segunda-feira, 16 de abril de 2012

A inserção do deficiente no mercado de trabalho

Sabemos que hoje a grande dificuldade de inserir os deficientes no mercado de trabalho, impossibilitando, ademais, o cumprimento das cotas pelas empresas, decorre, principalmente, da falta de habilitação ou reabilitação. Uma pesquisa do Instituto Ethos, nas 500 maiores empresas do país, revela que uma das maiores queixas é a baixa qualificação. Mas, não bastam leis para obrigar as empresas a contratarem pessoas portadoras de deficiência se não se pratica a verdadeira inclusão social, se inexistentes mecanismos que permitam a capacitação para que possam ser inseridos no mercado de trabalho com condições reais de exercer atividade compatível com sua condição física e mental.
Mas, enfim, apresenta-se uma solução que vai ao cerne da questão da inserção do deficiente no mercado de trabalho. O Deputado Federal Márcio Macedo, do PT/SE, apresentou Projeto de Lei que dispõe sobre a concessão de bolsa pelas empresas às pessoas com deficiência, sem habilitação. O Projeto de Lei 3502/2012 propõe a inclusão do parágrafo 3º ao artigo 93 da Lei 8.213/91; pela atual redação do artigo 93 “a empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas”, ressaltando que o percentual varia de acordo com o número de empregados da empresa, conforme relacionado no dispositivo legal mencionado.
Note-se que a lei se refere a “beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas”, entretanto, como bem salientou o Ilustre Deputado, autor do Projeto de Lei em comento, após 21 anos da promulgação da Lei 8.213, de 1991, “pouco se avançou na inclusão dessas pessoas no mercado de trabalho brasileiro, na medida em que a norma não vem sendo cumprida”.
De acordo com levantamento feito pelo autor do Projeto de Lei pouco mais de 50% das empresas cumprem o disposto no artigo 93 da Lei 8.213/91, sendo que muitas delas alegam “que não o fazem por não conseguirem recrutar pessoas habilitadas no mercado de trabalho”. E, infelizmente, esta é a realidade de nosso país, as empresas têm, de fato, dificuldade para encontrar pessoas portadoras de deficiências habilitadas (ou capacitadas). Mas, por outro lado, também os deficientes têm dificuldade de buscarem capacitação, por falta de oportunidade, de incentivo, de recursos financeiros, enfim, por diversos motivos. E, como bem afirma o Deputado Federal, Márcio Macedo, não é justo punir as empresas por não cumprirem o disposto no art. 93 da Lei 8.213/91, mas também não é justo “permitir a exclusão das pessoas com deficiência do mercado de trabalho por não terem habilitação”.
Aí reside, no meu ponto de vista, a maior fundamentação do Projeto de Lei apresentado pelo Ilustre Deputado, ou seja, possibilitar o cumprimento da Lei visando a inclusão efetiva das pessoas portadoras de deficiência no mercado de trabalho, dando às empresas alternativas para não ficarem à margem da lei e oportunizando aos deficientes capacitação profissional para o ingresso no mercado de trabalho.
O tema inclusão social não é assunto novo, embora só no século XX tenha ganhado força. Desde 1989, a Lei 7.853 já dispunha sobre a inclusão das pessoas portadoras de deficiência no mercado de trabalho. A mencionada Lei, no entanto, só veio a ser regulamentada 10 anos depois, no ano de 1999, com o Decreto 3.298. O Decreto regulamentador, no § 3º  do artigo 28 define como habilitação profissional o processo destinado a propiciar à pessoa portadora de deficiência, em nível formal e sistematizado, aquisição de conhecimentos e habilidades especificamente associados à determinada profissão ou ocupação.
Assim, o Projeto de Lei 3502/2012 traz valiosa ferramenta de concretização da inserção das pessoas portadoras de deficiência no mercado de trabalho, ensejando o cumprimento efetivo da legislação, e concretizando, ademais, os Direitos Fundamentais insertos na Constituição Federal, pela defesa da dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho.
Outra vantagem, não tão importante quanto à inclusão social dos deficientes, a valorização da autoestima, vida digna, enfim, tantas outras benesses, sem deixar de mencionar os benefícios à Seguridade Social, na medida em que quanto mais deficientes empregados, menor o número de benefícios de prestação continuada a serem pagos.
Digna de nota, portanto, a iniciativa do Deputado Federal Márcio Macedo, que com o Projeto de Lei em comento, e visando a resolver a problemática da inserção das pessoas portadoras de deficiência no mercado de trabalho, propõe, conforme justificação apresentada, “que as empresas que não consigam captar pessoas com deficiência habilitadas no mercado de trabalho, sejam obrigadas a oferecer-lhes bolsas de qualificação, de valor igual ou superior a um salário mínimo, até o limite de 50% do preenchimento das vagas. As pessoas habilitadas por meio dessas bolsas que apresentarem certificado de conclusão do curso que comprove sua habilitação serão obrigatoriamente contratadas, pelo período de até um ano, pela empresa concedente das bolsas”.
A aprovação do Projeto de Lei 3502/2012 certamente beneficiará milhares de pessoas portadoras de deficiência que aguardam apenas uma oportunidade de capacitação para inserirem-se no mercado de trabalho, inserção esta de inúmeros benefícios, não apenas para os deficientes, mas para toda a sociedade e para o Estado.

BORETTI, Larissa Pedroso. A inserção do deficiente no mercado de trabalho. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3207, 12 abr. 2012 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/21496/a-insercao-do-deficiente-no-mercado-de-trabalho>

Juizados Especiais Cíveis: aspectos recursais

O procedimento instituído pela Lei n. 9.099/95 é orientado pelos princípios da informalidade, celeridade, concentração, economia e simplicidade. Seu objetivo é tornar a prestação jurisdicional mais acessível, notadamente, à população carente.
Referidos princípios são informadores de todo o processo, inclusive na etapa recursal, mais simples que a sistemática estabelecida pelo CPC, o qual somente será aplicável se não for incompatível com as normas da lei 9.099/95.
Por esta razão, não há previsão de recurso em face de decisões interlocutórias, como regra. Os atos processuais são concentrados na audiência de instrução e julgamento, ocasião em que todos incidentes processuais serão dirimidos, conforme preconiza o art. 29.
No entanto, quando a concentração não é observada e há risco de dano ao jurisdicionado. Joel Dias Figueira Júnior defende o cabimento de agravo de instrumento nesta hipótese. In verbis:
“em síntese, a tese da irrecorribilidade das decisões serve apenas para as interlocutórias proferidas dentro do segmento representado pela instrução oral, posto que fundamenta na razão de ser da própria concentração da audiência. Assim, desde que se verifiquem as hipóteses aludidas, não se pode obstar a interposição de agravo, pelo regime instrumental, sob pena de importar em sérios prejuízos aos litigantes”.[1]  
Admite-se agravo, de forma uníssona apenas diante das situações previstas nos artigos 544 e 557 do CPC.
Não se pode olvidar, ainda, da prática disseminada de impetração de mandado de segurança em face de decisões interlocutórias, notadamente, quando teratológicas.
Referida possibilidade é creditada à inexistência de previsão recursal com efeito suspensivo para decisões interlocutórias (art. 5º, II, da lei 12.016/2009), bem como em razão do teor da súmula 376 do Superior Tribunal de Justiça.
A sentença, a seu turno, comporta insurgência via recurso inominado, previsto no art. 41, possuindo as mesmas feições do recurso de apelação com algumas diferenças.
A primeira é o prazo de interposição e contrarrazões, que é dez dias, em homenagem à celeridade, ao oposto da apelação, cujo prazo recursal e de resposta será de quinze dias (art. 508 do CPC).
A segunda distinção é quando aos efeitos de recebimento do recurso. O inominado tem como regra o efeito devolutivo, como forma de propiciar a execução provisória da sentença. O duplo efeito (suspensivo e devolutivo) só é cabível para evitar risco irreparável para a parte recorrente (art. 43). Na apelação, contudo, a regra é o efeito suspensivo, admitindo-se apenas o devolutivo nas hipóteses dos incisos I a VII do art. 520 do CPC.
Nos juizados, não se admite a interposição de recurso adesivo (art. 500 do CPC), por ausência de previsão legal e por implicar em inegável prejuízo à celeridade, o que resultou na edição do enunciado 88 do Fórum Nacional dos Juizados Especiais, o FONAJE.
Por fim, o apelo deve ser preparado nas quarenta e oito horas seguintes à interposição, independente de intimação, sob pena de deserção. Não se admite a complementação do preparo, razão pela qual não haverá intimação para regularização, devendo ser pronunciada a deserção.
O recurso de embargos de declaração também apresenta particularidades, quanto ao cabimento, à forma de interposição e o efeito em relação ao prazo para apresentação de outros recursos.
Além das hipóteses previstas, atualmente, no CPC (obscuridade, contradição e omissão), o art. 48 da lei 9.099/95 traz ainda a expressão “dúvida” dentre as situações que podem desafiar o oferecimento de embargos.
O conceito de dúvida é trazido por Ricardo Chimenti que define como sendo “quando o julgado não demonstra de forma clara qual a convicção do julgador quanto aos fatos apurados ou mesmo em relação ao direito aplicado”[2].
A dúvida era prevista no art. 535 do CPC, mas foi suprimida pela reforma processual introduzida pela lei 8.950/94, o que não foi acompanhado pela lei 9.099/95 que manteve a mesma previsão do art. 47 da lei 7.244/84.
Os embargos, no procedimento da lei 9.099/95 poderão ser interpostos oralmente e sem a necessidade de advogado (art. 49).
O prazo para recurso em face da sentença fica suspenso pela apresentação de embargos, ao oposto do art. 538 do CPC que prevê a interrupção. Assim, não haverá restituição de todo o prazo para interpor o inominado, apenas restarão os dias remanescentes.
Outro aspecto interessante é quanto ao colegiado revisor, conhecido como turma recursal, formada por juízes em exercício no primeiro grau de jurisdição e não por desembargadores, não sendo as turmas, portanto, órgãos fracionários dos tribunais de justiça.
A forma de provimento dos cargos de juiz de turma recursal depende da regulamentação do Poder Judiciário de cada ente da federação, já que a lei federal silenciou a respeito.
Em regra, os magistrados exercem este cargo sem prejuízo de suas funções nas varas em que são titulares e sua designação dura, no máximo, dois anos, admitidas reconduções. Verifica-se, ainda, que a escolha recai, preferencialmente, em juízes de juizados especiais.
No Tribunal de Justiça do Paraná, a forma de provimento ocorre com prejuízo das funções, sendo designado juiz substituto para atuação exclusiva nas varas titularizadas pelos magistrados que passaram a compor as turmas, durante sua designação. Os juízes interessados na vaga participam de concurso pelos critérios de antiguidade e merecimento, conforme art. 3º da Resolução TJPR 04/2010.
Referida medida é salutar, ante o fato de que o volume de feitos em grau de recurso vem crescendo exponencialmente, graças ao aumento de demanda nos juizados especiais, cuja competência vem sendo alargada por sucessivas legislações.
O julgamento e a redação dos acórdãos são bastante informais, já que o relatório é dispensado, bastando a fundamentação suficiente e a parte dispositiva (art. 46), o que restou consolidado pelo enunciado 92 do FONAJE.
Ante a dispensa do relatório, é igualmente dispensada a figura do revisor, sendo que cada recurso será apreciado, em regra, por um relator e dois vogais.
O julgamento colegiado conta com importante instrumento para a celeridade que é a “súmula de julgamento”, que se aplica quando a sentença é mantida por seus próprios fundamentos.
A maioria das turmas recursais adota para as súmulas o mesmo formato das ementas, contendo verbetação (palavras-chave), fundamentação, e a parte dispositiva contendo o resultado do julgamento, que no caso é de não-provimento.
Em Mato Grosso do Sul, o formato de súmula também passou a ser utilizado para hipóteses de provimento parcial em homenagem ao principio da informalidade e celeridade[3].
As diferenças aqui retratadas asseguram a agilidade nos julgamentos e na publicação do resultado das sessões, para que não exceda o prazo de dez dias do art. 564 do CPC.
Em relação aos recursos cabíveis em face da decisão colegiada, também há limitações em relação ao procedimento do CPC. Os únicos recursos cabíveis são de embargos de declaração (art. 48) e recurso extraordinário (art. 102, III, da Carta Magna).
O recurso especial não é admitido, ante o fato de que turma recursal não é considerada tribunal (art. 105, III, da CF). É um órgão revisor, mas formada por juízes em exercício no primeiro grau de jurisdição. 
Ocorre que há um tipo de manifestação direcionada ao Superior Tribunal de Justiça relativa às decisões das turmas recursais, trata-se da reclamação, prevista no art. 105, I, “f” da CF, regulamentada pela resolução 12/2009 daquele tribunal.
A reclamação visa preservar a autoridade das decisões do STJ e manter a uniformidade na interpretação da legislação federal, já que os juizados estaduais não contam com uma turma nacional de uniformização, a exemplo dos juizados especiais federais (art. 14, §2° da lei 10.259/2001). 
A uniformização não foi disciplinada pela lei 9.099/95, o que ficou a cargo das legislações estaduais. Assim, só há normatização legal para os casos de divergência interna, ou seja, entre as turmas dos juizados de um mesmo estado.
No entanto, a imposição de uniformização entre turmas de estados diferentes encontra oposição na doutrina. Neste sentido, é a lição de Rêmolo Leteriello: “por outra parte, contraria o bom senso impedir uma turma estadual de interpretar livremente matéria objeto de jurisprudencia de turma de outro estado”[4].
O autor, igualmente, defende que a matéria deve ser regulada apenas pela lei local, em respeito às peculiaridades regionais de cada tribunal, ao contrário da previsão do Projeto de Lei federal 4.423-A, que acaba instaurando, de certo modo, um terceiro grau de jurisdição nos juizados.
Referida consequência já se nota, ante o excesso de reclamações ofertadas ao STJ, que se tornaram uma forma travestida de recurso especial, e representou considerável risco à celeridade e efetividade.
Felizmente, os ministros, atentos a essa realidade, decidiram delimitar as hipóteses de cabimento desta medida. Trata-se da Reclamação 4858, de Relatoria da Ministra Nancy Andrighi, que tramitou perante a Segunda Seção e teve o julgamento concluído em 23 de novembro de 2011.
A decisão definiu que a reclamação somente será admitida em caso de decisão que afronta enunciado de súmula ou decisão proferida no âmbito de recursos repetitivos (art. 543-C do CPC) e somente para questões de direito material.
Por derradeiro, não se admite ação rescisória no procedimento dos juizados (art. 59), o que é alvo de críticas doutrinárias, ante o fato de que o julgador singular ou colegiado pode incorrer nas hipóteses do art. 485 do CPC[5].
Por todo o exposto, conclui-se que a simplicidade e celeridade que orientam o rito dos juizados também se aplicam à fase recursal, ante a admissibilidade de número menor de recursos, prazos mais exíguos e procedimentos simplificados de julgamento colegiado.
Referida flexibilização, contudo, não implica em prejuízo aos princípios constitucionais do contraditório, ampla defesa e duplo grau de jurisdição. O objetivo é assegurar que a prestação jurisdicional possa ser entregue em prazo razoável, suprimindo formalidades e atos processuais que possam ser utilizados de forma protelatória.

HINDO, Michelle Dibo Nacer. Juizados Especiais Cíveis: aspectos recursais. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3209, 14 abr. 2012 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/21508/juizados-especiais-civeis-aspectos-recursais>