigo 524 do Código Civil (usar, fruir, dispor e reivindicar), o princípio da função social introduz outro interesse (social) que pode não coincidir com os interesses do proprietário. (…)
Assim, o referido princípio torna o direito de propriedade, de certa forma, conflitivo consigo próprio, cabendo ao Judiciário dar-lhe a necessária e serena eficácia nos litígios graves que lhe são submetidos” (apCiv. 212.726-1-8-SP, j. 16.12.1994, Desembargador José Osório)

Não se pode esquecer, ademais, que o Estado atual é o Estado de Direito Social e neste sentido rege-se, juridicamente, pela obrigação de garantir a eficácia dos direitos sociais, constitucionalmente consagrados, não lhe cabendo, portanto, assegurar o direito de propriedade numa perspectiva meramente liberal, até porque também esse direito está vinculado a cumprir uma função social e isso não é retórica, tratando-se de expressão inequívoca da lei.

Em resumo, instalado um tal conflito de ocupação, cabe ao Estado assumir sua responsabilidade perante o problema, desapropriando o imóvel para o fim de integrá-lo a um projeto habitacional, e não fingir que não faz parte do problema, vendo a situação como mero embate entre particulares e, pior, impor uma solução que atenda, exclusivamente, o interesse do direito de propriedade, numa perspectiva liberal, passando por cima de vários outros valores integrados ao ordenamento jurídico como Direitos Fundamentais.

No caso do Pinheirinho o que se viu foi um profundo desrespeito à ordem jurídica.

Entendamos o caso: em 2004, em São José dos Campos, um terreno urbano de um milhão e trezentos mil metros quadrados, foi ocupado por algumas famílias, para fins de moradia. O terreno pertencia a uma empresa falida, Selecta, e estava abandonado. Até antes da ocupação o terreno não cumpria função social alguma. As famílias em questão eram vítimas do déficit imobiliário daquele município, numa situação inconcebível, já que São José dos Campos é uma das cidades mais ricas do Brasil.

Não se tratou, pois, de mera invasão, mas de ato político organizado para extrair o Estado de sua inércia e para buscar a eficácia dos preceitos constitucionais do direito à moradia e da função social da propriedade. Não se tratou, igualmente, de ato de pessoas espertas, que quiseram se aproveitar da situação, passando à frente na fila dos milhões de brasileiros que também não têm onde morar, pois, como bem ponderou Ricardo Boechat, comentando o assunto, nenhum esperto tem como projeto de vida morar em um terreno ocupado, em precárias condições habitacionais. Os espertos estão em outros lugares, bem mais confortáveis, por certo. Os ocupantes do Pinheirinho são, ao contrário, pessoas injustiçadas e sofridas, vítimas da inércia de governantes que insistem em tratar as estruturas do Estado fora da perspectiva do Direito Social e do respeito aos Direitos Humanos. Claro, como insistiram em mostrar os autores da agressão, lá também havia consumidores de drogas e até alguns objetos frutos de furto, mas isso em nada altera a configuração jurídica refletida na situação, até porque drogas se consumem, infelizmente, por todos os cantos e o encontro de objetos furtados não representa, por si, identificação de autoria do crime e, de todo modo, a pena pelo furto não é a perda do direito à moradia. É forçoso reconhecer, portanto, que aquelas pessoas foram vitimadas pela histórica péssima distribuição de renda que reina em nosso país. Nossa profunda injustiça social está na base do fenômeno e não pode ser negligenciada.

Mas, admitamos que toda essa análise jurídica esteja errada, que nada disso justifique o ato cometido pelos cidadãos que se tornaram, pela ocupação, moradores do Pinheirinho. Partamos do princípio de que um erro não justifica o outro e que não se corrige a ilegalidade da inércia do Estado com outra ilegalidade, cometida pelo particular. Reconheçamos, enfim, que houve um ato ilegal pela “invasão” e que a autoridade do ordenamento jurídico precisava mesmo ser recomposta.

O problema é que para que a recomposição da realidade anterior todas as inserções jurídicas do fato consumado precisavam ser consideradas. Quando se coloca em pauta a autoridade do ordenamento jurídico é do todo jurídico que se fala e não de um aspecto único e isolado. Assim, mesmo abstraindo as noções de que a ocupação para moradia não se trata de mera invasão e de que a retomada da posse precisa passar pelo crivo da avaliação da função social da propriedade, a efetivação do direito do proprietário de reaver a posse do imóvel deve ser confrontado com outros direitos que porventura estejam em jogo na situação fática existente. O ato da reintegração, por conseguinte, não pode ser feito de forma a atingir a integridade física das pessoas, mesmo se tratadas, juridicamente, como “invasoras”, conforme já fixado pelo STJ em decisão proferida em pedido de intervenção federal no Estado do Mato Grosso, requerida pela massa falida de Provalle Incorporadora Ltda., por não haver o Governador daquela unidade federativa atendido requisição de força policial do Juízo de Direito da Vara de Falências e Concordatas de Goiânia para dar cumprimento a mandado de reintegração de posse em área de 492.403 m²:
EMENTA DIREITO CONSTITUCIONAL. INTERVENÇÃO FEDERAL. ORDEM JUDICIAL. CUMPRIMENTO. APARATO POLICIAL. ESTADO MEMBRO. OMISSÃO (NEGATIVA). PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. PONDERAÇÃO DE VALORES. APLICAÇÃO. 1 - O princípio da proporcionalidade tem aplicação em todas as espécies de atos dos poderes constituídos, apto a vincular o legislador, o administrador e o juiz, notadamente em tema de intervenção federal, onde pretende-se a atuação da União na autonomia dos entes federativos. 2 - Aplicação do princípio ao caso concreto, em ordem a impedir a retirada forçada de mais 1000 famílias de um bairro inteiro, que já existe há mais de dez anos. Prevalência da dignidade da pessoa humana em face do direito de propriedade. Resolução do impasse por outros meios menos traumáticos. 3 - Pedido indeferido. (INTERVENÇÃO FEDERAL Nº 92 - MT (2005⁄0020476-3) - RELATOR: MINISTRO FERNANDO GONÇALVES)

No caso Pinheiro esse entrelace de direitos foi solenemente ignorado, a começar pelos aspectos processuais. A ação política da ocupação do terreno teve início em 2004. No mesmo ano, o proprietário do imóvel, a massa falida da empresa Selecta, ingressou com a ação de reintegração, mas não obteve decisão liminar favorável à sua pretensão. Interpôs, então, recurso denominado agravo de instrumento, tendo conseguido, junto à 16ª Câmara do TJ, a concessão da liminar para a reintegração. Mas, tal decisão, em virtude de vícios processuais formais, foi cassada, mediante mandado de segurança, impetrado pelos moradores. O processo, então, prosseguiu seus trâmites normais, com diversos embates jurídicos, sendo que em 2010 a nulidade do meio processual utilizado pela Massa Falida para tentar reformar a decisão que negou a liminar foi confirmada pelo STJ, prevalecendo, então, a decisão inicial, que negou a liminar de reintegração.

Nesse meio tempo, a ocupação foi se organizando ainda mais e se consolidou com a constituição de uma Associação de Moradores, que urbanizou o local com a formação de ruas, praças e a divisão do terreno em lotes com 250 metros quadrados, obedecendo-se, ainda, a regra, fixada pela Associação, de uma família por terreno. Formou-se no lugar um autêntico bairro, com novos moradores, pessoas oriundas da comunidade local, São José dos Campos, trabalhadores com ocupações diversas e também, é claro, desempregados, que para lá se dirigiam e investiam na construção de suas casas, agindo de tal forma, com boa-fé, principalmente em razão do aceno dado pelas três esferas do poder, Federal, Estadual e Municipal, em torno da possibilidade concreta da regularização da situação. Representantes das esferas do Poder visitaram por diversas vezes a comunidade.

E, de repente, em julho de 2011, uma nova juíza atuando no processo, tendo ciência da definição da questão pelo STJ, que consolidava a situação favorável aos moradores, concede liminar para a reintegração de posse, sem motivação específica baseada em fato novo.

É isso mesmo. O que se viu no Pinheirinho teve por fundamento uma decisão liminar, concedida sete anos e meio depois do ingresso da ação de reintegração, não se considerando a alteração fática havida no local, que, em verdade, apenas reforçava as razões para a rejeição da reintegração, ainda mais em sede de decisão liminar. É evidente, pois, a impropriedade da medida, de caráter liminar, insista-se, diante do tempo já decorrido, que eliminou a urgência para esse tipo de solução para um conflito tão complexo, estando, ademais, ultrapassado, há muito, o requisito do ano e dia, e, sobretudo, em razão da profunda alteração fática advinda no local desde o início do processo. Segundo o Censo realizado pela própria Prefeitura de São José dos Campos, já viviam no local 1.577 famílias, ou, mais precisamente, 5.488 pessoas, sendo 2.615 com idade entre 0 e 18 anos. Além disso, o assentamento, ou bairro como também era tratado, continha 81 pontos comerciais, seis templos religiosos e um galpão comunitário.

Bem se vê que a questão envolvia um feixe enorme de direitos, não estando em jogo única e exclusivamente o direito de propriedade da massa falida. Assim, ainda que fosse para privilegiar o direito de propriedade da massa falida, sem a necessidade de justificá-lo pelo pressuposto da finalidade social, haver-se-ia, no mínimo, que assegurar que outros direitos não fossem, simplesmente, desprezados.

O ato da desocupação, portanto, mesmo se considerada legítima, deveria ser precedido de uma organização tal que permitisse a preservação dos demais direitos envolvidos. Ainda que os moradores se apresentassem armados, dispostos a lutar contra a ordem judicial, as negociações, com todos os meios institucionais possíveis, deveriam conduzir à solução da situação. E, ademais, era o que se anunciava, tanto que a própria massa falida assinou documento, levado ao processo da falência, aceitando a prorrogação da efetivação da ordem de reintegração. No Pinheirinho houve até festa para comemorar a reabertura das negociações, que não se encaminhavam, propriamente, em torno da forma de reintegração, mas na direção, enfim, da desapropriação por atuação direta da Federação, o que talvez não interessasse aos propósitos especulativos locais e às pretensões eleitorais dos governos do Estado e do Município.

Assim, o que se verificou na seqüência, já no dia seguinte, foi uma reviravolta inexplicável da postura do Judiciário frente às possibilidades de negociação e a utilização da “trégua” como estratégia para desarmar os moradores, possibilitando a concretização da violência policial, típica de uma guerra, contra os cidadãos do Pinheirinho, ação esta que já estava preparada, por certo, há muitos dias, diante de seu vulto, e que vai ficar para os anais da nossa história, em razão dos efeitos produzidos, como uma das maiores aberrações humanitárias já vistas, ainda que os seus comandantes a queiram apontar como uma ação “limpa”, conforme assinalado pelo juiz Rodrigo Capez, assessor da presidência do Tribunal de Justiça de São Paulo: “Pelo Poder Judiciário, representando a presidência do TJ, gostaríamos de expressar nosso agradecimento pelo belo trabalho executado pela Polícia Militar. Uma ação bem planejada e muito bem executada. Para aqueles que imaginavam que haveria um novo Eldorado do Carajás, um massacre, essa ação limpa demonstrou que esses temores eram absolutamente infundados. Hoje se cumpre a reintegração de posse"[1].

Em concreto, o Poder Judiciário e o Governo do Estado de São Paulo se uniram contra os moradores do Pinheirinho, tratando-os como inimigos. Não cola o argumento da defesa da legalidade e do resgate da autoridade do ordenamento jurídico, como visto. E mesmo que houvesse, repita-se, por que, depois de quase oito anos de uma situação consolidada, em que um terreno baldio, que servia à especulação imobiliária, foi transformado em um bairro de moradores de baixa renda, teve-se tanta pressa para devolver a posse do terreno à massa falida? Por que, para chegar a esse objetivo, mobilizar 2 mil policiais militares, helicópteros, cães e armas de todo tipo (ainda que menos letais)? Por que expulsar, de forma abrupta e violenta, pessoas de suas casas na calada da noite de um domingo, fazendo com que essas pessoas deixassem para trás seus pertences, utensílios, roupas e até documentos? Por que fazer tudo isso sem qualquer preocupação com a condição humana dessas pessoas, conduzindo-as a abrigos improvisados, sem condições minimamente dignas de sobrevivência? (As imagens dos abrigos falam por si e tendo constatado a situação in loco posso assegurar que as imagens não refletem o total drama vivido por aquelas pessoas). Por que submeter essas pessoas, nos abrigos, ao uso de pulseiras com cores diferentes, para que pudessem ser identificadas como moradoras do Pinheirinho? Por que deixarem crianças e jovens assistirem tamanha brutalidade contra seus pais? Que mal essas crianças cometeram? Que tamanho mal, ademais, cometeram todos aqueles que lá estavam à procura de um lugar para morar, sendo certo que não era um lugar nenhum pouco glamoroso? Por que passar um trator por cima das casas e estabelecimentos comerciais que foram construídos no local ao longo de oito anos de consolidação do bairro?

Tudo isso para entregar o terreno a uma massa falida, que nunca se preocupou com a função social daquela propriedade e que certamente não vai exercer a posse sobre o terreno?

Ora, em nenhuma ponderação de valores que se faça da situação vivenciada, atendendo os pressupostos da razoabilidade e da proporcionalidade, vai se chegar ao peso que foi dado ao interesse da massa falida, valendo acrescentar que a empresa em questão, Selecta, proprietária do imóvel, também ela, nunca cumpriu qualquer função social, jamais tendo produzido um alfinete sequer, vez que foi constituída apenas para servir de fachada nas intermediações de negociações imobiliárias das empresas de um grupo econômico. No processo de falência respectivo, inclusive, não há credores trabalhistas ou quirografários. O único credor é o próprio Estado, sobretudo o município de São José dos Campos, com relação à dívida de IPTU, em torno de R$14 milhões.

Alguma razão não muito clara, que pode ser, por hipótese, um melindre entre as esferas de Poder Estadual e Federal, já que uma autorizava a reintegração e a outra a recusava, ou que pode ser a necessidade do governo estadual de afirmar sua autoridade diante dos movimentos sociais, sobretudo diante do alcance eleitoral que a questão atingiu, foi determinante para que a Justiça Estadual, em ato que chegou a ser reivindicado pelo Presidente do Tribunal, que enviou assessor direto para cuidar do assunto, passasse por cima de todos os Direitos Humanos envolvidos e determinasse a reintegração da posse, sendo auxiliada, com a maior presteza possível, pelo governo Estadual, que, com a intervenção direta do próprio governador, autorizou a instauração de uma ação de guerra contra os cidadãos do Pinheirinho.

É isso mesmo. Os nossos co-cidadãos foram vítimas de uma ação militar típica de guerra, que foi programada durante quatro meses, conforme reconheceu, em recente entrevista, a juíza do processo de reintegração, e que, por isso mesmo, precisou ser executada passando por cima até do acordo judicial assinado pelas partes, no processo da falência, em torno da suspensão da reintegração. E um dado extremamente importante deve ser destacado, que torna a origem da ação policial, a mando do estado de São Paulo, ainda mais questionável: em entrevista ao Jornal, O Vale, a juíza do processo de reintegração, que concedeu a liminar, confessou que o ato policial não estava plenamente sob o seu controle e que sabia dos riscos que estava impondo aos moradores do Pinheirinho. Disse ela, textualmente: “A operação me surpreendeu, positivamente.”

Seja como for, o fato é que os cidadãos do Pinheirinho foram tratados como inimigos do Estado. Foram presos sem processo, já que ficaram várias horas impossibilitados de sair do assentamento, enquanto a Polícia mantinha luta aberta contra moradores do bairro vizinho que se insurgiram contra ação policial intentada no local. Foram marcados como se estivessem em um campo de concentração. Foram desalojados. Foram conduzidos, por força, a um local inabitável, sem qualquer condição de higiene, não tendo havido, inclusive, qualquer cuidado especial com crianças, idosos e doentes. Ou seja, foram profundamente agredidos em sua dignidade. Registre-se, a propósito, que se trata de princípio fundamental da República Federativa do Brasil a proteção da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III, CF) e que constituem objetivos fundamentais da República “construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (artigo 3º, CF), valendo lembrar, ainda, que o Brasil deve reger-se nas suas relações internacionais pela “prevalência dos direitos humanos” (artigo 4º, inciso II, CF).

Os moradores do Pinheirinho, inclusive, tiveram o seu direito de propriedade, com relação aos seus pertences, desrespeitado e continuam, ainda hoje, sem que o Estado reconheça sua responsabilidade quanto ao problema do qual tudo se originou: a ausência de moradia.

Em concreto, aquelas pessoas, que de boa-fé puderam acreditar em um projeto de vida, por mais precário que fosse, com a formação do Pinheirinho, estão agora mendigando local para se alojar e, de certo modo, estão sendo tratadas como animais.

E o pior disso tudo é que essa situação foi imposta pelas forças institucionalizadas do Estado, cuja função seria a de, em primeiro plano, proteger o cidadão. E, ademais, quem vai pagar pela operação realizada? Os custos da operação serão calculados e inseridos no processo? Certamente não e a sociedade como um todo, portanto, arcará com a despesa que se fez necessária para a prática do ato destinado à defesa da posse de um terreno privado e que, ao mesmo tempo, soterrou vários Direitos Humanos. Vai se dizer que o governo estadual colaborou com a Justiça para a efetivação de uma ordem judicial, mas esse mesmo governo não se tem mostrado nenhum pouco colaborador no que se refere às decisões judiciais que visam o resgate da autoridade dos direitos sociais de incontáveis cidadãos. O estado de São Paulo deve cerca de R$ 20 bilhões em precatórios, que se arrastam interminavelmente, sendo R$ 15 bilhões a título de créditos trabalhistas e previdenciários.

A questão mais relevante que se apresenta, de todo modo, é: o que fazer agora?
Solidarizar-se com os ex-moradores do Pinheirinho é importante, mas não basta.
É preciso que a autoridade do ordenamento jurídico, visto de forma integral, seja imediatamente recobrada. Há urgência na prevenção e reparação dos direitos, que foram desrespeitados, dos, agora, “ex-moradores” do Pinheirinho.

Se o Estado se mostrou eficiente para preservar o direito de propriedade, cumpre-lhe, presentemente, demonstrar a mesma presteza para garantir a essas pessoas uma moradia digna e para reparar as agressões de que foram vítimas. Essa eficiência, alias, seria necessariamente antecedente à reintegração manus militaris operada, mas deve, enfim, ser operada. Assim, em razão de sua inércia perante o problema e por terem, pela própria inação, induzido os moradores do Pinheirinho a acreditarem na viabilidade do assentamento, e por terem sido completamente incapazes de construir uma solução para o problema, jogando tudo nas mãos do Judiciário, devem ser responsabilizados o município de São José dos Campos, o estado de São Paulo e mesmo o Governo Federal, sendo que o Judiciário, nas ações judiciais que venham a ser movidas, deve, mostrando que sua eficácia não tem lado, conceder liminar para obrigar os entes mencionados a pagarem indenização aos desalojados pelos danos pessoais experimentados, considerando a forma como foram tratados, assim como para determinar às esferas de poder competentes a construção imediata de casas com, no mínimo, o mesmo padrão que essas pessoas possuíam, com todos os seus utensílios, garantindo-lhes, enquanto a obra não for concluída, uma ajuda de custo para moradia e alimentação, sob pena de multa e demais conseqüências legais por desobediência à ordem judicial, mobilizando, para fazer cumprir a decisão garantidora dos Direitos Humanos, se necessário, o mesmo aparato policial utilizado na ação de reintegração de posse. E o terreno para tanto? Bom, cumpre aos entes públicos encontrá-lo!

Independente disso, a questão deve ser levada, imediatamente, à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, para que o Estado brasileiro não reste impune, em suas relações internacionais, da grave agressão aos Direitos Humanos que permitiu ocorrer em seu território, conforme preconizado no Manifesto de Juristas, organizado pelo professor Fábio Konder Comparato e o procurador do Estado de São Paulo, Márcio Sotelo Felippe[2].

E se nada disso puder ocorrer? E se for apenas um devaneio acreditar que tais respostas jurídicas possam ser dadas à presente situação? Sem que outras medidas, igualmente eficazes para reparar os Direitos Humanos agredidos, se apresentem, há se questionar, então, se não é hora de re-fundar o Brasil, a começar pelo impeachment dos responsáveis pelas atrocidades identificadas no caso do Pinheirinho, não sendo demais lembrar que no caso do estado de São Paulo o fato se insere em um contexto determinado de enfrentamento aos movimentos sociais, de desrespeito às liberdades democráticas e de ataque à pobreza por meio de força bruta.

O caso Pinheirinho foi muito grave e a sociedade brasileira como um todo está desafiada a encontrar soluções que recomponham, imediatamente, a credibilidade na eficácia do Estado Democrático de Direito Social, instituído constitucionalmente.

O maior risco que vislumbro em situações como esta é o da produção, e acatamento, de argumentos que tentam legitimar as atrocidades verificadas, desconsiderando-as enquanto tais ou as justificando por intermédio do Direito, como se os atores não fossem responsáveis pelos seus atos, apresentando-se apenas como espécies de escravos de uma imposição legislativa. Essa racionalidade é destruidora dos vínculos de solidariedade, desvirtua a finalidade social e humanística do Direito e das estruturas de poder, gera a perda da própria consciência humana e, no caso específico do Brasil, acaba servindo para preservar, sem possibilidade concreta de oposição, a injustiça social que assola a maior parte da população brasileira. A falta de moradia e o desrespeito à dignidade humana das classes economicamente menos favorecidas, aliás, chegam a fazer parte da cultura nacional. E, “se o senhor num tá lembrado, dá licença de contá. Ali onde agora está esse adifício arto era uma casa véia, um palacete assobradado. Foi ali, seu moço, que eu, mato Grosso e o Joça, construímo nossa maloca. Mas um dia, nóis nem pode se alembrá, veio os home c'as ferramenta, o dono mandô derrubá. Peguemo todas nossas coisa, e fumo pro meio da rua apreciá a demolição. Que tristeza que nóis sentia, cada táuba que caía, doía no coração. Matogrosso quis gritá, mas em cima eu falei: ‘Os home tá com a razão, nóis arranja outro lugá’. Só se conformemo quando o Joca falô: ‘Deus dá o frio conforme o cobertô’. E hoje nóis pega as paia nas grama dos jardim, e pra esquecê nóis cantemo assim: Saudosa maloca, maloca querida, qui dim donde nóis passemo os dias feliz da nossa vida.”[3]

Uma cultura, ao mesmo tempo, de insensibilidade e de resignação com a injustiça, que o próprio Adoniran Barbosa, em 1969, tentou mudar, com nova música, Despejo na Favela, a qual, no entanto, não restou tão difundida quanto a primeira:

Quando o oficial de justiça chegou
Lá na favela
E contra seu desejo
Entregou prá seu Narciso
Um aviso prá uma ordem de despejo, assinada seu Doutor
Assim dizia a petição:
Dentro de dez dias quero a favela vazia e os barracos todos no chão
É uma ordem superior,
Ôôôôôôôô, meu senhor, é uma ordem superior
Não tem nada não seu Doutor,
Não tem nada não
Amanhã mesmo vou deixar meu barracão
Não tem nada não seu Doutor
Vou sair daqui
Prá não ouvir o ronco do trator
Prá mim não tem problema
Em qualquer canto me arrumo
De qualquer jeito me ajeito
Depois o que eu tenho é tão pouco
Minha mudança é tão pequena que cabe no bolso de trás
Mas essa gente aí, hein, como é que faz????
Pois é, já passou mesmo da hora de alterar a base cultural em torno das questões sociais para reescrevermos nossa história.
Jorge Luiz Souto Maior é juiz do trabalho, titular da 3ª Vara do Trabalho de Jundiaí (SP), livre-docente em Direito do Trabalho pela USP e membro da Associação Juízes para a Democracia.
Revista Consultor Jurídico

STJ Cidadão: até quando os pais precisam pagar pensão alimentícia?

Garantir o sustento dos filhos é uma obrigação dos pais. Uns fazem por gosto, sem estabelecer data limite para a ajuda financeira. Outros desembolsam a quantia fixada pela Justiça, mas não sem se perguntar até quando. A lei estabelece que a pensão alimentícia deve ser paga até que o filho alcance os 18 anos. Se ele estiver cursando faculdade, o benefício pode ser estendido até os 24. Mas e se, depois disso, ele ingressar num mestrado? A responsabilidade paterna continua? O programa de TV do STJ, o STJ Cidadão, mostra casos de filhos que perderam a pensão porque não conseguiram provar a necessidade do auxílio para se manter.

E ainda: elas queriam se casar. Uma com a outra. Enfrentaram preconceitos e a falta de previsão legal para a união. Mas, em decisão inédita, o STJ autorizou o casamento civil entre duas mulheres. A conclusão dos ministros da Quarta Turma foi que a orientação sexual não pode servir de pretexto para excluir as famílias da proteção jurídica. O matrimônio entre pessoas do mesmo sexo já é admitido e realizado por muitos cartórios brasileiros. Mas o direito está longe de ser amplamente reconhecido. O assunto é tema de uma reportagem e de uma entrevista da edição desta semana.

Para assistir ao vídeo, clique aqui.
mms://stream.stj.jus.br/tv/STJ_CIDADAO_PGM_166.wmv
Autor: Coordenadoria de Editoria e Imprensa

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Mulher poderá usar nome de solteira antes do divórcio

Mulher poderá voltar a utilizar o nome de solteira, mesmo antes do julgamento final do divórcio,  já que, estando separada do seu marido desde julho de 2010, está à espera de filho com novo companheiro e não quer que o nome atual  (de casada) conste na certidão de nascimento. Para o desembargador Brasil Santos, 8ª Câmara Cível do TJRGS, a proximidade do nascimento da criança justificava antecipar os efeitos da tutela final.

A  autora da ação recorreu de decisão de 1º que negara a antecipação do pedido na ação de divórcio. A mulher constituiu nova família e está grávida de seu atual companheiro, devendo a criança nascer em 60 dias.

Para o Desembargador Brasil Santos, o nome integra o acervo de direitos de personalidade e identifica a pessoa individual e socialmente. Ele entende que os efeitos da tutela final deveriam ser antecipados, em virtude da proximidade do nascimento de filho de nova relação familiar, pois “como é fácil estimar, naturalmente gera dissabores a manutenção do nome da mãe, como se ainda casada, faticamente, estivesse, com o primeiro marido, sendo outro o pai da criança”, justifica.

Considerou ainda o julgador que não há possibilidade de o pedido de divórcio não ser acolhido. Com informações da Assessoria de Imprensa do TJ-RS.

Revista Consultor Jurídico, 27 de janeiro de 2012

Se pai está vivo, filha não pode mover ação de parentesco com suposto avô

Os ministros da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça tiveram de analisar um conflito de família inusitado: se uma neta pode pedir o reconhecimento de parentesco com o avô depois que o pai dela não conseguiu provar ser filho dele. O pai já havia fracassado quatro vezes na tentativa de comprovar a filiação. Por maioria, os ministros entenderam que, se o pai da menina está vivo, não é possível a ação de investigação de parentesco por parte da pretensa neta.

O ministro Marco Buzzi afirmou que não se reconhece a legitimidade concorrente da neta e do pai para acionar a outra parte. A legitimidade seria sucessiva dos netos em caso de falecimento dos seus pais. 

No caso, o pai da autora tentou em quatro ocasiões ter reconhecida a paternidade, mas o teste de DNA ainda não estava disponível na primeira investigação. Os exames realizados não comprovaram a paternidade e, posteriormente, a Justiça negou a reabrir o caso, justificando que a matéria fez coisa julgada.

A neta, então, entrou com uma ação cautelar para realizar o exame de DNA, pretendendo em futura demanda o reconhecimento da relação de parentesco com o avô. O pedido dela foi negado em primeira instância e pelo  Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que afirmaram ser esse um direito personalíssimo em relação ao pai.

No recurso ao STJ, a defesa alegou haver divergência jurisprudencial já que o tribunal já havia autorizado a investigação da relação de descendência por netos. A defesa argumentou ainda que havia ofensa o Código de Processo Civil, já que o artigo 472 determina o litisconsórcio necessário de terceiros afetados por sentença, em causas envolvendo o estado da pessoa. A neta seria, portanto, parte legítima da ação.

Vencidos, os ministros Raul Araújo e Isabel Gallotti votaram pelo provimento do recurso, considerando que o STJ já havia admitido investigação de descendência de netos em relação a avós no passado. Para ele, a filiação não se esgota em uma só geração e, no caso da suposta neta, não haveria coisa julgada porque ela não integrou as ações anteriores, movidas pelo seu pai.  

Já o ministro Buzzi afirmou ainda que a investigação de identidade genética para constituir parentesco é limitada pelo artigo 1.606 do Código Civil. O dispositivo restringe para a geração mais próxima viva a investigação de parentesco e quando ela pode ser postulada.

Para o ministro, as ações do pai consideradas improcedentes causaram a impossibilidade legal de seus descendentes mais remotos entrarem com a ação. Buzzi destaca que esse entendimento evita “um sem-número de lides”. Assim, pelo princípio da proporcionalidade, o direito de identidade genética não pode se sobrepor à segurança jurídica. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.
Revista Consultor Jurídico, 27 de janeiro de 2012

A privacidade do adolescente infrator depois que ele se torna um adulto

Saiu na Folha de 26/8/11:
Polícia identifica PMs envolvidos em gravação de vídeo
O comando da PM disse ontem já ter identificado dez policiais presentes no episódio em que dois suspeitos são filmados após serem baleados.
Nas gravações, reveladas anteontem pela Folha.com, os dois homens cobertos de sangue são xingados e ameaçados. Um deles agoniza.
Pela versão da corporação divulgada ontem, o fato ocorreu em 9 de maio de 2008, na zona leste de São Paulo.
Os dois homens que aparecem feridos são Tiago Silva de Oliveira e um adolescente que à época tinha 16 anos.
A PM diz que eles eram suspeitos de roubar talões de cheques, celulares e R$ 525.
‘Estrebucha, filho da puta’ é uma das frases ditas por policiais enquanto Oliveira permanece caído no chão, com a boca cheia de espuma.
Ainda de acordo com o comando da PM, ele foi levado para o hospital Sapopemba, também na zona leste, mas morreu três dias depois.
O adolescente está vivo. Seu nome não foi divulgado
.”

O adolescente na época tinha 16 anos. ‘Na época’ significa 9 de maio de 2008, segundo a própria matéria. Digamos que aquele era o dia do aniversário dele. Logo, se ele ainda está vivo, ele fez 18 anos em 9 de maio de 2010. Isso significa que ele necessariamente é maior de idade hoje.

Nossa lei proíbe a exposição do menor de 18 anos que tenha cometido um ato infracional. O artigo 17 do Estatuto da Criança e do Adolescente diz que “o direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais”.

A matéria acima expõe um problema interessante: a lei serve para proteger a criança e o adolescente durante aquele período de suas vidas ou a pessoa pelo que fez quando era criança ou adolescente? Explico:

Se a lei serve para proteger a criança e o adolescente, depois que a pessoa deixa de ser um adolescente, o menor infrator da matéria acima poderia ser identificado. Afinal, hoje ele já tem mais de 18 anos. Por outro lado, se a lei serve para proteger a pessoa, o seu direito ao anonimato segue para sempre, e o nome da pessoa que cometeu o ato infracional quando era menor de idade não poderá jamais ser divulgado. Óbvio que, neste caso, se ele viesse a cometer um delito depois de adulto, a lei não serviria para proteger sua privacidade em relação a esse delito.

São, filosoficamente, posições distintas, com consequências práticas distintas, e há bons juristas nos dois campos.

Esse não é um debate único no Brasil. Alguns provavelmente provavelmente se lembram do caso na Inglaterra no qual das duas crianças – Jon Venables e Robert Thompson, ambos então com 10 anos e meio - que sequestraram, torturaram e mataram na linha de trem uma outra criança de dois anos (James Bulger). O caso se tornou mundialmente famoso por dois motivos: primeiro, por causa do grau de violência contra uma criança por outras duas crianças. E, segundo, porque o juiz responsável pelo caso decidiu que as crianças acusadas não tinham direito à privacidade. Tanto o nome quanto a imagem das duas crianças condenadas foi amplamente divulgada pela imprensa, com autorização da justiça.

Em 2000, quando as duas crianças (agora adultos) receberam liberdade condicional, o juiz responsável resolveu fazer o contrário: como as crianças tiveram seus nomes e imagens divulgados na época do crime, elas agora, já adultas, teriam de mudar de nome e a imprensa não poderia divulgar as imagens delas como adultas. A decisão foi para proteger a vida dos dois agora adultos porque o crime gerou tanta exposição que eles poderiam ser perseguidos e mortos se eles não mudassem de nome ou se a imprensa pudesse mostrar suas fotos.

Reparem que na segunda decisão, o juiz estava implicitamente dizendo que, para ele, a lei protege a pessoa.

Tanto lá como aqui, esse é um debate que ainda vai render muito pano para a manga.

No caso da matéria acima, por via das dúvidas, a polícia não divulgou o nome. E o fato de não divulgá-lo teve um segundo motivo muito importante: proteger aquela pessoa contra uma possível revanche por policiais. Como a polícia não consegue controlar o bom senso dos jornalistas, ela simplesmente evitou a exposição acidental (ou intencional) de uma testemunha por parte da imprensa.
http://direito.folha.com.br/1/post/2011/08/a-privacidade-do-adolescente-infrator-depois-que-ele-se-torna-um-adulto.html

sábado, 28 de janeiro de 2012

A classificação dos programas de Rádio e TV (André Ramos Tavares)

Encontra-se em julgamento pendente no Supremo Tribunal Federal a ADIn nº 2404, sob a relatoria do Ministro Dias Toffoli, cujo polêmico objeto diz respeito ao dilema entre liberdade e tutela estatal direta, mais especificamente, entre a liberdade de comunicação versus a proteção da criança e do adolescente em face da classificação de horário dos programas de rádio e TV de acordo com seu conteúdo, conforme o Ministério de Justiça.
Essa ação que tramita no S.T.F. desde fevereiro de 2001 foi proposta pelo Partido Trabalhista Brasileiro, tendo sido admitidos na qualidade de  amicus curiae: Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT), Agência de Notícias dos Direitos da Infância (ANDI), Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC), Instituto Alana e Conectas Direitos Humanos realçando a relevância e repercussão do tema.
O pedido da ADI nº 2404 é a declaração de inconstitucionalidade do trecho "em horário diverso do autorizado" do art. 254 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8069/90) que dispõe:
"Art. 254. Transmitir, através de rádio ou televisão, espetáculo em horário diverso do autorizado ou sem aviso de sua classificação:
Pena - multa de vinte a cem salários de referência; duplicada em caso de reincidência a autoridade judiciária poderá determinar a suspensão da programação da emissora por até dois dias".
Foram apresentados como fundamentação da inconstitucionalidade os arts. 5º, IX, 220 e 21, XVI da Constituição brasileira, que representam a liberdade de expressão, a comunicação livre de censura ou de licença e a atribuição meramente indicativa à União para classificar os programas transmitidos pelas emissoras de rádio e televisão.
Foi arguida uma preliminar pela Presidência da República e pela Procuradoria-Geral da República consistente em supostamente não ter sido impugnado todo o complexo normativo do tema, já que este seria composto - além do art. 254, efetivamente indicado na petição inicial - também pelos arts. 74 a 76 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Mas o relator a afastou, por considerar que, apesar de os outros dispositivos mencionados se referirem ao mesmo âmbito protetivo, o art. 254 seria dotado de autonomia suficiente para ser isoladamente objeto de controle.
Diante do dilema entre a tutela e intervenção estatal e as liberdades, o relator identifica no sistema de classificação indicativa o "ponto de equilíbrio tênue, e ao mesmo tempo tenso, adotado pela Carta da República para compatibilizar esses dois axiomas, velando pela integridade das crianças e dos adolescentes sem deixar de lado a preocupação com a garantia da liberdade de expressão".
Buscou no direito comparado outros sistemas de proteção com base na autorregulação e em tecnologias que permitem o controle, pelos pais da programação a ser assistida pelas crianças e adolescentes, deixando claro que não se trata de afastar das emissoras a responsabilidade por sua programação e o respeito às crianças e adolescentes, mas sublinhando, ao contrário, que pela autorregulação amplia-se essa responsabilidade, apenas retirando-se do Estado essa responsabilidade e poder de ditar o horário da programação. Restaria a função indicativa, que norteará os responsáveis na educação das crianças e adolescentes, faceta esta ancorada nos arts. 220, §3º e 221 da Constituição brasileira, que destina à pessoa e à família a defesa de programas de rádio e televisão que contrariem os princípios constitucionais da produção e programação das emissoras, além de propaganda de produtos nocivos.
Embora a Constituição brasileira tenha destinado ao Estado a classificação indicativa, o Ministro relator realçou que "O modelo de classificação eminentemente estatal, como o brasileiro, está distante das tendências dos marcos regulatórios de muitas democracias ocidentais", e diante do dilema afirmou que "Toda a lógica constitucional da liberdade de expressão, da liberdade de comunicação social, volta-se para a mais absoluta vedação dessa atuação estatal".
No mérito, o Ministro votou pela procedência da ação direta, cominando à expressão "em horário diverso do autorizado" contida no art. 254 do Estatuto da Criança e do Adolescente, a nota da inconstitucionalidade.
Os Ministros Luiz Fux, Cármen Lúcia e Ayres Britto acompanharam o relator frisando que a Constituição optou por reconhecer ao Estado a classificação meramente indicativa, determinando à família seu efetivo controle. O Ministro Joaquim Barbosa pediu vista, suspendendo, assim, o julgamento.
O tema, como se percebe, é de grande alcance e merece a atenção de todos operadores do Direito, bem como da sociedade e, particularmente, da família brasileira. Se o ponto de equilíbrio entre "valores" constitucionais diversos é delicado, a decisão apontada, ainda que seja a mais adequada na perspectiva constitucional, não significará, necessariamente, no plano prático, o equacionamento de todas dificuldades envolvidas nessa temática, que haverá de passar, ainda, pela consolidação, no Brasil, do sentido e da efetividade de uma autorregulação, bem como pela responsabilidade social e educativa da famíla.

Jornal Carta Forense, terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Prova pericial médica: proposta de atenuação da regra do art. 434 do CPC para maior eficiência do sistema

Recebo a notícia de que o Ministério Público ajuizou no dia 17/8 ação civil pública em desfavor do Instituto de Medicina Social e de Criminologia (IMESC), em razão da excessiva demora na realização de perícias médicas em favor dos beneficiários da assistência judiciária gratuita.
Segundo o que se noticiou, a demanda é resultado de inquérito civil instaurado para apurar as condições de funcionamento daquele órgão (autarquia estadual paulista), a partir de informações de atrasos no atendimento às requisições judiciais provenientes de processos em que as partes eram beneficiárias da gratuidade. Teria havido tentativa de celebração de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) que, contudo, não chegou a se concretizar.
A demanda busca seja imposto o dever de finalizar perícias requisitadas até o final do ano de 2010, nos seguintes prazos: todos os casos de 2006 deverão estar concluídos até 30 de novembro de 2011; e todos os casos de 2007, 2008, 2009 e 2010 deverão estar concluídos até 31 de dezembro de 2012. Também se pede que a Justiça obrigue o IMESC a manter, durante o período dedicado ao atendimento das requisições atrasadas, a rotina estabelecida para todos os casos novos, tanto de investigação de paternidade como de medicina legal, cumprindo em prazos razoáveis as requisições judiciais de agendamento de perícias e de emissão de laudos, inclusive de complementação de quesitos.  Também há notícia de pedido para que o Executivo destine os recursos orçamentários e financeiros necessários para que o órgão possa realizar as perícias em tempo compatível com os prazos pedidos na demanda.
Sem comentar o conteúdo do processo (até porque é feito em andamento), a notícia é relevante porque envolve discussão acerca do estabelecimento de verdadeira política pública, ainda que de forma reflexa ou indireta: embora o resultado pretendido seja "processual", é fato que as decisões judiciais têm um caráter instrumental e se destinam à efetivação de direitos ligados à integridade moral e física dos cidadãos. A atividade do IMESC não deixa, em certo sentido, de integrar o sistema de saúde pública e, portanto, as importantes questões relativas à fixação judicial de políticas públicas pelo Judiciário deverão emergir nesse processo.
Mas, aproveito a notícia para levantar outra questão, que me parece igualmente relevante.
Embora a notícia se refira apenas a casos de Justiça gratuita, é fato que, mesmo quando isso não ocorre e diante da regra do art. 434 do CPC, a nomeação de peritos médicos recai essencialmente sobre integrantes de estabelecimentos oficiais; no caso de São Paulo, do IMESC.
Justificar-se-ia a opção do Legislador no elevado grau de especialização de profissionais atuantes em referidos órgãos, na consideração de que aí se exercita função pública - a sugerir maior grau de isenção e de segurança técnica - e no barateamento dos custos.
Contudo, já defendi a superação da regra nas hipóteses em que as partes têm condições de suportar os custos da prova (Cf. Antecipação da prova pericial médica sem o requisito da urgência: análise à luz da regra do art. 434 do CPC, in Direito à Vida e à Saúde - Impactos Orçamentário e Judicial, organizadores: Ana Carla Bliacheriene e José Sebastião dos Santos, São Paulo, Atlas, 2010) e, ao ensejo do fato noticiado, tomo a liberdade de reiterar aqui os argumentos - em algumas passagens de forma literal ao que já foi escrito - para defender a conveniência, nesses casos, de nomeação de peritos fora dos quadros estatais.
Primeiro, sem desconsiderar a importância da qualificação técnica do perito, também é preciso levar em conta a confiança que o juiz deposita no experto. E isso pode ocorrer com a mesma intensidade quando se trata de técnico não estatal.
Segundo, ainda que seja correto presumir que os técnicos admitidos a prestar serviços em órgãos públicos tenham elevado grau de especialização, isso não exclui que igual ou até superior excelência seja encontrada em profissionais que desempenham sua atividade no âmbito privado.  

Terceiro, o exercício da função pública não é, só por si, garantia de isenção, assim como a origem privada do perito não é apta a colocar em dúvida sua imparcialidade. Essa última não depende da vinculação funcional do técnico porque, num primeiro momento, importa que ele seja isento sob a ótica objetiva e subjetiva. Aliás, a depender das partes envolvidas - por exemplo, litígios envolvendo a Fazenda Pública - a condição de funcionário público poderia até mesmo configurar um óbice à isenção do técnico.
Quarto, o argumento da redução de custos é relativo porque o fato de o Estado suportar os respectivos encargos naturalmente não os faz desaparecer. Nem mesmo existe a garantia de que, prestado o serviço pelo órgão público, a tarefa será cumprida de forma mais rápida e eficiente. A propositura da supra referida ação civil pública é prova cabal do contrário.
Quinto, não colhe o argumento de que as matérias mencionadas pelo art. 434 do CPC teriam tal relevância que isso justificaria restringir a perícia a órgãos públicos. A relevância desta ou daquela matéria é relativa. Para as partes, por exemplo, ela sempre será a mais relevante. Mas, mesmo sob a ótica estatal, questões técnicas em outras searas podem ser tão ou mais relevantes para o interesse público: é pensar, por exemplo, em perícia de engenharia que busca determinar se houve, ou não, superfaturamento em obra pública.
Tudo isso, enfim, justifica dizer que, não obstante a regra do art. 434 do CPC recomende a preferência, isso não vincula o juiz, que tem a liberdade de nomear perito fora do âmbito restrito previsto pelo dispositivo legal. Então, firmada a premissa de que se trata de faculdade - e não de dever - do magistrado, é lícito exortar o Poder Judiciário a dar à regra do art. 434 do CPC uma interpretação em consonância com a idéia de universalidade do direito à prova e efetivo acesso à Justiça. E isso pode e deve ocorrer mediante a nomeação de peritos que atuam no âmbito privado, tal como reiteradamente ocorre, por exemplo, em perícias de engenharia e contábeis, apenas para lembrar duas das mais importantes e corriqueiras.  

Flávio Luiz Yarshell
Jornal Carta Forense, sexta-feira, 2 de setembro de 2011

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Rejeição da medida provisória: expressa ou tácita

A rejeição da medida provisória poderá ser expressa ou tácita.

2.2.1. Rejeição expressa.

Uma vez rejeitada expressamente pelo Legislativo, a medida provisória perderá seus efeitos retroativamente, cabendo ao Congresso Nacional disciplinar as relações jurídicas dela decorrentes, no prazo de 60 dias, através de decreto legislativo.

Dessa forma, a rejeição das medidas provisórias opera efeitos retroativos, ex tunc, competindo ao Congresso Nacional disciplinar as relações jurídicas delas decorrentes. Caso o Congresso Nacional não edite o decreto legislativo no prazo de 60 dias após a rejeição ou perda de sua eficácia, a medida provisória continuará regendo somente as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência. A eficácia cessa se extintas as relações jurídicas reguladas por ela. A inércia do Congresso Nacional no exercício de sua competência acarretará a conversão dos tradicionais efeitos ex tunc para efeitos ex nunc (não retroativos). Trata-se de eternização das medidas que deveriam ser provisórias, sob o pretexto do atendimento à segurança jurídica.

Rejeitada a medida provisória por qualquer das Casas, o Presidente da Casa comunicará ao Presidente da República e publicará ato declaratório de rejeição.

Expressamente rejeitada, não poderá haver reedição desta medida provisória na mesma sessão legislativa, conforme o § 10 do art. 62 da Constituição Federal. Sua reedição configura crime de responsabilidade, ou seja, de atentado ao livre exercício do Poder Legislativo.

De acordo com o Supremo Tribunal Federal, Súmula 651, a medida provisória não apreciada pelo Congresso Nacional poderia, até a Emenda Constitucional nº 32/2001, ser reeditada em seu prazo de eficácia de trinta dias, mantidos os efeitos de lei desde a primeira edição.

2.2.2. Rejeição tácita.

Caso o Congresso nacional não aprecie a medida provisória em tempo hábil, ela perderá sua eficácia, resultando em rejeição tácita. Neste caso, também é proibida sua reedição na mesma sessão legislativa e, compete ao Congresso Nacional disciplinar as relações jurídicas delas decorrentes, nos moldes da rejeição expressa.

 NOLASCO, Lincoln. Medidas provisórias: limites materiais à edição. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3129, 25 jan. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20916/medidas-provisorias-limites-materiais-a-edicao>.

Procedimento das medidas provisórias

De acordo com o art. 62 da Constituição Federal, "em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional". Uma vez editada, a medida provisória permanecerá em vigor pelo prazo de 60 dias e será submetida, imediatamente, ao Poder Legislativo, para apreciação. Este prazo será contado da publicação da medida provisória, porém ficará suspenso durante os recessos do Congresso Nacional. Antes da promulgação da Emenda Constitucional nº 32/2001, não havia a suspensão do prazo e sim a convocação extraordinária do Congresso Nacional para deliberar sobre a medida provisória. Esta emenda também estabeleceu o prazo de duração da medida provisória, pois antes, algumas chegavam a durar até mais de seis anos sem serem convertidas em lei [08] [09].

O art. 2º da Emenda Constitucional nº 32/2001 estabeleceu que "as medidas provisórias editadas em data anterior à da publicação desta emenda continuam em vigor até que medida provisória ulterior as revogue explicitamente ou até deliberação definitiva do Congresso Nacional". Isto é, todas as medidas provisórias anteriores à publicação da Emenda Constitucional nº 32/2001, caso não sejam derrubadas pelo Congresso Nacional, ou o Executivo deixe de revogá-las expressamente, continuarão em vigor, com vigência indeterminada. Caso haja convocação extraordinária, por qualquer motivo, o prazo constitucional das medidas provisórias não ficará suspenso durante os trabalhos legislativos, pois de acordo com o § 8º do art. 57 da Constituição Federal, "havendo medidas provisórias em vigor na data de convocação extraordinária do Congresso Nacional, serão elas automaticamente incluídas na pauta da convocação". Não há mais convocação extraordinária do Congresso Nacional, como anteriormente à Emenda Constitucional nº 32/2001, para se evitar dispêndios desnecessários aos cofres públicos.

Se a medida provisória for editada durante o período de recesso do Congresso Nacional, a contagem dos prazos ficará suspensa, iniciando-se no primeiro dia de sessão legislativa ordinária ou extraordinária que se seguir à sua publicação. Deste modo, a medida provisória poderá excepcionalmente exceder o prazo constitucional de 60 dias, se for editada antes do recesso parlamentar.

Não sendo apreciada em até 45 dias contados de sua publicação, a medida provisória entrará em regime de urgência, permanecendo, porém, com força de lei.

Durante o regime de urgência constitucional todas as demais deliberações da Casa Legislativa que estiverem analisando a medida provisória ficarão sobrestadas, até que seja concluída a votação.

O § 2º do art. 10 da Resolução nº 01/02 do Congresso Nacional determina que a prorrogação do prazo de vigência de medida provisória não restaura os prazos da Casa do Congresso Nacional que estiver em atraso.

Ultrapassando o prazo na Câmara dos Deputados, o Senado Federal já receberá o projeto sob regime de urgência. Seria razoável que o Senado Federal recebesse o projeto sem a contagem do curso na Câmara. Assim, o prazo de urgência deveria ser contado Casa a Casa, pois, de outra forma, o Senado Federal teria sua pauta bloqueada pelo eventual atraso da Câmara, o que fere o devido processo legislativo [10]. O Congresso Nacional, no entanto, ao disciplinar a matéria, optou pela manutenção da contagem de um prazo único, permitindo que o Senado Federal inicie a discussão do tema antes de receber o projeto aprovado pela Câmara dos Deputados. Assim, enquanto a Câmara dos Deputados aprecia o projeto, o Senado Federal, a partir de determinado momento, começa a sua apreciação, mesmo sem a conclusão da Câmara dos Deputados.

De acordo com o § 7º do art. 62 da Constituição Federal, "prorrogar-se-á uma única vez por igual período a vigência de medida provisória que, no prazo de sessenta dias, contado de sua publicação, não tiver a sua votação encerrada nas duas Casas do Congresso Nacional". Assim, o regime de urgência constitucional para medidas provisórias poderá estender-se por 75 dias, pois, não sendo suficientes os 15 dias restantes de vigência, esta se prorroga automaticamente, permanecendo o regime de urgência.

A prorrogação é automática. Há entendimento contrário, porém minoritário, segundo o qual a prorrogação depende de manifestação expressa do Presidente da República neste sentido [11].

Salienta-se que, uma vez editada a medida provisória pelo Presidente da República, este não pode retirá-la de apreciação do Congresso Nacional. Poderá, no entanto, editar nova medida provisória com texto revogador da primeira, cabendo ao Congresso a resolução deaprovar uma das medidas provisórias ou rejeitar ambas, regulamentando as relações jurídicas delas provenientes através de decreto legislativo. É este o entendimento do Supremo Tribunal Federal [12].

É responsabilidade da Comissão Mista, composta por deputados e senadores, elaborar projeto de decreto legislativo para disciplinar as relações jurídicas decorrentes da vigência da medida, cuja tramitação começará na Câmara dos Deputados.

O decreto legislativo está sujeito a controle de constitucionalidade.

 NOLASCO, Lincoln. Medidas provisórias: limites materiais à edição. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3129, 25 jan. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20916/medidas-provisorias-limites-materiais-a-edicao>.