sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Juiz suspende restrições a passe livre para deficientes

Portaria não pode criar condições para concessão de gratuidade nos serviços públicos de transporte coletivo se a própria lei não as estabeleceu. A conclusão é do juiz da 3ª Vara de Fazenda Municipal de Belo Horizonte, Alyrio Ramos, ao suspender a vigência de dispositivos da Portaria 080/2011 da BHtrans. A norma restringiu a concessão do chamado passe livre a pessoas com deficiência. Cabe recurso.

O juiz afirmou que a regulamentação do passe livre, através da Portaria 080/2011, não pode apresentar restrições que não estejam previstas em lei. “O regulamento, além de inferior, subordinado, é ato dependente de lei”, explicou. Analisando a Lei Orgânica do Município de Belo Horizonte, “diploma legal equivalente a uma Constituição Municipal”, o juiz observou que o legislador municipal não estabeleceu condições para a concessão do passe livre.

Alyrio Ramos suspendeu liminarmente a vigência dos artigos 14 (que especifica os critérios para os deficientes mentais); 15 e 16 caput e parágrafo segundo (que especificam os critérios para os deficientes auditivos e visuais); 17 caput (referente à comprovação do enquadramento nos critérios diagnósticos de concessão) e 28 (referente aos critérios socioeconômicos de concessão do benefício) da Portaria BHtrans. A suspensão vale até decisão do mérito da ação. Com informações da Assessoria de Imprensa do TJ-MG.

0024.12.036767-7 
Revista Consultor Jurídico

Site coletivo de compras não pode se eximir de responsabilidade

Quando surgiram, os sites de compras coletivas eram tidos como aliados dos consumidores, pois faziam convites para uma verdadeira festa das promoções, uma inovação que era vista como um meio barato, ético e seguro para se adquirir bens e serviços. Mas no andamento dessas operações, o que se viu não foi bem isso. O príncipe virava sapo, já que a ética e a segurança imaginada hoje não mais existem em muitos dos casos.

Os conflitos entre consumidores e sites de compras coletivas começam a ficar mais frequentes, sendo que o que antes era uma grata surpresa, pois desde o ano passado, esse tipo de operação impulsionou as vendas do comércio virtual, agora geram preocupações dos órgãos de defesa do consumidor.

As irregularidades mais frequentes são encontradas nos contratos, na falta de informação ou propaganda enganosa e apresentação de descontos maiores do que realmente são. Sem prejuízo dessas situações hoje já muito comuns, algumas empresas de sites de compras coletivas não respeitam a privacidade dos clientes, por conta dos envios de e-mail sem permissão. Esse foi um levantamento mais recente, do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), que apontou esses como os principais problemas encontrados nas quatro maiores empresas do ramo.

Deve-se deixar claro para o consumidor que os sites de compras coletivas são, sim, responsáveis pelos problemas acima narrados, já que pelo fato de fazerem a propaganda e comercializarem os produtos, o Código de Defesa do Consumidor não deixa hipóteses para essas empresas se eximirem da responsabilidade, mesmo que inserida como cláusulas nos contratos praticados.

Nesses casos, se existir a cláusula, ela é nula, como se nunca tivesse existido. Pelo que se pode notar, caso o consumidor não fique ciente de seus direitos, estará ele mais uma vez fadado ao descaso e ao abuso comercial. Portanto, deve-se analisar e discutir, de maneira colegiada, os princípios de defesa do consumidor e da ordem econômica, preservando todos os interesses, os dos empresários e dos consumidores.

Antonio Bertoli Júnior é sócio do Bertoli Advogados e Associados.
Revista Consultor Jurídico

DVD de Rafinha Bastos insulta portadores de necessidade especiais

Liminar da 2ª Vara Cível da Capital de São Paulo determinou que seja retirado de circulação o DVD A Arte do Insulto do humorista Rafinha Bastos. A ação foi proposta pela Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) por entender que houve insulto “à honra e à imagem” das pessoas com deficiência intelectual que foram chamadas de “retardados” no vídeo. Cabe recurso.

Com a decisão Rafinha não só terá que retirar o DVD de comercialização, como também tomar as medidas necessárias para que o material não seja veiculado na TV e internet. Após recolher as cópias, ele deve apresentar à Justiça comprovantes de que tomou a providência.

Caso não o faça em 20 dias, a multa diária será de R$ 20 mil. Rafinha também terá que pagar R$ 30 mil por cada menção que fizer a Apae ou portadores de necessidade especiais, de forma de maneira degradante, por palavras, escritos, objetos, gestos ou expressões corporais.

Além disso, o juiz determinou a expedição de ofícios às Lojas Americanas, FNAC, Submarino, Saraiva e Livraria Cultura, para que não comercializem de A Arte do Insulto.

De acordo com os autos, a Apae reclama que em dado momento do show, Rafinha Bastos faz a seguinte piada: “Um tempo atrás eu usei um preservativo com efeito retardante ... efeito retardante ... retardou ... retardou ... retardou ... tive que internar meu pinto na Apae... tá completamente retardado hoje em dia ... eu tiro ele prá fora e ele (grunhidos ininteligíveis).” Durante os grunhidos, ele faz gestos desconexos simulando ter alguma doença mental.

A associação afirma que Rafinha, com o objetivo de obter lucro financeiro pessoal, denegriu de forma violenta e degradante a imagem não apenas da Apae, enquanto instituição, mas de toda a coletividade de pessoas com deficiência intelectual. “A lastimável performance do réu imitando uma pessoa com deficiência intelectual atinge de modo frontal e violento a honra subjetiva das pessoas com tão triste deficiência, degradando-lhes a imagem”.

Ressalta a Apae, que o artigo 1º, III da Constituição Federal traz como fundamento do Estado Democrático de Direito, a dignidade da pessoa humana, sendo dever deste mesmo Estado protegê-la em suas diversas esferas, sob pena de ruir em si mesmo.

E, ainda que, o artigo 5º da Carta Magna, em seu inciso X, assegura que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

“Zombar a deficiência alheia, de modo vexatório, humilhante, degradante, não pode ser considerado como arte, não podendo ser, ainda, tolerado o insulto perpetrado e admitido — inexplicavelmente com indisfarçável orgulho — pelo próprio réu”, afirma a Apae. A entidade explica que na instituição não se “internam” órgãos sexuais, “não podendo a pessoa com deficiência ser equiparada a algo inútil, imprestável, como sinaliza com clareza o Réu em sua performance artística aqui verificada ao se referir à genitália ‘retardada’”.

Conclui a Apae que a concepção atual da doutrina orienta-se no sentido de que a responsabilização do agente causador do dano moral opera-se por força do simples fato da violação. E que, verificado o evento danoso, surge a necessidade de reparação, não havendo que se cogitar da prova do prejuízo, se presentes os pressupostos legais para que haja a responsabilidade civil (nexo de causalidade e culpa). "Não há falar em prova do dano moral, mas, sim, na prova do fato que gerou a dor, o sofrimento, sentimentos íntimos que o ensejam. Provado assim o fato, impõe-se a condenação, sob pena de violação ao artigo 334 do Código de Processo Civil", entende a Apae.
Rogério Barbosa é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico

Artigo 241-A do ECA prevê pena de 3 a 6 anos de reclusão e multa por divulgar imagens de sexo com adolescentes

Saiu na Folha na quinta-feira 29/07/10:  
A Delegacia de Repressão aos Crimes Informáticos de Porto Alegre vai investigar quem são os mais de 3.000 usuários que baixaram o vídeo em que dois adolescentes se masturbam.
A investigação teve início na segunda-feira, após um casal de jovens - que afirmam ter 16 (ele) e 14 anos (ela) - aparecer no site Twitcam (um serviço que permite a usuários do microblog Twitter mostrar ao vivo o que quer que estejam fazendo) para um público de mais de 26 mil pessoas.
Hoje, segundo o delegado Emerson Wendt, serão pedidos ao site de hospedagem de arquivos 4shared.com os dados do usuário que disponibilizou o vídeo na página.
Ele e quem mais baixou ou distribuiu o vídeo pode ser indiciado com base no artigo 241-A do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), que prevê pena de três a seis anos de reclusão e multa por divulgar imagens de sexo com adolescentes.
A cena foi ao ar na madrugada de segunda-feira e causou furor entre internautas, que acusaram o rapaz de pedofilia e de drogar a garota.
Pela internet, o jovem conversou com a Folha e se disse arrependido. Na tarde de segunda, ele e a menina entraram novamente na Twitcam para se explicar.
O jovem também gravou um vídeo dizendo que ele e a garota são menores de idade e que, portanto, não houve pedofilia.
O jovem contou que a aposta inicial era de ficarem nus na Twitcam, mas que os internautas os instigaram a fazer sexo o tempo todo.
‘Era como um leilão. Eles diziam: ‘Se você chegar a 10 mil seguidores, ela tira a roupa.’ Com 20 mil, queriam que a gente transasse. As pessoas se empolgam na internet.’
Na terça, o delegado Emerson Wendt ouviu os jovens e apreendeu o computador. Segundo ele, a garota, 'acompanhada dos pais boquiabertos', confirma que não foi forçada a nada. Segundo o delegado, os dois serão encaminhados ao Departamento Estadual da Criança e do Adolescente e podem ter de cumprir medidas socioeducativas.

Esse é um caso interessantes para discutirmos dois assuntos distintos.

Primeiro, vamos pensar no que o delegado falou: segundo ele, os dois adolescentes poderiam ter de cumprir medidas socioeducativas. Isso porque eles teriam exposto imagens de adolescentes (i.e., deles mesmos) nus na internet. No caso, ambos queriam se expor. Ninguém os forçou a nada e, segundo eles mesmos, um não forçou o outro. Enfim, ambos foram imaturos, mas não cometeram nenhuma infração penal, pois ambos são menores, nenhum deles forçou o outro a agir, e como ambos foram expostos (na verdade, eles expuseram não só o outro, mas a si mesmos), ambos foram vítimas de suas próprias condutas. Ora, o ECA existe para proteger as crianças e adolescentes. Imagine como seria incoerente criar uma situação em que ambos são vítimas de sua própria imaturidade, terão de viver o resto de suas vidas com suas imagens expostas para sempre e ainda seriam obrigados a cumprir uma medida socioeducativa por conta desse erro. Seria ilógico se, ainda por cima, a lei resolvesse puni-los.

Segundo, o jornalista foi inteligente ao atribuir as afirmações do delegado ao próprio delegado. Ou seja, ele não comprou a versão do delegado: apenas reportou os fatos e as opiniões dos envolvidos. As pessoas muitas vezes falam no calor do momento, sem parar para pensar ou pesquisar. Não importa o cargo. Já vimos aqui inúmeros casos de servidores de renome falando sem pensar. Foi o que aconteceu com o delegado. É importante para o jornalista conseguir separar o que ele sabe ou consegue confirmar de forma independente do que lhe é informado. Se ele não tivesse atribuído à fonte a informação de que os adolescentes podem ter de cumprir medida socioeducativa, ficaria pareo erro teria sido dele e não do delegado.

http://direito.folha.com.br/1/post/2010/08/eca.html

Para a lei, viver é um direito e não uma obrigação

Saiu na Folha de 2/6/11:
A Justiça gaúcha negou o pedido de um hospital privado de Porto Alegre para continuar o tratamento de uma paciente de 82 anos que não queria mais passar por sessões de hemodiálise.
Segundo Gilberto, 56, filho de Irene Oliveira de Freitas, ela desistiu porque passava mal nas sessões e ficava inconsciente. Ante a intenção do filho de levá-la para casa, o hospital foi à Justiça para continuar o tratamento.
O Tribunal de Justiça se recusou a expedir ordem para isso. Para o relator do caso, desembargador Arminio Rosa, prolongar a vida pode ser 'futilidade médica'. Segundo o Hospital Ernesto Dornelles, um neto de Irene pediu a manutenção do tratamento.
Após desistir da internação e da hemodiálise, no fim de 2010, a idosa foi para casa. Neste ano, durante crise de saúde, retomou as sessões. Agora, mesmo debilitada, está em casa e faz hemodiálise três vezes por semana.
Resolução de 2006 do Conselho Federal de Medicina regulou a ortotanásia (decisão de não prolongar a vida de doente terminal sem chance de cura). A regra foi contestada na Justiça, mas em maio o CFM teve decisão favorável.


Viver é um direito e não um a obrigação. Ao menos para a lei brasileira. Ao contrário do que muita gente pensa, suicídio não é crime no Brasil. Crime é ajudar ou instigar alguém a cometê-lo.

A consequência disso é que se alguém recusar tratamento um tratamento médico, ninguém (justiça, hospital, médico ou parente) pode obrigar a pessoa a submeter-se a tal tratamento. É o caso, por exemplo, que vemos sempre com as testemunhas de Jeová que se recusam a receber transfusão de sangue ou qualquer órgão. A mesma coisa acontece se alguém resolve pular do 19o andar e por acaso sobreviver: essa pessoa não vai ser condenada por tentar tirar sua própria vida. Isso não é crime, é um direito (você já parou para se perguntar por que dizemos ‘direito à vida’ e não ‘obrigação à vida’?)

Mas existem três detalhes importantes:

Primeiro, criança e deficientes mentais não têm capacidade de decidir, para a lei brasileira. Normalmente seus pais são responsáveis por tomarem decisões por eles. Mas se os pais optam por alguma medida que o médico considera ser contrária aos interesses da criança ou do deficiente mental, p médico pode pedir à justiça que avalie a situação. Logo, os pais que recusam a submeter o filho a um tratamento médico podem ter sua decisão revista por um magistrado. Os pais não são os donos da criança, são apenas representantes, e como tais, devem agir da forma que melhor atenda aos interesses da criança, e não aos seus próprios interesses e/ou crenças.

Segundo, nós só podemos decidir quando estamos conscientes. Se estamos inconscientes, aqueles que nos representam é que decidirão por nós. No caso da matéria acima, se a paciente entrar em coma, por exemplo, seu filho é quem decidirá. Mas como no caso das crianças, a justiça pode julgar que a decisão do responsável legal não atende aos interesses da pessoa inconsciente e, por isso, revertê-la.

Por fim, os dois cenários acima presumem que haja tempo de consultar o responsável legal. Em uma emergência médica, o médico deve fazer tudo que achar necessário para salvar a pessoa. Se não der tempo de pergunta ao responsável jurídico pela pessoa, o médico agirá como achar melhor dada a situação, ainda que contra a vontade do paciente e/ou seu reponsável.
http://direito.folha.com.br/1/post/2011/07/para-a-lei-viver-um-direito-e-no-um-a-obrigao.html

O segredo de justiça não serve para proteger o magistrado

Saiu na Folha de sexta (16/9/11):
Seis anos após adotar irmãos, pais tentam devolver um deles
Seis anos após adotar dois irmãos, um casal de Santa Catarina tentou devolver o mais velho, alegando problemas de relacionamento.
Moradores do vale do Itajaí, eles acabaram perdendo o poder familiar - deveres com relação à criança, incluindo a guarda - do garoto, de 12 anos, e da menina, de dez. Foram ainda condenados a indenizar cada criança em R$ 40 mil. Os nomes do casal e de seus defensores não foram divulgados.
Psicólogos e assistentes sociais constataram que o menino sofria discriminação e maus-tratos psicológicos.
Quando fazia xixi na cama, era obrigado a lavar os lençóis. Também ficava trancado no quarto a noite inteira.
Além disso, enquanto o filho biológico do casal, de 14 anos, estudava em uma escola particular, os filhos adotados estavam na rede pública.
Segundo a juíza do caso, que não quis ter seu nome divulgado (o caso corre sob segredo de Justiça), a mãe já havia levado o menino várias vezes ao Judiciário, dizendo que a criança era violenta.
A magistrada disse que, no ano passado, a mulher, de classe média alta, foi ao fórum, falou que não queria mais ficar com a criança e a abandonou no local.
Para a juíza, a mãe queria adotar só a menina, na época com cerca de três anos. Mas a lei não permite separar irmãos. ‘Ela o levou num 'compre um, leve dois'. Mas depois não conseguiu suportar’ (…)
Mas, em junho deste ano, a sentença foi confirmada pelo TJ, que estabeleceu o valor da indenização.
Desde o ano passado, as crianças estão em um abrigo


A matéria diz que a juíza do caso não quis ter seu nome divulgado e que o caso corre sob segredo de Justiça. Que o caso corra em segredo de justiça é normal. Quase todos os casos que envolvem crianças correm em segredo de justiça. Isso serve para preservar a criança. Em um caso como o acima, por exemplo, a exposição da criança poderia se tornar um estigma para o resto de sua vida.

Mas o fato de a juíza não querer ter seu nome divulgado é curioso. Os magistrados recebem - e bem – e possuem diversos tipos de garantias e privilégios justamente porque precisam tomar decisões controversas. O fato de ter dado uma sentença controversa não dá à magistrada o direito de se esconder atrás do anonimato ou do segredo de justiça. O segredo de um processo serve para proteger seu conteúdo, réu e/ou autor, e não a pessoa responsável por seu julgamento.

Vejamos o que diz o artigo 155 de nosso Código de Processo Civil, que trata de situações como a da matéria acima:
"Os atos processuais são públicos. Correm, todavia, em segredo de justiça os processos:
I - em que o exigir o interesse público;
Il - que dizem respeito a casamento, filiação, separação dos cônjuges, conversão desta em divórcio, alimentos e guarda de menores.
Parágrafo único.  O direito de consultar os autos e de pedir certidões de seus atos é restrito às partes e a seus procuradores. O terceiro, que demonstrar interesse jurídico, pode requerer ao juiz certidão do dispositivo da sentença, bem como de inventário e partilha resultante do desquite


Reparem que o parágrafo único dá a um estranho (‘o terceiro’) o direito de pedir para ter um resumo da sentença. Esse pedido deve ser dirigido ao magistrado responsável pelo caso. Mas como é que o estranho pode fazer esse pedido se ele não sabe qual é o magistrado responsável pelo caso? Ele vai colocar o pedido pendurado no poste na praça em frente ao fórum na esperança de que o magistrado leia? Claro que não.

Uma das características das piores ditaduras é que suas vítimas raramente sabem com quem estão lidando. É justamente por isso que, no Brasil, o policial que prende deve se identificar ao preso. Em uma democracia, apenas em raríssimos casos a identidade de um servidor público é mantida em segredo (quase sempre relacionado às questões de segurança nacional: se sabemos a identidade de um espião, ele deixa de ser um espião). Da mesma forma, um juiz que profere uma sentença pode até manter a sentença em segredo de justiça para proteger o processo ou a privacidade das partes, mas não pode recusar-se a identificar-se. Junto com todos os privilégios e direitos de sua função, há também obrigações e ônus, e essa é uma delas.

Existe uma segunda incongruência no caso: embora a magistrada se esconda no anonimato, ela fala abertamente de detalhes do caso - por exemplo, apontando o fato de uma das crianças fazer xixi na cama - e dá detalhes que podem levar à identificação das crianças por seus amigos e conhecidos  - por exemplo, por conta da indiscrição da juíza, é possível saber quem são as três crianças da história, já que elas moram no Vale do Itajaí e são filhas de um casal de classe média alta que tem três filhos, o mais velho com 14 anos e estudando em escola particular, e outros dois, um adolescente de 12 e uma menina de 10, ambos estudando em escola pública. Se o vizinho ou o colega de escola sabe que os dois filhos mais novos ‘desapareceram’ no último ano, ele sabe exatamente quem são as três crianças.

PS: Ser obrigado a lavar suas roupas ou lençol não é mau-trato. Assim como não é mau-trato ser obrigado a manter o quarto arrumado ou a escovar os dentes ou ser acordado para ir para a escola. O mau-trato pode estar na forma como isso é praticado, e não no fato de isso ter sido praticado. Por exemplo, se todos na casa lavam seus lençóis com as mãos, por que o adolescente deveria ser tratado diferente? O juiz deve levar em consideração tanto a condição da família quanto a relação da família com aquele indivíduo, além, óbvio, da idade da criança. Tratar uma criança de um ano como se trata uma criança de onze é errado. Você não deixa seu filho de um ano tomar banho sozinho, mas seria muito estranho você dar banho em seu filho de 11 anos. Ambos são, juridicamente, crianças. Mas suas idades exigem que sejam tratados de formas diferentes.

http://direito.folha.com.br/1/post/2011/09/o-segredo-de-justia-no-serve-para-proteger-o-magistrado.html

Matéria não é prova

Saiu na Folha de 09/06/09:

Para lei brasileira, não há morte sem corpo
(…) Na legislação brasileira, a regra é que não há morte sem corpo. A exceção à regra é quando a Justiça declara a morte presumida de uma pessoa, como prevê o Código Civil Brasileiro, de 2002. O documento é equivalente ao atestado de óbito.
A morte presumida ocorre, diz o Código Civil, "se for extremamente provável a morte de quem estava em perigo de vida". É o caso dos passageiros do vôo 447. Já foram localizados destroços da aeronave e, até ontem, corpos de 24 pessoas.
Porém, o mesmo código diz que a declaração de morte presumida "somente poderá ser requerida depois de esgotadas as buscas e averiguações". Isso significa que, enquanto as autoridades não declararem suspensas as buscas, ou ao menos admitirem que não há mais possibilidade de serem localizados os corpos, os familiares não poderão pedir à Justiça a declaração de morte presumida dos desaparecidos. (…)
A advogada Maria Helena Bragaglia diz que é preciso recolher provas de que a pessoa estava no vôo. "Podem ser documentos oficiais ou não. Comprovante de compra da passagem no cartão de crédito ou até notícia de jornal com a lista dos passageiros. Se tiver declaração oficial do governo ou da empresa aérea, melhor ainda."



Primeiro, o título da matéria contradiz o que está no corpo da matéria. Fica óbvio que na lei brasileira é possível a morte sem corpo. Está escrito na própria matéria!


Mas o mais importante é notar a declaração da advogada de que noticia de jornal constitui uma prova. É obvio que não constitui. Um juiz não pode declarar que alguém está morto porque o jornal resolveu “matar” tal pessoa. A notícia do jornal não é uma prova, ela apenas reporta a existência de uma prova. Pela lógica da advogada, bastaria o jornalista colocar o nome do presidente na lista publicada pelo jornal para o juiz declarar que o presidente está morto. A prova é aquilo que a matéria reportar (por exemplo, a certidão de óbito da pessoa).


E serve como lembrete para os jornalistas sobre a responsabilidade de sua função. Muito advogado, acusado, vitima e membro do Ministério Público tenta influenciar o conteúdo da matéria do jornalista para, depois, usar a mesma matéria como forma de convencer o magistrado de que determinado fato ocorreu.

http://direito.folha.com.br/1/post/2010/04/matria-no-prova.html