quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

As diferenças da tutela inibitória do ilícito em relação à tutela reparatória tradicional e à tutela cautelar

Pode-se registrar que num passado não muito distante era pouco acentuada a distinção entre tutela da inibição do ilícito e tutela de reparação do ilícito, porquanto a dogmática processual tradicional era direcionada praticamente à reparação do dano, vez por outra direcionando-se à inibição do ilícito (v.g., interditos proibitórios, nunciação de obra nova, mandado de segurança preventivo, etc). Tal quadro ensejou o uso, pragmaticamente, do interdito proibitório como válvula de escape para a tutela de direitos de marca, inventos, etc. o que tornava, nas palavras de Luiz Guilherme Marinoni:
"[...] visível a inexistência de turela adequada aos direitos da personalidade, ou ainda fazia ver que o Código de Processo Civil somente podia responder em parte ao direito à tutela preventiva, o que apenas reafirmava a tendência nitidamente patrimonialista do sistema de tutela dos direitos, e mais do que isso, a própria ideologia que o inspirava." [03]
A tutela da inibição do ilícito, assim, direciona-se a evitar a prática de um ato ilícito, sua repetição e/ou mesmo a sua remoção. Doutro giro, a tutela da reparação direciona-se essencialmente a restabelecer a situação anterior à ocorrência do dano (hodiernamente tanto quanto possível de forma específica ou pelo equivalente em específico) e, apenas em último caso, à conversão do dano em perdas e danos.

Tal distinção, nesse passo, soa deveras necessária a fim de que o magistrado possa compreender quais os pressupostos que se possa exigir do ameaçado e/ou lesado que ingressa em juízo visando ao afastamento de uma potencial lesão a direito.

Ora, o processo civil é, essencialmente, instrumental, competindo-lhe adaptar-se às necessidades do direito material, sob pena de se fazer frustrar o núcleo essencial do direito fundamental à tutela jurisdicional adequada e eficaz. Nesse trilhar, muitas das vezes revela-se absolutamente inócua a tutela meramente reparatória em detrimento da tutela jurisdicional inibitória, em especial se se cuidar de direitos de cunho não patrimonial.

Acerca do tema, colha-se a seguinte passagem de Paulo Rogério de Oliveira:
"A tutela inibitória se volta contra a possibilidade da prática do ato ilícito, ainda que se trate de repetição ou continuação. Desta feita, a tutela inibitória se volta somente para o futuro. Isto significa que nada tem haver com ressarcimento de dano e, por consequencia, com os elementos para imputação ressarcitória, ou seja, os chamados pressupostos subjetivos para configuração de culpa ou dolo." [04]
Estabelecida a distinção em relação à tutela reparatória, a tutela inibitória do ilícito igualmente não se confunde com a tutela cautelar, embora desta tenham se utilizado compreensivamente os jurisdicionados também para buscar a inibição de situações de potencialidade lesiva ao direito até a reforma empreendida aos artigos 287 e 461 do CPC, pela edição das Leis n°s 10.444/02 e 8.952/94 (principalmente através de "ações cautelares atípicas" satisfativas).

A tutela cautelar se presta, essencialmente, a tutelar uma futura relação jurídico processual, o que a doutrina clássica denominada de instrumentalidade ao quadrado (Calamandrei), razão pela qual trata-se de uma tutela assecuratória essencialmente precária e/ou provisória.

De outro modo, a tutela inibitória não se presta a tutelar uma futura relação jurídico processual, ostentando um caráter cognitivo e, portanto, hábil a formar coisa julgada material, diferentemente da tutela cautelar que, via de regra, não gera este fenômeno processual, consoante salientando anteriormente, por ostentar caráter essencialmente "coadjuvante" em relação ao processo dito principal. Nesse compasso, parece tranquila a conclusão de que não há mais justificativa teórica e/ou pragmática que permita a veiculação da inibição do ilícito via ação cautelar, tal qual se pode deduzir das considerações trilhadas por Germana Maria Leal de Oliveira:
"Acresce-se neste item outro diferencial marcante entre elas: enquanto a tutela cautelar é instrumental – ou seja, serve à garanta da existência, utilidade e efetividade do provimento jurisdicional último, ligado ao direito substancial em debate – as tutelas inibitória e de remoção do ilícito são autônomas e, pois, satisfativas, não se prestando à salvaguarda de qualquer outro tipo de provimento jurisdicional. Seu escopo é tão-somente o de conferir utilidade e efetividade ao direito material em questão e não à relação processual adjacente. Em outras palavras, corresponderiam às equivocamente nominadas "cautelares satisfativas" [05]
Portanto, à luz da diferenciação da tutela inibitória em relação à tutela cautelar, igualmente não se justifica mais, entre nós, a utilização das chamadas "cautelares satisfativas", visto que o ordenamento jurídico processual prevê a possibilidade de manejo da demanda cognitiva inibitória, apta a formar coisa julgada material e, portanto, hábil a tutelar adequadamente a situação de direito material posta como potencialmente ameaçada de lesão.

É fato, todavia, que boa parte da jurisprudência ainda dá vazão às cautelares ditas satisfativas, mesmo quando factível o manejo autônomo e independente da ação cognitiva inibitória, passível de concessão de provimento judicial de urgência via tutela antecipada.
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KERN, Ricardo Alessandro. A tutela inibitória do ilícito: apontamentos doutrinários. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3142, 7 fev. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/21025/a-tutela-inibitoria-do-ilicito-apontamentos-doutrinarios>.

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