segunda-feira, 24 de junho de 2013

Em matéria especial, STJ reúne litígios que envolvem planos de saúde

Mais uma vez, em 2012, os planos de saúde lideraram o ranking de queixas recebidas pelo Idec - Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor.

Segundo o relatório anual do Idec, divulgado em março deste ano, 20% dos atendimentos no ano passado foram relacionados a reclamações sobre plano de saúde, como negativa de cobertura, reajustes e descredenciamento de prestadores de serviços. Segundo o instituto, os planos aparecem no topo da lista pela 11ª vez.

Diante dos números, é fácil entender porque tantas demandas relacionadas a planos de saúde chegam ao STJ. Veja o que o Tribunal da Cidadania vêm decidindo sobre o tema.

Exame negado

Quem paga plano de saúde espera, no mínimo, contar com o serviço quando precisar. Só que nem sempre isso acontece. Muitas vezes, com base em argumentos diversos, as empresas negam a cobertura.

Foi o que se discutiu no julgamento do REsp 1.201.736. A 3ª turma deu provimento a recurso especial de uma mulher que teve a realização de exame negado, para restabelecer a indenização por dano moral de mais de R$ 10 mil fixada em primeiro grau. O TJ/SC havia afastado o dever de indenizar.

Para a turma, o beneficiário de plano de saúde que tem negada a realização de exame pela operadora tem direito à indenização por dano moral. De acordo com a jurisprudência do STJ, o plano de saúde que se nega a autorizar tratamento a que esteja legal ou contratualmente obrigado agrava a situação de aflição psicológica do paciente, fragilizando o seu estado de espírito.

Ação inicial

A paciente ajuizou ação cominatória cumulada com pedido de indenização por danos morais e materiais contra a Unimed Regional de Florianópolis Cooperativa de Trabalho Médico. Ela mantinha um plano de saúde da Unimed, contratado com a Cooperativa do Alto Vale, e, após ter cumprido o período de carência exigido, submeteu-se a cirurgia para tirar um tumor da coluna.

Com a rescisão do plano pela Cooperativa do Alto Vale, a paciente migrou para a Unimed Regional Florianópolis, com a promessa de que não seria exigida carência. Porém, ao tentar realizar exames de rotina após a cirurgia, foi impedida sob a alegação de ausência de cobertura por ainda não ter expirado o prazo de carência.

O TJ/SC concedeu antecipação de tutela, autorizando a paciente a realizar todos os exames e consultas, desde que tivessem origem em complicações da retirada do tumor da coluna.

Danos morais

O juiz de 1° grau julgou os pedidos parcialmente procedentes, obrigando a cooperativa a prestar todos os serviços contratados sem limitação, e condenou a Unimed ao pagamento de indenização por dano moral no valor de R$ 10.500,00.

A cooperativa apelou e o TJ/SC deu provimento parcial para afastar a condenação por danos morais.

Jurisprudência

A ministra Nancy Andrighi, relatora do caso no STJ, destacou que a situação vivida pela autora do recurso foi além do mero dissabor, e a decisão do tribunal de origem contraria o entendimento consolidado na Corte Superior. Segundo ela, há sempre alguma apreensão quando o paciente procura por serviços médicos, ainda que sem urgência.

A relatora afirmou que mesmo consultas de rotina causam aflição, pois o paciente está ansioso para saber da sua saúde. No caso específico, ela avaliou que não havia dúvida de que a situação era delicada, na medida em que o próprio TJ/SC reconheceu que os exames se seguiam à cirurgia realizada pela paciente.

Diante disso, a ministra concluiu que era de pressupor que a paciente tivesse de fato sofrido abalo psicológico, diante da incerteza sobre como estaria o seu quadro clínico, sobretudo em relação a eventual reincidência da doença que a levou a submeter-se à cirurgia. "Imperiosa, portanto, a reforma do acórdão recorrido, para restabelecer a condenação por dano moral imposta na sentença", afirmou a ministra no voto.

Cirurgia adiada

Outro caso que preocupa os segurados é quando o plano de saúde adia cirurgia já marcada. Inconformados com a situação, eles acabam ajuizando ações de indenização para compensar os danos sofridos.

Ao julgar o REsp 1.289.998, a 3ª turma reduziu indenização fixada a paciente que teve negada a cobertura médica por plano de saude. Para a turma, a capacidade econômica da vítima precisa ser levada em conta na fixação da indenização por danos morais, para evitar enriquecimento sem causa.

A Unimed Palmeira dos Índios/AL recusou a cobertura para o paciente, por entender que o valor dos materiais cirúrgicos cobrados seria excessivo. Pelo comportamento, o TJ/AL fixou reparação em dez vezes o valor do material, somando R$ 46 mil. Daí o recurso ao STJ.

A 3ª turma afirmou que a indenização deve ser fixada de modo a compensar prejuízo sofrido pela vítima e desestimular a repetição da prática lesiva. Para hipóteses similares, o STJ tem confirmado indenizações entre R$ 10 mil e R$ 32 mil, mas esse valor deve ser ponderado diante da capacidade financeira da vítima. A turma concluiu por fixar a indenização em R$ 20 mil.

Internação domiciliar

Doenças incapacitantes como derrame e infarto severos são exemplos de algumas das enfermidades que implicam drástica limitação do indivíduo e acarretam a necessidade de acompanhamento constante. A ponderação que se faz, no entanto, é se os planos de saúde e seguradoras estão legalmente obrigados a arcar com os custos decorrentes do tratamento domiciliar.

Em decisão recente, no AREsp 90.117, o ministro Luis Felipe Salomão reconheceu como abusiva a cláusula restritiva de direito que exclui do plano de saúde o custeio de serviço de home care (internação domiciliar). "O paciente consumidor do plano de saúde não pode ser impedido por cláusula limitativa de receber tratamento com método mais moderno do que no momento em que instalada a doença coberta pelo contrato", acrescentou.

O relator lembrou ainda diversos precedentes do STJ que já vêm reconhecendo a ilegalidade da recusa das seguradoras em custear determinados tratamentos indicados para doenças que têm a cobertura prevista no contrato do plano de saúde.

Descredenciamento

Quem paga plano de saúde quer que a lista de credenciados esteja sempre atualizada. Mas nem sempre isso acontece. Muitas vezes, quando precisa do serviço, o beneficiário acaba descobrindo que o médico ou o hospital foram descredenciados do plano.

Ao julgar o REsp 1.144.840 – interposto pela família de paciente cardíaco que, ao buscar atendimento de emergência, foi surpreendido pela informação de que o hospital não era mais credenciado –, o STJ determinou que as operadoras de plano de saúde têm a obrigação de informar individualmente a seus segurados o descredenciamento de médicos e hospitais.

Na ação de indenização, a família narrou que levou o parente a hospital no qual ele já havia sido atendido anteriormente. Entretanto, o plano havia descredenciado o hospital sem aviso prévio individualizado aos segurados. O doente e sua família foram obrigados a arcar com todas as despesas de internação, que superaram R$ 14 mil, e ele faleceu quatro dias depois.

Informação completa

Após o TJ/SP entender que o descredenciamento do hospital foi tornado público pela seguradora e que não era necessário demonstrar a ciência específica do segurado que faleceu, a família recorreu ao STJ.

Os ministros esclareceram que o recurso não trata do direito das operadoras de plano de saúde a alterar sua rede conveniada, mas da forma como a operadora descredenciou o atendimento emergencial do hospital e o procedimento adotado para comunicar o fato aos associados.

Observaram no processo que a família recorrente não foi individualmente informada acerca do descredenciamento. Lembraram que o CDC, no artigo 6º, obriga as empresas a prestar informações de modo adequado; e o no artigo 46 estabelece que o contrato não obriga o consumidor se ele não tiver a chance de tomar prévio conhecimento de seu conteúdo.

Por fim, afirmaram que a jurisprudência do STJ assentou que a informação adequada deve ser “completa, gratuita e útil”, e isso não ocorreu no caso.

Despesas hospitalares

É possivel um plano de saúde fixar no contrato limite de despesas hospitalares? Para a 4ª turma, é abusiva cláusula que limita despesa com internação hospitalar. Para os ministros, não pode haver limite monetário de cobertura para essas despesas, da mesma forma como não pode haver limite de tempo de internação.

A tese foi fixada no julgamento do REsp 735.750, interposto contra decisão da Justiça paulista, que considerou legal a cláusula limitativa de custos. Em primeiro e segundo graus, os magistrados entenderam que não havia abuso porque a cláusula estava apresentada com clareza e transparência, de forma que o contratante teve pleno conhecimento da limitação.

Contudo, a Quarta Turma considerou que a cláusula era sim abusiva, principalmente por estabelecer montante muito reduzido, de R$ 6.500, incompatível com o próprio objeto do contrato de plano de saúde, consideradas as normais expectativas de custo dos serviços médico-hospitalares. "Esse valor é sabidamente ínfimo quando se fala em internação em unidade de terapia intensiva (UTI), conforme ocorreu no caso em exame", afirmou o relator, ministro Raul Araújo.

Inadimplência

Uma dúvida comum entre os segurados é se as operadoras de plano de saúde podem cancelar os contratos por inadimplência. Ao analisar o REsp 957.900, a 4ª turma entendeu que as operadoras não precisam ingressar com ação judicial para cancelar contratos de consumidores que estejam com mensalidades em atraso há mais de dois meses. Para os ministros, basta a notificação da empresa aos inadimplentes, com antecedência, para ela poder rescindir o contrato.

O caso julgado foi de uma consumidora que entrou com ação contra a operadora. Ela pretendia anular rescisão unilateral do seu contrato, determinada pela operadora do palno sob o argumento de falta de pagamento.

Em primeira instância, o pedido foi negado ao fundamento de que a consumidora confessou a inadimplência superior a 60 dias. Ela ainda foi notificada previamente sobre a rescisão por falta de pagamento, conforme determina o artigo 13 da lei 9.656/98, que regulamenta os planos de saúde.

Em apelação, o TJ/SP restabeleceu o contrato do plano de saúde, considerando que a notificação não bastaria, sendo necessária a propositura de ação na Justiça. Inconformada, a operadora entrou com recurso no STJ.

Lei clara

O ministro Antonio Carlos Ferreira, relator do caso, afirmou que, ao considerar imprescindível a propositura de ação para rescindir o contrato, o Tribunal paulista criou exigência não prevista em lei.

Em seu artigo 13, parágrafo único, inciso II, a lei 9.656/98 proíbe a suspensão ou rescisão unilateral do plano, "salvo por fraude ou não pagamento da mensalidade por período superior a 60 dias, consecutivos ou não, nos últimos 12 meses de vigência do contrato, desde que o consumidor seja comprovadamente notificado até o quinquagésimo dia de inadimplência".

"A lei é clara ao permitir a rescisão unilateral do contrato por parte da operadora do plano de saúde, desde que fique comprovado o atraso superior a 60 dias e que seja feita a notificação do consumidor", acrescentou o ministro.

Erro médico

Plano de saúde pode responder por erro médico? Ao julgar o REsp 866.371, o STJ decidiu que as operadoras de plano de saúde respondem solidariamente com médicos no pagamento de indenização às vítimas de erros ocorridos em procedimentos médicos.

O entendimento, já manisfestado em diversos julgados da Corte, foi reafirmado pelos ministros da 4ª turma ao dar provimento ao recurso especial para reconhecer a responsabilidade da Unimed Porto Alegre Cooperativa de Trabalho Médico e aumentar de R$ 6 mil para R$ 15 mil o valor da indenização por danos morais para cliente que teve vários problemas após cirurgia de retirada de cistos no ovário.

A questão teve início quando a cliente foi à Justiça pedir reparação por danos morais e estéticos, em ação contra a médica, o hospital e a Unimed, em virtude de erro médico. Em 1ª instância, a ação foi julgada improcedente. O juiz considerou as provas periciais inconclusivas. Insatisfeita, a paciente apelou.

Só a médica

O TJ/RS decidiu, no entanto, que o hospital e a Unimed não poderiam ser responsabilizados pelo erro cometido pela médica. Segundo entendeu o tribunal gaúcho, a médica não era empregada do hospital e não foi indicada à paciente pela operadora do plano de saúde, embora fosse credenciada como cooperada. Condenou, então, apenas a médica, concluindo que estava caracterizada sua culpa. A indenização foi fixada em R$ 6 mil por danos morais.

No recurso para o STJ, a paciente não contestou a exclusão do hospital. Apenas sustentou a responsabilidade da Unimed e pediu aumento do valor fixado pela primeira instância. A médica também recorreu, mas seu recurso não foi admitido.

O relator, ministro Raul Araújo, observou inicialmente a distinção entre os contratos de seguro-saúde e dos planos de saúde. "No seguro-saúde há, em regra, livre escolha pelo segurado dos médicos e hospitais e reembolso pela seguradora dos preços dos serviços prestados por terceiros", explicou. "Nos planos de saúde, a própria operadora assume, por meio dos profissionais e dos recursos hospitalares e laboratoriais próprios ou credenciados, a obrigação de prestar os serviços", acrescentou.

Responsabilidade objetiva

Para o relator, não há dúvida de que a operadora do plano de saúde, na condição de fornecedora de serviço, deve responder perante o consumidor pelos defeitos em sua prestação. "Seja quando os fornece por meio de hospital próprio e médicos contratados ou por meio de médicos e hospitais credenciados, nos termos dos artigos 2º, 3º, 14 e 34 do CDC", disse ele.

O ministro lembrou que essa responsabilidade é objetiva e solidária em relação ao consumidor. "Na relação interna, respondem médico, hospital e operadora do plano de saúde nos limites da sua culpa. Cabe, inclusive, ação regressiva da operadora contra o médico ou hospital que, por culpa, for o causador do evento danoso", afirmou o ministro.

Além de reconhecer a solidariedade entre a Unimed e a médica para a indenização, o ministro votou, também, pelo aumento do valor a ser pago. A reparação por danos morais foi fixada em R$ 15 mil, mais correção monetária, a partir da data do julgamento na 4ª turma, e juros moratórios de 0,5% ao mês até a entrada em vigor do CC/02, e de 1% a partir de então, computados desde a citação.

http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI181069,101048-Em+materia+especial+STJ+reune+litigios+que+envolvem+planos+de+saude

O mandado de injunção na jurisprudência do STF e do STJ

Na condição de direitos fundamentais, os direitos sociais são autoaplicáveis e suscetíveis de defesa mediante ajuizamento de mandado de injunção sempre que a omissão do poder público inviabilize seu exercício (Prova objetiva do concurso público para provimento de cargos de nível superior de Escrivão de Polícia do Quadro da Polícia Civil do Estado do Espírito Santo).

Conforme disposto no inciso LXXI do artigo 5º da Constituição da República, o mandado de injunção destina-se a viabilizar o exercício de direitos e liberdades constitucionais e prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania, sempre que a falta de norma regulamentadora o impeça (STF MI-MC 24). Figura em alguns julgados do Supremo Tribunal Federal como ação constitutiva (STF MI 689) , e, em outros, como mandamental (STF MI 721). Não possui, definitivamente, natureza condenatória (STF MI 689) ou declaratória de omissão (STF MI 721).

Diverge a doutrina sobre o que se deve entender pelas expressões “direitos e liberdades constitucionais”. Uma primeira corrente entende envolver a cláusula tanto os direitos constitucionais individuais, como os coletivos, os políticos, os econômicos e os culturais. Um segundo posicionamento entende por direitos e liberdades constitucionais apenas as clássicas declarações de direitos individuais. Por fim, uma terceira compreensão aponta como objeto do mandado de injunção todos os direitos assegurados na Constituição[1].

São prerrogativas inerentes à nacionalidade e à cidadania os direitos políticos assegurados nos capítulos III, IV e V do Título II, bem como os regulados nos artigos do Capítulos VII do Título III, que trata da administração pública, dos servidores civis e dos servidores militares. No artigo 37, os incisos VII, VIII, XII e XV, no artigo 39 o §1º, e no artigo 40 o §5º identificam-se hipóteses de prerrogativas inerentes à cidadania, nas quais a concretização pode ser inviabilizada por omissão do legislador[2]. Por fim, a solução definitiva de tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional (artigo 49, I) e a autorização para declarar guerra, celebrar a paz, e permitir que forças estrangeiras transitem pelo território nacional ou nele permaneçam temporariamente (artigo 49, II) são hipóteses que podem ser afetadas por omissão de competência regulamentadora[3].

A omissão inconstitucional tanto pode referir-se a uma omissão total do legislador quanto a uma omissão parcial (STF MI 107), sendo imprescindível, em todo caso, que haja previsão constitucional do direito ou da garantia que se pretende exercer (STJ MI 211). Tratando-se de mera faculdade conferida ao legislador, que ainda não a exercitou, não há direito constitucional já criado (STF QO-MI 444).

Para ser cabível a impetração, não basta que haja eventual obstáculo ao exercício de direito ou liberdade constitucional em razão de omissão legislativa, como o mero receio de que o exercício da prerrogativa constitucionalmente prevista seja inviabilizado ante a falta de norma regulamentadora a tempo e modo (STJ AgR-MI 375), mas a impossibilidade de sua plena fruição pelo seu titular, como se dá nos casos em que a autoridade administrativa se recusa a examinar requerimento de aposentadoria especial de servidor público, com fundamento na ausência da norma regulamentadora do art. 40, § 4º, da Constituição da República (STF AgR-MI 4.842). A titularidade do direito e a inviabilidade decorrente da ausência de norma regulamentadora do direito constitucional devem, contudo, ser comprovadas de plano (STF AgR-MI 2.195).

Refoge ao âmbito de finalidade do mandado de injunção: a) corrigir eventual inconstitucionalidade que infirme a validade de ato em vigor (STF MI 81); b) proteger benefícios de ordem meramente patrimonial previstos em norma infraconstitucional (STJ MI 211); c) assegurar a contagem e a averbação do tempo de serviço trabalhado em condições especiais nos assentamentos funcionais de servidor público (STF AgR-MI 3.881); d) suprir lacuna ou ausência de regulamentação de direito previsto em norma infraconstitucional, e muito menos de legislação que se refere a eventuais prerrogativas a serem estabelecidas discricionariamente pela União (STF AgR-MI 766); e) lograr o controle concentrado de constitucionalidade de certa norma (STF AgR-MI 575), sequer incidenter tantum (STF MI 81); f) obter declaração judicial de vacância de cargo (STF (MI-QO 14); g) compelir a Administração a reduzir, sem previsão legal, a base de cálculo do imposto (STJ MI 168).

Os pronunciamentos do Supremo são reiterados sobre a impossibilidade de se implementar liminar em mandado de injunção (STF MI 283 e STF MI 542). Descabe, igualmente, a interposição de agravo regimental contra despacho que indefere a medida cauteladora, bem como o ajuizamento de ação cautelar para ter-se, relativamente a mandado de injunção, a concessão de liminar (STF AgR-AC 124). Não há, da mesma sorte, lugar para a citação, como interveniente, ou terceiro interessado, dos particulares, bem como para o litisconsórcio passivo entre estes e a autoridade competente para a elaboração da norma reguladora (STF AgR-MI 345). Há, contudo, precedente - isolado - em sentido contrário (STF MI 305).

Admite-se o mandado de injunção coletivo (STF MI 73), devendo a petição inicial, nos pleitos versando aposentadoria especial de servidor público, ser instruída com a especificação das categorias de servidores beneficiados pelo pedido, bem como de prova do requerimento e o indeferimento administrativo do pedido de aposentadoria especial (STF AgR-MI 1.708). Entidades sindicais dispõem de legitimidade ativa para a impetração do mandado de injunção coletivo (STF MI 472).

A competência para processar e julgar mandado de injunção firma-se não em razão da da matéria, mas, sim, da autoridade coatora (STJ CC 39.437), isto é, o órgão ou autoridade a que caiba a edição do diploma legal regulamentador. Impõe-se observar o balizamento subjetivo da propria inicial do mandado de injunção, não cabendo ao Tribunal no qual tenha sido ajuizado emendá-la quanto a autoridade apontada como omissa (STF MI-QO 176).

Nesse diapasão, o processo e julgamento do mandado de injunção compete ao Supremo Tribunal Federal quando a omissão na elaboração da norma regulamentadora for do Presidente da República, do Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, da Mesa de uma dessas Casas legislativas, do Tribunal de Contas da União, de dos Tribunais superiores ou do próprio Supremo.

Já o Superior Tribunal de Justiça é competente para processar e julgar originariamente “o mandado de injunção, quando a elaboração da norma regulamentadora for de atribuição de órgão, entidade e administração federal”, à exceção dos casos de competência do “Supremo Tribunal Federal e dos órgãos da Justiça Militar, da Justiça Eleitoral, da Justiça do Trabalho e da Justiça Federal”, detendo esta última competência geral para as causas em que sejam partes a União (STJ MI 193) e seus órgãos (STF MI 193), entidade autárquica federal, como, por exemplo, o Banco Central (STF MI-QO 571) e a ANATEL (STJ MI 174)[4] ou, ainda, empresa pública federal, salvo quando haja circunstância especial ou de um dos dois órgãos judiciários de superposição, o Supremo ou o Superior Tribunal de Justiça.

A aparente regra geral de competência do Superior, prevista na alínea “h” do artigo 105, I, da Constituição da República, reduz-se, portanto, a hipóteses excepcionais (STJ MI 571), como é o caso, por exemplo, das impetrações dirigidas contra omissão normativa de Ministro de Estado (STJ AgR-MI 185) ou relacionadas às greves de servidores públicos: a) de âmbito nacional, b) que abranjam mais de uma região da Justiça Federal e c) que compreendam mais de uma unidade da federação. Nas demais hipóteses, em se tratando de servidores públicos federais, a competência será do respectivo Tribunal Regional Federal (STF MI 708), sendo descabida a interposição de recurso ordinário dirigido ao Superior Tribunal de Justiça (STJ RMS 37634), haja vista que o acórdão proferido em sede de mandado de injunção por parte de Tribunal Estadual ou Federal é recorrível por meio dos recursos especial e extraordinário (STJ RMS 16.751).

Só tem legitimatio ad causam para o mandado de injunção quem pertença a categoria a que a Constituição Federal haja outorgado abstratamente um direito, cujo exercício esteja obstado por omissão com mora na regulamentação daquele (STF MI 188). O Município, por exemplo, não tem legitimidade para impetrar mandado de injunção destinado à declaração de omissão inconstitucional impeditiva do exercício de prerrogativa conferida ao ente público pelo texto constitucional (STF MI 725). Sendo difusos ou coletivos os interesses a serem protegidos, poderá o Ministério Público promover o mandado de injunção[5].

Legitimado passivo no mandado de injunção é o órgão ao qual cumpre o dever de instituir a norma regulamentadora que viabilize o exercício do direito por seu titular. Ou seja, somente pessoas jurídicas estatais podem figurar no polo passivo da relação processual instaurada com a impetração do mandado de injunção, eis que apenas a elas é imputável o dever jurídico de emanação de provimentos normativos. A natureza jurídico-processual do mandado de injunção inviabiliza a formação de litisconsórcio passivo, necessário ou facultativo, entre particulares e entes estatais (STF AgR-MI 335).

Os atos decisórios proferidos no contexto de mandado de injunção não apresentam diferença significativa em relação à decisão proferida em sede do controle abstrato de normas acerca da existência, ou não, de omissão (STF MI 107), muito embora existam, quanto aos efeitos da decisão concessiva de mandado de injunção, duas correntes: 1ª) para os concretistas, presentes os requisitos para a impetração, caberia ao Poder Judiciário, por meio de uma decisão constitutiva - com efeitos erga omnes (teoria concretista geral) ou inter partes (teoria concretista individual) - declarar a existência de omissão administrativa ou legislativa e implementar – imediatamente (tese concretista individual direta) ou após o decurso de determinado prazo (tese concretista individual intermediária) - o exercício do direito, até a incidência de regulamentação, a ser imposta pelo poder competente; 2ª) para os não concretistas, não há falar em medidas jurisdicionais que estabeleçam, desde logo, condições viabilizadoras do exercício do direito, da liberdade ou da prerrogativa constitucionalmente prevista, devendo, tão-somente, ser dada ciência ao poder competente para que edite a norma faltante[6].

A mora, pressuposto da declaração de inconstitucionalidade da omissão legislativa, é de ser reconhecida quando, dado o tempo corrido da promulgação da norma constitucional invocada e o relevo da matéria, se deva considerar superado o prazo razoável para a edição do ato legislativo necessário à efetividade da Constituição da República. A mera superação dos prazos constitucionalmente assinalados, aliá é bastante para qualificar, como omissão juridicamente relevante, a inércia estatal, apta a ensejar (STF MI 543). Uma vez vencidos, nem a inexistência de prazo para o adimplemento do dever de legislar, nem a pendência de projetos de lei tendentes a cumpri-lo descaracterizam a inconstitucionalidade da omissão de legislar (STF MI 361). Ressalte-se que a persistência de uma situação de inatividade inconstitucional não autoriza a cominação de pena pecuniária (STF MI 689).

[1] COSTA, Elcias Ferreira da. O objeto e a competência no mandado de injunção. Revista de Informação Legislativa, n. 104, out./dez. 1989, p. 62.
[2] COSTA, O objeto..., p. 67.
[3] COSTA, O objeto..., p. 68.
[4] Registre-se a existência de antigo precedente em sentido contrário, no sentido de que em se tratando de impetração dirigida contra autarquia federal, firma-se a competência do Superior Tribunal de Justiça (STF MI-Q0 176).
[5] BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas. 7ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 256.
[6] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2006, p. 196.
Aldo de Campos Costa exerce o cargo de assessor de ministro do Supremo Tribunal Federal. Foi professor substituto da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília.
Revista Consultor Jurídico, 21 de junho de 2013

http://www.conjur.com.br/2013-jun-21/toda-prova-mandado-injuncao-jurisprudencia-stf-stj

sábado, 22 de junho de 2013

Invalidação da sentença arbitral

I. DAS CAUSAS DE INVALIDAÇÃO DA SENTENÇA ARBITRAL

As causas de invalidação da sentença arbitral estão descritas no artigo 32, incisos I, II, III, IV, V, VI, VII e VIII da Lei de Arbitragem, nº 9.307 de 23 de setembro de 1996.
A denominação do instituto “invalidação da sentença arbitral” causa confusão ao ser erroneamente entendida como “invalidação dos negócios jurídicos em geral”, sendo assim, conforme ensina o Professor Francisco José Cahali[1], nesse estudo veremos a invalidação da sentença como desconstituição da sentença arbitral.

1. SE O COMPROMISSO ARBITRAL FOR NULO

O artigo 32, inciso I da Lei de Arbitragem expõe que será causa de invalidação da sentença arbitral a nulidade do compromisso arbitral.
A primeira questão a ser analisada neste artigo é a redação, que deixou de citar a nulidade da cláusula compromissória, deixando-a subentendida. Conforme ensina Carlos Alberto Carmona[2], o legislador brasileiro cometeu o mesmo equívoco do artigo 829 do Código Civil Italiano, deixando de citar a cláusula compromissória. A falha cometida pelo legislador italiano foi devidamente corrigida em 2006, por meio do Decreto Legislativo nº 40.
Diante deste prévio esclarecimento, entende-se que a leitura do artigo deve ser: Será causa de invalidação da sentença arbitral ‘se forem nulos o compromisso arbitral e/ou a cláusula compromissória’. Para clarificar o entendimento desta cláusula apresentam-se os conceitos de compromisso arbitral[3] e de cláusula compromissória[4], apresentados pelos professores Carlos Alberto Carmona[5] e Luiz Olavo Baptista[6], respectivamente.
“O compromisso é o negócio jurídico processual através do qual os interessados em resolver um litígio, que verse sobre direitos disponíveis, deferem a sua solução a terceiros, com caráter vinculativo, afastando a jurisdição estatal, organizando o modo através do qual deverá se processar o juízo arbitral.” (Carlos Alberto Carmona)
“A cláusula compromissória, também chamada ‘pactum de compromittendo’, é a convenção pela qual as partes contratam resolver, por meio de arbitragem, as possíveis divergências que possam surgir entre elas, geralmente quanto à execução e à interpretação de um contrato.” (Luiz Olavo Baptista)
Quanto à nulidade do compromisso arbitral e da cláusula compromissória, bem como a invalidade da sentença arbitral[7], a Lei não dá maiores explicações quanto à utilização dos termos ‘nulidade’ e ‘invalidade’, e tampouco faz diferenciação entre as nulidades de direito material e processual.
No entendimento do professor Francisco José Cahali sobre a Lei de Arbitragem:
“(...) a invalidade da sentença é matéria que deve ser analisada com as lentes de processo civil; por sua vez, a nulidade do compromisso (causa legal para aquela) se apura com base nos elementos do direito civil (direito material).” [8]
Quando estudamos as nulidades da convenção arbitral[9], fundamentadas no direito material, temos que dividi-las em duas espécies: absolutas e relativas, e, a partir desta divisão abrimos caminho para estipulação de prazos para alegação dos vícios e exercício do direito de ação.
Os preceitos dos artigos 166 e 167[10] do Código Civil tipificam a invalidade do negócio jurídico, que poderá ser considerado nulo ou anulável. São alguns deles: carência de agente capaz; objeto lícito, possível e determinado; e, forma prescrita ou não defesa em lei, ou ainda a existência de vício na manifestação e vontade.
 Nos casos de nulidade absoluta há infração às normas de ordem pública, de tal sorte que a nulidade interessa a toda sociedade, em contrapartida nos casos de nulidade relativa o interesse é individual, e o requerimento depende do interessado.
Nos ditames do Código Civil a nulidade absoluta pode ser arguida a qualquer tempo, não se sujeitando à prescrição, tampouco podendo ser ratificada por quaisquer dos interessados.  Os efeitos do reconhecimento desta nulidade são retroativos, ou extunc, e o ato nulo passa a ser visto como inexistente. Sobre este tema, ensina Martinho Garcez[11]:
“ (...) a nulidade de pleno direito é imediata; ela golpeia mortalmente o ato logo que ele é praticado e não permite em momento algum os seus efeitos.”
A nulidade relativa, por sua vez, não produz efeitos imediatos, sendo que o ato, mesmo sendo viciado, produzirá efeitos normalmente. Esta espécie de nulidade pode ser ratificada pelas partes, tornando o ato válido e de pleno direito e, sofre as consequências da prescrição, na inércia dos interessados. Os efeitos do ato anulável são ‘ex nunc’, sendo produzidos até a decretação da sentença judicial.
Por tratar-se de legislação especial, que tem como premissa básica promover a celeridade nas soluções de conflitos, em meio alternativo ao Poder Judiciário, a Lei de Arbitragem regula prazos próprios para alegação de nulidades e pedido de invalidação (desconstituição) da sentença. Com isto, afasta-se a utilização dos prazos regrados pelo Código Civil e aplica-se o bom senso para a tentativa de manutenção do processo.[12]
Sobre este tema preleciona Francisco José Cahali:
“...quando o vício da convenção (negócio jurídico) for considerado pelo direito material como sendo de nulidade absoluta, será desnecessária a sua prévia arguição durante a arbitragem, pois, sendo de ordem pública, escapa da disponibilidade das partes, impedindo o seu saneamento durante o procedimento. Assim, enquanto nulo, o ato não se convalida, e mesmo omissa a parte até a sentença, o vício contamina toda a arbitragem, e compromete, inclusive, a decisão que estará exposta à invalidação nos termos dos arts. 32 e 33 da Lei Especial.”
“Por outro lado, se o vício da convenção for considerado pelo direito material como sendo relativo, sua arguição deve ser feita no momento oportuno (art. 20[13] da lei 9.307/1996), sob pena de impedir que venha a ser invocado como causa de invalidação e sentença.”
Por exigência da Lei de Arbitragem[14] as nulidades absolutas deverão ser arguidas no prazo decadencial de 90 (noventa) dias, a contar da notificação da sentença arbitral; em oposição aos preceitos do Código Civil, que permitem a alegação a qualquer tempo.
Quanto à forma do compromisso arbitral, a Lei de Arbitragem é bem clara no seu artigo décimo, exigindo os seguintes requisitos: o nome, profissão, estado civil e domicílio das partes; o nome, profissão e domicílio do árbitro, ou dos árbitros, ou, se for o caso, a identificação da entidade à qual as partes delegaram a indicação de árbitros; a matéria que será objeto da arbitragem; e o lugar em que será proferida a sentença arbitral.
Esta nulidade não macula a cláusula arbitral, pois poderá tratar-se da cláusula de modalidade vazia[15], que traz uma lacuna quanto a forma de instauração de arbitragem. Esta cláusula poderá ser suprida, por compromisso arbitral, no momento do surgimento do conflito, tanto pelas partes, diretamente, como pelo Judiciário.
É possível comparar este vício com a ausência de forma, fundamentada nos artigos 104, III e 166, IV, do Código Civil[16], entretanto, tendo em consideração os objetivos da Lei de Arbitragem e o interesse das partes em solucionar o conflito de forma célere, torna-se incabível a qualificação da regra da nulidade absoluta, aplicada ao direito material.
Sendo assim, aplicar-se-ia a nulidade relativa à ausência de forma, devendo ser alegada no prazo prescrito no artigo 20 da Lei de Arbitragem, ou seja, na primeira oportunidade que a parte tiver para manifestação.
Quanto à capacidade dos contratantes, chamada arbitralidade subjetiva, entende-se que se trata de uma espécie de nulidade absoluta típica, equiparável aos conceitos do Código Civil. Sendo assim, será nulo o compromisso se qualquer das partes for incapaz[17] (161, I, CC) ou ainda anulável se qualquer das partes for relativamente incapaz (171, I, CC).
Como reforço à fundamentação esta espécie de nulidade o artigo primeiro da Lei de Arbitragem institui:
“As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.”
Sobre este assunto observa o Professor Francisco José Cahali[18] “que a titularidade de um direito difere de seu exercício, sendo que em casos de incapacidade relativa ou absoluta, o exercício pode ser efetivado normalmente por assistência ou representação (pais, tutores e curadores)”, entretanto, o único entrave seria a indisponibilidade de direitos dos incapazes e a consequente necessidade da intervenção do Ministério Público[19].
Contrário a este pensamento, preleciona Luis Antônio Scavoni Junior[20]:
“O que se quer afirmar, diferentemente do que pensam alguns autores, é que as pessoas podem ser representadas ou assistidas na convenção de arbitragem, desde que respeitados os limites decorrentes da matéria, que deve versar sobre direitos disponíveis. Assim, com respeito às posições em sentido contrario nada obsta que, circunscritos aos limites da mera administração impostos à representação, tutela e curatela, os pais, tutores ou curadores possam representar ou assistir os incapazes, firmando cláusulas ou compromissos arbitrais, que versem sobre direitos patrimoniais disponíveis desses mesmos incapazes.”
Ressalta-se que casos especiais como espólios, massa falida e condomínios, as partes podem participar do procedimento arbitral, desde que os dois primeiros representantes tenham autorização judicial e o síndico autorização da assembleia de condôminos.
Quanto aos direitos patrimoniais disponíveis, a chamada arbitralidade objetiva, ressalta-se que será nulo o compromisso se o objeto versar sobre direito indisponível. Trata-se de uma exigência formal do artigo primeiro da Lei de arbitragem (... poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis).
A disponibilidade dos direitos patrimoniais ocorre quando o titular pode cedê-los, transacioná-los ou aliená-los, de forma gratuita ou onerosa, sem qualquer restrição. São direitos não patrimonias: direitos da personalidade (direito à vida, á honra, a imagem, o nome) e do estado da pessoa (modificação de capacidade, interdição, dissolução do casamento, filiação, poder familiar, etc).
Estão ressalvados à competência arbitral os eventuais impactos patrimoniais dos direitos não patrimoniais, como danos morais e partilha de bens.
Quanto as relações de consumo, o Código do Consumidor[21] determina que são nulas, de pleno direito, as cláusulas de utilização compulsória de arbitragem. Sendo assim, fica clara a proibição da cláusula compromissória, assinada antes da existência do conflito.
Como as questões de consumo são aplicadas especialmente ao Código do Consumidor, não há que se falar em principio da especialidade da Lei de Arbitragem, todavia há uma abertura para o compromisso arbitral, firmado após o surgimento do conflito, à escolha de ambas as partes, ou ainda, à clausula compromissória firmada na presença do advogado do hipossuficiente. De qualquer forma, caberá ao fornecedor ou ao prestador de serviços provar a não imposição da cláusula. Sendo assim, a presunção de invalidade da cláusula será sempre do consumidor.
Nestes casos no primeiro momento caberá ao árbitro avaliar a validade do pacto, em consonância com o artigo 8º, parágrafo único, da Lei de Arbitragem[22]. Não sendo desta forma, haverá também a possibilidade de posterior alegação de nulidade da sentença, em consonância com o artigo 32.
Quanto os contratos de adesão, ensinam os professores Arruda Alvim, Thereza Arruda Alvim, Eduardo Arruda Alvim e James Marins[23]:
 “o contrato de adesão se caracteriza pela inexistência da fase de tratativas, preliminares e, conseguintemente, pela imposição de condições contratuais rígidas, normalmente em favor do fornecedor.”
Em conformidade com o Código Civil[24], os contratos devem ser regidos pela função social, boa fé objetiva e eticidade, o que resultaria em total transparência e confiança entre as partes. Avulta-se que um contrato de adesão, que exiba em seu corpo, ou ainda, em documento à parte, o compromisso arbitral, não pode ser considerado transparente.
Advertindo sobre o conceito de confiança no âmbito da cláusula compromissória, Rodrigo Garcia da Fonseca[25] disserta:
 “o pacto da convenção de arbitragem – autônomo em relação ao pacto principal – é um ajuste impregnado da noção de boa-fé e de cooperação entre as partes. Eleger o juízo arbitral para a solução de litígios é, em princípio, uma opção feita no interesse de ambos os contratantes, e difere fundamentalmente de outras cláusulas que se caracterizam pelos interesses contrapostos de um e de outro. Enquanto uma cláusula de preço é nitidamente uma cláusula na qual os interesses divergem – (...) – a convenção de arbitragem não se destina a dar vantagem a um contratante sobre o outro, e normalmente poderá ser uma cláusula mutuamente vantajosa.”

2. SE A SENTENÇA FOR EMANADA POR QUEM NÃO PODERIA SER ARBITRO

Quanto à capacidade do árbitro o artigo 13 da Lei de Arbitragem determina que pode ser qualquer pessoa capaz e que tenha a confiança das partes.
Nos ensinamentos de Scavone[26]:
“...se o árbitro era absolutamente incapaz no momento da sentença, o ato que produziu é nulo.(...) se era relativamente capaz, a sentença será anulável.”
Sendo assim, se na época da sentença o árbitro fosse menor e, hodiernamente, as partes interessadas quisessem consentir no vício e validar a nulidade relativa, seria perfeitamente possível.
Nas hipóteses em que o arbitro possua características não condizentes com as exigidas na convenção de arbitragem, far-se-á necessário que o autor da ação, na primeira oportunidade, argua a impossibilidade de atuação dos árbitros, nos termos do artigo 20, sob pena de preclusão do direito. Ressalta-se que é condição determinante para a ação de nulidade de sentença arbitral que os árbitros possuam as características condizentes com a convenção.
Ressalva-se que nos casos de impedimento ou suspeição do árbitro, o artigo 14 da Lei de Arbitragem é taxativo[27], impedindo-os de atuar. Caso o árbitro não cumpra o dever de revelação, informando às partes da suspeição ou impedimento, a nulidade passa a ter cunho de ‘absoluta’ ensejando a invalidação da sentença arbitral.
Trata-se de uma hipótese de nulidade relativa, desde que as partes tenham conhecimento e validem a situação com seus consentimentos.
O impedimento está descrito no artigo 134 do Código de Processo Civil e refere-se às situações em que os juízes exerçam as suas funções no processo contencioso ou voluntário: de que for parte; que interveio como mandatário da parte, oficiou como perito, funcionou como órgão do Ministério Público, ou prestou depoimento como testemunha; que tenha conhecido em primeiro grau de jurisdição, tendo-lhe proferido sentença ou decisão; ou ainda quando nele estiver postulando, como advogado da parte, o seu cônjuge ou qualquer parente seu, consangüíneo ou afim, em linha reta; ou na linha colateral até o segundo grau; quando seja cônjuge, parente, consanguíneo ou afim, de alguma das partes, em linha reta ou, na colateral, até o terceiro grau; quando for órgão de direção ou de administração de pessoa jurídica, parte na causa.
A suspeição está conceituada nos artigos 135 e 136 do Código Civil nos seguintes termos: reputa-se fundada a suspeição de parcialidade do juiz, quando: amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer das partes; alguma das partes for credora ou devedora do juiz, de seu cônjuge ou de parentes destes, em linha reta ou na colateral até o terceiro grau; herdeiro presuntivo, donatário ou empregador de alguma das partes; receber dádivas antes ou depois de iniciado o processo; aconselhar alguma das partes acerca do objeto da causa, ou subministrar meios para atender às despesas do litígio; interessado no julgamento da causa em favor de uma das partes. Parágrafo único.  Poderá ainda o juiz declarar-se suspeito por motivo íntimo. Ademais, quando dois ou mais juízes forem parentes, consangüíneos ou afins, em linha reta e no segundo grau na linha colateral, o primeiro, que conhecer da causa no tribunal, impede que o outro participe do julgamento; caso em que o segundo se escusará, remetendo o processo ao seu substituto legal.
Ressalva-se que nas questões que versem sobre direitos indisponíveis a sentença será nula por incompetência absoluta do árbitro, e, nestes casos, a nulidade poderá ser arguida a qualquer tempo.

3. SE A SENTENÇA NÃO CONTIVER OS REQUISITOS DO ARTIGO 26 DA LEI DE ARBITRAGEM

O artigo 32 da lei de Arbitragem regula que será nula a sentença que não contiver o relatório, que conterá os nomes das partes e um resumo do litígio; os fundamentos da decisão[28], onde serão analisadas as questões de fato e de direito, mencionando-se, expressamente, se os árbitros julgaram por equidade; o dispositivo, em que os árbitros resolverão as questões que lhes forem submetidas e estabelecerão o prazo para o cumprimento da decisão, se for o caso; e a data e o lugar em que foi proferida.
O relatório é um dos itens mais importantes do artigo 26. Ele narra como foi instaurada a arbitragem, seus objetivos, atos e todos os incidentes ocorridos no período processual. Este documento tem o condão de evidenciar que o devido processo legal foi obedecido.
A sentença arbitral será assinada pelo árbitro ou por todos os árbitros. Caberá ao presidente do tribunal arbitral, na hipótese de um ou alguns dos árbitros não poder ou não querer assinar a sentença, certificar tal fato.
Trata-se da ausência de forma, fundamentada nos artigos 104, III e 166, IV, do Código Civil, sob a regra da nulidade absoluta, entretanto caberá ás partes um devido bom senso para avaliar se o vício valerá uma repercussão tão severa quanto a invalidação da sentença.
Neste sentido preleciona Francisco José Cahali[29]:
“Apesar de não ser requisito para a propositura da ação de invalidação de sentença arbitral a previa apresentação do pedido de esclarecimentos (art. 30 da Lei 9.307/1996[30]), parece-nos que estes “embargos arbitrais” representam a melhor forma de sanar estes vícios da sentença, especialmente quanto à omissão a respeito da fundamentação e do próprio acolhimento ou rejeição de pedidos.”
O artigo 30 da Lei de Arbitragem, acima descrito, contempla uma ‘espécie de embargos de declaração’, cujo objetivo é solicitar que o julgador faça uma reanálise da sentença, nos casos de erro material, obscuridade, contradição ou omissão. Esta reanálise deverá ser solicitada no prazo de cinco dias, a contar do recebimento da notificação ou da ciência pessoal da sentença arbitral.
A parte interessada, mediante comunicação à outra parte, poderá solicitar ao árbitro ou ao tribunal arbitral que corrija qualquer erro material da sentença arbitral; esclareça alguma obscuridade, dúvida ou contradição da sentença arbitral, ou se pronuncie sobre ponto omitido a respeito do qual devia manifestar-se a decisão.
O árbitro ou o tribunal arbitral decidirá, no prazo de dez dias, aditando a sentença arbitral e notificando as partes conforme preceitos do artigo 29 da mesma lei[31].

4. SE A SENTENÇA FOR PROFERIDA FORA DOS LIMITES DA CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM

O artigo 32, inciso IV destaca a nulidade da sentença nos casos em que for proferida fora dos limites da convenção de arbitragem.[32]
Na hipótese da sentença ultra petita, ou seja, aquela que impõe mais obrigações àquelas pleiteadas pela parte, caberá a nulidade da sentença.
Uma de aplicação deste vício seria a incidência de encargos, multas, ou responsabilidade pelos custos da arbitragem. Nesta hipótese cabe, perfeitamente, a ação de desconstituição e a sentença judicial irá excluir toda a parte viciada da sentença arbitral, deixando apenas àquilo que de fato foi peticionado.
No caso da sentença extra petita, ou seja, àquela que impõe obrigações diversas das pleiteadas, a sentença judicial atingirá toda decisão arbitral.
Ressalta-se que casos em que os procedimentos de arbitragem e o julgamento sejam diferentes, daqueles pactuados na convenção, também são passíveis de invalidação.

5.    SE A SENTENÇA NÃO DECIDIR TODO LITÍGIO SUBMETIDO À ARBITRAGEM

Este é um caso de sentença citra petita[33], àquela em que a sentença não decide o pedido no seu todo, possuindo as partes direito à tutela integral do conflito. Ressalva-se que a sentença incompleta será nula.

6. SE FOR COMPROVADO QUE FOI PROFERIDA POR PREVARICAÇÃO, CONCUSSÃO OU CORRUPÇÃO PASSIVA

O artigo 32, inciso VI, regula que será nula a sentença arbitral se for comprovado que foi proferida por prevaricação, concussão ou corrupção passiva. O artigo 17 da mesma lei ressalva que os árbitros, quando no exercício de suas funções ou em razão delas, ficam equiparados aos funcionários públicos, para os efeitos da legislação penal.
Trata-se como concussão o ato de exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida.
Trata-se de corrupção passiva o ato de solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função, ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem.
Por fim, conceitua-se prevaricação como o ato de retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal.
Nestas situações o julgador posterga as sentenças ou ainda as direciona ao benefício de uma das partes, com intuito de obter vantagem para si ou para outrem. A ação desconstitutiva, nestes casos, independe do julgamento dos crimes na esfera penal. O vício cometido pelo árbitro não contamina toda a sentença, caso sua posição não tenha interferido na decisão final.

7.  SE A SENTENÇA FOR PROFERIDA FORA DO PRAZO, RESPEITADO O DISPOSTO NO ARTIGO 12, INCISO III, DA LEI DE ARBITRAGEM

O artigo 32, inciso VIII regula que nulidade da sentença arbitral, nos casos em que tendo expirado o prazo a que se refere o art. 11, inciso III, (prazo para apresentação da sentença arbitral) desde que a parte interessada tenha notificado o árbitro, ou o presidente do tribunal arbitral, concedendo-lhe o prazo de dez dias para a prolação e apresentação da sentença arbitral.
O artigo 23 diz que a sentença arbitral será proferida no prazo estipulado pelas partes. Nada tendo sido convencionado, o prazo para a apresentação da sentença é de seis meses, contado da instituição da arbitragem ou da substituição do árbitro. Ressalva-se que as partes e os árbitros, de comum acordo, poderão prorrogar o prazo estipulado.
O descumprimento do prazo dá ensejo à ação invalidação, entretanto se faz necessária a notificação prévia do árbitro, concedendo-lhe mais dez dias para dar a sentença. Ressalta-se que somente a parte que notificou o árbitro terá legitimidade para propor a ação de desconstitutividade da sentença proferida fora do prazo.

8.  SE FOREM DESRESPEITADOS OS PRINCÍPIOS DE QUE TRATA O ART. 21, § 2º, DA LEI DE ARBITRAGEM

O artigo 32, inciso VIII, relata que será nula a sentença arbitral nos casos de desrespeito os princípios do artigo 21, que reza: “Art. 21. A arbitragem obedecerá ao procedimento estabelecido pelas partes na convenção de arbitragem, que poderá reportar-se às regras de um órgão arbitral institucional ou entidade especializada, facultando-se, ainda, às partes delegar ao próprio árbitro, ou ao tribunal arbitral, regular o procedimento. § 2º Serão, sempre, respeitados no procedimento arbitral os princípios do contraditório, da igualdade das partes, da imparcialidade do árbitro e de seu livre convencimento.”

SANCHES, Luciana Taynã. Invalidação da sentença arbitral. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3642, 21 jun. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/24755>. Acesso em: 22 jun. 2013.

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Protesto não é crime

O direito à livre manifestação do pensamento em reuniões e passeatas é um componente central de uma sociedade que pretende ser democrática. Qual é a finalidade da existência de ruas e demais espaços públicos senão a sua utilização pela população para manifestações individuais e coletivas? Será que as ruas deixaram de ser um espaço público para se tornarem um duto de escoamento de riquezas? Seriam as ruas corredores onde passam carros em um fluxo contínuo que ninguém pode interromper? Um lugar onde se instala o comércio e qualquer outra atividade lucrativa? Na verdade, os espaços públicos só fazem sentido como pontos de encontro, de comunicação, de deliberação e de protesto.

A resposta dos governos estaduais nos últimos dias às manifestações de pessoas inconformadas com a péssima situação do transporte público de grandes cidades, com as infinitas horas perdidas e o desconforto dos passageiros, mostra que os governantes veem a manifestação popular como um "transtorno". Mostra também como são tratados aqueles que ousam discordar das opiniões dos detentores do poder.

Por que motivo os cidadãos brasileiros não podem ir para as ruas e ocupá-las para externar a sua vontade? Nossa Constituição, que fixa princípios consensuais sobre o funcionamento da sociedade, faz uma promessa de democracia. A criminalização coletiva dos manifestantes, a brutalidade com a qual a polícia, mostrando armas letais, ataca jovens desarmados, é um afronta a esse direito. "Manifestação não é crime". É direito fundamental que o Estado deve proteger, garantindo a segurança dos manifestantes que não são, aos olhos da Constituição, mais importantes do que vitrines, semáforos e automóveis.

O dever constitucional do Estado é promover o bem estar da população e a função da polícia consiste em garantir a segurança de todos. Aqueles que devem nos proteger e nos representar não podem atacar seus mandatários. O "cale-se pela força" expressa ideias equivocadas que ainda movem nossos governos. Será razoável tanta violência para impedir que uma rua seja tomada por algumas horas? Será razoável servidores públicos, como são os policiais, pagos pelos impostos, atacar a população com cassetetes, bombas e gás lacrimogêneo para fazê-la calar?

Os protestos teriam sido uma boa oportunidade para iniciar um diálogo, buscando entender as razões de tanto descontentamento, para se repensar os transportes e as demais políticas públicas na perspectiva dos usuários. Os governos estaduais usam a linguagem da repressão e o governo Federal guarda um ensurdecedor silêncio diante desses desvios autoritários.

No dia 13/6/13 em torno das 20h, descendo a rua Rocha no centro de São Paulo, testemunhamos, infelizmente, como a polícia atuou durante as manifestações. Vimos policiais militares com coletes a prova de balas, escudos, capacetes, armas em punho, e dezenas de viaturas perseguindo com brutalidade meninas e meninos que corriam desesperados pelas ruas. Nossos governantes precisam repensar seus valores.
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* Dimitri Dimoulis é professor de Direito Constitucional da Direito GV e Soraya Lunardi é professora de Direito Público da UNESP

http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI180954,61044-Protesto+nao+e+crime

quinta-feira, 20 de junho de 2013

Multiparentalidade cria dúvidas sobre direitos de sucessão

Não é de hoje que venho comentando a ampliação do conceito de família. As leis vão deixando para trás a visão patrimonialista e acompanham a evolução das multifacetadas configurações familiares a partir de uma nova lente: o afeto. Dito assim, parece uma mera constatação. Mas quem atentar um pouco mais para as consequências, no dia a dia das pessoas, perceberá que os saltos têm sido grandes na direção de acompanhar os novos comportamentos. O que se anuncia, então, é a possibilidade de maior proteção das leis à cada indivíduo que compõem um grupo familiar.

Vamos para o concreto: há pelo menos três décadas, episódios como divórcios e separações têm se mostrado relativamente comuns. Hoje em dia, casa-se e separa-se, no “papel”, ou não, ilimitadas vezes. Não que seja fácil; todos sabemos que as pessoas sofrem com a separação, especialmente as crianças e os jovens. Já por isso, os familiares costumam agir, ou deveriam agir, no sentido de minimizar os impactos emocionais. A partir da decisão de casar novamente, o convívio entre filhos e padrastos ou madrastas — os chamados pais socioafetivos — têm sido um grande desafio no seio das novas famílias.

Não é tão simples conter as divergências entre os adultos. Sobram opiniões acerca da criança e da melhor educação a oferecer e hábitos a desenvolver. Preocupações desse teor acabam por ser uma cortina de fumaça para esconder e justificar acusações e intransigências entre os adultos. Não são raros os casos, por exemplo, de alienação parental. É quando o genitor que detém a guarda — ou outros membros da família ou um companheiro atual — entende que pode, de alguma forma, obstruir a influência do outro genitor na vida do filho.

Para se ter uma ideia, a Lei 12.318, de agosto de 2010, conhecida como a lei de Alienação Parental, prevê e pune atos como campanhas constantes de desqualificação da conduta dos pais no exercício da paternidade ou maternidade; criar dificuldades para o exercício da autoridade parental ou a convivência entre genitor e filho, ou ainda omitir informações relevantes acerca da criança, como novo endereço ou situação escolar; entre outras ações em que, percebe-se, a falta de bom senso é total.

Por outro lado, quando efetivamente busca-se o consenso em favor dos filhos, os desafios são, digamos, mais amenos. Como organizar a vida, quando o pai biológico está distante e o pai socioafetivo é quem educa? Ou quando a mãe socioafetiva cria fortes laços com os filhos do casamento anterior do marido e, muitas vezes, assume as tarefas da mãe biológica?

Na prática, as situações se complicam na hora de relacionar dependentes no plano de saúde ou no Imposto de Renda; ou situações como autorização para uma viagem para o exterior, ou mesmo as correspondências da escola que chegam com um nome — do pai, por exemplo — quando é o padrasto que há anos comparece a esse tipo de compromisso. É pensando nisso que muitos padrastos ou madrastas têm lançado mão da possibilidade de inclusão de seus sobrenomes ao nome completo de seus enteados. Muitas vezes, com a expectativa dos próprios interessados, crianças e jovens.

A jurisprudência a respeito tem apontado uma solução inédita: a possibilidade de incluir o sobrenome do padrasto ou da madrasta e manter o sobrenome do pai ou da mãe biológicos. Em alguns casos, há anuência destes, mas a partir de suas ausências, o juiz poderá supri-las, dando a sentença favorável à inclusão. Sem dúvida, é uma espécie de reconhecimento e reafirmação do laço afetivo e de responsabilidade dos pais socioafetivos, com a solidariedade dos pais biológicos.

Mas há algo ainda mais radical, dentro do que atualmente a lei denomina multiparentalidade. Entre alguns casos já noticiados, ressalto o do jovem Augusto Guardia, de 19 anos, cuja mãe biológica faleceu no parto. Quando ele tinha dois anos, o pai casou-se novamente e foi a madrasta — a advogada Vivian Medina Guardia — quem o educou. Guardia teve, portanto, um pai, duas mães e seis avós. No ano passado, o que fez o Tribunal de Justiça de São Paulo? Autorizou o acréscimo do nome completo de Vivian como mãe na certidão de nascimento de Augusto. Isso mesmo: o jovem passou a ter duas mães e um pai, oficialmente. Nesse caso, o inusitado ficou por conta da manutenção dos dois nomes maternos, fato que, de certa maneira, era impensável algum tempo atrás, quando para registrar em nome de um pai ou mãe, era necessário excluir o outro nome.

A curto prazo, a solução parece favorecer a todos, pois dá respaldo legal às crianças que vivem nas famílias multiparentais. A longo prazo, e provavelmente algum leitor já pensou a respeito, algumas consequências podem advir. Uma delas refere-se aos direitos de sucessão. Por exemplo, nos casos já conhecidos de crianças e jovens com nomes de pai ou mãe duplos, pode-se pensar na possibilidade destas se tornarem herdeiras de ambos? Mas como esse processo se dará mais adiante, tendo em vista todo o círculo familiar? É bom lembrar que, nesse caso, estamos falando de crianças e jovens que efetivamente ganharam mais uma mãe ou pai no registro de nascimento. E quanto aos sobrenomes, estes serão garantia para inclusão nos direitos de sucessão e outros mais? São estas algumas dúvidas que pairam nas escrivaninhas dos operadores do direito, sem que se tenha, por ora, uma resposta imediata.

Como se pode constatar, as famílias pós-modernas se constituem numa verdadeira caixinha de surpresas.
Ivone Zeger é advogada especialista em Direito de Família e Sucessão, integrante da Comissão de Direito de Família da OAB-SP e autora dos livros Herança: Perguntas e Respostas e Família: Perguntas e Respostas.
Revista Consultor Jurídico, 19 de junho de 2013
http://www.conjur.com.br/2013-jun-19/ivone-zeger-multiparentalidade-gera-duvidas-quanto-aos-direitos

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Troca de produtos: obrigação ou liberalidade?

Uma das práticas de mercado mais comuns em nosso país é a troca de produtos adquiridos pelos consumidores. No entanto, embora nem todos saibam, de acordo com a legislação que rege as relações de consumo, a troca só é considerada obrigatória em algumas situações específicas – no intuito de assegurar que tanto o consumidor não seja prejudicado em seu direito de usufruir do produto adquirido, quanto o fornecedor seja destinatário de requerimentos injustos (art. 18, § 1º, do CDC).

O mencionado dispositivo legal determina que a troca dos produtos deve ser realizada, obrigatoriamente, nos casos em que se identificar a ocorrência de vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou, ainda, lhes diminuam o valor, e que tais vícios não sejam sanados pelo fornecedor no prazo máximo de 30 dias.

Isso significa que a simples desistência da aquisição do produto ou o descontentamento acerca das características estéticas (modelo, cor, existência ou não de determinadas funcionalidades, etc.) ou do tamanho do produto não ensejam a imposição, ao fornecedor, de efetuar a troca do produto, se não houver qualquer indício de inadequação ao consumo.

No entanto, ainda que não obrigatória, os fornecedores entendem como boa prática de mercado efetuar a troca de produtos adquiridos que, apesar de perfeitamente apropriados à finalidade a que se destinam, não se enquadram no critério subjetivo de satisfação pessoal do consumidor. Essa postura representa uma visão de mercado que, em respeito e incentivo ao consumidor, busca a retenção e fidelização de sua clientela.

Nessas situações, em que a possibilidade de troca de produto é livre e espontaneamente oferecida pelo fornecedor, ele fica vinculado ao cumprimento do prometido, desde que, e apenas se, forem respeitados os prazos e condições por ele estabelecidos.

Ainda na esteira da existência de vícios no produto, é preciso que sejam observadas outras situações que isentam o fornecedor da obrigatoriedade de troca do produto. O mau uso do produto, por exemplo, seja ou não de forma intencional, não gera a obrigação do fornecedor de realizar a troca.

Outra situação que desobriga a troca pelo fornecedor é no caso de venda de produtos com pequenos defeitos ou avarias, que ensejam o abatimento do preço. A troca, nesse caso, não é obrigatória, desde que o produto atenda a finalidade a que se destina e o motivo da troca não seja exatamente a ocorrência do defeito que ensejou a diminuição de seu valor de venda. Para tanto, é preciso observar a necessidade de fazer constar na nota fiscal o estado do produto a ser adquirido e os motivos do abatimento do preço.

O segundo requisito, por fim, são os prazos legais como uma das condições a legitimar a troca do bem.

Ao fornecedor foi concedido o prazo de 30 dias para sanar os vícios de qualidade reclamados pelo consumidor, contados a partir do momento em que teve ciência deles. Somente após decorrido esse prazo, origina ao consumidor o direito de, a sua escolha, obter a substituição do produto por outro da mesma espécie em perfeitas condições de uso ou a restituição da quantia paga monetariamente atualizada ou, ainda, o abatimento proporcional do preço.

Porém, para fazer jus a essas prerrogativas, a comunicação pelo consumidor da existência de eventuais vícios aparentes ou de fácil constatação deve ser feita de forma inequívoca ao fornecedor e dentro do prazo de garantia legal, que é de 30 dias para produtos não duráveis e de 90 dias para os produtos duráveis. Uma vez não observados esses prazos, o consumidor perde o direito de reclamar pelos vícios no produto.

Por fim, é importante mencionar uma situação específica que envolve a aquisição de produtos: compras realizadas à distância, ou seja, fora do estabelecimento comercial (exemplos: compras feitas pela internet, por telefone ou por catálogos com entrega a domicílio).

Nesses casos, a legislação assegura o direito de arrependimento ao consumidor, que pode, dentro do prazo de 07 dias a contar de sua realização ou do ato de recebimento do produto, desistir da compra realizada, independentemente da motivação, mediante a devolução de eventuais valores pagos, monetariamente atualizados.
___________
* Cristina Rodrigues Souza é advogada do escritório Manhães Moreira Advogados Associados.
http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI180513,101048-Troca+de+produtos+obrigacao+ou+liberalidade?

Indenizações levam jornalistas a procurar seguradoras

A imprensa brasileira tem sentido "na pele" a profusão de ações por danos morais no país. Jornais, sites e revistas costumam ser a parte prejudicada pelo que se convencionou chamar de indústria do dano moral. Por isso, veículos de comunicação passam a se proteger por meio de seguradoras que garantam o pagamento de suas defesas judiciais e que cubram os gastos com possíveis condenações. São os seguros por responsabilidade civil para jornalistas e empresas de jornalismo, formas de garantir que erros ou omissões cometidas por repórteres e editores não causem prejuízos financeiros irreparáveis.

É um segmento crescente dentro do crescente mercado de seguros de responsabilidade civil profissionais, ou seguros RC. Segundo dados da Superintendência de Seguros Privados (Susep), do Ministério da Fazenda, entre 2003 e 2012 o valor do prêmio anual desse mercado, que é o quanto as seguradoras arrecadaram, cresceu R$ 100 milhões, um salto de quase 400%. Nos mesmos dez anos, o valor dos sinistros, que é quanto as seguradoras desembolsaram, subiu de R$ 567 mil para R$ 49 milhões.

Esse tipo de cobertura já é comum, no Brasil, entre advogados, conforme mostrou reportagem da revista Consultor Jurídico. Mas os contratos para jornalistas costumam ser mais simples do que para advogados. No último caso, há dezenas pequenas ações, falhas ou omissões que podem resultar em ações judiciais. Desde perda de prazos a faltas em audiências ou mesmo derrotas em processos. No caso de jornalistas, como explicam corretores, a única forma de serem alvos de ações de dano moral é por causa de reportagens, notícias ou comentários.

Os seguros RC para jornalistas podem ser contratados tanto por empresas quanto por profissionais individualmente. Ao contrário dos contatos oferecidos a bancas de advocacia, os produtos para profissionais da imprensa variam mais. São oferecidos a pessoas que sabem que determinado texto pode ofender alguém, ou que determinada reportagem vai tratar de assuntos polêmicos. O mais comum, porém, é que empresas, principalmente os grandes jornais, procurem esses serviços.

O presidente de uma corretora de seguros, que falou à reportagem sob a condição de não ser identificado, disse que por enquanto só vale a pena financeiramente que grandes empresas vendam o serviço para grandes empresas. Exemplos de clientes de seguros RC são os jornais Valor Econômico e O Globo. Há informações de que algumas revistas da Editora Abril são seguradas. E também há quem diga que o blogueiro e apresentador Paulo Henrique Amorim está segurado por uma empresa com sede nos Estados Unidos por causa de seu blog Conversa Afiada.
(...)
Leia a íntegra em: http://www.conjur.com.br/2013-jun-18/indenizacoes-levam-empresas-jornalismo-procurar-seguradoras

terça-feira, 18 de junho de 2013

MP prevê salário-maternidade por 120 dias para adoção de crianças de qualquer idade

Na última sexta-feira, 14, foi publicada no DOU a MP 619/13 que, entre outros, garante o salário-maternidade por 120 dias para todas as mães adotivas, independente da idade da criança adotada.

Atualmente, a lei de Benefícios Previdenciários (8.213/91) garante o salário-maternidade, que corresponde ao valor da remuneração mensal da trabalhadora, por 120 dias apenas às mulheres que adotarem crianças de até um ano de idade. O pagamento cai para o prazo de 60 dias se a criança tiver entre 1 e 4 anos de idade; e para 30 dias, quando a adoção for de criança de 4 a 8 anos.

Por sua vez, a lei 12.010/09 ampliou a licença-maternidade para 120 dias independente da idade da criança adotada. Segundo o governo, a medida provisória apenas para se ajusta à mudança na CLT.

O Executivo afirmou, na exposição de motivos enviada ao Congresso, que a medida está de acordo com a proteção à infância e a necessidade de convívio mais intenso entre adotante e adotado.

A MP 619/13 será analisada por uma comissão mista antes de ser encaminhada ao plenário da Câmara e, logo após, ao do Senado.
 
http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI180659,91041-MP+preve+salario-maternidade+por+120+dias+para+adocao+de+criancas+de

segunda-feira, 17 de junho de 2013

“Nenhum direito individual é absoluto”

*Artigo publicado originalmente na edição deste sábado (15/6) da Folha de S.Paulo no espaço Tendências & Debates, sob a questão: “O governo deve monitorar os cidadãos?"

Quando, em 1949, George Orwell escreveu o romance "1984", tratou de uma sociedade futurística, na qual o Estado controlava os cidadãos de maneira absoluta, vigiando-os no mais íntimo de sua privacidade, determinando sua maneira de pensar.

Retratou um Estado onipresente, representado pela figura do Big Brother, que tudo via e tudo sabia. Entretanto, "1984" tratava de um regime totalitário. No século 21, o Grande Irmão chegou às democracias.

Nas últimas semanas, com a revelação de que o governo dos Estados Unidos estaria reunindo dados a partir de interceptações telefônicas e acessos irregulares a mensagens e contas na internet de milhões de pessoas, o tema do Estado controlador do cidadão voltou à tona.

Nenhum direito individual é absoluto. A vida em sociedade requer a mitigação de alguns direitos individuais diante de certas necessidades coletivas, como a segurança. Assim, se as pessoas estiverem sob uma ameaça de significativa gravidade, o Estado pode mesmo violar a privacidade para protegê-las, sob a justificativa do imperativo da segurança.

Esse é o argumento do governo Obama. E encontra acolhida em mais da metade dos estadunidenses, segundo pesquisas recentes: 56% dos entrevistados aprovam o monitoramento das comunicações telefônicas, enquanto 41% consideram a prática inaceitável.

Ao menos nos Estados Unidos, o assunto ainda suscitará discussão. E ali parece razoável que o Estado monitore seus cidadãos para protegê-los. Sob a perspectiva do povo norte-americano, a garantia da segurança coletiva e a proteção aos valores democráticos e aos princípios fundadores de sua nação seriam justificativas plausíveis para limitar liberdades individuais.

É certo que direitos fundamentais podem se ver limitados por razões de Estado, em especial quando a sociedade é alvo de ações contrárias à ordem democrática estabelecida. Porém, para que o Estado limite direitos dos cidadãos, é fundamental que haja critérios que impeçam que agentes públicos cometam arbitrariedades.

O monitoramento das contas e comunicações dos indivíduos, se ocorrer, deve ser feito sob rígidos mecanismos legais e institucionais de controle. Caso contrário, abusos serão cometidos pelos órgãos de segurança e inteligência, uma vez que lidam com informação e poder.

De fato, algo que diferencia os regimes democráticos dos autoritários é que, no primeiro caso, os serviços secretos protegem o cidadão e estão sob o mais rígido controle do Judiciário e do Legislativo. Também a sociedade civil organizada, com destaque para o papel da imprensa, deve ter essa prerrogativa.

Se, no país de Obama, é possível e até aceitável de acordo com suas leis, que o Estado monitore os cidadãos, no Brasil essa prática encontra limites claros. A Constituição só permite interceptação telefônica para fins de investigação criminal ou instrução processual e apenas com autorização judicial.

Entretanto, muito difícil será impedir que autoridades estadunidenses monitorem as comunicações de brasileiros. Afinal, quem controlará as ações de política externa dos Estados Unidos? Que força terão os governos de outros países para impedir ou neutralizar iniciativas tecnológicas intrusivas da superpotência?
Seria ingênuo imaginar que, se houver uma determinação de um governo como o dos Estados Unidos, respaldada em leis e em autorização judicial ou legislativa, as informações pessoais de qualquer ser humano pelo globo ficarão a salvo do monitoramento.

Na era do conhecimento e da realidade virtual, as pessoas devem estar conscientes de que podem ser objeto de vigilância, legal ou não. O Big Brother está lá, ainda que não gostemos dele.
Joanisval Brito Gonçalves é advogado e especialista em inteligência de Estado pela Abin (Agência Brasileira de Inteligência)
Revista Consultor Jurídico, 15 de junho de 2013

sexta-feira, 14 de junho de 2013

Concubinato não dá direito à pensão previdenciária

Não há disputa entre esposa e concubina pela pensão previdenciária. Essa foi a tese reafirmada pela Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais no julgamento de um pedido de uniformização. A solicitação foi interposta por uma esposa inconformada com a concessão do benefício do marido morto à companheira dele fruto de relação fora do casamento. O homem mantinha as duas famílias ao mesmo tempo. O caso foi analisado na sessão do colegiado que ocorreu nesta quarta-feira (12/6).

Segundo os autos, o Juizado Especial Federal e a Turma Recursal de Pernambuco julgaram improcedentes os pedidos da esposa para cancelar o pagamento da pensão em favor da companheira do marido. O acórdão ressaltava que: “a complexidade das relações de fato no seio social, notadamente no campo afetivo, indica que a proteção previdenciária pode avançar mesmo que o relacionamento fundamentador da relação previdenciária seja em tese vedado no caso em que o segurado falecido era casado”.

No entanto, o relator do processo na TNU, juiz federal Herculano Martins Nacif, levou em conta o entendimento já consolidado sobre o assunto na jurisprudência da própria Turma Nacional, do Superior Tribunal deJustiça e do Supremo Tribunal Federal. De acordo com o posicionamento firmado, a pensão por morte, em casos de simultânea relação matrimonial e de concubinato, deve ser deferida apenas à viúva, não cabendo rateio com concubina.

“O concurso entre esposa e companheira para o recebimento de pensão por morte só é possível na hipótese de ‘cônjuge divorciado ou separado judicialmente ou de fato que recebia pensão de alimentos’, nos termos do artigo 76, parágrafo 2º, da Lei 8.213/91. Do contrário, não deve se falar em relação de companheirismo, mas de concubinato, o que não gera direito à pensão previdenciária”, justificou o magistrado em seu voto.

Ainda de acordo com o juiz federal Herculano Martins Nacif, a proteção do Estado à união estável alcança apenas as situações legítimas, nas quais não está incluído o concubinato. “O concubinato impuro do tipo adulterino, isto é, a relação extra-conjugal paralela ao casamento, não caracteriza união estável pelo que não justifica o rateio da pensão por morte entre cônjuge supérstite e concubina”, conclui o relator do caso. Com informações da Assessoria de Imprensa do CJF.
Revista Consultor Jurídico, 12 de junho de 2013
http://www.conjur.com.br/2013-jun-12/concubina-nao-prioridade-esposa-direito-pensao-tnu

quarta-feira, 12 de junho de 2013

Sucumbência recursal no novo CPC e outras considerações


Embora esforçando-me para vencer o pessimismo na minha longa, e até agora infrutífera, tentativa individual de corrigir — via legislativa — uma distorção na utilização dos recursos nas ações cíveis, não posso deixar de aplaudir a decisão da Comissão de Reforma do CPC de pelo menos tentar — por enquanto —, transformar em lei a obrigação do recorrente, que perdeu totalmente seu recurso, de indenizar a parte contrária, com novas sucumbências, em cada recurso totalmente improvido.

Sem um contra estímulo econômico, nenhum "devedor’ — uso aqui a palavra em total abrangência — esperto, ciente de que realmente deve algo, deixará, na atual legislação, de exigir de seu advogado que "Estique essa demanda o máximo que puder!"

Se o advogado relutar, considerando que a decisão está juridicamente correta, não havendo porque recorrer, o cliente pergunta: — "O que tenho a perder, concretamente, no caso de insucesso de meu recurso?". O advogado terá que responder: — "Atualmente, nada. O senhor não perde nada pelo insucesso de seus recursos, mesmo inúmeros, porque a condenação em honorários só está prevista na decisão de primeira instância e assim mesmo seu desembolso só ocorrerá no fim do processo. O senhor pode apresentar e perder dezenas de recursos, mas, desembolso efetivo, real, só será exigível daqui a alguns anos, dependendo da quantidade de recursos que nós apresentarmos e do grau de congestionamento da justiça. E ela está sempre congestionada. Seu lucro, enfim, consiste na desnecessidade de pagar alguma coisa ao credor, durante alguns anos. Pagará as custas dos recursos, claro, que são modestos, e o que combinou comigo, a título de acompanhamento, o que não é muito, comparado com aquilo que o senhor deve.

E o advogado continuará explicando: — "Na esfera tributária, por exemplo, onde o senhor tem algumas causas como devedor, considerando que o governo federal está sempre carente de dinheiro para sustentar sua pesada, ou parasitária, máquina administrativa, ele costuma apresentar um "Refis", ou plano semelhante, perdoando parte de sua dívida e concedendo prazo de algumas décadas para o senhor pagar aquilo que não foi perdoado. E se o seu credor for um particular — com o passar dos anos sem receber um único centavo do que lhe é devido —, já meio desesperado, é bem possível que ele acabe concordando em receber alguma coisa ainda nesta vida. Teme morrer "vendo navios" — leia-se "recursos" —, caso o devedor tenha fôlego financeiro para levar ou tentar levar até o STF o seu caso. Note-se que o mero "tentar levar" já implica em vantagem, em termos de demora, porque os tribunais brasileiros recebem tal avalanche mensal de recursos que é impossível decidir depressa, atendidos os vários formalismos". Todo julgamento implica em formalismos, considerado pela doutrina como "garantia do estado de direito".

Nesse ponto da exposição do advogado, o cliente, já impaciente com a aulinha, pergunta: — "Com tanta vantagem para mim, nessas demoras, qual a razão de teu escrúpulo em alongar o processo, mesmo sabendo que perderemos os recursos?". A resposta do patrono será: — "O único problema para o senhor, ou melhor, para nós dois, é que o Código de Ética da Advocacia e o CPC nos obrigam, moralmente, a não recorrer apenas para retardar".

O cliente, aliviado, responde: — "Se o problema é apenas de ética, assumo toda a responsabilidade moral porque, enquanto contribuinte, sinto-me espoliado pelo governo. Portanto, com o "direito humano" de me defender do "saque desumano" rotulado de legislação tributária. Se eu for muito "certinho" ficarei em desvantagem em relação aos meus concorrentes, que "sonegam adoidado" e por isso podem vender seus produtos e serviços por preço bem inferior ao meu. Quanto a meus credores particulares, sei que eles, quando cobrados na justiça, usam e abusam das "facilidades" recursais propiciadas pelo tal Código de Processo Civil, ainda em vigor, recorrendo para ganhar tempo. Esse credor, Fulano, que me cobra na presente ação, quando é cobrado na justiça, recorre de tudo. É uma "metralhadora recursal"! Por que só eu tenho que agir como um santinho? Recorra, portanto, doutor, em todos os meus casos. Com ou sem razão! O direito é muito elástico. Certo? Caso contrário, procurarei outro advogado, não obstante o respeito que tenho pelo senhor, como profissional honestíssimo. Acho até, desculpe a franqueza, que o senhor é honesto demais. Tudo em excesso, é prejudicial. Vivemos numa selva capitalista e “não vencer” em qualquer atividade é considerado prova de incompetência, ou burrice. Não havendo risco de cadeia, tudo é válido. Por favor, decida ainda hoje, se vai ou não recorrer, porque já tenho outro advogado em vista. Afinal, não estou lhe pedindo nenhum crime. Use o que a lei autoriza. E já ouvi um advogado dizer que recorreu em um caso, só para ganhar tempo e, para seu espanto, ganhou o recurso. "Cada cabeça uma sentença, como vocês costumam dizer".

Depois de um diálogo desse tipo, realista, embora não ético, é fácil profetizar a conduta do advogado que depende apenas de seu trabalho profissional para viver.

Os recursos processuais existem como constatação da fragilidade humana no julgar a conduta alheia. Errar é humano e as apelações foram concebidas — nas legislações dos povos menos bárbaros — para corrigir erros judiciários, algumas vezes, infelizmente, decorrentes da mera desatenção, ou preguiça, ou até mesmo, embora mais raramente, de algo moralmente muito grave. Ocorre que com a rápida difusão dos direitos humanos, entre eles o direito de acesso à Justiça — dispensando a justiça pelas próprias mãos — alguns países foram realmente "inundados" por ações judiciais.

Afirma-se, sem contestação, que tramitam, na Justiça brasileira, mais de oitenta milhões de processos, aí incluídas todas as ações, cíveis, penais, trabalhistas, fiscais, etc. Na área tributária federal, o governo tem hoje, em tramitação, um alegado crédito superior a um trilhão de reais. Se pelo menos metade desse valor for realmente devido e pago, com esse meio trilhão talvez todos os precatórios federais, estaduais e talvez municipais, poderiam ser pagos. Mas para que tais cobranças possam chegar a um fim, em tempo razoável, é preciso uma mudança legislativa. Alega-se que o poder público recorre de tudo, mas o fisco diz o mesmo do contribuinte, o que explicaria o mais de trilhão de reais “encalhados” nos variados gargalos judiciais, crédito apenas da União, provocados, frequentemente, por extensos arrazoados invocando — muitas vezes só para confundir —, complexas análises de fato e de direito, com calhamaços de cópias de documentos.

Como podem ocorrer — e realmente ocorrem —, alguns erros de julgamento, é natural que existam muitos recursos de boa-fé, pendentes, que devem obedecem a um certo ritual, inevitável para garantia das partes. Como a porta de entrada dos recursos é estreita e a fila deles imensa, muitos devedores — que sabem perfeitamente não ter razão —, sentem-se estimulados a tirar vantagem do excesso de recorrentes, à sua frente na fila de distribuição, para obter uma espécie de “moratória” informal simplesmente enchendo laudas e laudas de razões, visando, no fundo, retardar o pagamento de sua dívida. Ou porque não dispõem, no momento, de numerário, ou porque preferem investir seu dinheiro no próprio negócio, crescendo, em parte, graças à cooperação, embora indignada, do credor. Feito o cálculo financeiro dos ganhos e perdas de um recurso destinado ao insucesso, esses recorrentes decidem obviamente pela vantagem de recorrer, porque assim a lei permite. Foi por isso que acabou sendo aceita, em tese, a “sucumbência recursal”, pela qual venho lutando, ingloriamente, há bem mais de dez anos.

O filósofo francês, Voltaire, pensador genial e ousado, emitiu um pensamento de condensada sabedoria que me deu sustentação para que a sucumbência não se limitasse apenas às decisões de primeiro grau. Dizia o grande polemista que "A vantagem deve ser igual ao perigo". Em termos processuais, se a "vantagem" da demora —, ensejada pela pletora de recursos — não tiver a contrapartida do "perigo" de um ônus financeiro — novos honorários —, é evidente que continuaria o uso desvirtuados dos recursos cíveis. Essa verdade foi constatada pela Comissão de Reforma do CPC.

Palmas, portanto, para a referida Comissão, em especial para seu presidente, o Min. Luiz Fux, do STF, que deve ter tido algum trabalho para convencer seus colegas de Comissão quanto à necessidade de tapar essa brecha no CPC de 1973. Se aprovada a Reforma em curso, o advogado da parte vencedora, onerado por um longo trabalho de estudo, redação de contra-razões e acompanhamento dos variados recursos, será remunerado, no fim do processo.

Há, porém, um "senão", no anteprojeto. Senão que, para ser corrigido, implicará em autêntica revolução processual: é que a parte devedora, mesmo com o ônus da sucumbência recursal, só estará obrigada ao desembolso desse quantia no fim do processo. Leia-se: usualmente após anos de espera. Será que o fato da verba honorária ser paga apenas no fim do processo desestimulará suficientemente o protelador?

É nesse detalhe que está o ponto menos forte do Anteprojeto do CPC, referida no título deste artigo, no que se refere à luta contra a protelação. A sucumbência recursal ajudará, claro, a diminuir a atual protelação, nos casos de menor valor, mas não a cerceará nos processos de mais alto significado econômico. Considerando que os honorários advocatícios, todos eles, grandes ou pequenos, só serão pagos a final, em geral muitos anos depois do ajuizamento dos recursos, o "contra-estímulo" ao recurso protelatório terá eficácia mínima, nessas grandes causas, em que tais honorários foram fixados, no Anteprojeto, entre 1% e 3%.

Considerando-se a usual tendência judiciária — a meu ver injusta —, de arbitrar modestamente honorários em favor dos advogados, é previsível que a honorária recursal, nas causas de alto valor, será fixada em 1% do valor da condenação. Assim ocorrendo, o protelador, principalmente o tributário, devedor de imensas somas, vai raciocinar: — "Se eu retardar, por muitos anos, o pagamento de meu grande débito, pagando, a mais, apenas 1% ou 2%, valerá a pena continuar recorrendo, com ou sem esse novo CPC. O que é 1%, ou mesmo 3% do débito, diluído em alguns anos, tendo que desembolsar a "micharia" só no fim do processo? Com uma demora de dois anos no julgamento de meu recurso — prazo até otimista — mesmo improvido, eu ficarei devendo, mensalmente — mas sem desembolso mensal —, honorários sucumbenciais de vinte e quatro avos de um por cento do valor da condenação; ou, em dígitos, 0,041 do valor da condenação. Vale e pena, portanto, continuar recorrendo. Principalmente porque esse pagamento só ocorrera em distante futuro.

Na verdade, o que o novo CPC precisaria fazer — mas suponho "missão impossível", por contrariar a índole "maneira" de nosso povo —, é seguir o modelo norte-americano, em matéria recursal. Segundo me informou um juiz federal americano, vários anos atrás — provavelmente essa sistemática persiste nos EUA — nas condenações em dinheiro, o devedor, condenado na primeira instância, só pode recorrer depositando integralmente o valor da condenação e das custas do recurso que apresenta. Se o devedor não dispõe dessa verba, e confia na realidade de seu direito, pode contratar um banco ou outra entidade financeira idônea para fazer o depósito em nome do recorrente, sem o qual o recurso “não sobe” para julgamento. No entanto, o banco só fará esse depósito garantindo-se, antes, com os bens do recorrente. Se este perde o recurso, o banco fica com os bens, sem mais delongas.

Com esse "duríssimo", impiedoso sistema, é mínimo o percentual de apelações, nas dívidas em dinheiro, pelo menos na justiça federal americana. Não sei como é nas legislações dos estados. O fundamento para esse rígido sistema está no fato de que não há vantagem alguma em recorrer para ganhar tempo se, para recorrer, é preciso depositar o valor da condenação. Só recorre, portanto, quem está bastante seguro da procedência de seu direito. Obviamente, o dinheiro depositado não vai para as mãos do credor, antes do trânsito em julgado. O depósito feito é encarado como comprovante inegável da convicção do recorrente de que foi vítima de um injustiça.

Como a justiça brasileira de primeira instância, no Brasil, não goza de alta presunção de segurança e exatidão — talvez porque o juiz brasileiro sabe, de antemão, que sua sentença terá, usualmente, um "valor relativo", sendo apenas o primeiro degrau de uma longa escada para o céu — do devedor, embora inferno do credor — com apelação facilitada, sem grandes ônus financeiro —talvez não seja aconselhável, por enquanto, a legislação brasileira exigir o depósito do valor total da condenação para poder apelar. Quem sabe o legislador nacional devesse exigir, para subida do recurso, o depósito de 70% da condenação, desestimulando, assim, um recurso apenas para ganhar tempo. Esse depósito, rendendo juros, evidentemente, não poderia ser levantado pelo credor, antes do trânsito em julgado da decisão. Transitada em julgado a condenação, esse dinheiro seria transferido para o credor, como pagamento total ou parcial da dívida.

Pelo que sei, nos EUA a causa, na primeira instância — muito prestigiada —, se desenvolve por etapas, com um constante reexaminar minucioso dos fatos, o juiz exigindo explicação das partes sobre tais e quais detalhes, de modo que quando o processo chega às suas mãos para a sentença, os fatos e o direito foram exaustivamente examinados, o que acarreta decisões muito bem informadas pelo processo, com poucas modificações no tribunal de apelação. Há um estímulo moral, lá, para o juiz "caprichar" no exame e reexame da prova e do direito porque, na vasta maioria dos casos o processo termina sem apelação. Isso contribui para o juiz se sentir pessoalmente responsável para aplicação da justiça no caso concreto.

No Brasil, igual estímulo não existe. A busca da verdade é muito formal e quando o processo chega para a sentença o juiz nem sabe, ou nunca soube — não há tempo para ler longas petições iniciais ao despachar o "cite-se" —, do conteúdo do processo, afogado que está em milhares de autos sob sua jurisdição. Assim mesmo, há decisões brasileiras, de primeira instância, que são verdadeiros tratados, com exaustivo exame de um problema, como se o juiz se sentisse pessoalmente responsável — como sempre deveria sentir-se — pela solução final do caso. Isso, porém, hoje, é quase um luxo, considerando-se o volume de trabalho exigido dos magistrados brasileiros. Esses processos “bomba” muitas vezes são deixados de lado, para serem estudados e "digeridos" nas férias forenses, motivo porque sou de opinião de que devem ser mantidas as férias anuais de 60 dias.

Juízes muito conscientes de sua missão — e ainda os há, felizmente — costumam utilizar parte das férias para esses casos mais complexos, "tenebrosos", de vários volumes, acredite ou não o leitor. Se o público quer decisões mais rápidas, mas de boa qualidade, é melhor que apoiem as férias anuais de 60 dias. Há, em todos os países, juízes muito responsáveis e outros apenas medianamente responsáveis, e as férias forenses nem sempre são utilizadas inteiramente como descanso. Repórteres pensam que o trabalho do juiz é desempenhado apenas no fórum. Engano. No fórum o trabalho é até mais leve, às vezes até divertido, diversificado. É em casa, enfrentando o volumoso "abacaxi" que o juiz pode trazer alegria ou angústia à parte que se sente realmente injustiçada. Decidir apenas pensando em estatística de “produção” mas ainda com alguma dúvida, "confiando" que a segunda instância vá corrigir o que está errado na sua sentença, é problemático, porque o desembargador relator também vive estressado pelo número de votos que tem de proferir. O ideal seria que o juiz de primeiro grau proferisse uma decisão impecável. Só que isso toma mais tempo.

De qualquer forma, a adoção da "sucumbência recursal" pelo futuro CPC representa algum avanço em relação à legislação atual, algo ingênua ao presumir que todo recurso visa apenas corrigir uma injustiça.

Nos anos 1990 escrevi alguns artigos propondo essa "novidade" e cheguei a convencer o Deputado Federal Ricardo Izar — um parlamentar idealista, já falecido —a apresentar um anteprojeto nesse sentido, que recebeu o nº 2.927/97. Esse projeto parecia uma “batata quente” nas mãos dos deputados relatores que o empurravam com a barriga. Os interessados na protelação, geralmente pessoas influentes, com advogados ainda mais influentes ainda, porque competentes, preferiam, claro, eternizar as grandes cobranças, conforme desejo de seus clientes.

Um dia, porém, o anteprojeto foi parar na Comissão de Constituição e Justiça. Ali, com uma fundamentação fraquíssima e breve, provavelmente resultado da ventriloquia de algum grande jurista, dita Comissão decidiu que a proposta era inconstitucional porque violava o duplo grau de jurisdição, o direito de defesa, ou coisa parecida. Isso, apesar de o texto não impedir os recursos, apenas exigindo deles alguma responsabilidade, caso considerados protelatórios.

Fiz, pouco depois, alguns reparos na minha proposta, acrescentando, à proposta anterior, que o recorrente, mesmo vencido no seu recurso, poderia ficar isento da nova verba honorária, caso a matéria em julgamento fosse delicada e controversa, ou na prova ou no direito. Enfim, se o recurso fosse de evidente boa-fé. Mas acabei me resignando com a inércia legislativa, limitando-me a repetir minha argumentação em artigos na internet. Mas surpreso fiquei agora ao saber que a sucumbência recursal acabou sendo reconhecida como instrumento útil para diminuir a protelação e, ao mesmo tempo, remunerar adequadamente o trabalho do advogado da parte que tem razão.

Um outro ponto que poderia ter sido incorporado no novo CPC seria a imposição de verba honorária nos agravos regimentais e mandados de segurança — quando denegados —, interpostos contra decisão ou despacho judicial. É que, a parte interessada em tumultuar e retardar o processo pode sentir-se tentada a utilizar o "mandamus' e agravos como substitutivo dos recursos protelatórios, pois no mandado de segurança e nos agravos regimentais, não providos, não há condenação em honorários. Essa omissão não foi corrigida no anteprojeto em exame. O mandado de segurança contra decisão judicial não é caracterizado como "recurso" mas quando reiterado pode propiciar grandes demoras no término das ações. Se a omissão legislativa não for corrigida, futuramente, vigente o novo CPC, haverá alguma seca de novos recursos, mas chuvas torrenciais de mandados de segurança e agravos regimentais.

Outro avanço, em termos de eficácia na satisfação do julgado seria o seguinte: terminada a fase de conhecimento, o credor, não conseguindo localizar bens do devedor — notoriamente abonado, com estilo de vida milionário —, poderia requerer ao juiz que o devedor fosse intimado para comparecer, pessoalmente, no fórum para explicar se possui bens e onde eles se encontram. Isso porque, neste vasto mundo globalizado, um homem ou empresa, altamente endividados, podem ter bens e depósitos vultosos em qualquer parte do Brasil, ou no Exterior. O juiz poderia delegar essa conversa para um funcionário de sua confiança, qualificado, ou assessor advogado e/ou economia. Se o devedor mentir, negando a existência de bens — e isso for comprovado posteriormente —, ele seria processado, sem direito a fiança, por crime contra a administração da justiça, ou desobediência a uma determinação judicial.

Pelo que sei, essa atividade do juiz, de convocar o devedor, com débito transitado em julgado — ou mesmo até antes, conforme for melhor examinada a sugestão — já existe na justiça americana. Lá, o não comparecimento ao chamado do juiz, ou a mentira, ou silêncio, são considerados como "contempt of de court", ou desacato ao tribunal. E a prática americana, neste caso, tem toda razão de ser. Não é racional o Estado gastar longo tempo discutindo um processo e, tudo terminado, o devedor ficar em silencio, não dizendo onde se encontra pelo menos parte de sua riqueza que, doravante, já não seria sua, mas, de direito, do seu credor, vencedor da demanda. Ele pode, na cara dura, mentir, mas se o credor conseguir depois localizar os bens penhoráveis, ou arrestáveis, ele sabe que vai direto para a cadeia sem direito à fiança. No Brasil, é comum a parte credora "ganhar mas não levar", após cobranças de vários anos na justiça. Uma desmoralização.

Não se alegue que ninguém pode ser forçado a depor contra si mesmo. Se essa regra fosse cumprida, literalmente, a Receita Federal não poderia punir o contribuinte que sonega a existência de bens. É crime tributário sonegar bens na declaração do imposto de renda.

Talvez seja tarde demais apresentar as sugestões acima, para incluir no novo CPC . Mas, como ainda há muita gente opinando e sugerindo modificações, ficam aqui minhas observações. Um outro aperfeiçoamento seria o novo CPC valorizar a concisão e a clareza das petições, para efeito de fixação de honorários. Petições curtas e bem objetivas seriam valorizadas, ao contrário do que existe hoje, em que o juiz tende a reduzir o percentual de honorários porque o advogado escreveu pouco, embora “matando a questão” em poucas linhas, ou páginas. A concisão, em milhões de processos, por si só aceleraria a função judiciária.

Assisti, no meu computador, dois dias atrás, uma entrevista, eloquente e sinceramente indignada, do competente e apaixonado jurista Antônio Cláudio da Costa Machado, criticando acerbamente o provável novo CPC porque teria, segundo ele, poderes "ditatoriais" concedidos ao judiciário. Notadamente ao juiz de primeira instância. Li parte do anteprojeto, porque não havia tempo para lê-lo inteiro, mas não tenho certeza se o ilustre processualista tem ou não razão no seu temor de uma "ditadura do judiciário".

Penso que cabe, atualmente — mesmo que seja a título de experimentação, por alguns anos — a concessão de um maior poder de condução da prova pelo juiz. Se é ele o "técnico" que vai resolver um "problema", cabe ao "técnico" escolher o meio mais breve e direto de buscar a verdade. Um excesso de formalismo vem prejudicado a justiça brasileira, há décadas. Quando juiz em atividade, "usei e abusei" do direito de, no momento da proferir a sentença, se ainda em dúvida, converter o julgamento em diligência para ouvir as partes, ou só uma delas, ou uma testemunha presencial, perguntando coisas que o juiz só conseguiria perguntar depois de conhecer muito bem o processo. Com esse método, pouco usado pelos juízes, eu sempre consegui chegar à verdade, principalmente em questões menos complexas, como, por exemplo, de colisões no trânsito.

Explico a razão de tal sucesso. É que nas demandas cíveis, as partes não são, usualmente, marginais calejados no uso da mentira. Ainda conservam o amor próprio. Sentados em frente de um juiz e presente o advogado da parte contrária — que conhece bem os fatos — o cidadão que antes mentiu, respondendo a perguntas genéricas, sente vergonha de mentir deslavadamente, respondendo a perguntas mais objetivas e detalhistas. Ele pensa que, mentindo demais, agora, vai, de certo modo "agachar-se", humilhando-se, agindo como um pobre diabo, lutando miseravelmente para salvar seu escasso dinheirinho. E imagina que a parte contrária vai comentar, caçoando com terceiros, o quanto ele sacrificou sua própria dignidade, mentindo deslavadamente, como um mendigo ou idiota. Para evitar o ridículo, negando evidências, sabendo que o juiz já conhece bem o processo, ele, depoente, tenta “dourar a pílula”, concedendo que, "... de fato, excelência, eu estava um tanto depressa e preocupado com um compromisso, mas...", ou coisa semelhante. Em depoimento anterior ele não havia admitido que corria demais.

Não acredito que os juízes de primeira instância vão se transformar em "ditadores", abusando dos poderes conferidos pelo novo Código. Se isso eventualmente acontecer, a jurisprudência, formada pelos tribunais, vai colocar os devidos freios, e todo juiz sabe que, cometendo abusos, sua ascensão na carreira será prejudicada.

Em suma, somente a prática poderá demonstrar se o novo CPC será bom ou excessivo. Uma coisa é inegável: o juiz não está normalmente interessado em proteger autor ou réu. Já o advogado está, por definição, interessado em proteger apenas o interesse de seu cliente. Nem um pouco preocupado em zelar pelo interesse da parte contrária. Torçamos para que seja convertido em lei o anteprojeto em exame, se possível com os aperfeiçoamentos sugeridos neste artigo.

Vale a pena oferecer, finalmente, aos jovens magistrados brasileiros, a oportunidade de um novo instrumento de trabalho que permita aplicar uma justiça mais direta, rápida e ao mesmo tempo, mais exata. Se houver, futuramente, abusos, o legislativo está aí para corrigir um eventual excesso de poder. Somente "a posteriori" isso será constatado. Chegou, penso, a chance dos jovens magistrados brasileiros de provar o seu valor, demonstrado em difíceis exames de ingresso na magistratura. A juventude, idealista, merece a sua vez.
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* Francisco Cesar Pinheiro Rodrigues é desembargador aposentado e escritor.
http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI180255,81042-Sucumbencia+recursal+no+novo+CPC+e+outras+consideracoes