sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Adultério e dano moral: Tão inaceitável como a traição é o desrespeito à mulher

Questão que sempre desperta o interesse geral é a notícia de que a Justiça condenou determinado réu ou ré a pagar indenização por danos morais decorrente de traição conjugal. E esses valores indenizatórios para os casos de adultério, muitas vezes, têm sido fixados com severidade pelo Judiciário.

Acontece que a descoberta do adultério pelo outro cônjuge não autoriza o imediato e automático ressarcimento ao consorte “traído”. Porque a fidelidade recíproca não é o único dever inerente ao casamento. A vida em comum, no domicílio conjugal, a mútua assistência, a colaboração no sustento, na guarda e na educação dos filhos, e, ainda, o respeito e consideração mútuos, também são obrigações dos cônjuges no matrimônio.

Assim, a pretensão indenizatória pelo adultério apontado como fundamento pelo autor ou autora da ação pode ser ilidida pelo réu ou ré em sua contestação. Alegando e provando este último a ruptura e quebra recíproca dos deveres do casamento pelas partes. Afinal, tão inaceitável como o adultério é o desrespeito e a humilhação sofridos pela mulher, que suportou anos a fio o comportamento desumano de seu marido.

Não são raros os casos de mulheres vítimas de brutal e cruel violência doméstica e familiar, que diante da insensibilidade e indiferença do agressor, buscam nos braços de alguém nostalgiar, nem que seja por alguns minutos, o que significa ser amada ou mesmo desejada. Ser amado e acariciado é componente indissociável da existência humana. Mas o carrasco do lar não sabe disso, ou não quer se dar conta disso. Quer usar o adultério como escusa de sua tortura física ou mental diária praticada contra sua pobre e infeliz vítima.

Por isso, antes de colocar um detetive particular para flagrar o suposto adultério de seu consorte, peça a este profissional que investigue sua própria pessoa, o seu comportamento. Talvez você também esteja em falta com outros deveres conjugais, venha a descobrir isso tarde de mais. E pode terminar sendo derrotado na Justiça, que anda com olhos bem abertos para a violência doméstica.
Carlos Eduardo Rios do Amaral Defensor Público do Estado do Espírito Santo
Revista Consultor Jurídico, 30 de agosto de 2012

Fonte: http://www.conjur.com.br/2012-ago-30/carlos-amaral-tao-inaceitavel-traicao-desrespeitar-mulher

Astreintes

A multa mencionada nos parágrafos do artigo 461 não apresenta a natureza sancionatória frequentemente verificada em outras medidas de mesmo nome que o ordenamento jurídico pátrio contempla. Ao permitir a aplicação de multa em razão da inobservância de provimentos mandamentais ou do embaraço criado à efetivação de determinações judiciais, o parágrafo único do artigo 14 do CPC é um exemplo de norma que prevê a medida em análise como instrumento punitivo.
A medida de apoio aplicável em sede de tutela antecipada, na sentença ou em decisão posterior que ordena o réu a cumprir sua obrigação de fazer tem natureza coercitiva, ou seja, com ela busca-se atuar sobre a vontade do obrigado, na tentativa de compeli-lo à observância do comando judicial. É inconfundível com uma reprimenda[1], pois o objetivo dessa multa consiste em alcançar o cumprimento voluntário da prestação tutelada em juízo e não oferecer uma resposta a ato praticado pelo devedor.
Igualmente descabido falar em providência ressarcitória. Apesar de o respectivo montante poder ser exigido pelo titular do crédito em decorrência da inobservância da decisão mandamental, o valor fixado para a multa não se destina a reparar os prejuízos causados pelo inadimplemento ou adimplemento tardio. O caráter psicológico da medida também a diferencia da prestação tutelada e do eventual quantum indenizatório a ser pago pelo réu em virtude da conversão do bem específico em equivalente econômico.
(...)
Com isso, o Direito brasileiro pôde dar um salto qualitativo no que concerne à tutela específica das obrigações de fazer, aumentando as chances, principalmente, do credor de certa abstenção ou de uma prestação personalíssima ver assegurada sua posição jurídica. Ao contribuir para a ultrapassagem do antigo obstáculo encontrado pelos magistrados no momento de garantir o exato bem devido por força das obrigações em apreço, os §§ 4º e 5º do artigo 461 permitem, hoje, aos juízes pátrios, enfrentar problema a longo tempo combatido pelo sistema da Common Law e por outros ordenamentos europeus, como o francês e o alemão[10].
Compreendidas as principais características da multa disciplinada pelo artigo 461 do Código de Processo Civil, passemos às considerações sobre a natureza dos atos relacionados à sua aplicação, a fim de proporcionar um entendimento mais completo acerca do instituto em análise.
Nesse ponto, é de fundamental importância abordar a clássica divisão elaborada por Giuseppe Chiovenda[11] na tentativa de distinguir os meios executivos, ou seja, os instrumentos colocados à disposição dos membros do Poder Judiciário com o propósito de, uma vez utilizados, satisfazerem no mundo fático as pretensões legitimamente aduzidas em juízo.
Conforme defendido pelo autor, existem os meios de coação e os meios de sub-rogação. Através das medidas executivas coativas, também chamadas de coercitivas, almeja-se obter o bem reclamado pelo titular do crédito a partir da colaboração do próprio devedor. Em outras palavras, persuade-se o obrigado, na tentativa de impulsioná-lo à prática do exato comportamento a que está adstrito. Já o emprego das medidas sub-rogatórias, ou substitutivas, possibilita ao magistrado satisfazer o direito do credor independentemente da participação do obrigado; a atividade promovida pelo órgão jurisdicional substitui o ato ou conjunto de atos devido em virtude do respectivo vínculo obrigacional.
No âmbito dos meios executivos de coação, cumpre, ainda, diferenciar as medidas de coerção direta das medidas de coerção indireta. Aquelas revestem o comando judicial de força intimidatória destinada a compelir o devedor à observância do respectivo provimento. As últimas, por sua vez, buscam punir a desobediência verificável em face da ordem expedida, para então coagir o obrigado a cumprir a específica prestação jurisdicionalmente tutelada.
Embora as medidas de coerção direta sejam referidas como exemplo de técnica executiva, o seu emprego apresenta-se incompatível com o que se considera execução forçada ou execução propriamente dita[12].
Por intermédio delas, o juiz visa agir sobre o ânimo do devedor e, a partir disso, fazer com que este observe a ordem judicial, conferindo ao titular do crédito o exato bem acordado ou decorrente de lei. A vontade e a conseqüente participação do obrigado configuram, portanto, elementos indispensáveis para que tais medidas promovam a satisfação do credor; absolutamente o contrário do observado na atividade executiva stricto sensu.
A multa contemplada nos §§ 4º e 5º do artigo 461 do CPC configura medida de coerção direta aplicável com o fim de estimular o devedor à observância do provimento mandamental que o ordena a cumprir sua obrigação de fazer. Logo, mostra-se impossível compreendê-la enquanto meio típico de execução[13].
Valendo-se do até aqui afirmado, é possível evidenciar que a utilização da providência pecuniária autorizada pelos dispositivos acima referidos não caracteriza atividade executiva propriamente dita. Ao aplicar a multa, por determinada unidade de tempo, visando constranger psicologicamente o obrigado a realizar a prestação devida, o juiz atinge de imediato a pessoa, e apenas em grau secundário o patrimônio do qual ela é titular, praticando atos que se afastam da execução forçada e vêm a caracterizar a chamada execução indireta.
Em outros termos, o conjunto de providências tomadas pelo órgão jurisdicional, na adoção da medida pecuniária em análise, busca satisfazer o credor do facere através da colaboração do obrigado, podendo, somente a partir de um conceito mais amplo e menos técnico, ser identificadas como atos executórios. Trata-se, rigorosamente, de atividade intimidatória que antecede, procurando evitar, o início da execução.
Dito isso, restam destacados os principais contornos delineadores do instrumento acessório introduzido no artigo 461 do CPC com o advento das Leis 8.952/94 e 10.444/02.
O entendimento do propósito da multa coercitiva, a ciência do instituto motivador de sua absorção pelo ordenamento jurídico pátrio e a compreensão de como a atividade que lhe concretiza situa-se no processo esclarecem a importância da medida de apoio prevista nos parágrafos 4º e 5º do artigo 461. Com tais elementos em mente, o magistrado pode fazer melhor uso dos provimentos mandamentais, vindo a assegurar, com maior efetividade, o direito material legitimamente aduzido em juízo pelo credor da obrigação de fazer.
Atentos à relevância atribuível ao instrumento em foco, os diplomas legais acima mencionados preocuparam-se em introduzi-lo no processo civil brasileiro, sem, todavia, conferir ao sistema pátrio regulamentação necessária ao seu emprego. A leitura dos preceitos contidos no artigo 461 e a ausência de outros dispositivos que versem sobre o tema comprovam a escassez de detalhamento normativo referente à aplicação da medida pecuniária. Cumpre, também, ressaltar que impasses ligados à exigibilidade e a execução da multa imposta no comando judicial geram, até hoje, posicionamentos discordantes na doutrina e na jurisprudência.
Embora uma resposta adequada à grande parte dessas questões extrapole os limites traçados ao presente artigo, a postura omissiva do legislador é merecedora de alusão.

PRICOLI, Marcela. Astreintes: considerações sobre a origem e o desenvolvimento do instituto. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3347, 30 ago. 2012 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/22522>.