sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Doação conjuntiva: erro implícito em manifestação de vontade perfeita

Quem é que, na experiência de satisfatórios anos na carreira notarial, não se deparou com o cliente que, chegando ao cartório, expõe a vontade de doar certo patrimônio a sua filha e a seu genro? E quantos de nós acabamos por lavrar este instrumento de liberalidade, nele consubstanciando toda a manifestação de vontade explanada pelo doador, sem ao menos lembrarmos do disposto no parágrafo único do artigo 551 da legislação civil vigente?

Nossa legislação civil atual nada mudou quanto ao teor do Código de 1.916, com relação a doação feita a mais de uma pessoa (ou como denominado pela doutrina – DOAÇÃO CONJUNTIVA). O artigo 551 em seu caput estabelece que "salvo declaração em contrário, a doação comum a mais de uma pessoa entende-se distribuída entre elas por igual". Este dispositivo é claro ao estabelecer regra pra a distribuição de um bem doado a mais de uma pessoa em partes iguais aos donatários, salvo se o doador manifesta vontade quanto a desigualdade no momento da liberalidade.

Em contrapartida, o disposto no parágrafo único do mesmo artigo prescreve que "se os donatários, em tal caso, forem marido e mulher, subsistirá na totalidade a doação para o cônjuge sobrevivo".

Percebe-se com este dispositivo, que assim como o caput, o parágrafo único estabelece uma regra que, s.m.j, extrapola a manifestação de vontade do doador, pois o legislador estabelece regra a essa manifestação de vontade, prescrevendo que caso um dos cônjuges agraciados com a doação faleça, sua fração automaticamente se transfere ao cônjuge sobrevivente. Temos nesta situação típica exceção à regra do disposto no artigo 1.784 do Código Civil, que diz "aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários". Entende-se a abertura da sucessão com o falecimento de alguém, e se esse alguém tem patrimônio em seu nome, o mesmo transmite-se de imediato (com a morte) aos seus herdeiros legítimos e testamentários. Na hipótese da doação conjuntiva não há que se incluir no inventário a fração ora doada ou existindo como patrimônio tão somente a fração doada, não há que se falar nem na abertura do inventário para a transmissão do patrimônio aos seus herdeiros legítimos ou testamentários.

Nesta hipótese, o patrimônio doado também ao outro cônjuge, passa a pertencer ao sobrevivente na totalidade, excluindo o direito sucessório dos herdeiros. Será que é essa a vontade do doador? Ou será que ele gostaria que em caso de falecimento de qualquer dos cônjuges (sua filha, por exemplo), que se fizesse a abertura do inventário e o patrimônio doado passasse a pertencer aos seus netos?

Se a vontade do doador é que em caso de falecimento de qualquer um dos cônjuges, o patrimônio doado passe a pertencer aos seus netos, necessários se faz excluir a aplicabilidade do disposto no parágrafo único do artigo 551 do Código Civil. Têm-se, como já mencionado, que a regra é a de que falecendo um dos cônjuges, o outro terá o patrimônio doado na totalidade. Para não valer a regra, necessário mencionar expressamente no corpo do contrato de doação a não aplicabilidade do disposto no parágrafo já mencionado, pois não sendo norma cogente (aquela que não pode ser modificada nem por manifestação de vontade), poderá a aplicabilidade do mesmo ser excluído por manifestação de vontade das partes, e neste caso, principalmente do doador.

Outro detalhe que chama atenção nesta hipótese é que o legislador não faz distinção quanto ao regime de bens do casal, ou seja, uma vez casados em qualquer dos regimes existentes, e sendo o casal beneficiado na doação, se não houver expressamente a exclusão de aplicabilidade do disposto no parágrafo único do artigo 551, em caso de falecimento de qualquer dos donatários, o cônjuge sobrevivo terá o patrimônio doado em sua totalidade.

Complicada é a situação de quem é casado no regime da comunhão universal de bens. Quando o casal é beneficiado no momento da liberalidade, não há dúvida quanto à aplicabilidade do disposto no parágrafo único do artigo 551 do Código Civil, salvo expressa exclusão. Mas, como fica a situação do donatário que é beneficiado com certo patrimônio e é casado no regime da comunhão universal de bens, se o disposto no inciso I do artigo 1.668, diz que "são excluídos da comunhão, os bens doados ou herdados com cláusula de incomunicabilidade e os sub-rogados em seu lugar".(grifo nosso)?

O regime da comunhão universal de bens tem como regra a comunicabilidade de todo o patrimônio do casal, presentes e futuros e suas dívidas passivas (artigo 1.667, CC), salvo as hipóteses previstas no artigo 1.668, em especial o já mencionado inciso I.

Se levássemos em consideração que todo o patrimônio se comunicaria, a doação também beneficiaria o cônjuge do donatário, salvo incomunicabilidade expressa imposta pelo doador. Nessa hipótese, poderíamos até visualizar a aplicabilidade aqui do disposto no parágrafo único do artigo 551, CC, uma vez que indiretamente a manifestação de vontade do doador beneficia também o cônjuge, e falecendo qualquer dos cônjuges na doação conjuntiva, a doação subsistirá na totalidade ao cônjuge sobrevivo.

Dúvidas pairaram sobre o assunto. Aplica-se ou não a regra da doação conjuntiva prescrita no parágrafo único do artigo 551 do Código Civil, quando somente uma pessoa é beneficiada por doação, sendo casada no regime da comunhão universal de bens, uma vez que para não haver a comunicabilidade com seu cônjuge, necessário o doador impor expressamente a incomunicabilidade?

Hoje é pacífico o entendimento de que, em todos os casos de doação conjuntiva, leva-se em consideração a manifestação de vontade do doador, uma vez que doação é formada por dois elementos: o primeiro o SUBJETIVO, que nada mais é do que a vontade de doar (animus donandi); e, somado a este elemento, o OBJETIVO, que consistente na efetiva transmissão do patrimônio ao donatário, com a diminuição de patrimônio do doador. Sendo assim, se no ato da instrumentalização da doação o casal é beneficiado com certo patrimônio, em caso de falecimento de qualquer um deles, a doação subsistirá na totalidade para o cônjuge sobrevivo, aplicando a regra do parágrafo único do artigo 551 da legislação civil vigente. Mas, se a doação é feita a somente um dos cônjuges, casado no regime da comunhão universal de bens, ainda que indiretamente esteja se comunicando ao outro, não se aplica neste caso a regra de doação conjuntiva, pois leva-se em consideração a manifestação de vontade do doador, qual seja, beneficiar diretamente alguém (cônjuge fulano de tal), restando ao doador, se assim for sua vontade, impor à doação a cláusula restritiva de incomunicabilidade, transformando-se o patrimônio doado, em exclusivo do donatário.

SOUZA, Marcos Agamenon Goes de. Doação conjuntiva: erro implícito em manifestação de vontade perfeita. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3121, 17 jan. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20871/doacao-conjuntiva-erro-implicito-em-manifestacao-de-vontade-perfeita>.

Homem que adotou filha de sua ex-mulher não consegue suspender pensão

Um homem não conseguiu suspender o pagamento da pensão alimentícia que presta a uma criança registrada como sendo sua filha, mas da qual não é o pai biológico. Por unanimidade, a 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Mato Grosso manteve decisão interlocutória proferida pelo Juízo da 2ª Vara Cível de Tangará da Serra (MT) nos autos de uma ação negatória de paternidade, com exoneração de pensão alimentícia, cumulada com pedido de antecipação de tutela.

O relator do recurso, desembargador Dirceu dos Santos, lembrou que consta dos autos que o homem foi casado com a mãe da criança e que quando esta nasceu, registrou como sua filha mesmo sabendo que não era o pai biológico. “Não obstante a existência de um ‘Laudo pericial de investigação de paternidade por exame de DNA’, que comprova a não filiação da agravada [criança], indícios de que o agravante [autor da ação] sabia desta situação e possuía um vínculo socioafetivo estão presentes nos autos nos mais variados documentos”, disse o desembargador.

Ele afirmou, ainda, que, além da certidão de nascimento da criança, um termo de audiência elaborado quando da separação judicial da mãe da criança documenta a aceitação do homem em pagar pensão alimentícia. Além disso, o relatório psicossocial apresenta declarações da falecida mãe da criança, informando que o marido tinha feito vasectomia, mas com o objetivo de ter um filho, levou um estranho para dentro da sua própria casa, para que tivesse relações sexuais com ela e assim engravidá-la.

De acordo com os autos, o homem já havia pedido o arquivamento de uma Ação negatória de paternidade que moveu em razão do falecimento da mãe da criança para buscar a retomada da guarda da menor. Ainda segundo os autos, o termo de degravação de audiência realizada na Comarca de Rio Pardo (RS) traz a declaração de uma testemunha que relata que o homem tinha uma boa relação com a criança, adorando-a e reconhecendo-a como filha. “Resta mais do que caracterizado, in casu, o comportamento típico de pessoas que são parentes entre si, o chamado parentesco socioafetivo”, afirmou o desembargador.

Ele disse, ainda, que se extrai dos autos que o homem quis adotar a menor, sem tomar as medidas judiciais cabíveis, conforme a legislação especial aplicável à espécie. “Ora, onde há a mesma razão, aplica-se o mesmo direito. Assim, para corroborar com a tese alinhavada, considerando-se que o agravante 'adotou', mesmo que irregularmente, a agravada, cumpre respeitar o disposto no artigo 48 do ECA, que taxativamente dispõe que 'a adoção é irrevogável'. Logo, não pode agora ser desfeito o vínculo de filiação”, concluiu.

O homem havia entrado com pedido de suspensão da pensão com o argumento de que possui outros gastos com seus filhos e, principalmente, por não ser o pai biológico da criança, não possuindo com ela qualquer vínculo socioafetivo, embora tenha registrado a criança como sua filha. Pediu a suspensão dos descontos da pensão ou que o valor fosse depositado em uma conta judicial sem a possibilidade de saque por parte da criança ou seu representante legal, o que foi negado pela Câmara. Com informações da Assessoria de Imprensa do TJ-MT.

Revista Consultor Jurídico

Das obrigações e responsabilização do depositário

A obrigação primária do depositário consiste na guarda e conservação da coisa depositada, devendo proceder, no exercício desse múnus, com o cuidado e diligência que costuma ter com o que lhe pertence. É o que prevê o art. 629 do Código Civil.

No que tange à responsabilização do depositário, o próprio art. 629 do Código Civil admite a responsabilização do depositário que, por dolo ou culpa, descumpre o dever de guarda e de conservação da coisa depositada. A contrario senso, mostra-se incabível a responsabilização do depositário que não deu causa, culposa ou dolosamente, à perda ou deterioração da coisa depositada.

A aplicação analógica do art. 150 do CPC conduz a essa mesma conclusão. Esse dispositivo prevê, em suma, que "o depositário ou o administrador responde pelos prejuízos que, por dolo ou culpa, causar à parte, perdendo a remuneração que lhe foi arbitrada ...".

Maria Helena Diniz, ao discorrer sobre as obrigações do depositário, aduz que:
"(...) terá a obrigação de: ter na custódia da coisa depositada o cuidado e a diligência que costuma com o que lhe pertence (CC, art. 629, 1ª alínea), respondendo pela sua perda ou deterioração se contribuiu dolosa ou culposamente para que isso acontecesse (RT 536:117). (In Curso de Direito Civil Brasileiro, vol. 3. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 363). (sem grifo no original)."
No mesmo sentido, são as lições de Carlos Roberto Gonçalves:
"O depositário responde por culpa ou dolo, se a coisa perecer ou deteriorar-se, se o depósito for gratuito ou remunerado. O Código não distingue entre os graus de culpa, nem se o depósito foi feito no interesse do depositante ou do próprio depositário, para agravar ou atenuar a responsabilidade. (In Direito Civil Brasileiro, vol. III. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 370)."
Ainda sobre o tema, conferir os seguintes precedentes:
"PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DEPÓSITO. DETERIORAÇÃO DO BEM. NÃO COMPROVAÇÃO DE CULPA DO DEPOSITÁRIO.
I - O auto de penhora original, lavrado mais de cinco anos antes da constatação, foi omisso em relação ao estado do bem, o que impede que se possa realizar um juízo tecnicamente fundamentado a respeito da comparação entre a deterioração verificada ao longo do período e a vida útil natural do bem penhorado.
II - Portanto, não há como formar, com base nos elementos utilizados pelo Juízo recorrido e trazidos aos autos, culpa do depositário pela perda da utilidade dos bens penhorados.
III - Recurso provido. (TRF da 2ª Região, AG 163260 RJ 2008.02.01.003091-3, Relatora Desembargadora Federal LANA REGUEIRA, 4ª Turma Especializada, DJU de 13/05/2009). "
"DEPOSITÁRIO JUDICIAL. DETERIORAÇÃO. NEGLIGÊNCIA. RESPONSABILIDADE. O depositário judicial, enquanto auxiliar do juízo, deve conduzir-se com diligência na vigilância dos bens postos sob sua guarda, não havendo que se cogitar de responsabilidade sobre a deterioração ordinária que é fruto do mero transcurso do tempo. Todavia, quando constatada sua negligência no múnus em que se encontra investido, deve ser declarada a infidelidade, atraindo as conseqüências legalmente previstas. (TRT da 14ª Região, Agravo de Petição nº 01195.2005.003.14.00-0, Relatora Juíza MARIA DO SOCORRO COSTA MIRANDA)."
 "ADJUDICAÇAO. CONCRETIZAÇAO. TRADIÇAO. DETERIORAÇAO DO BEM PENHORADO. DEPOSITÁRIO. RESPONSABILIDADE. ART. 148 DO CPC.
 Nesse sentido, veja-se precedente elucidativo do Superior Tribunal de Justiça:
"Habeas corpus. Prisão civil. Depositário Infiel. Furto. Boletim de Ocorrência.
I - Intimado para apresentar os bens penhorados, deve o depositário prontamente atender a determinação ou depositar o equivalente em dinheiro, sob pena de não o fazendo, ser considerado depositário infiel, sujeito à pena de prisão civil.

II - O boletim de ocorrência, com a simples assertiva de que o bem penhorado foi furtado, sem qualquer outro elemento de convicção, não é suficiente para comprovar o caso fortuito e isentar o depositário de responsabilidade. Precedentes.

III - Recurso em habeas corpus desprovido.
(RHC 17185/SP, Rel. Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 12/04/2005, DJ 02/05/2005, p. 334)."
Por outro lado, exigir a condenação definitiva do autor do furto para que se possa eximir o depositário da responsabilidade não é a medida mais razoável. Primeiro porque as instâncias penais e administrativas são, em regra, independentes. Segundo porque não se pode confiar a sorte do depositário ao desfecho de uma ação penal que pode nunca vir a existir e, mesmo que venha a ser proposta, pode não atingir um desfecho a tempo e modo desejável.
A melhor solução para a hipótese parece ser a de facultar ao depositário, no bojo do procedimento administrativo, a produção de todas as provas admitidas em direito, além daquelas que não sejam expressamente vedadas pelo ordenamento jurídico, tal como as produzidas por meio ilícitos (provas ilícitas e ilegítimas). Nada obsta que a própria autoridade julgadora determine a realização de diligências necessárias à formação do seu convencimento.
Após a instrução do feito, cabe à autoridade competente, pela livre valoração motivada das provas colacionadas aos autos, decidir pela responsabilização, ou não, do depositário.
De toda sorte, qualquer que seja a causa alegada, o depositário só não será responsabilizado quando não tiver faltado com os deveres que são inerentes à relação entre depositante e depositário, isto é, mesmo que se comprove que a coisa foi furtada, que pereceu por ação do tempo ou por qualquer outra causa, esses atos não podem estar associados a qualquer outro comportamento, comissivo ou omissivo, atribuído ao depositário. Não deve haver qualquer nexo causal entre a perda ou perecimento da coisa e ato ou fato atribuível ao depositário.
Caso, porém, exista prova de que o bem depositado pereceu por culpa do depositário, ele deve ser notificado para que apresente o bem na quantidade, qualidade e no estado de conservação descritos no auto de apreensão e de depósito, sob pena de, não o fazendo, ser constituído contra ele débito equivalente ao do bem cuja guarda e conservação lhe foram confiadas.
Registre-se, ainda, que o Código Civil, na 2ª parte do art. 642, atribuiu ao depositário o ônus da prova acerca da sua não concorrência, dolosa ou culposa, para a perda ou deterioração do bem depositado:
"Art. 642. O depositário não responde pelos casos de força maior; mas, para que lhe valha a escusa, terá de prová-los." (sem grifo no original)
O dispositivo em referência consagrou verdadeira presunção de culpa do depositário, uma vez que a ele caberá a prova da ocorrência do evento externo, alheio à sua vontade, que redundou na perda ou deterioração do bem ambiental que lhe fora confiado. Isso é assim porque, em se tratando de culpa contratual (e não aquiliana), o inadimplemento se presume culposo.
Para Carlos Roberto Gonçalves, o depositário
"(...) só se exonera nos casos de "força maior". Mas, segundo o art. 642 do Código Civil, "para que lhe valha a escusa, terá de prová-los". Há, portanto, em princípio, uma presunção de culpa do depositário, pois, para elidir sua responsabilidade, deve provar a ocorrência da vis major. (In Direito Civil Brasileiro, vol. III. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 370)". (sem grifo no original).
Acerca da presunção de culpa, cite-se, também, precedente do Eg. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios:

"DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. CONTRATO DE DEPÓSITO. DESCUMPRIMENTO PELO DEPOSITÁRIO QUE NÃO RESTITUI OS BENS DEPOSITADOS. CULPA PRESUMIDA. ALEGAÇÃO DE CASO FORTUITO E FORÇA MAIOR. ÔNUS DA PROVA.

I. No contrato de depósito, presume-se o descumprimento culposo do depositário que não devolve a coisa depositada quando assim exigido pelo depositante, ou a devolve deteriorada.

II. Para a elisão da sua obrigação, cumpre ao depositário comprovar que agiu como bom pai de família e que a perda ou deterioração da coisa depositada resultou de caso fortuito ou de força maior.
III. O caso fortuito ou a força maior, por representar fato extintivo do direito do depositante de reaver a coisa depositada, aloja-se na esfera probatória do depositário, a teor do disposto no art. 333, II, do Código de Processo Civil.
IV. Ressumada a quebra contratual imputável ao depositário, ao depositante devem ser indenizados os prejuízos suportados.
V. Recurso conhecido e desprovido. (TJDFT, APC 20020110001922 DF, Relator Desembargador JAMES EDUARDO OLIVEIRA, 6ª Turma Cível, DJU de 18/06/2008)".
Embora o art. 642 do Código Civil refira-se apenas à hipótese de força maior, deve ser aplicado, por analogia, às demais hipóteses nas quais o depositário invoque, em seu favor, escusa de responsabilidade.
 Na linha da fundamentação supra, não se pode atribuir ao depositário a responsabilidade na hipótese em que a perda ou deterioração do bem a ele confiado ocorreu por ação exclusiva do tempo, o que geralmente se verifica com o perecimento de madeira apreendida.

De igual modo, havendo prova cabal de que o bem depositado foi furtado e que não houve desídia do depositário no dever de guarda e vigilância que são inerentes ao contrato de depósito, também se mostra inviável a sua responsabilização. Saliente-se, a esse propósito, que o simples registro de ocorrência do furto junto à autoridade policial não é prova idônea a isentar o depositário da responsabilidade, uma vez que este ato apenas tem o condão de provocar a atividade investigatória.

FREITAS, Roberto da Silva. Responsabilidade do depositário de bens apreendidos em decorrência de infrações ambientais. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3123, 19 jan. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20891/responsabilidade-do-depositario-de-bens-apreendidos-em-decorrencia-de-infracoes-ambientais>.

I - A adjudicação de bem móvel concretiza-se somente após a tradição deste para o adjudicante.
II - Havendo deterioração na madeira expropriada, por culpa exclusiva de seu depositário, este deve ser intimado para apresentá-la na quantidade, qualidade e no estado de conservação descritos no auto de penhora, sob pena de aplicação das cominações legais, pois é responsabilidade dele zelar pela coisa colocada sob sua guarda, nos termos do art.
148 do CPC. (TRT da 14ª Região, Agravo de Petição nº 144420050911400, Relator Juiz Convocado SHIKOU SADAHIRO)."

O IBAMA e os bens apreendidos em decorrência de infrações ambientais

O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e demais entidades/órgãos (tais como o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, as Secretarias Estaduais de Meio Ambiente etc) encarregados do exercício do poder de polícia em matéria ambiental deverão proceder à apreensão de produtos e instrumentos relacionados à infração de natureza ambiental.

Nesse contexto, o art. 25 da Lei nº 9.605/98 dispõe que, "verificada a infração, serão apreendidos seus produtos e instrumentos, lavrando-se os respectivos autos". Essa apreensão, segundo a legislação de regência, terá caráter cautelar (art. 101, § 1º, do Decreto nº 6.514/2008) ou sancionador (art. 3º, IV, do Decreto nº 6.514/2008).

No que tange à destinação dos bens apreendidos, em se tratando de animais, serão libertados em seu habitat ou entregues a jardins zoológicos, fundações ou entidades assemelhadas, desde que fiquem sob a responsabilidade de técnicos habilitados (art. 25, § 1º, da Lei nº 9.605/99). Na hipótese de apreensão de produtos perecíveis ou madeiras, serão estes avaliados e doados a instituições científicas, hospitalares, penais e outras com fins beneficentes (art. 25, § 2º, da Lei nº 9.605/99).

Verifica-se, pois, que a própria Lei regulou, de maneira suficiente, a destinação dos produtos e instrumentos apreendidos em razão da prática de infração contra o meio ambiente.

A problemática que se coloca, porém, não diz respeito à destinação desses bens, mas, sim, à responsabilidade daquele que fora designado para desempenhar deveres de guarda e conservação da coisa, no período que medeia entre a apreensão e a destinação prevista em lei.

A priori, os objetos apreendidos ficarão sob a responsabilidade do ente ambiental que empreendeu a fiscalização. Excepcionalmente, poderão ser confiados a fiel depositário, até o julgamento do processo administrativo. Nesse sentido, dispõe o art. 105 do Decreto nº 6.514/2008, verbis:

"Art. 105. Os bens apreendidos deverão ficar sob a guarda do órgão ou entidade responsável pela fiscalização, podendo, excepcionalmente, ser confiados a fiel depositário, até o julgamento do processo administrativo."
O art. 106, por sua vez, dispõe que:
"Art. 106. A critério da administração, o depósito de que trata o art. 105 poderá ser confiado:
I - a órgãos e entidades de caráter ambiental, beneficente, científico, cultural, educacional, hospitalar, penal e militar; ou
II - ao próprio autuado, desde que a posse dos bens ou animais não traga risco de utilização em novas infrações."
É certo que os órgãos e entes ambientais, federais e estaduais, não dispõem, na maioria dos casos, da estrutura física e dos recursos materiais necessários à guarda segura e adequada de todos os bens apreendidos nas rotineiras fiscalizações. Assim, inexiste dúvida acerca da necessidade de o ente fiscalizador valer-se da faculdade prevista nos arts. 105 e 106 do Decreto nº 6.514/2008, consistente na indicação de depositário para a guarda e conservação dos bens apreendidos.

FREITAS, Roberto da Silva. Responsabilidade do depositário de bens apreendidos em decorrência de infrações ambientais. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3123, 19 jan. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20891/responsabilidade-do-depositario-de-bens-apreendidos-em-decorrencia-de-infracoes-ambientais>.

Legitimidade recursal do Ministério Público como custos legis

Nem sempre a legitimidade do Ministério Público para recorrer, na qualidade de fiscal da lei, foi bem aceita pela doutrina, pelo ordenamento jurídico e, inclusive, pela jurisprudência, ensina Hermann Homem de Carvalho Roenick [02].

Na vigência do código de processo anterior, a doutrina rejeitava a ideia de o Parquet recorrer quando a sua intervenção no processo era na qualidade de custos legis.

Segundo o doutrinador "os que admitiam o recurso do MP, "quando fiscal da lei", sustentavam não ser lógico e nem consoar com o sistema que o parquet tivesse presença obrigatória no processo, interessado na aplicação correta da lei e, prolatada a sentença, por exemplo, dela não pudesse apelar se convencido estivesse de haver sido violada a norma legal ou desconsiderada a prova produzida."

Com o novo estatuto processual civil, tal discussão ficou ultrapassada, pois o novo código autorizou expressamente o Ministério Público a recorrer tanto como parte como quando fiscal da lei, senão vejamos:
"Art. 499.  O recurso pode ser interposto pela parte vencida, pelo terceiro prejudicado e pelo Ministério Público."
§ 2º  O Ministério Público tem legitimidade para recorrer assim no processo em que é parte, como naqueles em que oficiou como fiscal da lei.
E arremata ainda o mestre "(...) o órgão do Ministério público pode usar de todos os recursos que a lei processual estabelece, gozando, em relação às partes, das prerrogativas especiais a que aludem os arts. 188 (prazo em dobro) e 511, parágrafo único (dispensa de preparo)."

E, no que tange ao benefício do art. 188 do Código de Processo, o entendimento é no sentido de que o parquet goza de tal privilégio quando atua como parte e também quando custos legis, senão vejamos:
"Ministério Público. Quer atue como parte, quer como fiscal da lei, o MP tem sempre o prazo em dobro para recorrer. No mesmo sentido: RTJ 106/1036, 106/217 (Nelson Nery Junior, Código de Processo Civil Comentado, RT, 7ª edição, p. 582)."
Ocorre que, apesar da ampla legitimidade recursal do MP para recorrer, seja como parte ou fiscal da lei, o Superior Tribunal de Justiça consolidou entendimento no sentido de que, nas ações de alimentos, uma vez cessada a incapacidade, cessa também a atuação do parquet nos autos, motivo pelo qual não teria mais o Ministério Público legitimidade para recorrer da decisão que exonera o devedor de alimentos quando o alimentando já é capaz.
"RECURSO ESPECIAL. EXONERAÇÃO AUTOMÁTICA. ALIMENTOS. MAIORIDADE DO ALIMENTANDO. ILEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA RECORRER.
1. Carece ao Ministério Público legitimidade para recorrer contra decisão que extingue o dever de prestar alimentos em razão do alimentando ter alcançado a maioridade, mormente se este tem advogado constituído nos autos.
2. Recurso especial não conhecido."
(REsp nº 982.410/DF, Relator o Ministro FERNANDO GONÇALVES, DJ de 17.12.2007)."
À vista do que foi esposado, podemos concluir que o Ministério Público detém ampla legitimidade recursal não só nos processos em que atua como parte, mas também nos que funciona como custos legis, tendo em vista o que estabelece o artigo 499, parágrafo 2º, do CPC. Ocorre que, à luz do entendimento do STJ, o referido dispositivo legal (499, CPC), há que ser conjugado com as hipóteses de intervenção do art. 82, CPC, ou seja, cessada a causa de intervenção do parquet no processo civil, cessa por consequência sua legitimidade para recorrer.

Esse é o entendimento consolidado naquela Corte de Justiça e que ainda vigora nos dias atuais, conforme abaixo se observa.
"RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ALIMENTOS. MAIORIDADE DO ALIMENTANDO. MINISTÉRIO PÚBLICO. ILEGITIMIDADE PARA RECORRER.
O Ministério Público não detém legitimidade para recorrer contra decisão em que se discute alimentos quando o alimentando houver alcançado a maioridade. Recurso especial não conhecido." (4ª Turma, REsp n. 712.175/DF, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, maioria, DJU de 08.05.2006. Ante o exposto, nego seguimento ao recurso (art. 557, caput, do CPC).Publique-se. Brasília (DF), 03 de agosto de 2009.Relator Min. ALDIR PASSARINHO JUNIOR"
Ainda nesse sentido, o REsp 848394/DF, que teve como relator o Ministro Raul Araújo, tendo sido publicada a decisão em 02/12/2010.

BUENO, Gustavo de Oliveira. Legitimidade recursal do Ministério Público nas decisões que exoneram devedor de alimentos de filho maior de idade.. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3123, 19 jan. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20892/legitimidade-recursal-do-ministerio-publico-nas-decisoes-que-exoneram-devedor-de-alimentos-de-filho-maior-de-idade>.