terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Débito ou crédito conjugal? (Maria Berenice Dias)

Todo mundo acredita que existe o chamado "débito conjugal". Uma crença tão antiga que até dispõe de uma expressão latina debitum conjugale. Esta não é a única referência a esse "direito-dever" que advém do Direito Canônico, chamado de jus in corpus, ou seja, direito sobre o corpo. Claro que é o direito do homem ao corpo da mulher, para atender ao dogma "crescei e multiplicai-vos".

O fato é que o casamento sempre foi identificado com o exercício da sexualidade, pois servia para "legalizar" as relações sexuais. Era um remédio contra a concupiscência – remedium concupiscentiae – o que, segundo o dicionário, significa inclinação a gozar prazeres sexuais.

Até hoje há quem afirme que o casamento se "consuma" na noite de núpcias. Antigamente, tal ocorria pelo desvirginamento da mulher, fato que precisava ser provado publicamente, pela exposição do lençol marcado de sangue, como é visto em filmes de época. Mesmo com o fim do tabu da virgindade – que já serviu até de causa para o pedido de anulação de casamento – o mito continua.

Ainda que persista a crença que o débito conjugal existe, ninguém consegue definir do que se trata. Será a obrigação do exercício da sexualidade? Significa que os cônjuges são obrigados à prática sexual? De onde advém este dever?

Será que a desculpa feminina da dor de cabeça configura descumprimento da obrigação? E a ejaculação precoce ou a impotência – fantasmas que rondam todos os homens – seriam inadimplemento ou mau cumprimento desse dever? E a alegação da mulher de nunca ter sentido prazer, é causa suficiente da incompetência masculina para se desincumbir de seu encargo? E, se de uma obrigação se trata, pode ser executada por terceiros ou é uma obrigação infungível?

A sorte é que a lei não impõe o débito conjugal. O casamento estabelece comunhão plena de vida (CC 1.511) e faz surgir deveres de fidelidade, vida em comum, mútua assistência, respeito e consideração (CC 1.566). Nenhuma dessas expressões é uma maneira pudica de impor a prática sexual. Nem o dever de fidelidade permite acreditar que existe o encargo da prática sexual. Mais serve é para gerar a presunção de paternidade dos filhos (CC 1.597), se tanto.

Nem entre as causas da separação – antigo instituto que não mais existe – havia a previsão de que a ausência de vida sexual autorizava o pedido de separação. A obsoleta culpa, que em boa hora foi abolida do sistema jurídico, autorizava o pedido de separação, sob a alegação de impossibilidade de vida em comum, em caso de adultério, injúria grave, conduta desonrosa (CC 1.573). Mas não há como chamar de injúria grave a resistência esporádica ou contumaz de manter relações sexuais.

De outro lado, a ausência de sexo não torna o casamento anulável. Sequer se pode dizer que configura vício de vontade (CC 1.550 III) ou erro essencial sobre a pessoa do outro (CC 1.556) que diga respeito à sua identidade, honra ou boa fama, a tornar insuportável a vida em comum (CC 1.557 I). Também não pode ser identificada como defeito físico irremediável (CC 1.557 III).

De qualquer modo, mesmo quando há erro essencial, a coabitação valida o casamento (CC 1.559). Claro que esta referência não diz com a prática sexual, mas com a vida em comum sob o mesmo teto. Apesar de a anulação do casamento dispor de efeito retroativo (CC 1.563), enquanto perdurou, gera inúmeros reflexos, inclusive de ordem patrimonial, que não podem desaparecer. Mas, pelo que diz a lei, a anulação do casamento apaga tudo. Os casados voltam ao estado civil de solteiros e não persiste sequela alguma da união, ainda que tenha durado por três anos, que é o prazo prescricional da ação anulatória (CC 1.560 III).

Às claras que o casamento traz a expectativa da prática sexual, em face da imposição social e cultural de sua finalidade procriativa. Mas a abstinência sexual de um dos cônjuges não gera o direito à anulação do casamento. Não há como alegar afronta ao princípio da confiança que se identifica pela expressão venire contra factum proprium, nada mais do que vedação de comportamento contraditório que autoriza a busca de indenização de natureza moral.

Portanto, de todo desarrazoado e desmedido pretender que a ausência de contato físico de natureza sexual seja reconhecida como inadimplemento de dever conjugal. Forçar o exercício do "direito" ao contato sexual pode, perigosamente, chancelar a violência doméstica. É bom lembrar que, por muito tempo, prevaleceu a tendência de desqualificar o estupro conjugal.

Ainda assim, reiterados são os julgados anulando o casamento sob a alegação da impotência coeundi, mais uma expressão latina, e que significa impossibilidade de manter relações sexuais. Os fundamentos jurídicos são dos mais diversos, desde erro moral, erro essencial e injúria grave. Nenhum deles, no entanto, com respaldo legal.

Mas é a afetividade e o amor que levam as pessoas a casarem. Estes são os mais significativos ingredientes da affectio maritalis – para continuar invocando expressões antigas – presente nos vínculos familiares da atualidade!

DIAS, Maria Berenice. Débito ou crédito conjugal?. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3116, 12 jan. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20838/debito-ou-credito-conjugal>.

Proprietários de imóvel não conseguem impor restrições a uso do subsolo

O direito de propriedade do solo abrange o subsolo, porém o seu alcance é limitado a uma profundidade útil ao seu aproveitamento, o que impede o proprietário de se opor a atividades realizadas por terceiros em espaço sobre o qual ele não tenha interesse legítimo. Com esse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento a recurso especial.

Proprietários de um imóvel ingressaram em juízo com a pretensão de receber indenização por danos materiais e morais de vizinhos. Eles alegaram que seu imóvel teria sofrido danos decorrentes de obras, sobretudo escavações, realizadas em sua propriedade.

A primeira instância julgou os pedidos parcialmente procedentes e condenou os vizinhos a indenizarem os proprietários pelos danos materiais sofridos e a providenciarem a retirada das vigas utilizadas na ancoragem provisória da parede de contenção erguida, no prazo de 120 dias, sob pena de multa diária de R$ 500.

Os vizinhos apelaram ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), que deu provimento parcial ao pedido, afastando a determinação de remoção das vigas colocadas a cerca de quatro metros de profundidade.

Insatisfeitos, os proprietários entraram com recurso especial no STJ alegando violação dos artigos 1.229 e 1.299 do Código Civil (CC). Eles argumentaram que o subsolo seria parte integrante da superfície da área e sua exploração não autorizada constituiria esbulho.

A relatora do recurso especial, ministra Nancy Andrighi, explicou que o artigo 1.229 do CC estabelece que a propriedade do solo abrange a do subsolo correspondente. Entretanto, a segunda parte do artigo limita o alcance da propriedade do subsolo a uma profundidade útil ao seu aproveitamento.

“Com efeito, o legislador adotou o critério da utilidade como parâmetro definidor da propriedade do subsolo, limitando-a ao proveito normal e atual que pode proporcionar, conforme as possibilidades técnicas então existentes”, afirmou a relatora.

Para a ministra, a Constituição Federal e o CC conferem proteção à função social da propriedade e isso é “incompatível com atos mesquinhos do proprietário, desprovidos de interesse ou serventia”. Ela afirmou que “a propriedade constitui inegável fato econômico, de sorte que a extensão do subsolo a ela inerente deve ser delimitada pela utilidade que pode proporcionar ao proprietário”.

Nancy Andrighi explicou também que o direito de construir, previsto no artigo 1.299 do CC, abrange o subsolo, desde que seja respeitado o critério de utilidade previsto no artigo 1.229.

De acordo com a relatora, a parcela do subsolo utilizada pelos vizinhos para a realização de obras em seu imóvel não deve ser considerada parte integrante da outra propriedade, já que foi comprovado em perícia que, com a colocação das vigas, não houve prejuízo ou restrição ao direito de uso, gozo e fruição.

A ministra negou provimento ao recurso especial, desconsiderando qualquer ofensa aos artigos 1.229 e 1.299 do CC na decisão do TJRS.

Fonte: http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=104630

Consumidor desconhece significado de certificações

Produtores que possuem Indicação de Procedência e Denominação de Origem se organizam para implementar uma entidade nacional (Clarisse de Freitas)

As associações de produtores de todo o País que já obtiveram a Indicação de Procedência (IP) ou a Denominação de Origem (DO) pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi) estruturam a criação de uma entidade nacional para conscientizar os consumidores dos diferenciais representados pelas certificações de procedência. O objetivo, segundo Rogério Valduga, presidente da Associação de Produtores de Vinhos Finos do Vale dos Vinhedos (Aprovale) é unificar esforços.

“Um problema comum, que todas as indicações geográficas têm, é a falta de reconhecimento pelo consumidor do significado do selo na embalagem. Começamos a articular a criação de uma entidade nacional para enfrentar essa questão. No caso do vinho, é um pouco mais fácil, porque o consumidor tem experiência com indicações de outros países, mas a dificuldade encontrada por outras cadeias é muito grande”, argumenta.

O reconhecimento pelo consumidor pode ser apontado como o ponto da virada, que transforma os investimentos e esforços necessários para organizar a cadeia e transformar a certificação em lucro. Dados da Comissão Europeia de Comércio apontam que lá, onde os consumidores estão habituados a reconhecer os diferenciais das regiões, 43% se dispõe a pagar até 10% mais por produtos com Indicação Geográfica (IG) e 11% afirmam que pagariam até 30% mais pela garantia de procedência, a qualidade e a tradição. Formar essa demanda exige esforços em duas frentes: é preciso conquistar o engajamento da comunidade e apresentar os diferenciais ao consumidor final, mesmo que ele esteja em outros estados ou no exterior.

Valduga aponta que o trabalho de articulação local precisa ser constante. “Não é fácil, principalmente quando temos que convencer agricultores como meu pai, que produz uva há décadas, de que é preciso mudar o sistema de cultivo das videiras. E mais, que ele precisa remover plantas que produzem 40 toneladas por hectare ao ano, por outras que rendem 12 toneladas, mas com um ganho de qualidade significativo”, conta.

A estratégia no Vale dos Vinhedos, que é capitaneada pela indústria, consiste em firmar contratos de compra da produção por valores que superam o dobro do que é pago por uvas cultivadas pelo processo tradicional. A Aprovale possui a IP desde 2002 e espera receber neste ano a DO.

O que aconteceu no Vale dos Vinhedos mostra que as perspectivas de valorização são muitas. A região serrana iniciou o processo há 16 anos com um cenário de pouca valorização do produto e intenso êxodo da população rural. Atualmente, o preço do hectare no Vale dos Vinhedos é apontado como o mais caro do Brasil. As terras são negociadas atualmente entre R$ 300 mil e R$ 400 mil o hectare. Já os investimentos feitos em tecnologia pelas vinícolas coloca a Serra gaúcha como uma das regiões produtoras mais desenvolvidas do mundo.

Os diferentes tipos de Indicações GeográficasIndicação de Procedência refere-se ao nome geográfico de um país, de uma cidade, de uma região ou de uma localidade de seu território, que se tornou conhecido como centro de produção, fabricação ou extração de determinado produto ou de prestação de determinado serviço.
Exemplo: Franca para Calçados; Paris para perfumes.

Denominação de Origem define-se como o nome geográfico de país, cidade, região ou localidade de seu território, que sirva para designar produto ou serviço cuja qualidade se deva, exclusiva e essencialmente, ao meio geográfico, incluídos os fatores naturais e humanos.
Exemplo: Bento Gonçalves para vinho; Minas Gerais para queijo.

Selo vai permitir a rastreabilidade dos doces fabricados em PelotasEstá nos planos da Associação dos Produtores de Doces de Pelotas permitir que, nos próximos meses, os consumidores tenham acesso, via internet, a um banco de dados que indique a procedência de cada confeito, assim como o detalhamento da origem dos ingredientes usados. O reconhecimento aos doces da cidade, que tramitou por cinco anos e foi deferido em agosto, foi concedido de forma definitiva no dia 30 de novembro, quando se encerraram os prazos de questionamento legal ao processo. A partir de agora, só poderão usar a marca Doce de Pelotas os produtores reunidos pela associação detentora da patente. No processo, eles comprovaram que respeitam a tradição confeiteira local de quase 200 anos e que, além da cidade de Pelotas, está presente nos municípios de Capão do Leão, São Lourenço, Turuçu, Arroio do Padre e Morro Redondo (que se emanciparam de Pelotas).

“A ideia é que os papéis pelotine (as forminhas) sejam numerados pela associação. A empresa produtora comprará as embalagens por lotes e irá informar que doces serão embalados com cada lote e qual a origem dos ingredientes – que obedecem ao regulamento técnico registrado pelo Inpi. Pela internet, o consumidor terá acesso a essa informação. Esse sistema ainda está em construção e deverá estar disponível em seis ou oito meses”, detalhou Rosâni Ribeiro, gerente da regional Sul do Sebrae.

O advogado Pablo Berger, especialista em Direito Empresarial, observa a importância da estruturação da entidade, já que o País não possui um órgão específico de fiscalização e proteção às marcas. “Basicamente o trabalho funciona a partir de denúncias e do pedido judicial de regularização, ou seja, para que quem usa a marca indevidamente pare de usar”, diz.

Ele explica que, a longo prazo, o fortalecimento da denominação de origem representa ganhos também aos consumidores, que veem na indicação de procedência a garantia de que as receitas são as mesmas que fizeram a história do lugar e que os processos de fabricação seguem rigorosos controles de qualidade.

O Inpi reconheceu como Doce de Pelotas 15 receitas: quindim; olho de sogra; broinha de coco; beijinho de coco; panelinha de coco; queijadinha; camafeu; pastel de Santa Clara; bem casado; fatia de Braga; amanteigado; trouxinha de amêndoa; ninho; papo de anjo; e cristalizados.

A gerente do Sebrae conta que o processo de certificação (que está sendo repetido agora pelos produtores de pêssego em calda da cidade) inclui a criação da mobilização de produtores, o resgate histórico da produção e a construção de um regulamento técnico que garanta a qualidade e a autenticidade dos produtos.

Processo para obter a certificação envolve também a industrializaçãoNo caso dos produtores de arroz do Litoral Norte gaúcho, que obtiveram em setembro de 2010 a primeira Denominação de Origem do Brasil, o trabalho de articulação vem sendo conduzido pelos produtores rurais, que trabalham para mobilizar a comunidade e conquistar a indústria. “A DO é também uma ferramenta de desenvolvimento econômico. Além de todo o controle dos insumos usados na lavoura e das formas de cultivo, o processo engloba também a industrialização, que obrigatoriamente é feita na região. Estamos construindo com a Cooperativa Palmares essa segunda etapa, ao mesmo tempo em que criamos áreas-piloto de cultivo para demonstrar com visitas técnicas o diferencial do arroz do Litoral Norte. A indicação promove a conquista do mercado através do reconhecimento público dos processos, da qualidade e da sustentabilidade”, afirmou Clovis Terra Machado dos Santos, presidente da Associação dos Produtores de Arroz do Litoral Norte Gaúcho (Aproarroz).

O processo de implantação não é simples. A etapa mais complicada começa após a concessão do selo pelo Inpi e vai, além das questões comerciais, para ações de engajamento da comunidade e de desenvolvimento da economia local, como a valorização da cultura e da história que envolvem a cadeia produtiva certificada e o fomento ao turismo. Nesse primeiro ano, a DO teve poucos reflexos econômicos para os produtores de arroz. Santos indica que os gestores das associações detentoras de Denominações de Origem e Indicações de Procedência estão cientes de que têm em mãos “um diamante bruto, que terá resultados tão bons quanto for a lapidação”.