quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Tutela inibitória coletiva

O direito brasileiro sempre privilegiou a tutela repressiva em função do dogma da incoercibilidade do fazer ou não fazer, relegando-se a proteção inibitória a questões envolvendo posse e propriedade (direitos patrimoniais, portanto), o que é um enorme contrasenso, porém revela a ideologia individualista até outrora impregnada no ordenamento jurídico pátrio.

Sobre o assunto, destacam-se as considerações de Sérgio Cruz Arenhardt relativamente a perspectiva histórica do dogma ou princípio da incoercibilidade das prestações (nemo ad factum praecise cogi potest [14]) e o equívoco em que se toma tal princípio a fim de obstar a plena eficácia da tutela específica:
Evidentemente, esta característica da condenação (sua ausência de coercibilidade direta) constitui reflexo direto da aplicação do princípio, de índole tipicamente liberal-burguesa, segundo o qual nemo ad factum praecise cogi potest. Sobre tal verdadeiro dogma, acentua Chiarloni que "a canonização, na cultura jusnaturalística francesa, do princípio nemo ad factum praecise cogi potest constitui realmente um reflexo do secular processo de dissolução da sociedade feudal e da conseqüente afirmação, mesmo nas relações privadas, dos valores de autonomia, liberdade e igualdade, que serão posteriormente ratificados pela revolução e analiticamente codificados na legislação napoleônica. [...] Ainda, porém, que se possa ter por razoável a justificativa para a existência do princípio como exposta pela doutrina, é de se ver que nem sempre tais valores – cruciais para o ordenamento jurídico – merecerão a prevalência que normalmente se lhes dá. Outrossim, mesmo que se possa ter como normal a idéia de que constranger alguém a prestar um fato sempre resulta em um fato mal prestado, também é preciso considerar que essa conclusão não merece o caráter absoluto com que vem comumente exposto. Se a liberdade e a dignidade do réu são importantes, também são a liberdade e a dignidade do autor da demanda. E quiça esses valores 9do autor) realizem-se precisamente na execução de certo fato por parte do réu, caso em que, certamente, fazer prevalecer sempre o interesse do réu – convertendo a prestação em perdas e danos – será desconsiderar os mesmos valores atribuídos à pessoa humana do "credor". [...] [15]
Paulatinamentefoi sendo possível ultrapassar o dogma da incoercibilidade das prestações (positivas e/ou negativas) e corrigir o erro histórico no que tange ao "apequenamento" da tutela inibitória pelo processo civil clássivo, iniciando-se uma mudança paradigmática, justamente, com a Lei de Ação Popular (Lei nº 4.717/65), nos exatos termos dos dizeres de Sérgio Cruz Arenhardt:
Perante o sistema nacional, o primeiro diploma concebido especificamente para a tutela dos interesses da coletividade foi a Lei 4.717/65 (Lei de Ação Popular), imaginada para a proteção do patrimônio público, pelo cidadão. É bem verdade que leis anteriores previam a legitimidade de associações para a proteção coletiva de interesses de seus membros – como as Leis 1.134/50, ou o primitivo Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei 4.215/63) -, inspiradas nas class actions do direito anglo-americano. Entretanto, a Lei da Ação Popular foi a primeira que efetivamente procurou oferecer tutela coletiva a interesses metaindividuais, razão suficiente para ser considerada marco na história nacional das tutelas de massa. [...] [16]
No entanto, à míngua de uma potencialidade capaz de tutelar os direitos metaindividuais pela Lei de Ação Popular - sobretudo diante da pouca utilização da tutela coletiva via ação popular, tal mudança em rumo à consolidação de uma tutela inibitória coletiva deu-se mais fortemente com a introdução, entre nós, do artigo 11 da Lei de Ação Civil Pública – LACP e do artigo 84 do CDC e, sobremodo, com o promulgação da Constituição Cidadã.

Não há dúvida, ademais, que hodiernamente o sistema de tutela coletiva dos direitos é engendrado, essencialmente, pela conjugação dos dispositivos da Ação Civil Pública e do Código de Defesa do Consumidor, ex vi do disposto no artigo 21 da LACP, o que é de grande importância para admissão da ação inibitória coletiva dita pura (a qual não pressupõe um ilícito anterior), sobretudo em questões envolvendo a delicada problemática ambiental, nos exatos termos das palavras de Luiz Guilherme Marinoni:
[...] Ora, como há um sistema de tutela coletiva dos direitos, integrado, fundamentalmente, pela Lei de Ação Civil Pública e pelo Código de Defesa do Consumidor – em razão do art. 90 do CDC, que manda aplicar às ações ajuizadas com base nesse Código as normas da Lei da Ação Civil Pública e do Código de Processo Civil, e do art. 21 da Lei de Ação Civil Pública, que afirma que são aplicáveis às ações nela fundadas as disposições processuais que estão no Código de Defesa do Consumidor -, não há dúvida de que o art. 84 do CDC sustenta a possibilidade da tutela inibitória pura para qualquer direito difuso ou coletivo. A ação inibitória coletiva pura tem sido utilizada com certa freqüência, sendo significativo o seu uso nas ações que, visando à proteção do meio ambiente, impedem, v.g., que uma fábrica que ameaça agredir o meio ambiente inicie as suas atividades. [17]
Em suma, presente algum direito ou interesse metaindividual a ser tutelado (difuso, coletivo ou individual homogêneo - art. 81 do CDC), ameaçado de lesão, viável se afigura o manejo de ação coletiva lato sensu (Ação Civil Pública, Ação Popular, Ação Popular Ambiental, Ação Coletiva stricto sensu, etc) na perspectiva de obter-se a inibição do ilícito, ou seja, a defesa in natura do direito material protegido.
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KERN, Ricardo Alessandro. A tutela inibitória do ilícito: apontamentos doutrinários. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3142, 7 fev. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/21025/a-tutela-inibitoria-do-ilicito-apontamentos-doutrinarios>.

Os direitos não patrimonais, novos direitos e a tutela inibitória

Fixada que seja premissa de que os "novos direitos" nascem em função de um processo contínuo e histórico de luta em uma sociedade plural e complexa, compete ao Poder Judiciário engajar-se, quando provocado, de forma eficaz no intuito de concretizar da melhor maneira esses direitos, seja individual e/ou coletivamente.
A tutela inibitória é vocacionada à efetiva defesa dos direitos ditos não patrimoniais, encontrando-se atualmente satisfatoriamente positivada em nível constitucional e subconstitucional. Todavia, ainda que assim não fosse, cumpre anotar que os direitos não patrimoniais, dentre os quais se inserem parte dos "novos direitos", fazem emergir por si só a necessidade de prevenção, revelando-se incapaz de prestar essa proteção jurídica o processo civil clássico, reparatório e direcionado à tutela do dano, atrelado ao dogma da incoercibilidade do (não) fazer.

Nesta senda, os direitos não patrimoniais fazem emergir o direito à inibição, independentemente de qualquer previsão normativa na legislação infraconstitucional processual, porquanto esse direito à prevenção do ilícito emerge da atuação concreta da norma (a tutela inibitória também retira seu fundamento de validade do direito material), no entendimento de Luiz Guilherme Marinoni:
Os direitos transindividuais exigem que sejam evitadas condutas que possam lesá-los. Deste modo, são instituídas normas de direito material que proíbem ou impõem determinadas ações. Como já foi dito, estas normas possuem caráter preventivo. Com efeito, se um direito não-patrimonial, para ser efetivo, depende da sua inviolabilidade, as normas materiais de imposição ou proibição de condutas prestam verdadeira tutela preventiva aos direitos transidividuais. [...] A questão que mais interessa surge quando é necessária a atuação jurisdicional. Deixe-se claro, em um primeiro momento, que, para a efetividade do direito não-patrimonial, não importa a existência da norma material capaz de lhe outorgar prevenção. É que a tutela inibitória é inerente a todo e qualquer direito não-patrimonial. Se o direito à tutela inibitória é co-natural ao direito não-patrimonial, e as modernas Constituições garantem o direito à tutela jurisdicional efetiva, a legislação processual está obrigada a instituir técnicas processuais realmente capazes de prestá-la. [...] [12]
Ora, se a prevenção é inerente a todo e qualquer direito de cunho não patrimonial (direito à personalidade, direito à vida, direito à saúde, direito ao meio ambiente, patrimônio artístico, histórico, paisagístico, etc.), deve-se buscar a inibição antes de procurar-se a reparação.

Terezinha Scwenck defende a opinião aqui perfilhada no que pertine ao uso da tutela inibitória para a defesa dos "novos direitos": "É perfeitamente possível o uso da tutela inibitória prevista no art. 461 do CPC diante da ameaça ou ofensa ao direito novo (...). [13]

Para tal mister, deve-se buscar a inibição do ilícito em sua forma individual (art. 461 do CPC) ou em sua forma coletiva (art. 84 do CDC), a depender da espécie de direito ameaçado de lesão.
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KERN, Ricardo Alessandro. A tutela inibitória do ilícito: apontamentos doutrinários. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3142, 7 fev. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/21025/a-tutela-inibitoria-do-ilicito-apontamentos-doutrinarios>.

A tutela inibitória do ilícito e os novos direitos

A tutela inibitória do ilícito destina-se, essencialmente, à tutela de direitos não patrimoniais, dentre os quais inserem-se parte dos chamados "novos direitos". Por "novos direitos" entenda-se as novas categorias de direitos conquistadas historicamente pela sociedade contemporânea, englobando, essencialmente, os direitos de segunda (direitos sociais), terceira (direitos transindividuais), quarta (biodireito) e quinta (direitos os sistemas informatizados e de comunicação) dimensões. Todavia, esse processo de criação e multiplicação de novos direitos insere, por igual, novos direitos na primeira dimensão desta taxionomia jurídica (v.g., direitos e garantias individuais fundamentais do acusado amplamente estendidos na Constituição de 1988), não sendo pois fenômeno exclusivo das demais categorias dimensionais de direitos.

Dentre os direitos de terceira dimensão, a título de exemplo, insere-se o direito fundamental ao meio ambiente sadio e equilibrado (art. 225 da Constituição) - muito ameaçado e lesado hodiernamente, conforme professa o magistério de Eladio Lecey, reportando-se a Norberto Bobbio:

O direito ao meio ambiente tem sido elencado dentre os novos direitos, como salienta Norberto Bobbio na sua magnífica obra A Era dos Direitos: "Ao lado dos direitos sociais, que foram chamados de direitos de segunda geração, emergiram hoje os chamados direitos de terceira geração, que constituem uma categoria, para dizer a verdade, ainda excessivamente heterogênea e vaga, o que nos impede de compreender do que efetivamente se trata. O mais importante deles é o reinvidicado pelos movimentos ecológicos: o direito de viver num ambiente não poluído" (obra citada, p. 5 e 6)

Tratam-se de novos direitos porque são fruto de luta e conquista do homem ao longo do tempo, nascendo, por assim dizer, deste contínuo movimento histórico de evolução jurídica, tal qual sintetiza a seguinte passagem de Norberto Bobbio: "Nascem quando devem ou podem nascer, sendo direitos históricos, surgindo de lutas em defesa de novas liberdades contra velos poderes (op. e p. cit)" (Norberto Bobbio apud Eladio Lecey).

A Constituição Cidadã foi pródiga na positivação destes novos direitos. Por isso mesmo, os "novos direitos" hoje encontram-se na pauta do Poder Judiciário, o qual é constantemente provocado a se pronunciar sobre os mesmos, inclusive relativamente a políticas públicas que são demandadas para a realização destes novos direitos (veja-se, por exemplo, no âmbito da Justiça Federal, a crescente demanda envolvendo direito à saúde, previdência social, assistência social, etc).

Posto isto, é fundamental estabelecer a ligação entre os "novos direitos" e o papel da tutela inibitória do ilícito, o que procurar-se-á estabelecer no tópico adiante.
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KERN, Ricardo Alessandro. A tutela inibitória do ilícito: apontamentos doutrinários. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3142, 7 fev. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/21025/a-tutela-inibitoria-do-ilicito-apontamentos-doutrinarios>.

Pressupostos da tutela (antecipada) inibitória do ilícito

Partindo do conceito de ato ilícito como ato contrário ao direito, afasta-se desde logo a prova da culpa ou dolo na atividade probatória destinada à deflagração da inibição, assim como a própria ocorrência de um dano ou prejuízo. Nesse particular, cumpre estabelecer que o objeto da prova da inibição é a a probabilidade da violação de ato contrário ao direito, sendo desimportante que outrora algum ilícito tenha se verificado.

Nessa marcha, Luiz Guilherme Marinoni estabelece a seguinte premissa:
"O dano é apenas uma eventual consequencia do ilícito. O dano e o elemento subjetivo somente importam para o caso de ressarcimento, mas não para as hipóteses de inibição e de remoção do ilícito. No caso de remoção do ilícito, basta a transgressão da norma, pouco importando o motivo que conduziu o infrator a assim proceder." [06]
Decerto, expurgando-se os elementos objetivo (dano) e subjetivo (culpa e/ou dolo), pode-se estabelecer que o primeiro pressuposto da ação inibitória, com vistas à prevenção do ilícito, é a provável violação de um direito um dos pilares da tutela inibitória. Nesse contexto, pode-se concluir que a prova da ilicitudade é um ato indispensável à concessão da tutela inibitória, devendo-se obtemperar, todavia, que a ameaça ao ilícito é móvel suficiente para a tutela inibitória, sendo desnecessária que a violação do direito já tenha iniciado o seu iter, bastando o fundado receio de que tal ocorra num futuro iminente.

A prova da provável violação de um direito ou a ocorrência de um futuro ato ilícito (=juízo de probabilidade) demanda prova indiciária - o que se torna mais difícil de se estabelecer quando a tutela inibitória classifica-se como "pura", ou seja, voltada a não ocorrência do ilícito, o que não se verifica em tal grau de intensidade na tutela de inibição voltada à remoção ou não continuação do ilícito (=tutela inibitória impura), onde pode-se estabelecer um padrão de conduta ou modus operandi. Em outras palavras, esse juízo de probabilidade corresponde ao requisito do "fumus boni iuris", exigível, modo geral, das tutelas de urgência.

Luiz Guilheme Marinoni, outrossim, delineia com acerto a dificuldade em estabelecer esse juízo de probabilidade do ilícito em cada uma das categorias de inibição:
"Problema diverso é o da prova da afirmação de que o ato (admitido como ilícito) será praticado, repetido ou continuará. Quando ato anterior já foi praticado, da sua modalidade e naturea se pode inferir com grande aproximação a probabilidade da sua continuação ou repetição no futuro. Com efeito, a grande dificuldade da ação inibitória está na produção da prova de que um ato será praticado, quando nenhum ilícito anterior foi cometido. Frignani admite que esta é a questão de fundo da ação inibitória (a qual pode ser denominada de inibitória "pura"), ou melhor, um obstáculo contornável para a admissibilidade desta modalidade de tutela. Afirma Frignani que a peculiriadade da tutela inibitória "pura" consiste no fato de que a prova do perigo da prática do ilícito é mais difícil, ao passo que é extremamente árduo valor ex ante a idoneidade dos meios utilizados como preparativos ao fim de prática do ilícito." [07]
Movendo-se adiante, uma vez estabelecido o pressuposto da probabilidade da ocorrência do ilícito per se, o segundo pressuposto para a deflagração da tutela antecipada inibitória do ilícito corresponde ao requisito do periculum in mora, ou seja, a necessidade de outorga jurisdicional tempestiva e efetiva, afastando-se tanto quanto possível a ocorrência do chamado "dano marginal" ao autor que tem razão, dano este que advém precisamente da morosidade judiciária.

Exsurge de vital relevância o senso comum (art. 355 do CPC) para possibilitar um juízo presuntivo que vise a comprovar o futuro ato temido e, por isso, a necessidade do deferimento da tutela antecipatória da inibição do ilícito, modo a possibilitar a concretude do direito material. Logicamente, cabe ao juiz temperar, no caso concreto, se o provimento judicial inibitório puder acarretar prejuízo irreparável ao réu, o que certamente vai de encontro as fins da inibição e à lógica da proporcionalidade.

Por vezes, a concessão da tutela inibitória antecipadamente poderá ensejar um conflito de interesses igualmente protegidos (em certos casos, caracterizando-se uma colisão de direitos fundamentais), competindo aos magistrados decidir prudentemente pelo interesse ou direito prevalente, com supedâneo nos princípios constitucionais da razoabilidade e proporcionalidade. Essa é a perspectiva do magistério de Paulo Rogério de Oliveira:
"Um aspecto que permeia a tutela inibitória, especialmente quando se trata da sua antecipação, é a grande importância da observação ao princípio da proporcionalidade. Com efeito, por vezes o julgador se vê diante do conflito de dois interesses dignos de tutela, e deve optar por um, em detrimento de outro. E como não existe uma hierarquização de bens e valores, como bem ressalta Marinoni, o juiz deve optar pelo que tem maior relevância, em face da situação concreta." [08]
Impende destacar, nesse passo, a plasticidade e a fungibilidade da tutela inibitória antecipada, diante do poder outorgado ao magistrado a fim de conceder a medida adequada para a salvaguarda do direito material, podendo o provimento judicial requerido ser alterado, vale dizer, diminuído ou aumentado e, inclusive, modificado. Trata-se da aplicação do princípio da fungibilidade em matéria de pedido de antecipação de tutela, no desiderato de se outorgar a efetiva e adequada prestação jurisdicional, sem qualquer ofensa ao princípio da adstrição da lide aos limites do pedido, por força do que disposto no artigo 461 do CPC e 84 do CPC.

Logo, é dado ao magistrado o poder-dever de outorgar a inibitória positiva (fazer) e a inibitória negativa (não fazer), correspondendo, respectivamente, aos mandatory injuction e prohibtory injuction do direito norte-americano, sendo erro imaginar que a tutela inibitória reduza-se a uma imposição de um não fazer pelo juiz.

No entanto, tecnicamente a tutela preventiva pura do ilícito é conhecida no direito norte-americano como "quia timet injunction", modalidade do gênero injuction a exemplo dos mandatory injuction e prohibtory injuction (estes aplicáveis quando violado em momento anterior o direito), o que pode ser deduzido da seguinte passagem da obra de Luiz Guilherme Marinoni:
Note-se, porém, que a prohibitory e a mandatory injuction, ainda que exercendo função preventiva, exigem anterior violação do direito; é apenas a quia timet injuction, como já se disse, que viabiliza a prevenção do ilícito na forma pura, muito embora acabe consistindo, também, em uma injunction. A quia timet injunction, em outras palavras, é uma espécie de injunction, assim como também o são a prohibitory e a mandatory injuction e a interlocutory e a final injunction. [09]
Em vista do exposto, a prova de uma futura ilicitude é necessária, embora não se exija um rigor exacerbado em sua comprovação (não se exige um juízo de certeza), exigindo-se, ainda, a prova da indispensabilidade da tutela jurisdicional pronta e efetiva. O(a) magistrado(a) deverá permanecer atento(a) e sensível a esta espécime de tutela jurisdicional, evitando o equívoco de pretender fazer uma leitura dos pressupostos da inibição (fato futuro) a partir da tutela da reparação (fato passado).
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KERN, Ricardo Alessandro. A tutela inibitória do ilícito: apontamentos doutrinários. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3142, 7 fev. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/21025/a-tutela-inibitoria-do-ilicito-apontamentos-doutrinarios>.

As diferenças da tutela inibitória do ilícito em relação à tutela reparatória tradicional e à tutela cautelar

Pode-se registrar que num passado não muito distante era pouco acentuada a distinção entre tutela da inibição do ilícito e tutela de reparação do ilícito, porquanto a dogmática processual tradicional era direcionada praticamente à reparação do dano, vez por outra direcionando-se à inibição do ilícito (v.g., interditos proibitórios, nunciação de obra nova, mandado de segurança preventivo, etc). Tal quadro ensejou o uso, pragmaticamente, do interdito proibitório como válvula de escape para a tutela de direitos de marca, inventos, etc. o que tornava, nas palavras de Luiz Guilherme Marinoni:
"[...] visível a inexistência de turela adequada aos direitos da personalidade, ou ainda fazia ver que o Código de Processo Civil somente podia responder em parte ao direito à tutela preventiva, o que apenas reafirmava a tendência nitidamente patrimonialista do sistema de tutela dos direitos, e mais do que isso, a própria ideologia que o inspirava." [03]
A tutela da inibição do ilícito, assim, direciona-se a evitar a prática de um ato ilícito, sua repetição e/ou mesmo a sua remoção. Doutro giro, a tutela da reparação direciona-se essencialmente a restabelecer a situação anterior à ocorrência do dano (hodiernamente tanto quanto possível de forma específica ou pelo equivalente em específico) e, apenas em último caso, à conversão do dano em perdas e danos.

Tal distinção, nesse passo, soa deveras necessária a fim de que o magistrado possa compreender quais os pressupostos que se possa exigir do ameaçado e/ou lesado que ingressa em juízo visando ao afastamento de uma potencial lesão a direito.

Ora, o processo civil é, essencialmente, instrumental, competindo-lhe adaptar-se às necessidades do direito material, sob pena de se fazer frustrar o núcleo essencial do direito fundamental à tutela jurisdicional adequada e eficaz. Nesse trilhar, muitas das vezes revela-se absolutamente inócua a tutela meramente reparatória em detrimento da tutela jurisdicional inibitória, em especial se se cuidar de direitos de cunho não patrimonial.

Acerca do tema, colha-se a seguinte passagem de Paulo Rogério de Oliveira:
"A tutela inibitória se volta contra a possibilidade da prática do ato ilícito, ainda que se trate de repetição ou continuação. Desta feita, a tutela inibitória se volta somente para o futuro. Isto significa que nada tem haver com ressarcimento de dano e, por consequencia, com os elementos para imputação ressarcitória, ou seja, os chamados pressupostos subjetivos para configuração de culpa ou dolo." [04]
Estabelecida a distinção em relação à tutela reparatória, a tutela inibitória do ilícito igualmente não se confunde com a tutela cautelar, embora desta tenham se utilizado compreensivamente os jurisdicionados também para buscar a inibição de situações de potencialidade lesiva ao direito até a reforma empreendida aos artigos 287 e 461 do CPC, pela edição das Leis n°s 10.444/02 e 8.952/94 (principalmente através de "ações cautelares atípicas" satisfativas).

A tutela cautelar se presta, essencialmente, a tutelar uma futura relação jurídico processual, o que a doutrina clássica denominada de instrumentalidade ao quadrado (Calamandrei), razão pela qual trata-se de uma tutela assecuratória essencialmente precária e/ou provisória.

De outro modo, a tutela inibitória não se presta a tutelar uma futura relação jurídico processual, ostentando um caráter cognitivo e, portanto, hábil a formar coisa julgada material, diferentemente da tutela cautelar que, via de regra, não gera este fenômeno processual, consoante salientando anteriormente, por ostentar caráter essencialmente "coadjuvante" em relação ao processo dito principal. Nesse compasso, parece tranquila a conclusão de que não há mais justificativa teórica e/ou pragmática que permita a veiculação da inibição do ilícito via ação cautelar, tal qual se pode deduzir das considerações trilhadas por Germana Maria Leal de Oliveira:
"Acresce-se neste item outro diferencial marcante entre elas: enquanto a tutela cautelar é instrumental – ou seja, serve à garanta da existência, utilidade e efetividade do provimento jurisdicional último, ligado ao direito substancial em debate – as tutelas inibitória e de remoção do ilícito são autônomas e, pois, satisfativas, não se prestando à salvaguarda de qualquer outro tipo de provimento jurisdicional. Seu escopo é tão-somente o de conferir utilidade e efetividade ao direito material em questão e não à relação processual adjacente. Em outras palavras, corresponderiam às equivocamente nominadas "cautelares satisfativas" [05]
Portanto, à luz da diferenciação da tutela inibitória em relação à tutela cautelar, igualmente não se justifica mais, entre nós, a utilização das chamadas "cautelares satisfativas", visto que o ordenamento jurídico processual prevê a possibilidade de manejo da demanda cognitiva inibitória, apta a formar coisa julgada material e, portanto, hábil a tutelar adequadamente a situação de direito material posta como potencialmente ameaçada de lesão.

É fato, todavia, que boa parte da jurisprudência ainda dá vazão às cautelares ditas satisfativas, mesmo quando factível o manejo autônomo e independente da ação cognitiva inibitória, passível de concessão de provimento judicial de urgência via tutela antecipada.
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KERN, Ricardo Alessandro. A tutela inibitória do ilícito: apontamentos doutrinários. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3142, 7 fev. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/21025/a-tutela-inibitoria-do-ilicito-apontamentos-doutrinarios>.

A tutela inibitória do ilícito

A tutela inibitória ou preventiva não encontrou terreno fértil para o seu desenvolvimento à luz do processo civil clássico, deparando-se diante de empeços de toda ordem a sua concretização. O antigo artigo 287 do Código de Processo Civil – CPC – fundamento para a vetusta ação cominatória, revelou-se deveras inócuo à prestação da tutela jurisdicional inibitória, por não permitir a cobrança da multa senão após o trânsito em julgado da sentença ou decisão que a impusesse, bem assim por não dispor dos contornos atuais do instituto enquanto gênero de tutela específica.

O magistrado não detinha, assim, mecanismos coercitivos capazes de prestar com eficácia a tutela inibitória, ressalvados os casos específicos de tutela inibitória típica (v.g., mandado de segurança preventivo; ação de interdito proibitório; ação de nunciação de obra nova).

Por conta da impropriedade da ação cominatória, à luz da antiga redação do artigo 287 do CPC, criou-se no meio jurídico a necessidade de buscar-se uma solução alternativa, em especial para a tutela de direitos não patrimoniais, a qual veio através do desenvolvimento da ação cautelar inominada e da utilização do interdito proibitório o que, ver-se-á, revela-se hodiernamente inapropriado.

A tutela inibitória do ilícito somente passou a ecoar seu verdadeiro viés preventivo mediante a alteração do artigos 287 e 461 do CPC - fundamentos legais da tutela inibitória individual do ilícito, e mediante a superveniência do artigo 84 do Código de Defesa do Consumidor – CDC, fundamento legal da tutela inibitória coletiva do ilícito. Ambas as disposições permitiram o desenvolvimento de "[...] uma ação inibitória autônoma e atípica, capaz de tutelar preventivamente todas as situações de direito material dela carecedoras de proteção."

1.1.Conceito de ilícito e sua problemática à luz da doutrina clássica civilista.

A compreensão do conceito do ilícito é fundamental para a delimitação do objeto da tutela inibitória e sua problemática. É dizer, o ilícito deve ser entendido como o ato contrário ao direito, independentemente da ocorrência de resultado lesivo e da presença dos elementos subjetivos culpa ou dolo.

Nessa senda, é erro limitar a concepção da tutela inibitória ou preventiva do ilícito ao conceito de dano, como se o objetivo desta tutela fosse evitar o dano e não o ato contrário ao direito.

Por certo que à doutrina civilista clássica não interessava o ilícito que não resultasse em prejuízo, conforme se infere da leitura do seguinte excerto de Orlando Gomes citado porLuiz Guilerme Marinoni:
"Não interessa ao Direito Civil a atividade ilícita de que não resulte prejuízo. Por isso, o dano integra-se na própria estrutura do ilícito civil. Não é de boa lógica, seguramente, introduzir a função no conceito. Talvez fosse preferível dizer que a produção do dano é, antes, um requisito da responsabilidade, do que do ato ilícito. Seria este simplesmente a conduta contra jus, numa palvra, a injúria, fosse qual fosse a conseqüência. Mas, em verdade, o Direito perderia seu sentido prático se tivesse de ater-se a conceitos puros. O ilícito civil só adquire substantividade se é fato danoso." [02]
Tal vetusto entendimento não se sustenta, sobretudo à luz de uma teoria contemporânea do processo civil brasileiro. Quer-se dizer que, em verdade, o simples ato ilícito, independentemente da ocorrência de resultado naturalístico no mundo ôntico dos fatos, é merecedor da tutela jurisdicional, revelando-se errôneo entendimento contrário, sob pena de fazer-se tábula rasa ao princípio geral de prevenção. Aliás, um dos motivos pelos quais tardou entre nós o desenvolvimento da tutela inibitória e/ou preventiva do ilícito é, justamente, esta concepção clássica do ilícito civil, atrelada ao dano em si, vale dizer, engessada à concretude do dano.

Consequencia direta desta revisão conceitual do ato ilícito é que não é necessária a prova do elemento subjetivo (dano ou culpa) para justificar-se a deflagração da tutela inibitória e/ou preventiva do ilícito, bastando um juízo de plausibilidade da futura ocorrência do ilícito em si mesmo.

Portanto, o ilícito deve ser entendido como o ato contrário ao direito, independentemente da ocorrência de resultado lesivo e da presença dos elementos subjetivos culpa ou dolo, o que é de curial importância para a assimilação da tutela inibitória como uma tutela voltada para o futuro e visando à proteção da integridade do direito substancial.
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KERN, Ricardo Alessandro. A tutela inibitória do ilícito: apontamentos doutrinários. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3142, 7 fev. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/21025/a-tutela-inibitoria-do-ilicito-apontamentos-doutrinarios>.