segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

A prisão civil do alimentante inadimplente

(...) A indagação que aqui se apresenta, objeto de séria controvérsia no meio jurídico, causando dúvidas aos operadores do Direito, é: pode o credor, desde logo, optar pela prisão civil do alimentante relapso, ou deve primeiro exaurir as outras medidas executórias disponíveis? O tema é complexo e delicado, haja vista que envolve de um lado, a sobrevivência do alimentando, e de outro, o direito de ir e vir do alimentante devedor.

Todavia, tanto a doutrina quanto a jurisprudência pátrias oferecem resposta num e noutro sentido: há aqueles que sustentam a necessidade do esgotamento de todas as vias executórias comuns, para que se possa requerer a prisão do devedor irresponsável; outros entendem que não sendo possível a constrição pelos meios mencionados nos arts. 16 e 17 da Lei nº 5.478/68, o credor poderá utilizar-se de dois outros caminhos para fazer cumprir as obrigações alimentícias, estes de sua livre escolha e conveniência: o do art. 732 e do art. 733, ambos do CPC. Há ainda decisão judicial no sentido de que a ação executiva se processa pelo rito do art. 733, quanto às prestações recentemente vencidas (as seis últimas parcelas),³ visto que tais créditos perdem, com o tempo, o caráter alimentar, adquirindo feição meramente indenizatória, e na forma do art. 732, quanto às vencidas anteriormente.

Neste ponto, deve ser registrado, a título de atualização do texto, que após diversos julgamentos no Superior Tribunal de Justiça, em sede de habeas corpus e recurso especial tratando do mesmo tema, isto é, em que momento deve ser decretada a prisão do alimentante inadimplente, decidiu a Segunda Seção do STJ, em 27.04.2005,4 sumular a matéria, elaborando o Enunciado nº 309, que restou redigido, inicialmente, nos seguintes termos:
“O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende as três prestações anteriores à citação e as que vencerem no curso do processo.”
Posteriormente, o STJ julgando o HC 53.068-MS, na sessão de 22/03/2006,5  a Segunda Seção deliberou pela alteração da aludida súmula, cujo verbete nº 309 passou a ter a seguinte redação, in litteris:
“O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende as três prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que vencerem no curso do processo.”
Na verdade, muitas discussões ocorreram nos âmbitos doutrinário e jurisprudencial sobre qual deveria ser o marco inicial para o pagamento das parcelas atrasadas visando impedir a prisão, ou seja, até quantas parcelas deveriam ser quitadas pelo alimentante devedor para que não fosse preso, antes da elaboração, publicação e modificação da referida súmula. Finalmente, o STJ debruçou-se sobre a divergência que vinha se instalando e, espera-se, colocou uma pá de cal sobre a questão, atendendo, assim, aos anseios dos jurisdicionados.

Por conseguinte, com a nova orientação sumulada, fica patente o entendimento final no sentido de que a ação executiva se processa pela regra do art. 733 do CPC, quanto às prestações vencidas até três meses antes da sua propositura e na forma do art. 732 do mesmo diploma legal, quanto às vencidas anteriormente.

Feitas essas ponderações, cabe agora dar a minha ligeira opinião sobre o assunto em discussão, qual seja: se há ou não algum critério hierárquico para a utilização das vias judiciais postas à disposição do credor alimentado.

A prestação alimentícia, logicamente, deve ser cumprida espontaneamente, nos moldes da determinação judicial ou convenção das partes.

Contudo, como é cediço, nem sempre o alimentante satisfaz o pagamento do débito, razão pela qual, em assim ocorrendo, o legislador pátrio estabeleceu regras básicas para o procedimento executório, objetivando o cumprimento da obrigação.

Nesse sentido, não obstante os respeitosos entendimentos contrários, a meu ver, a lei não estabelece nenhuma escala hierárquica taxativa para o uso dos meios de cumprimento forçado do débito alimentar, de modo que, em regra, o credor tem o direito de requerer, de pronto, a prisão do alimentante inadimplente.

Entretanto, é evidente que, quando existir possibilidade do desconto em folha de pagamento ou outras rendas, deve-se dar prioridade a esses meios, pois a prisão é sempre uma medida extrema e vexaminosa, repelida pela consciência jurídica.

Com efeito, a liberdade de locomoção é um direito fundamental preservado pela Constituição Federal. Porém, a vida a ela se sobrepõe, como um bem de valor maior.

Assim sendo, vejo como mais adequada a corrente segundo a qual, não sendo possível o adimplemento da obrigação mediante desconto em folha ou expropriação de rendimentos, o credor de alimentos poderá, desde logo, observado o disposto na súmula supracitada, requerer a prisão do devedor relapso, com base no art. 733 do CPC c/c o art. 19 da Lei de Alimentos, o qual será citado para, em três dias, efetuar o pagamento, provar que o fez, ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo. Não ocorrendo nenhuma dessas hipóteses, o juiz decretar-lhe-á a prisão pelo prazo legal. No entanto, diante dos prazos distintos previstos no CPC (até três meses) e na Lei de Alimentos (até sessenta dias), diverge-se sobre o tempo da prisão.

Em princípio, a disposição do CPC, por ser lei posterior, deveria prevalecer sobre aquela especial. Acontece que, a prisão civil por alimentos não é de natureza punitiva e sim coercitiva, tanto que o seu cumprimento não isenta o devedor do pagamento das prestações vencidas e vincendas (art. 733, § 2º do CPC). 

Portanto, data maxima venia das posições opostas, tenho como mais acertada a disposição prevista na lei especial, ou seja, por ser medida severa e excepcional, merece interpretação restritiva, aplicando-se, na espécie, a mais benéfica. Logo, quer nos alimentos provisórios, provisionais ou definitivos, a duração da prisão não deverá ultrapassar 60 (sessenta) dias.

Concluindo, convém lembrar que a prisão civil aqui tratada é cabível tão-somente no caso dos alimentos decorrentes da relação de direito de família. Inadmissível, destarte, sua cominação determinada por inadimplemento de obrigação alimentícia oriunda de responsabilidade civil por ato ilícito.

A matéria é vasta e oferece conotações diversas, motivo pelo qual não comporta aprofundamento maior nesta oportunidade.

MARTINS, Joaquim de Campos. A prisão civil do alimentante inadimplente. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3160, 25 fev. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/21157/a-prisao-civil-do-alimentante-inadimplente>

Aula - Pressupostos processuais objetivos

Os pressupostos processuais objetivos, segundo Vicente Greco Filho, "referem-se à regularidade dos atos processuais" . Subdividem-se em intrínsecos e extrínsecos.

2.6.2.1. Pressupostos processuais objetivos intrínsecos
São aqueles que se verificam dentro da relação processual, quais sejam: petição apta e citação válida.
2.6.2.1.1.Petição apta
Como já mencionado alhures, a existência do processo está subordinada à propositura de uma demanda a um órgão investido de jurisdição. A demanda é formulada através de uma petição inicial, ainda que de forma irregular.
Entretanto, para que a relação processual possa se desenvolver de forma regular e válida, é necessário que o pedido endereçado ao órgão jurisdicional seja apto, isto é, preencha determinados requisitos previstos pela lei processual.
Os arts. 282 e 283 do CPC exigem que a petição inicial seja encaminhasa ao juízo competente para o feito, que contenha os fatos e fundamentos jurídicos do pedido (causa de pedir), o pedido que delimita atuação do órgão jurisdicional (art. 128, CPC), as provas que pretende produzir para corroborar suas alegações, o valor da causa e o requerimento de citação do réu.
Na hipótese do autor deixar de atender, quando deduz sua pretensão em juízo, algum requisito do art. 282 do CPC, o juiz, verificando que tal irregularidade é sanável, proferirá um despacho determinando que o autor emende sua petição em certo prazo. Se o vício existente for insanável ou o autor não cumprir o despacho, a conseqüência será a extinção do processo com fundamento no art. 295, I, do CPC.

2.6.2.1.2.Citação válida
Citação é ato pelo qual o demandado toma conhecimento de que contra ele está sendo ajuizada uma demanda. A citação não é necessária para a formação do processo, uma vez que ele já existe antes dela.
Com a propositura da demanda, forma-se uma relação processual, a qual ainda é imperfeita ou anômala, porque constituída apenas de dois sujeitos: autor e juiz. O preenchimento do pólo passivo da relação processual com o ingresso do réu no processo, torna-a completa, isto é, com a citação, a relação jurídica linear torna-se trilateral.
Não basta, porém, como determina grande parte da doutrina, que exista a citação, isto é, o conhecimento do réu de que em face dele move-se uma demanda (conseqüência do princípio do contraditório: ciência e participação), mas é preciso que esta citação seja realizada conforme as regras exigidas pelo CPC. Assim, por exemplo, preceitua o art. 225, II do CPC, que o mandado deve conter o fim da citação, com todas as especificações constantes da petição inicial, bem como a advertência de que, caso o réu não ofereça contestação, haverá presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor, se a causa versar sobre direitos disponíveis. Diante disso, se o réu é citado e não contesta no prazo, mas no mandado não consta a advertência prevista nos arts. 285 e 225, II, ambos do CPC, não sofrerá os efeitos da revelia.
Entretanto, a falta de citação nem sempre compromete o desenrolar dos atos processuais, pois é possível que o demandado, de outra forma, tome conhecimento da demanda e compareça para constestar. Nesse sentido, o parágrafo 1º do art. 214, CPC, assevera que "o comparecimento espontâneo do réu supre, entretanto, a falta de citação". Embora o caput do art. 214 preceitue que a citação inicial do réu é indispensável para a validade do processo, a exceção prevista no parágrafo 1º fez com que alguns processualistas não considerassem a citação como pressuposto de validade do processo.

2.6.2.2. Pressupostos processuais objetivos extrínsecos
São fatores externos que influem na formação da relação jurídica processual. São conhecidos também como pressupostos processuais negativos, pois sua "presença impede o julgamento do mérito". Rogério Tucci aduz que os pressupostos processuais objetivos extrínsecos, "referem-se à inexistência de fatos impeditivos de sua formação".

2.6.2.2.1. Litispendência
"Do latim litis, de lis, que significa lide, e pendentia, de pendere, que significa pender", o vocábulo litispendência tem duplo sentido. Pode se referir à existência de lide pendente, processo em andamento, como também pode significar o fenômeno de pressuposto processual negativo.
Conforme o disposto no art. 219 do CPC, a citação válida induz litispendência. Nessa hipótese, que representa o sentido originário do vocábulo, a litispendência foi utilizada no sentido de lide pendente, ou seja, para designar a existência de uma ação já em curso em juízo. Portanto, "litispendência, no sentido literal da palavra, é um estado de lide ainda não decidida, achando-se pendente de decisão judicial".
Sob outro aspecto, a expressão litispendência é empregada como pressuposto processual negativo do processo. É o que se deduz do teor do art. 267, V, do CPC, o qual determina que o juiz profira sentença terminativa, quando presente a figura da litispendência. Nesse caso, existem dois ou mais processos idênticos em curso, pois os elementos constitutivos das ações que os instauraram são os mesmos: partes, pedido e causa de pedir (tríplice identidade).
Empregada como pressuposto processual negativo, a litispendência assim é demonstrada, ilustrativamente, por Luiz Rodrigues Wambier:
A existência de um processo pendente entre A e B, baseado numa determinada causa de pedir que resulta no pedido X, desempenha o papel de pressuposto processual negativo para um outro processo entre A e B, que tenha a mesma causa de pedir e em que se formule o mesmo pedido.
Segundo Marcelo Abelha Rodrigues, "havendo tríplice identidade, estaremos diante de ações iguais, devendo ‘sobreviver’ a que primeiro alcançou a prevenção".
O fundamento da litispendência como pressuposto processual negativo está na economia processual e no perigo de decisões conflitantes.

2.6.2.2.2. Coisa julgada
Não obstante o princípio do duplo grau de jurisdição permitir o reexame das decisões dos órgãos jurisdicionais, existe um momento em que, os efeitos da sentença que decide a questão levada a juízo, tornam-se imutáveis, não sendo mais permitida a discussão da causa sentenciada no âmbito de outro processo. É a chamada coisa julgada, que segundo José Frederico Marques, consiste na "imutabilidade que adquire a prestação jurisdicional do Estado, quando entregue definitivamente".
A coisa julgada difere da litispendência, pois esta impede a propositura de uma ação em razão de já existir outra, de elementos idênticos, em curso, aquela impede que se mova uma ação já decidida.
Ressalta-se, entretanto, que há duas espécies de coisa julgada, a formal e a material. Conforme o magistério do professor Elpídio Donizetti Nunes:
Diz-se que há coisa julgada formal quando a sentença terminativa transita em julgado. Nesse caso, em razão da extinção da relação processual, nada mais pode ser discutido naquele processo. Entretanto, como não houve qualquer alteração qualitativa nem repercussão nenhuma na relação (intrínseca) de direito material, nada impede que o autor ajuíze outra ação, instaurando-se novo processo, a fim de que o juiz regule o caso concreto. (grifo nosso)
E prossegue ainda o magistrado mineiro:
Também a coisa julgada material ocorre com o trânsito em julgado da sentença (...). O que a diferencia da coisa julgada formal é que agora a sentença transitada em julgado não só encerra a relação processual, mas, além de por fim ao processo, compõe o litígio, havendo, portanto, uma modificação qualitativa na relação de direito material subjacente ao processo (...). A coisa julgada material pressupõe a coisa julgada formal, mas a recíproca não é verdadeira. A ocorrência da coisa julgada material veda não só a reabertura da relação processual, como qualquer discussão do direito material. A coisa julgada formal veda apenas a discussão do direito material no processo extinto pela sentença. (grifo nosso)
A coisa julgada é pressuposto processual negativo, pois impede a repropositura de nova ação que envolva as mesmas partes, tenha a mesma causa de pedir e o mesmo pedido.

2.6.2.2.3. Perempção
Perempção é a perda do direito de demandar em razão do processo ter sido extinto três vezes por abandono da causa, pelo autor, por mais de trinta dias.
Assim, quando o autor, pela quarta vez deduzir sua pretensão em juízo, o magistrado prolatará uma sentença que extinguirá o processo sem a análise do mérito (art. 267, III, CPC). Embora o autor não possa mais demandar sobre esta pretensão, a lei (art. 268, parágrafo único) permite que ele invoque seu direito em matéria de defesa. Ex.: ação possessória.
A doutrina não é unânime em considerar a perempção como pressuposto processual. Na visão de Luiz Rodrigues Wambier
a doutrina majoritária não relaciona a perempção dentre os pressupostos processuais negativos, por considerá-la fenômeno que atinge apenas o autor, não se constituindo, portanto, em pressuposto negativo para o réu, que poderá ser autor em idêntica ação. Trata-se segundo a doutrina majoritária, de fato impeditivo para a formação da relação processual válida por iniciativa do autor.
Em sentido contrário, obtempera Marcelo Abelha Rodrigues:
Não é o fato de se permitir seja a perempção alegável em matéria de defesa (que não se confunde com a propositura da ação), que sua natureza jurídica de pressuposto processual de validade negativo seja desfigurado. Portanto, existindo o fenômeno da perempção, não deve seguir adiante a relação processual.

2.6.2.2.4. Convenção de arbitragem
Com o escopo de diminuir o número excessivo de demandas judiciais e possibilitar uma solução mais rápida dos litígios, foi instituída pela lei nº 9.307/76 o juízo arbitral.
Na arbitragem, a lide é decidida por um juiz leigo (não togado) ou por uma instituição especializada (Câmara de Arbitragem). Através da convenção de arbitragem, "as partes se recusam a submeter o litígio, para acertamento do direito controvertido, ao Poder Judiciário(...)". A convenção de arbitragem pode ser de duas espécies: cláusula arbitral (antes da propositura da demanda) ou compromisso arbitral (processo já em curso).
A doutrina se divide quanto à convenção de arbitragem ser ou não pressuposto processual.
A Lei de Arbritagem (lei 9.307/96) alterou a redação do inciso VII do art. 267,CPC, substituindo o vocábulo compromisso arbitral pela expressão mais genérica, convenção de arbitragem. Ocorre que, o parágrafo 4º do art. 301, CPC, preceitua que "com exceção do compromisso arbitral, o juiz conhecerá de ofício as matéria enumeradas neste artigo". (grifo nosso)
Um dos entendimentos possíveis é o de que apenas o compromisso arbitral não é pressuposto processual negativo, uma vez que para seu reconhecimento é necessária a argüição da parte.
Digna de aplausos é a posição de Luiz Rodrigues Wambier:
A solução que permite compatibilizar a existência desses dois textos legais (art. 301, IX, e art. 301, parágrafo 4º) é a seguinte: a lei de arbitragem, ao alterar o inciso IX, incluindo a convenção de arbitragem como causa de extinção processo sem julgamento do mérito, teria revogado tacitamente o par. 4º, que é norma anterior à lei 9.307/96.
Se a intenção do legislador foi a de valorizar a arbitragem (equivalente jurisdicional) como meio alternativo de solução de litígios, a melhor interpretação parece ser a de considerar tanto a cláusula arbitral como o compromisso arbitral como pressupostos processuais negativos.
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RAIMUNDO, Leandro Silva. Dos pressupostos processuais e das condições da ação no processo civil. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 385, 27 jul. 2004. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/5493>.

Aula - Pressupostos de validade do processo

São os pressupostos de desenvolvimento válido e regular do processo, conforme a expressão do texto legal (art. 267, IV, CPC). Uma vez instaurada a relação processual, é necessário que ela esteja revestida de determinados requisitos para atingir seu objetivo: o provimento de mérito.
Os pressupostos processuais responsáveis pela validade da relação processual podem ser classificados sob dois aspectos distintos: os pressupostos positivos, que devem estar presentes no processo, e os pressupostos negativos, cuja ausência é necessária para a validade da relação processual.

2.6.1. Pressupostos processuais positivos subjetivos

Para a existência do processo, basta que se leve ao conhecimento do órgão jurisdicional determinada pretensão através da petição inicial. Porém, o desenvolvimento regular desse processo está subordinado à aptidão do juiz emanada da lei, para exercitar sua jurisdição em determinado caso concreto.
Fernando da Costa Tourinho Filho conceitua a competência como sendo o "âmbito, legislativamente delimitado, dentro do qual o órgão exerce o seu poder jurisdicional".
A competência constitui um dos elementos do princípio do juiz natural, previsto no art. 5º, LIII e XXXVII da Constituição Federal, que dizem, respctivamente: "ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente"; "não haverá juízo ou tribunal de exceção", ou seja, um órgão jurisdicional criado ex post facto.
É necessário salientar que a competência que se constitui como pressuposto processual de validade é absoluta (ratione materiae, ratione personae e funcional), uma vez que a incompetência relativa (valor da causa e territorial) pode convalescer em razão da preclusão, se não for argüida através de exceção em tempo oportuno.
A incompetência absoluta pode ser suscitada em qualquer fase do processo e, numa última oportunidade, através da ação rescisória (art. 485, CPC). A ausência desse pressuposto excepciona a regra do art. 267, IV, havendo a nulidade dos atos decisórios e a remessa dos autos ao juízo competente para a causa.

2.6.1.1.2. Imparcialidade
O órgão jurisdicional não pode ter interesse no desfecho da demanda. Para que suas decisões gozem de credibilidade, o juiz precisa manter uma posição neutra em relação às partes.
Para que a atuação dos magistrados ficasse imune à influências externas, comprometendo, dessa forma, a retidão de duas decisões, a Constituição Federal estabeleceu as garantias da vitaliciedade, da inamovibilidade e da irredutibilidade de vencimentos. Ademais, o texto constitucional diz, no parágrafo único do art. 95 que, é vedado ao juiz exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo uma de magistério; receber, a qualquer título ou pretexto, custas ou participação em processo; e dedicar-se à atividade político-partidária.
Como lembra Tesheiner, a imparcialidade dos órgãos jurisdicionais encontra-se também inserida no art. 10 da Declaração dos Direitos do Homem:
"Todo homem tem direito, em plena igualdade, a uma justa e pública audiência por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir de seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele."
O pressuposto processual da imparcialidade refere-se à ausência de impedimento (art. 134, CPC). A ausência de suspeição (art. 135, CPC) não é pressuposto processual, pois, se não suscitada em tempo hábil opera-se a preclusão.
Segundo José Olivar de Azevedo
extrai-se das lições da doutrina que a suspeição é menos grave que o impedimento, tanto que aquela se não alegada em prazo certo (15 dias a contar do conhecimentos dos fatos) gera a preclusão, ao passo que o impedimento, por ser pressuposto processual positivo de validade do processo não preclui, sendo inclusive motivo ensejador de ação rescisória - art. 485, II, CPC - viciando até mesmo a coisa julgada.
A ausência de imparcialidade não leva à extinção do processo nos termos do art. 267, IV. Em atendimento ao princípio da economia processual, os autos são enviados para um juiz desimpedido.

2.6.1.2. Relativos às partes
2.6.1.2.1. Capacidade de ser parte
No direito material, todo aquele que tiver capacidade para contrair direitos e obrigações na ordem jurídica, é dotado de capacidade de direito. Decorrente da personalidade, essa aptidão reflete-se no Direito Processual Civil naquilo que se denomina capacidade de ser parte.
Conforme dispõe a 1ª parte do art. 4º do CC, "a personalidade civil do homem começa do nascimento com vida". Do teor desse dispositivo conclui-se que, um menor de 12 anos de idade, por exemplo, poderá figurar como parte num processo, pois tem personalidade e, por corolário, detém capacidade de direito.
A personalidade é atributo da pessoa natural e também da pessoa jurídica. Porém, existem determinados entes desprovidos de personalidade jurídica como a massa falida, o condomínio, as sociedades de fato, aos quais a lei (art. 12, CPC) confere capacidade de ser parte. Como bem observa Marcelo Abelha Rodrigues:
Se podemos dizer que todos que possuem capacidade de direito (personalidade jurídica) possuem capacidade de ser parte, o mesmo não podemos dizer ao contrário, ou seja, nem todos que possuem capacidade de ser parte possuem capacidade de direito. Exemplo disso são os entes desprovidos de personalidade judiciária mas sem personalidade jurídica.
A observação acima torna-se mais esclarecedora com a posição de Tesheiner, que ensina:
A capacidade de ser parte traduz-se melhor pela expressão "personalidade judiciária" do que por "personalidade jurídica", porque podem ser partes, no processo, como autores ou réus, entes que não são pessoas, como a massa falida.

2.6.1.2.2. Capacidade processual
Capacidade processual é a capacidade de estar em juízo, isto é, a aptidão para atuar pessoalmente na defesa de direitos e obrigações.
Enquanto a capacidade de ser parte relaciona-se com a capacidade de gozo ou de direito (aptidão para contrair direitos e obrigações na órbita civil), a capacidade processual guarda relação com a capacidade de exercício ou de fato (aptidão para exercer por si os atos da vida civil).
O art. 7º do CPC reza que "toda pessoa que se acha no exercício dos seus direitos tem capacidade para estar em juízo". É a capacidade processual plena ou total, podendo o seu titular exercer livremente os seus direitos.
Entretanto, existem determinadas pessoas cuja capacidade processual é restrita ou limitada, hipótese em que deverão ser representadas (absolutamente incapazes) ou assistidas (relativamente incapazes), conforme o grau de incapacidade. É o que disciplina o art. 8º do CPC: "os incapazes serão representados ou assistidos por seus pais, tutores ou curadores, na forma da lei civil."
No entendimento do professor José Frederico Marques:
A capacidade de estar em juízo tem a capacidade de ser parte como seu pressuposto. Uma pessoa capaz pode não ter a capacidade processual de estar em juízo, tal como sucede com os loucos de todo o gênero, ou com os menores de dezesseis anos; tais pessoas não têm capacidade, por isso mesmo, para atuar processualmente, praticando atos processuais ou deles tendo ciência.
A capacidade processual, também reconhecida como legitimatio ad processum (legitimação para o processo) não se confunde com a legitimatio ad causam (legitimação para a causa). Aquela é pressuposto processual que se relaciona com a capacidade para estar em juízo, enquanto esta é condição da ação. O menor de dezesseis anos possui legitimidade ad causam para propor ação contra suposto pai, contudo, não possui legitimidade ad processum, devendo ser representado porque não detém capacidade para estar em juízo.
Recorremos, novamente, à lições do saudoso José Frederico Marques, cujos ensinamentos permaneceram sempre vivos:
A legitimação ad processum (ou capacidade processual de agir) é aptidão in genere para cada pessoa, independentemente de sua relação particular com determinado processo; a legitimação ad causam, ao contrário, fixa-se em razão de um processo concreto, tendo-se em vista a posição da pessoa na lide que neste vai ser composta ou solucionada.

2.6.1.2.3.Capacidade postulatória
Capacidade postulatória é "a capacidade de requerer e postular em juízo".
No sistema processual brasileiro, apenas o advogado tem capacidade postulatória. Não tendo habilitação técnica, a parte, obrigatoriamente, deverá constituir um procurador judicial. É o que se vislumbra da análise da 1ª parte do art. 36,CPC: "a parte será representada em juízo por advogado legalmente habilitado (...)". Vigora em nosso ordenamento jurídico o princípio da instrumentalidade do advogado, não se permitindo, senão em casos expressamente ressalvados pela lei, o exercício do jus postulandi a qualquer pessoa. Para impetrar habeas corpus, por exemplo, qualquer pessoa tem capacidade postulatória.
A Constituição Federal (art. 133) considera o advogado figura essencial e imprescindível à administração da justiça. A assistência de um profissional do direito legalmente habilitado, ou seja, inscrito na OAB, proporciona, "em princípio, segurança à parte de que os seus direitos serão defendidos por quem em tese tem aptidão para isso."
Não se pode confundir a representação, cuja finalidade é suprimir a incapacidade da parte, com a representação do advogado (capacidade postulatória) e, ainda, com a representação das pessoas jurídicas e entes despersonalizados (art. 12, CPC). Assim, o síndico, representante do condomínio (art.12, IX, CPC), necessita também de capacidade postulatória, razão pela qual deverá fazer-se representar por advogado.
Marcelo Abelha Rodrigues atenta para uma importante questão:
Outro aspecto importantíssimo com relação à capacidade postulatória, diz respeito ao fato de que este instituto só é pressuposto de validade positivo da relação jurídica processual com relação ao autor e não com relação ao réu, vez que, se este deixa de se fazer representar por advogado, e, mesmo após o juiz determinar o prazo para suprir tal irregularidade, continua a postular sem advogado, a conseqüência não será a mesma se no lugar do réu fosse o autor. Se o vício for causado pelo autor, a conseqüência será a extinção do processo sem julgamento do mérito, com base no art. 267, IV, do CPC (art. 13, I, do CPC). Todavia, se o vício é causado pelo réu, aplicar-se-á a regra do art. 13, II, do CPC.
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RAIMUNDO, Leandro Silva. Dos pressupostos processuais e das condições da ação no processo civil. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 385, 27 jul. 2004. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/5493>.

Aula - Pressupostos de existência do processo

Segundo José Milton da Silva, "os pressupostos antecedentes, ou de existência do processo, são aqueles que deverão preexistir à relação processual". São os requisitos necessários para a instauração do processo.
Para que se possa determinar os requisitos mínimos para a formação de um processo, convém, primeiramente, definir o momento em que ele tem início. É preciso, pois, fixar o instante em que nasce a relação processual.
A demanda, "ato pelo qual se dá o impulso oficial à atuação do Estado-juiz", é formulada quando o titular de uma pretensão insatisfeita apresenta a petição inicial ao Poder Judiciário. O processo passa a existir no instante em que a demanda é proposta, isto é, quando o autor deduz sua pretensão em juízo.
A existência da relação processual também está condicionada à presença de um juiz investido de jurisdição. Destarte, o processo só existe quando seu trâmite se dá perante um órgão apto ao exercício da função jurisdicional.
Grande parte da doutrina considera também a citação e a capacidade postulatória como pressupostos de existência. Tal entendimento, permissia venia, não parece correto.
A citação não é requisito para a formação do processo, pois ele já existe mesmo antes dela. Contudo, é evidente que esse processo não produzirá efeitos em face do réu, pois ele ainda não foi chamado a ingressar na relação processual. Assim, por exemplo, se o juiz entender que a petição inicial apresentada é inepta, extinguirá o feito proferindo uma sentença, que é ato do processo.
A ausência da capacidade postulatória não impede a instauração do processo pois, conforme ensina Chiovenda
Ainda nessa conjuntura, todavia, impende ao juiz uma obrigação: a de enunciar a razão pela qual não pode prover sobre o mérito. Há, portanto, também uma relação jurídica.
Diante do exposto, percebe-se que a existência do processo está condicionada a apenas dois pressupostos processuais: "a propositura de uma demanda e a investidura jurisdicional do órgão a quem ela é endereçada (...)"
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RAIMUNDO, Leandro Silva. Dos pressupostos processuais e das condições da ação no processo civil. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 385, 27 jul. 2004. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/5493>.

Aula - Condições da Ação


As três condições para admissibilidade pelo poder judicial são: interesse processual ou de agir, legitimidade das partes e possibilidade jurídica do pedido.

Interesse de agir

Entende-se que o direito de agir é fruto da presença ou possibilidade de um dano injusto, sem a pronta intervenção estatal. O CPC brasileiro determina, em seu art. 3° , que "para propor ou contestar ação é necessário ter interesse e legitimidade".
O interesse processual é o interesse de agir do titular de direitos. Se houver propositura inadequada então haverá nulidade da ação e o resultado final não será alcançado. O interesse processual é composto do binômio necessidade e utilidade e sem eles não haverá tutela jurisdicional do Estado de direito. Alguns autores falam em adequação no lugar de utilidade, no que tange ao interesse processual, o que não concordamos. O termo utilidade é mais amplo e pode ter até um sentido de moralidade que é intrínseco do ser.
Alguns interesses de agir são obrigatórios por lei como nos casos de separação e divórcio ou em outros casos quando o réu se recusa a efetuar pagamento de dívidas, resultantes de um contrato, no dia do vencimento.
No entanto, o interesse processual não determina a procedência do pedido pois o mesmo irá ser apreciado quanto ao mérito. Segundo Wambier o "interesse processual nasce, portanto, da necessidade da tutela jurisdicional do Estado, invocada pelo meio adequado, que determinará o resultado útil pretendido, do ponto de vista processual".
O artigo 295 do CPC assim se pronuncia "pois até mesmo quando desatendido de plano e liminarmente ele o exerceu" mostrando que o autor tem sempre o direito de invocar a tutela jurisdicional para exercer seu direito de ação.

Legitimidade das partes

Segundo o artigo sexto do CPC, o autor deve ser o titular da situação jurídica afirmada em juízo e a outra parte legítima no processo, o réu, é preciso que haja relação de sujeição à pretensão do autor.
É necessário, também, que exista um vínculo entre autor da ação, objeto da ação e réu. Mesmo que não exista a relação jurídica pelo autor, há de existir pelo menos alguma relação jurídica que permita ao juiz identificar esta relação entre autor, objeto e réu.
De um modo geral, no sistema do CPC, o autor é o polo ativo, é aquele que se diz titular de direitos e requer proteção da justiça, ao passo que o réu, é o polo passivo, aquele a quem caiba cumprir obrigações decorrente do pedido ou objeto da ação.
A capacidade processual é uma qualidade genérica para agir em juízo, conferida, em princípio, aos que não forem absolutamente ou relativamente incapazes.
Concluindo, a legitimidade é uma atribuição específica para agir concretamente, conferida exclusivamente pelo direito objetivo aos titulares da lide, podendo, às vezes, ser conferido a outras pessoas que não integram diretamente a relação jurídica afirmada em juízo.
Exemplificando temos que se A, como credor, requer o cumprimento de contrato estabelecido por ele e B, como devedor, A será parte legítima como autor da ação ao passo que B será parte legítima como réu da ação. Se, no entanto, A mover ação contra C que, por exemplo, é sublocatário de B, C não será parte legítima para figurar como réu na ação.

Possibilidade jurídica do pedido

Arruda Alvim, assim se expressa sobre a possibilidade jurídica do pedido "é instituto processual e significa que ninguém pode intentar uma ação sem que peça uma providência que esteja em tese (abstratamente), prevista no ordenamento jurídico, seja expressa, seja implicitamente".
Existem duas opiniões na doutrina que afirmam por um lado que se houver previsão da providência requerida, então sempre haverá possibilidade jurídica do pedido; e por outro lado se não existir vedação expressa quanto àquilo que se está pedindo em juízo então haverá possibilidade jurídica do pedido.
No entanto, temos diferentes possibilidades de pedir caso estejamos diante de direito público ou de direito privado. Para o direito privado, é suficiente a inexistência de vedação expressa no ordenamento jurídico quanto à petição trazida ao juiz pelo autor. Para o direito público, só se tem permitido aquilo que a lei expressamente autorizar, não se permitindo fazer pedido sobre o que a lei não fizer qualquer referência. Em vista do exposto somos partidários de uma mistura das duas correntes de opinião devido ao diferente tratamento dado pelo direito privado e pelo direito público.
Saliente-se que na hipótese de inexistir previsão legal para o pedido do autor, pode-se segundo Arruda Alvim procurar nas súmulas emitidas pelos Superiores Tribunais buscar uma proteção jurídica para o pedido. Humberto Theodoro assim se pronuncia sobre a possibilidade jurídica do pedido "exigência de que deve existir, abstratamente, dentro do ordenamento jurídico, um tipo de providência como a que se pede através da ação".
Sobre a impossibilidade jurídica do pedido é exemplo clássico relembrar que no caso de dívida de jogo não se pode requerer a proteção jurisdicional para cobrar tal dívida já que é proibido pelo ordenamento jurídico. Cabe observar que embora a ação de cobrança, considerada estritamente, seja possível em nosso sistema não o será se tiver como causa do pedido a dívida de jogo.

LUNDBERG, Eliana da Silva. Condições da ação. Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 52, 1 nov. 2001. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/2307>.

Aula - Introdução sobre Condições da Ação

É importante destacar que as condições da ação não são requisitos para a existência da ação nem mesmo no âmbito processual. São requisitos estabelecidos para o exercício regular da ação pois, se não preenchidos, impedem a condução do processo para a avaliação do mérito.

Como acentua Kazuo Watanabe, "São razões de economia processual que determinam a criação de técnicas processuais que permitam o julgamento antecipado, sem a prática de atos processuais inteiramente inúteis ao julgamento da causa. As condições da ação nada mais constiituem que técnica processual instituída para a consecução deste objetivo".
(...)
Mesmo diante da ausência de uma condição da ação, haverá atividade jurisdicional pois além do direito a um julgamento da lide, todos possuem o direito a uma decisão sobre a possibilidade de ser decidida a própria lide.

Na sistemática de nosso CPC, os pressupostos processuais e as condições da ação são requisitos de admissibilidade para o julgamento do mérito. Conforme Arruda Alvim os pressupostos processuais, as condições da ação e o mérito são as categorias fundamentais da ciência do processo, que se estruturam com vistas à lide, ao processo e à ação. Apreciar o mérito ou a lide significa decidir a respeito do pedido do autor, julgando-o procedente ou improcedente.
(...)
Pode-se dizer que o juiz, antes de conhecer e julgar o mérito, deve verificar se a relação jurídica processual instaurou-se e evoluiu regularmente (pressupostos processuais), se a ação foi exercida regularmente diante do caso concreto (condições da ação), ainda que decida a respeito destas questões somente na sentença. Estas questões são as preliminares em relação à questão de mérito.

O princípio da admissibilidade é formado pelos pressupostos processuais e as condições da ação. A admissibilidade, conforme Marcelo Navarro Ribeiro Dantas, "impõe-se como uma espécie de mecanismo de filtragem, separando, dentre os pedidos que batem às portas do Judiciário, aqueles que se apresentam como passíveis de exame substancial dos que podem, de pronto ser descartados, já por questões respeitantes à existência e validade do processo, apenas, através do qual se desenvolve a ação, já por motivos que prenunciam ser esta mesma insuscetível de levar a uma decisão de fundo sobre o direito invocado".

Pensamos que tais requisitos de admissibilidade (pressupostos processuais e condições da ação) são extrínsecos ao mérito. Este pensamento não é unânime na doutrina mas é respaldado pelo nosso CPC, art. 267, IV que refere-se aos pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo e no inciso VI refere-se às condições da ação, e, no art. 269, I, trata do julgamento do mérito ou do pedido do autor. Conforme Barbosa Moreira, "na perspectiva da lei brasileira, são dois os planos preliminares que a cognição judicial tem de atravessar para atingir seu alvo final, o mérito da causa. E pode-se considerar definitivamente incorporada à nossa tradição doutrinária essa distribuição, em três patamares sucessivos, da matéria sujeita ao exame do juiz".

Outro ponto discutível na doutrina é se as condições da ação determinam a existência ou inexistência da ação. Pensamos que as condições da ação servem para regular o exercício da ação mas não determinam sua existência seguindo igual parecer de Thereza Alvim.

Alfredo Buzaid afirma que, "do ponto de vista metodológico, o juiz deve começar pela análise dos pressupostos processuais a fim de verificar se a relação se constituiu e se desenvolveu regularmente. Superada esta fase, examinará se ocorrem os requisitos de admissibilidade da ação. Isto posto, ingressará afinal no mérito da causa, declarando se procede ou não o pedido que lhe foi formulado". Mas sua conclusão contém uma advertência: "Esta ordem lógica de apresentação das questões é puramente hipotética, porque não há entre elas uma separação cronológica, de forma que uma preceda necessariamente à outra. Na prática, podem elas surgir simultaneamente, ou em ordem inversa".

 LUNDBERG, Eliana da Silva. Condições da ação. Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 52, 1 nov. 2001. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/2307>.

O assombroso silêncio da jurisprudência sobre pontos do código do consumidor

Quando me preparava para escrever o artigo de conclusão de especialização em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo me senti irresistivelmente atraído pelos primeiros artigos do Código de Defesa do Consumidor. Fiquei assombrado, sobretudo com o relativo silêncio da doutrina e jurisprudência sobre alguns de seus pontos mais fundamentais.

Autores do quilate de José Geraldo Brito Filomeno, Nelson Nery Jr., Olga Maria do Val e Henrique Alves Pinto assinalaram a importância dos Princípios da Política Nacional das Relações de Consumo, contemplados no artigo 6º do Código, mas curiosamente o princípio apontado como o mais importante de todos não mereceu nenhum trabalho específico, ao menos com que me haja deparado em minha pesquisa. O princípio da harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo remanesce como o princípio esquecido – e, como tudo que se esquece, desprezado na prática.
O discurso do presidente Kennedy ao Congresso americano em 1962 é apontado por muitos como o nascedouro do Direito do Consumidor e é sintomático que esse direito de terceira geração haja vicejado justamente na economia mais capitalista e liberal do mundo.  É que o Direito do Consumidor é um instrumento de equilíbrio, de dosagem das forças em conflito no universo capitalista. O Direito consumerista nasce para corrigir uma distorção, distorção que brota do balanço desigual de forças econômicas do mundo capitalista, contudo, sua aplicação não passa, muitas vezes, de estratégia de distribuição de riqueza.
A História demonstra com vívidas tintas o perigo de, para se corrigir uma distorção, criar outra em sentido inverso. Este não foi o interesse do legislador brasileiro, já que na Carta Magna estabeleceu que a ordem econômica, que tem como princípio fundamental a livre iniciativa, tem também como um de seus princípios a defesa do consumidor. São interesses que não conflitam, mas concorrem para um mesmo fim. Este objetivo está explicito no art. 4º, III, do CDC, que estabelece como um dos princípios da Política Nacional das Relações de Consumo a “harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico... , sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores”. O equilíbrio é o fim máximo do direito do consumidor e, segundo Sergio P. Marçal, o verdadeiro coração do CDc é o princípio do art. 4º, III.
Mas, se é assim, por que se costuma tropeçar em sentenças judiciais em que se afirma, com orgulho justiceiro, que se determinados modelos de negócio precisam deixar de existir para que consumidores sejam protegidos, que assim seja? Por que o noticiário frequentemente nos brinda com tentativas de Ministérios Públicos e Procons para banir ou desfigurar completamente negócios de que os consumidores se valem de forma massificada e nos quais, portanto, vêem virtudes? Onde estão os esforços harmonizadores dos aplicadores do direito?
Um bom exemplo do esquecimento do princípio da harmonização dos interesses nas relações de consumo é a forma descuidada como operadores do Direito tratam prestadores de serviços de Internet. São modelos de negócio novos, larga e alegremente adotados pelos consumidores do século XXI e que, entretanto, para os operadores bem poderiam deixar de existir, unicamente porque seu manuseio requer certos cuidados ainda desconhecidos por uma parcela dos consumidores. Ora, banir ou desfigurar tais ferramentas novas, impondo-lhes responsabilidades que, grosso modo, implicam em desconsiderar completamente o imperativo de se verificar o nexo de causalidade entre dano e atitude (ativa ou passiva) empresarial, não trabalha a favor do consumidor nem muito menos do equilíbrio nas relações de consumo. Além de tudo, tal medida despreza justamente a intenção do legislador de não coibir o avanço tecnológico e econômico, mencionada na mesma norma. A mesma dinâmica se pode enxergar em diversas atitudes hostis a outros modelos de negócio.

Um clamor para que se recupere a importância do coração do código consumerista é minha homenagem ao princípio que ficou esquecido.

Marco Aurelio Brasil Lima é advogado em São Paulo, pós-graduado em Direito Empresarial pela FGV-SP e professor de Comércio Eletrônico na Unigran.
Revista Consultor Jurídico

Celso de Mello critica foro por prerrogativa de função

O decano do STF, ministro Celso de Mello, defendeu o fim do foro pro prerrogativa de função, em entrevista publicada neste domingo (26/2) pelo jornal Folha de S.Paulo. Para o ministro, deveria subsistir, no máximo, foro para os presidentes da República, do Senado, da Câmara e do Supremo. “E a ninguém mais”, afirmou, sobre a competência originária do STF para julgar ação penal contra qualquer parlamentar.

Na entrevista, Celso afirma que sua proposta seria até mais radical, de acabar com o foro para qualquer autoridade. Mas, para discutir, admite manter a prerrogativa para os presidentes dos órgãos dos três poderes. “Eu sinto que todas as autoridades públicas hão de ser submetidas a julgamento, nas causas penais, perante os magistrados de primeiro grau”, disse.

Leia a entrevista concedida aos repórteres Rubens Valente, Felipe Seligman e Fernando Mello.
Como o senhor analisa a situação do foro privilegiado no Brasil?
A minha proposta é um pouco radical, porque proponho a supressão pura e simples de todas as hipóteses constitucionais de prerrogativa de foro em matéria criminal. Mas, para efeito de debate, poderia até concordar com a subsistência de foro em favor do presidente da República, nos casos em que ele pode ser responsabilizado penalmente, e dos presidentes do Senado, da Câmara e do Supremo. E a ninguém mais. Eu sinto que todas as autoridades públicas hão de ser submetidas a julgamento, nas causas penais, perante os magistrados de primeiro grau. Ao contrário do STF, que é um tribunal com 11 juízes, você tem um número muito elevado de varas criminais [na primeira instância], e pelo Estado inteiro. Com essa pluralização, a agilidade de inquéritos policiais, dos procedimentos penais é muito maior. Acho importante nós considerarmos a nossa experiência histórica. Entre 25 de março de 1824, data da primeira carta política do Brasil, e 30 de outubro de 1969, quando foi imposta uma nova carta pelo triunvirato militar, pela ditadura, portanto um período de 145 anos, os deputados e os senadores não tiveram prerrogativa de foro. Mas nem por isso foram menos independentes ou perderam a sua liberdade para legislar até mesmo contra o sistema em vigor. A Constituição de 1988, pretendendo ser republicana, mostrou-se estranhamente aristocrática, porque ampliou de modo excessivo as hipóteses de competência penal originária.

Como é o foro especial em outros países?
Algumas cortes constitucionais europeias detêm competência penal originária. A Corte Constitucional italiana, por exemplo, mas para hipóteses muito limitadas, quatro ou cinco, e nada mais. Na França, o Conselho Constitucional detém competência penal originária em relação a pouquíssimas autoridades, cinco, se tanto. Ou seja, são constituições republicanas, mas que refletem a mesma parcimônia que se registrara na carta monárquica brasileira de 1824. No modelo norte-americano, já ao contrário, não há prerrogativa de foro. Temos algumas constituições que se aproximam do modelo brasileiro, mas este é quase insuperável, quase invencível. Vale a pena pegar algumas constituições estaduais do Brasil para ver as autoridades com foro junto ao Tribunal de Justiça. Começa com o vice-governador e vai embora. Entra Deus e todo mundo.

Sua opinião pelo fim do foro não é minoritária no STF?
Imagino que sim, mas isso em termos de formulação de novas regras constitucionais, a depender, portanto, de uma proposta de emenda constitucional que seja apresentada ao Congresso. Mas acho que o STF talvez devesse, enquanto a Constituição mantiver essas inúmeras hipóteses de prerrogativa de foro, interpretar a regra constitucional nos seguintes termos: enquanto não for alterada a Constituição, a prerrogativa de foro seria cabível apenas para os delitos cometidos em razão do ofício. Isso significa que atuais titulares de cargos executivos, judiciários ou de mandatos eletivos só teriam prerrogativa de foro se o delito pelo qual eles estão sendo investigados ou processados tivessem sido praticados em razão do ofício ou no desempenho daquele cargo.

O senhor acha possível que o Congresso leve adiante uma proposta para extinguir o foro?
Sinto que o Congresso Nacional não tem essa mesma percepção. Porque recentemente eminentes senadores apresentaram uma proposta de emenda constitucional que amplia a competência penal originária do Supremo para dar prerrogativa de foro a membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho do Ministério Público. Tenho a impressão de que, nesse sentido, caminhamos por caminhos opostos.

Qual é o impacto, na rotina dos ministros, dos casos relativos ao foro?
A situação é dramática. É verdade que os institutos da repercussão geral e da súmula vinculante [instituídos há alguns anos para acelerar a tramitação de processos] tiveram um impacto altamente positivo sobre a prática processual no STF. Mas, por outro lado, no que se refere aos processos originários, vale dizer, às causas que se iniciam desde logo, diretamente no Supremo, houve um aumento exponencial desse volume, e isso se verifica no cotidiano da corte. No ano passado, trabalhei 14 horas todos os dias e a dormir três horas, tanto que cheguei ao final do ano com minha pressão a 18 por 10 e passei Natal e Ano Novo entre um hospital e outro. Eu saio muito tarde, mas agora tomei uma resolução. O médico, aliás, falou: "Ou você faz isso ou você acaba..." Tive que fazer um exame para descartar um AVC e um infarto agora, no final do ano, porque estava com sintomas próprios desses distúrbios.

Alguns ministros do STF usam juízes-auxiliares para pedir informações a órgãos públicos ou tomar depoimentos de testemunhas. Por que o senhor não adota essa medida?
Alguns ministros têm os chamados juízes instrutores, que nem eu nem [o ministro] Marco Aurélio Mello [temos]. Em primeiro lugar, porque acho que o estudo [que embasará a decisão] tem que ser meu. Por isso é que acabo trabalhando essas 14 horas por dia. É um ato pessoal. Mas respeito a posição dos outros juízes, cada um tem seu estilo de trabalho. Em segundo lugar, entendo que o magistrado, ou ele exerce suas funções jurisdicionais, podendo acumulá-las com um cargo docente, como permite a Constituição, ou não se lhe oferece qualquer outra alternativa. Acho que não tem sentido convocar um juiz para atuar como um assessor de ministro. A mim, não parece que a Constituição autorizaria isso.

Nos processos que examinamos, em geral a Procuradoria-Geral da República faz "convite" aos deputados para interrogá-lo. O senhor tem dito que a lei não autoriza esse tratamento.
Comecei a notar que o procurador-geral da República dizia, em seus requerimentos ao Supremo, "requeiro que seja convidado" ou "intimado a convite" aquele parlamentar sob investigação. Eu falei: "Não pode ser". A pessoa está sendo investigada e quem tem essa prerrogativa é a testemunha e a vítima, e ninguém mais. São normas de direito estrito. Tanto que agora o procurador não escreve mais "a convite". Não sei se só nos meus casos ou se ele generalizou. Porque realmente não tem cabimento isso.

Por que o senhor tem combatido o uso de iniciais para identificar os alvos de inquéritos e réus em ações penais?
O regime de investigação penal é um regime de cartas na mesa. Eu não permito que sejam colocadas iniciais [de nomes de políticos] nos processos. Num mandado de injunção, já discutimos exatamente aquilo que eu chamo de "fascínio do mistério" e o "culto ao sigilo". Essa memória retrospectiva que, nós que vivemos sob o regime militar, temos, precisa ser relembrada a cada momento. Para que isso nunca mais aconteça. A publicidade deve ser observada.

Nós encaminhamos à sua assessoria perguntas sobre processos enviados a seu gabinete que demoraram meses para ser despachados.
Às vezes, da maneira como seja enfocada a questão, pode dar aquela impressão de que não trabalhamos. "Ah, puxa, fica tanto tempo com o processo." Na verdade, é um motivo de angústia para cada um. Você se angustia, "meu Deus, eu tenho esses casos [para despachar]", e se torna materialmente impossível que você faça a tempo e hora.
Revista Consultor Jurídico