quarta-feira, 15 de maio de 2013

Visita íntima ao adolescente em conflito com a lei (Conceição Cinti)

A garantia do direito à visita íntima ao adolescente em cumprimento de medida socioeducativa privativa de liberdade com certeza será motivo de muitas especulações e polêmicas por parte da mídia populista, dos leigos e dos desinformados sobre as necessidades básicas inerentes a cada ser humano desde seu desenvolvimento intrauterino.

A reflexão sobre a importância da ‘concessão’ da visita íntima, prestes a ser estendida a esses adolescentes, conforme princípio do atendimento integral previsto na constituição específica para infância e adolescência, deve ser feita levando-se em consideração que o afeto e o toque são condições imprescindíveis para o pleno desenvolvimento do ser humano. E que ao serem negadas, principalmente na fase da adolescência, podem trazer conseqüências negativas que precisam ser levadas a sério no momento da elaboração de medidas protetivas e socioeducativas. 

Sabendo que a afetividade faz parte do processo de desenvolvimento estrutural e psicológico do ser humano, sem ela não é possível construir de forma plena a base da personalidade nos primeiros anos de vida, correndo o risco, inclusive, de que aquilo que acontece ao indivíduo neste período seja refletido na adolescência e na fase adulta. Os registros no inconsciente ou a ausência das relações entre pais e filhos podem causar graves transtornos afetivos e emocionais, portanto, a afetividade é a gênese de todo relacionamento humano e talvez a nossa primeira forma de se inserir no mundo e interagir com ele. 

Diante de comprovações científicas de que a afetividade é primordial na formação psíquica do indivíduo e que sem ela há um desvio na conduta da personalidade do ser humano (apenas variando em intensidade por causa do princípio da unicidade de cada pessoa), é imprescindível a existência de um vínculo afetivo saudável, de uma referência que dê suporte na formação da criança, que pode ser os pais ou uma pessoa que desempenhe um papel importante nos seus primeiros anos de vida. Assim sendo, os carinhos da mamãe serão a base e o porto seguro para uma adolescência mais saudável. Por outro lado, a privação do afeto por parte dos pais ou responsáveis, assim como a ausência de uma estrutura familiar adequada durante os primeiros anos de vida, comprometerão o amadurecimento emocional do adolescente e futuramente do adulto. 

Entretanto, na prática, sentimentos e emoções são banalizados, subestimados e em geral estão presentes na base dos conflitos existenciais e quase sempre são os responsáveis pelos crimes, principalmente os hediondos, salvo algumas patologias mentais. Segundo Biddulph (apud James Prescott p.122), estudos feitos em diferentes sociedades constataram que nas sociedades onde as crianças recebem menos toque físico e pouco afeto há mais violência por parte dos adultos. Através desse fenômeno cientifico se comprova de forma irrefutável que quanto mais harmônica e amorosa for a vida da criança, mais serena e afetuosa ela vai ser na fase adulta. Pesquisas têm revelado ainda que pessoas que cometem crimes quase sempre estão envolvidas numa história de rejeição, humilhação e tiveram uma infância permeada por desajustes de toda ordem. 

Ao pensarmos nos adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas constatamos que a privação que eles passam não é medida apenas pela presença de altos muros que os separam do mundo lá fora, mas há também uma privação de afeto. Essa falta de afetividade é um reflexo da omissão do Estado, que através das suas políticas públicas inadequadas em nada têm contribuído para a efetiva reinserção desses meninos e meninas na sociedade. Ao invés de garantir o afeto e o acompanhamento dos pais e familiares durante todo o processo de cumprimento das medidas privativas de liberdade, o Estado e seus representantes insistem em políticas repressivas, de maus tratos e torturas.

E porque os pais e familiares, peças fundamentais para a recuperação dos adolescentes em conflito com a lei, são impedidos e têm suas presenças dificultadas nesse acompanhamento? Porque as unidades de cumprimento de medidas socioeducativas funcionam em flagrante desrespeito à Constituição e ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que na teoria são efusivamente defendidos, mas na prática funcionam para ‘Inglês ver’. Uma prova disso é a distância entre a unidade onde o adolescente cumpre medida e a comunidade onde ele morava, dificultando a visita dos pais e familiares e, consequentemente, enfraquecendo o vínculo e a convivência familiar e comunitária. É nesse momento que o Conselho Nacional de Justiça deve ser acionado para que seja determinado que o adolescente cumpra a medida socioeducativa na comarca em que reside.

Constituindo-se a afetividade como um conjunto de reações psíquicas do indivíduo frente ao mundo exterior que se traduz através das emoções e sentimentos e cuja manifestação se polariza entre os extremos, como a dor e o prazer; a satisfação e a insatisfação; o agrado e o desagrado, a alegria e a tristeza, conforme diz Ferreira (1999.p.62); sua presença ou ausência é capaz de alterar o modo como cada pessoa se relacionará consigo mesmo e com o mundo exterior. Diante disso, cuidar adequadamente das emoções e sentimentos é imperioso como uma forma de evitar tragédias.

O histórico de vida de uma pessoa privada de liberdade, seja ela adolescente ou adulta, deveria ser a peça mais importante dentro do contexto de um programa restaurativo e de ressocialização, sendo imprescindível a análise sistemática do comportamento humano para a aplicação da metodologia mais adequada, afinal, sabemos que os problemas emocionais têm raízes no início da vida e por essa razão os hábitos de comportamentos adquiridos nessa fase são reversíveis, mas extremamente difíceis de serem modificados na vida adulta, necessitando de espaço físico adequado e muita persistência por parte da equipe multidisciplinar técnica e científica. Essa transposição é possível, conforme podemos constatar através dos argumentos de alguns especialistas na área, dentre eles o médico Augusto Cury, através de sua Teoria Multifocal. 

A permissão da visita íntima aos reeducandos é uma oportunidade ímpar que as autoridades têm para abrir espaço para uma discussão mais ampla a fim de informar e capacitar esses adolescentes não apenas para extravasarem sua virilidade, mas orientá-los sobre as conseqüências decorrentes dos seus comportamentos, a exemplo da paternidade, gravidez precoce e doenças sexualmente transmissíveis, enquanto questões complexas e delicadas. Portanto, muito mais que reservar um espaço físico para que os adolescentes pratiquem sexo precisamos aproveitar essa chance e ensiná-los a importância do afeto, trabalhando os sentimentos e emoções. Uma tentativa como essa foi desenvolvida com pessoas com Síndrome de Down e obteve êxito, demonstrando que a garantia de todos os direitos concernentes as pessoas, sem distinção, conforme está previsto na nossa Carta Magna, não é nenhum favor que o Estado nos faz, muito pelo contrário, é dever e princípio constitucional que o ser humano seja atendido integralmente.

Convém lembrar que a fase da adolescência é o momento áureo, o ápice da ebulição dos hormônios e precisa ser levado em conta em virtude das situações que têm ocorrido envolvendo questões sexuais de adolescentes. Sabemos que o afeto e o toque são significativos para a vida desses meninos e meninas, portanto, são direitos desses adolescentes não apenas a visita íntima, mas um maior contato possível com os pais ou familiares. A falta do toque e de carinho dos pais e outros familiares somados aos duros tratamentos usados pelas unidades de meninas socioeducativas acarreta prejuízos emocionais, distorcendo de forma perversa e irremediável a personalidade desses adolescentes ainda em fase de formação. E é exatamente isso que temos assistido dia após dia através da mídia. 

Negar o direito à visita íntima, atendendo aos pré-requisitos de respeito, é permitir a continuidade de uma prática que desde sempre ocorre veladamente dentro das unidades de medidas socioeducativas: a lei do mais forte sobre o mais fraco, onde os mais fortes fisicamente (ou apadrinhados) subjugam o mais fraco e submete-o aos seus desejos sexuais. Fatos humilhantes e perversos se constituem em gravíssimas violações aos direitos humanos impedindo, inclusive, que a livre orientação sexual deixe de ser natural e seja resultado da opressão contra os fragilizados, fato que já ocorre dentro das unidades masculinas e femininas. Essa realidade precisa ser banida para que seja assegurada a opção natural de relacionamentos entre homens e mulheres ou, a quem preferir, a liberdade de orientação sexual como prática civilizatória.

* Advogada e educadora. Precursora da Educação Restaurativa, com experiência de mais de três décadas em Tratamento de Dependentes de Substâncias Psicoativas e Delinquência Juvenil. Palestrante e colunistas de alguns sites renomados. Autora do www.educacaorestaurativa.org.

http://atualidadesdodireito.com.br/conceicaocinti/2013/05/14/visita-intima-ao-adolescente-em-conflito-com-a-lei-2/

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