segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Conto sobre casamento (autoria desconhecida)

Naquela noite, enquanto minha esposa servia o jantar, eu segurei sua mão e disse: "Tenho algo importante para te dizer". Ela se sentou e jantou sem dizer uma palavra. Pude ver sofrimento em seus olhos.

De repente, eu também fiquei sem palavras. No entanto, eu tinha que dizer a ela o que estava pensando. Eu queria o divórcio. E abordei o assunto calmamente.

Ela não parecia irritada pelas minhas palavras e simplesmente perguntou em voz baixa: "Por quê?"

Eu evitei respondê-la, o que a deixou muito brava. Ela jogou os talheres longe e gritou "você não é homem!" Naquela noite, nós não conversamos mais. Pude ouví-la chorando. Eu sabia que ela queria um motivo para o fim do nosso casamento. Mas eu não tinha uma resposta satisfatória para esta pergunta. O meu coração não pertencia a ela mais e sim a Jane. Eu simplesmente não a amava mais, sentia pena dela.

Me sentindo muito culpado, rascunhei um acordo de divórcio, deixando para ela a casa, nosso carro e 30% das ações da minha empresa.

Ela tomou o papel da minha mão e o rasgou violentamente. A mulher com quem vivi pelos últimos 10 anos se tornou uma estranha para mim. Eu fiquei com dó deste desperdício de tempo e energia mas eu não voltaria atrás do que disse, pois amava a Jane profundamente. Finalmente ela começou a chorar alto na minha frente, o que já era esperado. Eu me senti libertado enquanto ela chorava. A minha obsessão por divórcio nas últimas semanas finalmente se materializava e o fim estava mais perto agora.

No dia seguinte, eu cheguei em casa tarde e a encontrei sentada na mesa escrevendo. Eu não jantei, fui direto para a cama e dormi imediatamente, pois estava cansado depois de ter passado o dia com a Jane.

Quando acordei no meio da noite, ela ainda estava sentada à mesa, escrevendo. Eu a ignorei e voltei a dormir.

Na manhã seguinte, ela me apresentou suas condições: ela não queria nada meu, mas pedia um mês de prazo para conceder o divórcio. Ela pediu que durante os próximos 30 dias a gente tentasse viver juntos de forma mais natural possivel. As suas razões eram simples: o nosso filho faria seus examos no próximo mês e precisava de um ambiente propício para prepar-se bem, sem os problemas de ter que lidar com o rompimento de seus pais.

Isso me pareceu razoável, mas ela acrescentou algo mais. Ela me lembrou do momento em que eu a carreguei para dentro da nossa casa no dia em que nos casamos e me pediu que durante os próximos 30 dias eu a carregasse para fora da casa todas as manhãs. Eu então percebi que ela estava completamente louca mas aceitei sua proposta para não tornar meus próximos dias ainda mais intoleráveis.

Eu contei para a Jane sobre o pedido da minha esposa e ela riu muito e achou a idéia totalmente absurda. "Ela pensa que impondo condições assim vai mudar alguma coisa; melhor ela encarar a situação e aceitar o divórcio" ,disse Jane em tom de gozação.

Minha esposa e eu não tínhamos nenhum contato físico havia muito tempo, então quando eu a carreguei para fora da casa no primeiro dia, foi totalmente estranho. Nosso filho nos aplaudiu dizendo "O papai está carregando a mamãe no colo!" Suas palavras me causaram constrangimento. Do quarto para a sala, da sala para a porta de entrada da casa, eu devo ter caminhado uns 10 metros carregando minha esposa no colo. Ela fechou os olhos e disse baixinho "Não conte para o nosso filho sobre o divórcio" Eu balancei a cabeça mesmo discordando e então a coloquei no chão assim que atravessamos a porta de entrada da casa. Ela foi pegar o ônibus para o trabalho e eu dirigi para o escritório.

No segundo dia, foi mais fácil para nós dois. Ela se apoiou no meu peito, eu senti o cheiro do perfume que ela usava. Eu então percebi que há muito tempo não prestava atenção a essa mulher. Ela certamente tinha envelhecido nestes últimos 10 anos, havia rugas no seu rosto, seu cabelo estava ficando fino e grisalho. O nosso casamento teve muito impacto nela. Por uns segundos, cheguei a pensar no que havia feito para ela estar neste estado.

No quarto dia, quando eu a levantei, senti uma certa intimidade maior com o corpo dela. Esta mulher havia dedicado 10 anos da vida dela a mim.

No quinto dia, a mesma coisa. Eu não disse nada a Jane, mas ficava a cada dia mais fácil carregá-la do nosso quarto à porta da casa. Talvez meus músculos estejam mais firmes com o exercício, pensei.

Certa manhã, ela estava tentando escolher um vestido. Ela experimentou uma série deles mas não conseguia achar um que servisse. Com um suspiro, ela disse "Todos os meus vestidos estão grandes para mim". Eu então percebi que ela realmente havia emagrecido bastante, daí a facilidade em carregá-la nos últimos dias.

A realidade caiu sobre mim com uma ponta de remorso... ela carrega tanta dor e tristeza em seu coração..... Instintivamente, eu estiquei o braço e toquei seus cabelos.

Nosso filho entrou no quarto neste momento e disse "Pai, está na hora de você carregar a mamãe". Para ele, ver seu pai carregando sua mão todas as manhãs tornou-se parte da rotina da casa. Minha esposa abraçou nosso filho e o segurou em seus braços por alguns longos segundos. Eu tive que sair de perto, temendo mudar de idéia agora que estava tão perto do meu objetivo. Em seguida, eu a carreguei em meus braços, do quarto para a sala, da sala para a porta de entrada da casa. Sua mão repousava em meu pescoço. Eu a segurei firme contra o meu corpo. Lembrei-me do dia do nosso casamento.

Mas o seu corpo tão magro me deixou triste. No último dia, quando eu a segurei em meus braços, por algum motivo não conseguia mover minhas pernas. Nosso filho já tinha ido para a escola e eu me vi pronunciando estas palavras: "Eu não percebi o quanto perdemos a nossa intimidade com o tempo".

Eu não consegui dirigir para o trabalho.... fui até o meu novo futuro endereço, saí do carro apressadamente, com medo de mudar de idéia...Subi as escadas e bati na porta do quarto. A Jane abriu a porta e eu disse a ela "Desculpe, Jane. Eu não quero mais me divorciar".

Ela olhou para mim sem acreditar e tocou na minha testa "Você está com febre?" Eu tirei sua mão da minha testa e repeti "Desculpe, Jane. Eu não vou me divorciar. Meu casamento ficou chato porque nós não soubemos valorizar os pequenos detalhes da nossa vida e não por falta de amor. Agora eu percebi que desde o dia em que carreguei minha esposa no dia do nosso casamento para nossa casa, eu devo segurá-la até que a morte nos separe.

A Jane então percebeu que era sério. Me deu um tapa no rosto, bateu a porta na minha cara e pude ouví-la chorando compulsivamente. Eu voltei para o carro e fui trabalhar.

Na loja de flores, no caminho de volta para casa, eu comprei um buquê de rosas para minha esposa. A atendente me perguntou o que eu gostaria de escrever no cartão. Eu sorri e escrevi: "Eu te carregarei em meus braços todas as manhãs até que a morte nos separe".

Naquela noite, quando cheguei em casa, com um buquê de flores na mão e um grande sorriso no rosto, fui direto para o nosso quarto onde encontrei minha esposa deitada na cama - morta.

Minha esposa estava com câncer e vinha se tratando a vários meses, mas eu estava muito ocupado com a Jane para perceber que havia algo errado com ela. Ela sabia que morreria em breve e quis poupar nosso filho dos efeitos de um divórcio - e prolongou a nossa vida juntos proporcionando ao nosso filho a imagem de nós dois juntos toda manhã. Pelo menos aos olhos do meu filho, eu sou um marido carinhoso.

Os pequenos detalhes de nossa vida são o que realmente contam num relacionamento. Não é a mansão, o carro, as propriedades, o dinheiro no banco. Estes bens criam um ambiente propício a felicidade mas não proporcionam mais do que conforto. Portanto, encontre tempo para ser amigo de sua esposa, faça pequenas coisas um para o outro para mantê-los próximos e íntimos. Tenham um casamento real e feliz!

Muitos fracassados na vida são pessoas que não perceberam que estavam tão perto do sucesso e preferiram desistir..

Inventário e partilha administrativos havendo testamento caduco ou revogado

1) A controvérsia. 

O art. 982 do Código de Processo Civil foi alterado pela Lei 11.441/07, passando a ter a seguinte redação: “Havendo testamento ou interessado incapaz, proceder-se-á ao inventário judicial; se todos forem capazes e concordes, poderá fazer-se o inventário e a partilha por escritura pública, a qual constituirá título hábil para o registro imobiliário”.
Portanto, com o advento da Lei 11.441/07, permitiu-se o inventário e a partilha por escritura pública, a critério dos interessados, desde que todos sejam capazes e concordes, e não haja testamento.
Inicialmente prevaleceu uma interpretação literal, pela qual a existência de testamento, ainda que caduco ou revogado[1], impedia a lavratura de escritura pública de inventário e partilha.
Com o decorrer do tempo, tal interpretação passou a ser questionada. Seria realmente a vontade do legislador impedir a lavratura da escritura no caso de testamentos caducos ou revogados?
Esta a controvérsia que abordaremos neste breve estudo.

2) A mens legis.

Não podemos nos afastar da mens legis. O Código Civil português, em seu art. 9º, cuida da interpretação da lei nos seguintes termos:
“Artigo 9º - (Interpretação da lei)1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada. 2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso. 3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”.
O deputado Maurício Rands[2], ao apresentar seu relatório à Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, quanto ao projeto que deu origen à Lei 11.441/07, afirmou:
“A proposta analisada tem como intuito simplificar a realização da partilha consensual por meio de escritura pública, desde que envolva herdeiros capazes, dispensando esse procedimento da homologação judicial. A atuação do Poder Judiciário nos casos mencionados, via de regra, limita-se à ratificação do acordo previamente firmado entre as partes. Na partilha consensual envolvendo herdeiros capazes inexiste conflito, o que torna a intervenção judicial dispensável, uma vez que os requisitos necessários para a realização de transação entre as partes estão presentes. Assim, ao dispensar a necessidade de homologação judicial nesse procedimento, o ordenamento não prejudica nenhuma das partes, pelo contrário, contribui para que elas formalizem a partilha de modo mais célere e simplificado (...) Dessa forma, recorremos à proposta inserida no ‘Pacto de Estado em Favor de um Judiciário mais Rápido e Republicano’, documento assinado pelos representantes dos três poderes e que contém as diretrizes e projetos que norteiam o processo de reforma do nosso sistema jurisdicional, para formular nova proposta para o projeto analisado, de modo a ampliar as mudanças objetivadas. No substitutivo proposto, a alteração proposta para o artigo 2.015 do Código Civil[3] é substituída pela alteração da redação do artigo 982 do Código de Processo Civil, cujo texto passa a permitir a realização do inventário e da partilha consensuais por escritura pública, desde que os interessados sejam capazes e não haja testamento. Importante explicar que a restrição imposta à realização do procedimento extrajudicial nos casos em que exista testamento, deve-se ao fato de que a prática forense tem demonstrado que a interpretação desses documentos geralmente suscita grandes divergências entre os herdeiros, o que aumenta consideravelmente as chances de uma partilha consensual, posteriormente, transformar-se litigiosa, o que inutilizaria os atos praticados no procedimento extrajudicial”.
Verifica-se que o projeto inicial foi ampliado[4], nascendo a Lei 11.441/07 dentro da proposta inserida no ‘Pacto de Estado em Favor de um Judiciário mais Rápido e Republicano’. A ampliação do projeto inicial não pode ser olvidada, mesmo porque motivada pelos objetivos do referido Pacto. Resta claro que a intenção foi afastar do Poder Judiciário o que pode ser solucionado por outras formas, o que deve ser considerado na interpretação da lei modificadora.
Dessa forma, foram possibilitados o inventário e a partilha administrativos, sem restrições quanto ao monte partível, não havendo incapazes e testamento, justificando o relator Maurício Rands a restrição quanto ao testamento, que reproduzimos por ser o ponto de interesse: “Importante explicar que a restrição imposta à realização do procedimento extrajudicial nos casos em que exista testamento, deve-se ao fato de que a prática forense tem demonstrado que a interpretação desses documentos geralmente suscita grandes divergências entre os herdeiros, o que aumenta consideravelmente as chances de uma partilha consensual, posteriormente, transformar-se litigiosa, o que inutilizaria os atos praticados no procedimento extrajudicial”.
O legislador, portanto, restringiu a lavratura da escritura pública em razão de grandes divergências na interpretação dos testamentos pelos herdeiros. Aqui o ponto nodal: só haverá divergência na interpretação dos testamentos se estivermos diante de um testamento válido e eficaz. Na hipótese de testamento revogado ou caduco, inviável qualquer discussão sobre sua interpretação, posto que o testamento já não estará apto a produzir qualquer efeito, não se justificando qualquer restrição à realização do procedimento administrativo.
O espírito da Lei 11.441/07, no momento histórico em que foi editada, não era outro senão simplificar, tornar mais célere, facilitar o inventário e a partilha. Interpretar literalmente o disposto no art. 982 da lei processual civil não atende à intenção da lei.
O Ministro de Estado da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, ao encaminhar ao Presidente da República o Projeto de Lei que redundou na Lei 11.441/07, afirmou que “sob a perspectiva das diretrizes estabelecidas para a reforma da Justiça faz-se necessária a alteração do sistema processual brasileiro, com o escopo de conferir racionalidade e celeridade ao serviço de prestação jurisdicional, sem, contudo, ferir o direito ao contraditório e à ampla defesa. De há muito surgem propostas e sugestões, nos mais variados âmbitos e setores, de reforma do processo civil. Manifestações de entidades representativas, como o Instituto de Direito Processual Brasileiro, a Associação dos Magistrados Brasileiros, a Associação dos Juízes Federais do Brasil, de órgãos do Poder Judiciário, do Poder Legislativo e do próprio Poder Executivo são acordes em afirmar a necessidade de alteração de dispositivos do Código de Processo Civil e da Lei de Juizados Especiais, para conferir eficiência à tramitação de feitos e evitar a morosidade que atualmente caracteriza a atividade em questão. A proposta prevê a possibilidade de realização de inventário e partilha por escritura pública, nos casos em que somente existam interessados capazes e concordes. Dispõe, ainda, a faculdade de adoção do procedimento citado em casos de separação consensual e de divórcio consensual, quando não houver filhos menores do casal. Entendo não existir nenhum motivo razoável de ordem jurídica, de ordem lógica ou de ordem prática que indique a necessidade de que atos de disposição de bens, realizados entre pessoas capazes - tais como os supracitados, devam ser necessariamente processados em juízo, ainda mais onerando os interessados e agravando o acúmulo de serviço perante as repartições forenses” (grifos nossos)[5].

3) O notário como profissional do direito.

Tive oportunidade de abordar, por ocasião da edição da Lei 11.441/07, a qualidade de profissionais do direito dos notários e registradores.
Naquela oportunidade[6], em texto intitulado “A Lei 11.441/07 e um novo tempo para afirmar a independência jurídica dos tabeliães e registradores, profissionais do direito”, afirmei que:
“A Lei 8.935, de 18 de novembro de 1.994, ao regulamentar o art. 236 da Constituição Federal definiu os tabeliães e registradores como profissionais do direito.
Dispõe o art. 3° da referida lei:
“Notário, ou tabelião, e oficial de registro, ou registrador, são profissionais do direito, dotados de fé pública, a quem é delegado o exercício da atividade notarial e de registro” (grifo nosso).
Passados mais de treze anos (à época da publicação do texto) de vigência da lei lamentavelmente ainda vemos alguns tabeliães e registradores agindo como simples amanuenses e, especialmente, uma gama de pessoas que não os vêem como verdadeiros profissionais do direito. Infelizmente dentre tais pessoas muitas vezes nos deparamos com integrantes do Poder Judiciário, incumbido pela Carta Magna da fiscalização dos atos praticados por tabeliães e registradores (§1° do art. 236, in fine), sem que tal poder, contudo, importe em subordinação hierárquica no exercício das funções. O limite do poder de fiscalização dos atos pelo Judiciário é ainda ponto nebuloso no exercício da atividade, agravado pela ausência de regulamentação de normas legais relativas à atividade e pela existência de custos, agregados aos emolumentos, que se destinam ao Poder Judiciário e outras entidades, fazendo vicejar um cipoal de normas administrativas que servem de antolhos aos tabeliães e registradores.
O momento, no entanto, é de afirmação da qualidade conferida pela Lei 8.935/94. O Poder Legislativo tem reconhecido tal qualidade e cabe aos tabeliães e registradores se fazerem respeitar como profissionais do direito. Não devem aceitar a imposição de fórmulas; devem exercer efetivamente as funções notariais e registrais. Claro que respeitando a fiscalização dos atos pelo Poder Judiciário e suas decisões, mas jamais deixando de analisar sob o foco jurídico os atos em que são chamados a intervir[7].
A independência jurídica dos tabeliães e registradores não é novidade na doutrina internacional, e o ‘modelo da independência jurídica do registrador e do notário, como foi antecipado, ajusta-se, entre nós, ao direito posto: notário e oficial de registro são profissionais do direito, dotados de fé pública (art. 3°, da Lei 8.935/1994), gozando de independência no exercício de suas atribuições’ (art. 28, da Lei cit.).[8]
E em que contexto vem se dando a valorização da qualidade de profissionais do direito? Dentro das medidas legislativas na busca de soluções mais céleres, simples, e menos onerosas para a solução de determinadas questões, antes de exclusiva atuação do Poder Judiciário.
Exemplificando: a Lei 9.492/97, que regulamenta os serviços concernentes ao protesto de títulos e outros documentos de dívida, ao alargar significativamente o rol dos documentos que podem ser apresentados ao tabelionato de protestos; a Lei 9.307/96, que dispõe sobre a arbitragem, que significa a resolução do litígio por meio de árbitros, com a mesma eficácia da sentença judicial; a Lei 9.514/97, ao instituir a alienação fiduciária de coisa imóvel e a solução extrajudicial em caso de descumprimento do contrato (dando mais celeridade à recuperação do crédito e, portanto, mais eficácia à garantia); a Lei 10.931/04, que alterou o art. 213 da Lei 6.015/73 permitindo a retificação administrativa do registro imobiliário; e finalmente a Lei 11.441/07, que alterou o Código de Processo Civil para permitir que o inventário e a partilha, assim como a separação e o divórcio, na inexistência de incapazes, se façam por escritura pública.
Verifica-se, portanto, uma tendência de afastar do Poder Judiciário conflitos que comportem outro meio de solução. A morosidade do Poder Judiciário, já bastante assoberbado, e o custo do acesso à justiça incrementam as atividades que permitem aos interessados ver suas questões decididas sem intervenção do Poder em foco, que deve ser reservado para decidir conflitos em que seu atuar seja imprescindível.
A atuação do tabelião, seja de notas ou de protesto, e do registrador imobiliário, vem se expandindo, como se vê pela evolução legislativa. Reconhece o legislador federal serem os profissionais adequados, em razão de sua tradição e de sua independência jurídica, a colaborar na solução mais célere de diversas questões, sem que se prescinda da segurança jurídica e da eficácia.
Entretanto, editada a Lei 11.441/07, que valorizou enormemente a profissão dos tabeliães e registradores, vivemos momentos de perplexidade. Muitos aguardaram orientações das Corregedorias para aplicação da lei; algumas Corregedorias, extrapolando suas funções, se movimentaram para expedir normas, chegando a do Estado do Acre a criar modelos a serem seguidos.
Como profissionais do direito, com independência jurídica, devem tabeliães e registradores praticar os atos como autorizados pela lei. Não dependem de qualquer orientação ou autorização administrativa, nem a elas estão sujeitos. Em verdade, tabeliães e registradores não podem deixar de praticar os atos solicitados pelos interessados que preencham os requisitos legais, cabendo-lhes dar a correta interpretação jurídica aos dispositivos legais aplicáveis. São ônus do exercício da função. O que devem, e efetivamente fazem, é debater e analisar os avanços legislativos em seus institutos de estudo, para que atuem sempre com mais segurança.
Diante da inexorável conclusão de que as circunstâncias favorecem a afirmação da qualidade de profissionais do direito, como tais devem agir todos os tabeliães e registradores, atuando incontinenti diante de qualquer alteração legislativa que alargue o âmbito de suas atribuições.
Encerro transcrevendo pensamento do Des. Ricardo Dip, em Registro de Imóveis[9]: ‘decidir que futuro haverá para as instituições do registro e das notas é escolher já, como faz quem se adverte responsável pelo tempo que passa, se essas instituições detêm liberdade jurídica para sua atuação profissional. Sem essa liberdade, correm risco de com ela morrerem a autonomia de vontades e a propriedade particular. Nisso há também um risco da decisão, mas esse risco é o que valoriza a liberdade’. E na esteira da Lei 11.441/07 devemos já afirmar e confirmar a independência jurídica dos tabeliães e registradores, profissionais do direito”.
O texto produzido há mais de cinco anos, e parcialmente ora reproduzido, ainda é atual. Tabeliães têm se furtado a lavrar escrituras de inventário e partilha sob alegação de que testamentos revogados e caducos impedem a prática do ato. S.M.J., cuida-se de interpretação equivocada, apenas literal e dissociada do momento que vivemos, dando azo, ainda, a que nos tachem de meros amanuenses, quando somos profissionais do direito amplamente habilitados a verificar se um testamento está revogado ou caducou, no exercício de nossa atividade jurídica.

4) O correto entendimento do Judiciário paulista.

A Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo editou o Provimento CG Nº 40/2012, alterando as Normas de Serviço para manifestar expressamente o entendimento que ora se busca sustentar.
O mencionado Provimento alterou o Capítulo XIV das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, que atualmente estabelece: “129. É possível a lavratura de escritura de inventário e partilha nos casos de testamento revogado ou caduco ou quando houver decisão judicial, com trânsito em julgado, declarando a invalidade do testamento. 129.1. Nessas hipóteses, o Tabelião de Notas solicitará, previamente, a certidão do testamento e, constatada a existência de disposição reconhecendo filho ou qualquer outra declaração irrevogável, a lavratura de escritura pública de inventário e partilha ficará vedada e o inventário far-se-á judicialmente” (grifo nosso).
A manifestação da Corregedoria, a meu ver, seria desnecessária, pois ao tabelião cabe interpretar a lei e aplicá-la. Contudo, é muito salutar, pois gera um ambiente de segurança para aqueles que temem assumir os riscos da interpretação, sejam tabeliães ou registradores a quem os títulos vierem a ser apresentados para acesso ao fólio real.
Com efeito, a hipótese de invalidade do testamento, elencada pela Corregedoria paulista, deve ser precedida de decisão judicial, mas no caso de testamento revogado ou caduco, é desnecessária qualquer manifestação judicial, sendo viável a lavratura da escritura, cabendo ao tabelião verificar a ocorrência da revogação ou a caducidade.
A doutrina já se manifesta no mesmo sentido. Christiano Cassettari[10] afirma, com propriedade, que “quando o legislador menciona, ‘havendo testamento’ se procederá ao inventário judicial, isso deverá ocorrer somente quando houver previsão expressa sobre disposição patrimonial que impeça a aplicação da sucessão legítima, alterando as regras de transferência da propriedade aos herdeiros legítimos, sob pena de chegarmos ao cúmulo de impedir que o inventário extrajudicial ocorra, por exemplo, no caso de o testador ter feito um testamento para revogar um anterior, para que em sua sucessão sejam aplicadas as regras da sucessão legítima”. O autor traz à baila situação que já enfrentei na prática notarial: clientes que, tomando conhecimento da Lei 11.441/07, decidiram revogar o testamento para que seus sucessores não precisem recorrer ao Judiciário, para que possam processar a sucessão administrativamente, entendendo que, com a revogação, por ocasião do óbito não terão testamento válido e eficaz a impedir a lavratura de escritura de inventário e partilha.
Conclui Christiano Cassettari, comentando a nova redação das Normas da Corregedoria paulista: “acreditamos que essa regra em breve estará nas normas de serviços de todos os estados brasileiros, para que a população possa se beneficiar dela, permitindo que nesses casos o inventário possa ser feito, também, em cartório”.
Anote-se, por fim, a existência de decisões judiciais admitindo a escritura pública de inventário e partilha ainda que exista testamento válido e eficaz (p. ex., 7ª Vara da Família e Sucessões, Comarca de São Paulo – Proc. nº: 0052432-70.2012.8.26.0100). São decisões de vanguarda que certamente inspirarão o legislador a avançar. Sendo todos capazes e concordes com os termos do testamento, inclusive com eventuais gravames impostos pelo testador, o que justifica impedir o inventário e a partilha administrativos? Vale salientar que muitas pessoas evitam o inventário e a partilha com doações, impondo por vezes cláusulas restritivas, o que não encontra qualquer óbice na legislação. Não deveria haver impedimento, também, que os beneficiários do testamento promovessem o inventário e a partilha administrativamente, como já afirmado.

5) Conclusão.

Diante de todo o exposto, entendo que a lavratura das escrituras públicas de inventário e partilha não pode ser obstada pela existência de testamento revogado ou caduco, para que não se fira o espírito da lei. Acrescente-se a hipótese relacionada pela Corregedoria paulista: quando houver decisão judicial, com trânsito em julgado, declarando a invalidade do testamento.
Nas hipóteses ventiladas, não faz qualquer sentido remeter os interessados, necessariamente, para a via judicial. Havendo testamento válido e eficaz, o inventário e a partilha judiciais são precedidos do procedimento previsto no art. 1.125 e seguintes do Código de Processo Civil, de abertura, registro e cumprimento do testamento, no qual o magistrado, após oitiva do Ministério Público, mandará cumprir o testamento “se lhe não achar vício externo, que o torne suspeito de nulidade ou falsidade (art. 1.126)”. Se o testamento foi revogado ou caducou, não se aplicará o referido procedimento especial de jurisdição voluntária, pois inexiste testamento a cumprir. O que deverá o magistrado mandar cumprir? Nada a cumprir quanto a disposições de última vontade, pois a sucessão obedecerá às regras da sucessão legítima. Assim, diante de um testamento revogado ou caduco, em juízo somente se processam o inventário e a partilha, como se testamento não houvesse (e efetivamente não há testamento eficaz, apto a produzir efeitos). Portanto, a intervenção judicial somente se dará no processamento do inventário e da partilha e, neste caso, a lei faculta às partes optar pela via administrativa, não havendo incapazes.
Dessa forma, analisando os casos concretos e estando seguros da revogação ou da caducidade, devem os tabeliães lavrar as escrituras independentemente de qualquer autorização das corregedorias, pois o fundamento para a lavratura está na Lei 11.441/07, e não em qualquer ato administrativo, assim como devem os oficiais de registro acolhê-las no fólio real. Não obstante, a edição de normas pelas corregedorias é salutar, pois colabora para a uniformização do entendimento. Ainda vivemos um momento de transição no qual alguns notários e registradores temem assumir o papel reconhecido em lei de profissionais do direito, necessitando de apoio em regras administrativas.
As mudanças legislativas muitas vezes são tímidas, o que certamente impediu que, por ocasião da edição da Lei 11.441/07, se autorizasse a lavratura de escrituras de inventário e partilha mesmo havendo testamento válido e eficaz, na hipótese de herdeiros capazes. Certamente vamos avançar nesse sentido.

SOUZA, Eduardo Pacheco Ribeiro de. Inventário e partilha administrativos havendo testamento caduco ou revogado. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3741, 28 set. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/25416>. Acesso em: 30 set. 2013.

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

2014 sem "lixões"

Ainda em 2010, foi instituído o novo Marco Regulatório de Resíduos Sólidos, por meio da publicação da lei Federal 12.305/10 (que versa sobre a Política Nacional de Resíduos Sólidos), a qual foi regulamentada por meio do decreto Federal 7.404/10

De acordo com esses normativos, 3 de agosto de 2014 é a data limite para o encerramento dos depósitos de lixo a céu aberto (comumente denominados "lixões"). No lugar dos lixões, deverão ser implantados aterros sanitários, tudo para atender a legislação, que exige a disposição final ambientalmente adequada de rejeitos até o mencionado ano de 2014. 

No entanto, dentre as problemáticas que circundam a erradicação dos lixões e, consequentemente, a disponibilização de aterros sanitários, está a necessidade de elaboração dos chamados "Planos de Gestão de Resíduos Sólidos", que, apenas para esclarecer, não se confundem com os planos de saneamento, estes previstos na lei Federal 11.445/07

De acordo com o marco regulatório ora em questão, o prazo para a elaboração e entrega dos planos de gestão de resíduos sólidos encerrou-se no início de agosto de 2012. 

Consoante dados do Ministério do Meio Ambiente, apenas 10% dos municípios de todo país entregaram seus respectivos planos. 

Como consequência dessa situação, tem-se a impossibilidade de acesso de tais entes federativos a recursos da União, ou por ela controlados, destinados a empreendimentos e serviços relacionados à gestão de resíduos sólidos, ou mesmo de serem estes beneficiados por incentivos ou financiamentos de entidades Federais de crédito ou fomento. 

Apesar de o prazo para a entrega do plano de gestão de resíduos sólidos ter sido cumprido por reduzido número de municípios, há alguns exemplos positivos. Alguns dos entes não só formularam seus respectivos planos, mas, adicionalmente, contrataram parcerias público-privadas com o objetivo de implantar a destinação ambientalmente adequada de rejeitos. Destacamos os casos a seguir:
  • Piracicaba (SP)
Modalidade: concessão administrativa
Prazo do contrato: 20 anos
  • São Bernardo do Campo (SP)
Modalidade: concessão administrativa
Prazo do contrato: 30 anos
  • Paulista (PE)
Modalidade: concessão administrativa
Prazo do contrato: 25 anos
  • Barueri (SP)
Modalidade: concessão administrativa
Prazo do contrato: 30 anos
  • Osasco (SP)
Modalidade: concessão administrativa
Prazo do Contrato: 30 anos
  • São José dos Campos (SP)
Modalidade: concessão administrativa
Prazo do Contrato: 30 anos
Importante ressaltar que existem outras licitações em andamento tendo como escopo a contratação, por meio de parceria público-privada, da gestão de resíduos, encerramento de lixões e implantação de aterros sanitários/centros de tratamento de resíduos sólidos.
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* Claudia Helena Mähler é advogada o escritório Albino Advogados Associados.
http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI187036,51045-2014+sem+lixoes

A adoção "intuitu personae" prevista na lei 12.010/09 face ao princípio do melhor interesse do menor

Intuitu personae é uma expressão latina que significa "por ânimo pessoal". Portanto, adoção intuitu personae é a adoção consensual, que ocorre quando a mãe biológica manifesta interesse em entregar a criança à pessoa conhecida, sem que esta se faça presente no Cadastro Nacional de Adoção. Com as mudanças trazidas pela Lei nº 12.010/09, tornou-se dificultoso esse tipo de adoção, visto que a norma restringe significativamente os casos em que esta pode ser legalmente reconhecida.

Porém existem decisões judiciais e posições doutrinárias que opõe-se ao disposto na Lei, visando ao melhor interesse do menor nos casos onde este já estabeleceu vínculos com o seu adotante. Desse modo, a formalidade da “lista” de adoção é deixada de lado e os laços afetivos criados entre adotante e adotado prevalecem, sempre em benefício do menor.

Surge, então a problemática em relação a como devem ser vistos os casos de adoção intuitu personae: de modo formal, sem que sejam levados em conta os interesses da criança, mas sim a determinação legal do Cadastro Nacional, ou respeitando os interesses no bem estar do menor, mesmo que a adoção não tenha seguido as formas legais.

Palavras-chave: Adoção. Intuitu personae. Adoção Direta. Melhor interesse do menor. Afetividade. Cadastro Nacional de Adoção. Estatuto da Criança e do Adolescente

1 Introdução              
O presente estudo tem como objetivo discorrer sobre os casos de adoção intuitu personae sob a égide da Lei nº 12.010/09, que regulamenta, em seu artigo 50, parágrafos 1º a 14º, os cadastros de adotáveis e candidatos à adoção.

A problemática abordada é a da adoção por casal não inscrito no Cadastro Nacional de Adoção quando, por vontade da mãe biológica, a criança é entregue a conhecidos.

Anteriormente à Lei nº 12.010/09, não havia vedação expressa a este tipo de adoção. A jurisprudência costumava admiti-la desde que fosse comprovada a formação de vínculo entre a criança ou adolescente e os pais adotivos, levando em consideração os laços de afeto entre os mesmos.

Trataremos nesse artigo das alterações feitas por esta lei, que reduziu significativamente as possibilidades de adoção intuitu personae, ou adoção direta, e que traz polêmica e divergências em sentenças proferidas para cada caso concreto.

Foram utilizados para a confecção do trabalho doutrinas, jurisprudências, monografias e artigos científicos.

2 Cadastro Nacional de Adoção
O Cadastro Nacional de Adoção é uma ferramenta criada para auxiliar juízes das varas da infância e da juventude na condução dos procedimentos de adoção.

O pretendente à adoção somente poderá ser inserido no sistema pela Comarca de seu domicílio, portanto deve e habilitar-se na Vara da Infância e da Juventude de sua Comarca. O próprio Juiz ou seu auxiliar realizará o cadastro no sistema após a formalização do procedimento de habilitação. Com a inserção no CNA (Cadastro Nacional de Adoção), todos os Juízes de todo o país terão acesso à relação dos pretendentes à adoção, devidamente habilitados.

Para a habilitação, devem ser preenchidos os requisitos e apresentada a documentação. O candidato será chamado para uma entrevista com uma Assistente Social, onde serão abordadas as suas motivações para adoção. Após a entrevista, a lei exige que os adotantes passem por cursos de orientação, onde aspectos jurídicos, psicológicos e sociais da adoção são abordados. Cumprindo essas etapas, o adotante terá o nome incluso no CNA.

As crianças e adolescentes inclusos no CNA são as que estão aptas para adoção, e não aquelas que ainda têm vínculo jurídico com suas famílias de origem, pois, nesses casos, deve-se priorizar o retorno dessas crianças para o convívio familiar.

A lei não estabelece critérios para a fixação da posição na “fila” de adoção. Em alguns Estados ou Comarcas existe apenas a ordem cronológica, enquanto que em outros, leva-se em consideração outros dados dos pretendentes como, por exemplo, se são estéreis ou se possuem outros filhos, o que possibilitaria uma antecipação de posição na ordem do Cadastro.

Por uma questão de melhor apresentação das listas de pretendentes, buscados pelo perfil da criança/adolescente, os resultados apresentados pelo CNA são exibidos da seguinte forma: pretendentes do Foro Regional (nos casos de mais de uma Vara na mesma Comarca); pretendentes da Comarca; pretendentes da Unidade da Federação; pretendentes da Região Geográfica; pretendentes das demais Regiões Geográficas, em todos os casos, por ordem cronológica de habilitação. [1]

3 Adoção intuitu personae
Também conhecida como adoção direta ou pronta, é a modalidade em que os pais biológicos – na maioria dos casos, a mãe, visto que o pai normalmente é ausente ou desconhecido – concordam na colocação do filho em família substituta e indicam quem será o adotante. A mãe determina a pessoa para a qual quer entregar seu filho. O ato de definir a quem entregar o filho é chamado de intuitu personae, ou seja, em razão da pessoa, ou pessoal.

Com as modificações impostas pela Lei nº. 12.010/09, foram reduzidas significativamente as possibilidades de adoção intuitu personae conforme a nova redação do artigo 50 do Estatuto da Criança e do Adolescente e do parágrafo 13 deste mesmo dispositivo:

§ 13.  Somente poderá ser deferida adoção em favor de candidato domiciliado no Brasil não cadastrado previamente nos termos desta Lei quando: 

I - se tratar de pedido de adoção unilateral; 

II - for formulada por parente com o qual a criança ou adolescente mantenha vínculos de afinidade e afetividade; 

III - oriundo o pedido de quem detém a tutela ou guarda legal de criança maior de 3 (três) anos ou adolescente, desde que o lapso de tempo de convivência comprove a fixação de laços de afinidade e afetividade, e não seja constatada a ocorrência de má-fé ou qualquer das situações previstas nos arts. 237 ou 238 desta Lei. 

Dessa forma, o candidato não cadastrado deve se enquadrar em uma das exceções previstas para que possa adotar, eliminando aquele que é escolhido simplesmente por vontade da mãe biológica.

A intenção do legislador ao vetar esse tipo de adoção é fazer com que não sejam adotadas crianças por motivos escusos, tais como por meio de pagamentos e para fins obscuros. Porém ao deixar de lado a escolha da mãe e o afeto da criança, percebem-se as falhas na Lei, a qual Maria Berenice Dias chega a chamar de “lei anti-adoção”[2], justamente por serem esquecidos um dos principais benefícios visados pela adoção: o melhor interesse do menor. O interesse da criança e a afetividade acabam por ser sacrificados, visto que, nesses casos, normalmente a criança já foi entregue ao adotante e já criou vínculos com o mesmo.

4 Formalidade versus afetividade
A atual legislação deixa dúvidas em relação à formalidade do seguimento impositivo da lista de adoção, pois, se isso ocorrer, será deixado de lado o princípio do melhor interesse do menor, que, em muitos dos casos, já criou relações de afeto com o adotante mesmo sem este estar incluído no CNA.

A posição atual da doutrina costuma censurar o texto limitador do § 13 do art. 50, por afrontar, em muitos casos, o melhor interesse da criança.

Conforme Maria Berenice Dias, nada permite a retirada da criança de seu lar, pois deve ser averiguado primeiramente o seu interesse.

Deste modo, quando uma criança se encontrar sob a guarda de fato de alguém que não esteja habilitado, ou sem que tenha sido respeitada a ordem de inscrição, ao invés de retirá-la de onde se encontra, deve o juiz determinar o seu acompanhamento por equipe interdisciplinar.

A providência excepcional do abrigamento e a entrega ao inscrito em primeiro lugar só cabe quando o laudo elaborado por equipe interdisciplinar se manifestar pela conveniência da medida e que esta é a melhor solução para atender ao interesse da criança. [3]

Para a jurista, chega a ser inconstitucional a obrigatoriedade da observância do Cadastro, pois são desrespeitados o princípio do melhor interesse do menor e o direito à convivência familiar.

O entendimento de outros magistrados também segue a mesma linha. A repercussão da Lei nº 12.010/09 nas decisões judiciais tende a priorizar o bem estar da criança ou adolescente, conforme jurisprudência do TJRS de caso julgado em 2012:

APELAÇÃO. FAMÍLIA E ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. GUARDA DE CRIANÇA. MÃE BIOLÓGICA QUE NÃO REVELA CONDIÇÕES DE CUIDAR DO MENINO. CASAL QUE, EMBORA NÃO HABILITADO EM LISTA DE ADOÇÃO, JÁ SE ENCONTRA COM A CRIANÇA, TRATANDO-A COMO FILHO, HÁ MAIS DE UM ANO E SEIS MESES, PORTANTO, DESDE QUE O MENINO POSSUÍA DIAS DE VIDA. RETIRADA ABRUPTA DO MEIO FAMILIAR EM QUE INSERIDO QUE VIOLA OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E LEGAIS DE PROTEÇÃO À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE, SEJA PELO TEMPO DECORRIDO, SEJA PELO MELHOR INTERESSE DO INFANTE, CONSIDERANDO SUAS ADEQUADAS CIRCUNSTÂNCIAS FAMILIARES E VÍNCULO DE AFETO EXISTENTE. APELAÇÃO DESPROVIDA. (Apelação Cível Nº 70048223564, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Roberto Carvalho Fraga, Julgado em 29/08/2012) [4]

O Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Sidnei Beneti, em decisão de recurso especial também sentenciou em favor do princípio do melhor interesse do infante:

A observância do cadastro de adotantes, ou seja, a preferência das pessoas cronologicamente cadastradas para adotar determinada criança, não é absoluta. A regra comporta exceções determinadas pelo princípio do melhor interesse da criança, base de todo o sistema de proteção. Tal hipótese configura-se, por exemplo, quando já formado forte vínculo afetivo entre a criança e o pretendente à adoção, ainda que no decorrer do processo judicial. [4]

5 Conclusão
De todo o exposto, conclui-se que os casos de adoção intuitu personae são constantes em nosso ordenamento jurídico, e não há como censurá-los cegamente sem levar em consideração o interesse do menor.

Por melhor que tenha sido a intenção do legislador, existem falhas a serem sanadas na lei, pois não se pode ignorar essas adoções, até mesmo porque, em grande parte dos casos, a jurisprudência demonstra que esse tipo de adoção acaba por ser válido, justamente por visar o melhor à criança. É direito da mãe biológica escolher os adotantes de seu filho, pois essas pessoas são escolhidas exatamente por poderem dar melhores cuidados à criança e, na maioria das vezes, têm vínculos com o menor mesmo antes de ocorrer a adoção.

É claro que existem casos em que a adoção é tomada por motivos obscuros, porém, ao invés de tirar a criança do lar em que convive de imediato e mandá-la a um abrigo, poderia ser feito o acompanhamento disciplinar, assim como ocorre com os casais candidatos a adotantes. Se fosse constatado que os adotantes não estão cumprindo seus deveres e garantindo os direitos da criança, o juiz determinaria o abrigamento da mesma, mas somente após a realização do estudo, garantindo, assim, o bem estar, melhor interesse e direito à convivência familiar saudável do infante, além do direito de escolha da mãe biológica.

6 Notas
[1] Conselho Nacional de Justiça, Cadastro Nacional de Adoção: Guia do Usuário, p. 12.
[2] Maria Berenice Dias, Adoção: entre o medo e o dever, p. 1. Disponível em: <http://www. mariaberenice.com.br/uploads/ado%E7%E3o_-__entre_o_medo_e_o_dever_-_si.pdf>
[3] ibidem
[4] BRASIL, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação cível nº 70048223564  julgada em 29 de agosto de 2012. Disponível em: < http://goo.gl/YxHm9>
[5] BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Recurso especial nº 1.347.228 – SC julgado em 06 de novembro de 2012. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_ Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=25276346&sReg=201200965571&sData=20121120&sTipo=5&formato=PDF>  

7 Referências
BRASIL. Lei nº 8089, de 13 de julho de 1990.  Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/leis/l8069.htm> Acesso em: 30 abr. 2013
_____. Lei nº 12.010/09, de 3 de agosto de 2009. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br /ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12010.htm> Acesso em: 30 abr. 2013
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Princípio do melhor interesse da criança impera nas decisões do STJ. Brasília: 2010. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/portal_stj/ publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=97668> Acesso em: 01 mai. 2013


Autoras/Orientadora:
Dandara Borges Rodrigues, acadêmica do 3º semestre do Curso de Direito pelas Faculdades Integradas de Santa Fé do Sul – SP.
Livia Maralla Mazini, acadêmica do 3º semestre do Curso de Direito pelas Faculdades Integradas de Santa Fé do Sul – SP.
Tatiane de França Vieira, acadêmica do 3º semestre do Curso de Direito pelas Faculdades Integradas de Santa Fé do Sul – SP.
Orientadora: Mayra Bertozzi Pulzzato advogada, professora universitária, Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho.


Fonte: https://dandarab.jusbrasil.com.br/artigos/111907048/a-adocao-intuitu-personae-prevista-na-lei-12010-09-face-ao-principio-do-melhor-interesse-do-menor

Norma de banco não se sobrepõe a proteção à família

Norma regulamentar de banco não pode se sobrepor aos princípios constitucionais da proteção à família e do direito subjetivo à saúde. Assim entendeu o Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região ao determinar a remoção de uma empregada do Banco do Brasil que alegou que estava em depressão por ter que mudar da cidade em que constituiu família para assumir cargo na instituição.
Segundo o desembargador Douglas Alencar Rodrigues, a Constituição garante proteção estatal à família, devendo sua unidade ser preservada de qualquer violência às respectivas relações. A segurança familiar é determinada pelo artigo 227, que diz que o Estado deve dar prioridade em garantir a convivência familiar.
A mulher foi aprovada em concurso público para o Banco do Brasil em 2008, mas só foi convocada em 2012 para assumir vaga em Taguatinga (TO). Na inicial, ela disse que não podia assumir a vaga porque durante o período que ficou esperando constituiu família em Brasília e teve dois filhos. Além disso, o seu companheiro é servidor do Governo do Distrito Federal. Ela pediu várias vezes sua remoção para o Distrito Federal, já que seu companheiro não pode mudar de cidade.
O pedido, porém, foi negado pelo banco, o que a deixou depressiva e resultou em “consequências nefastas” em sua vida pessoal e familiar.
Em defesa, o banco disse que não pode fazer a transferência da mulher porque ela não cumpriu os dois anos de permanência no local — requisito normativo interno do banco. Além disso, afirmou que a mulher não é obrigada a assumir na agência de Tocantins.
Em primeiro grau, o juiz Luiz Fausto Marinho de Medeiros da 16ª Vara do Trabalho de Brasília disse que o caso tem particularidades que envolvem a situação da empregada em relação aos princípios constitucionais da proteção à família e do direito subjetivo à saúde.
O princípio foi citado pelo juiz fundamentando seu entendimento de que a empregada está em situação de ameaça à preservação da unidade familiar, por impossibilidade de remoção de seu companheiro a outro estado. Além disso, o juiz afirma que o banco desconsidera a possibilidade de recomposição da vida pessoal e familiar da empregada apenas para cumprir dispositivo regulamentar.
O juiz também disse que o banco é o maior do país, com mais de 4 mil agências e com matriz sediada na capital federal. E, para ele, há possibilidade de colocação da mulher em agencia do Distrito Federal, sem alteração funcional ou prejuízo a outro empregado — sendo o único óbice o cumprimento de requisito formal de norma interna.
Tal entendimento foi levado em consideração pelo desembargador Douglas Alencar Rodrigues do TRT-10. Para ele, a situação da empregada pode resultar na dissolução do contrato de trabalho seja pela impossibilidade de se sustentar a situação de quebra da unidade familiar decorrente do afastamento de seus filhos menores e de seu companheiro, seja pelas várias licenças médicas que vem apresentando em razão de seu estado depressivo.
Considerando o princípio da continuidade da relação de emprego, o princípio fundamental do valor social do trabalho e o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, o desembargador determinou a remoção da empregada para qualquer agência do Distrito Federal.

Clique aqui para ler a decisão
Processo 0000235-61.2013.5.10.0016
Livia Scocuglia é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 25 de setembro de 2013
http://www.conjur.com.br/2013-set-25/norma-banco-nao-sobrepor-principio-protecao-familia

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

É possível adoção póstuma sem início do processo

A adoção póstuma é possível, mesmo que o processo não tenha sido iniciado com o adotante ainda vivo. Essa foi a decisão da A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça. A maioria do colegiado seguiu o entendimento da relatora, ministra Nancy Andrighi, que sustentou a necessidade de se reconhecer que o artigo 42 do Estatuto da Criança e do Adolescente não limita a adoção póstuma aos casos em que o desejo de adotar é manifestado ainda em vida.

Segundo a ministra, a adoção póstuma se assemelha ao reconhecimento de uma filiação socioafetiva preexistente. No caso julgado, essa relação foi construída pelo adotante falecido desde que o adotado tinha seis meses de idade. “Portanto, devem-se admitir, para comprovação da inequívoca vontade do adotante em adotar, as mesmas regras que comprovam a filiação socioafetiva: o tratamento do adotado como se filho fosse e o conhecimento público dessa condição”, afirmou a ministra.

A ministra ressaltou que o pedido judicial de adoção, antes do óbito, apenas selaria, com a certeza, qualquer debate que porventura pudesse existir com relação à vontade do adotante. Segundo ela, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul constatou, com os elementos probatórios disponíveis, que houve manifestação da vontade do adotante, embora não concretizada formalmente.

“Consignou-se, desde a sentença, que o recorrido (adotado) foi recebido pelo adotante como filho, assim declarado inclusive em diversas oportunidades em que o conduzira para tratamentos de saúde”, destacou a ministra Andrighi. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.
Revista Consultor Jurídico, 24 de setembro de 2013
http://www.conjur.com.br/2013-set-24/possivel-adocao-postuma-mesmo-quando-nao-iniciado-processo-vida

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Veículo não pode ceder fotos sem dar crédito ao autor

Empresa de comunicação que não dá crédito ao trabalho do fotógrafo provoca dano moral. Afinal, a autoria da obra é, por definição, um direito de personalidade. E este, uma vez violado, enseja reparação, como prevê o artigo 186 do Código Civil.

Com base nessa fundamentação, a 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul confirmou parcialmente sentença que condenou a Empresa Jornalística Caldas Júnior, que edita o jornal Correio do Povo, a reparar moralmente um fotógrafo que teve as fotos publicadas sem a devida indicação de autoria. A empresa cedeu as fotografias, sem autorização, a veículos de todo o país.

O colegiado diminuiu, entretanto, o valor dos danos morais arbitrados pelo juízo de origem. O montante caiu de R$ 12 mil para R$ 5 mil, o que foi determinado para atender critério de razoabilidade e ficar em consonância com os valores estabelecidos para casos semelhantes na corte.

Os desembargadores concordaram integralmente com o aspecto da sentença que mandou a empresa indenizar o fotógrafo em dano material pela cessão não-autorizada da sua criação fotográfica a outros veículos, o que violou a Lei 9.610/1998. O acórdão foi lavrado no dia 1º de agosto.
(...)
Abalo moral No tocante ao pedido de reparação por danos morais decorrentes de sonegação de crédito de fotos publicadas, o juiz citou as disposições do artigo 24, inciso II, e do 79, parágrafo 1º, ambos da Lei dos Direitos Autorais. O primeiro diz que o autor tem direito moral de ver o seu nome ou pseudônimo referido na publicação da obra. E o segundo garante que a foto, quando utilizada por terceiros, também deve indicar o nome do autor.

‘‘Em se tratando de obra de cunho artístico, com proteção pela legislação autoral, omitida a autoria, incide o artigo 186 do Código Civil, verificando-se o dano e gerando a obrigação de repará-lo, no caso, para aquele que cometeu o ato ilícito, causando abalo moral ao lesionado’’, finalizou o juiz, arbitrando o quantum em R$ 12 mil.

Clique aqui para ler a sentença.
Clique aqui para ler o acórdão.
Clique aqui para ler a Lei dos Direitos Autorais.
 



Jomar Martins é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio Grande do Sul.
Revista Consultor Jurídico, 22 de setembro de 2013

Leia a íntegra em:  http://www.conjur.com.br/2013-set-22/ceder-fotos-jornais-autorizacao-autor-veiculo-indenizar

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

É absoluta a afirmação de que havendo testamento não pode o inventário ser realizado em cartório?

Como meio facilitador da realização de divórcios consensuais e de inventários foi promulgada em 4/1/07 a lei 11.441/07, possibilitando a utilização da via administrativa para realização dos atos acima mencionados.
Em linhas gerais, é fator limitador da utilização dessa eficaz via extrajudicial a existência de incapazes e a não concordância entre as partes.
Notadamente no que diz respeito ao inventário por escritura pública há de ser verificado se os requisitos contidos no art. 982 do CPC estão presentes.
Com efeito, assim está redigido o aludido artigo da lei processual:

"Art. 982. Havendo testamento ou interessado incapaz, proceder-se-á ao inventário judicial; se todos forem capazes e concordes, poderá fazer-se o inventário e a partilha por escritura pública, a qual constituirá título hábil para o registro imobiliário.
Parágrafo único. O tabelião somente lavrará a escritura pública se todas as partes interessadas estiverem assistidas por advogado comum ou advogados de cada uma delas, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial."
Dessa forma, para validade do ato notarial, os herdeiros e interessados na sucessão devem ser capazes, assim como devem estar concordes em relação ao inventário e à partilha de bens.
Mas não é só. Pelo texto de lei, para se valer da forma extrajudicial do inventário, não pode o falecido ter deixado testamento. Assim, a inexistência de testamento está entre os requisitos que devem ser observados quando da pretensão da utilização dessa via administrativa.
Esse requisito, não de hoje, gerou algumas polêmicas que certamente serão dirimidas ao longo dos anos, conforme os casos forem ocorrendo e as dúvidas forem concretamente surgindo.
Mas de qualquer forma não podemos mais considerar como sendo absoluta a afirmação de que havendo testamento não pode o inventário ser realizado em cartório.
Isso porque, nos termos do art. 129 do provimento CG 40/121, que alterou a redação do capítulo XIV das normas de serviço da egrégia corregedoria Geral da Justiça do Estado de SP, é permitida a lavratura do ato notarial no caso de o testamento deixado pelo de cujus incorrer nas seguintes hipóteses: (1) ter sido revogado; (2) ter se tornado caduco ou,(3) por decisão judicial transitada em julgado, ter sido declarado inválido.
Assim, em tais hipóteses, a existência de testamento não pode ser considerada como motivo impeditivo da realização de inventário por escritura pública, o que certamente acarretará significativo aumento na adoção por essa ágil e eficiente forma de realização do inventário.
___________
1 129. É possível a lavratura de escritura de inventário e partilha nos casos de testamento revogado ou caduco ou quando houver decisão judicial, com trânsito em julgado, declarando a invalidade do testamento.
___________
* Renato de Mello Almada é advogado do escritório Almeida Alvarenga e Advogados Associados e membro do IBDFAM - Instituto Brasileiro de Direito de Família.

Pai que posterga reconhecimento deve indenizar filho

Acórdão da 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo analisou, em ação de reparação civil, comportamento desidioso de genitor que diante de ação de investigação de paternidade ajuizada por sua filha, recalcitrante não contribuiu para a regular tramitação do processo, subtraindo-se ao exame de DNA. A demanda tramitou, em primeiro grau, por nove anos (1998/2007), apurando-se a responsabilidade, mesmo cessado o poder familiar, para fins indenizatórios.
No processo, colimaram-se reunidas, a um tempo instante, situações de extrema relevância jurídica a saber que a paternidade protraída ou postergada implicou, de forma iniludível (i) à subtração de uma paternidade alimentar, para fins educacionais, mesmo quando cessada a menoridade, firme a jurisprudência nesse sentido; (ii) a perda de uma chance de melhoria existencial de vida da investigante, quando inacessível tornou-se a ela obter, de logo, a paternidade, com os benefícios advenientes de um imediato e inadiável amparo material e afetivo; e (iii) “os notórios prejuízos de toda ordem sofridos pela filha em razão do descaso do pai no seu dever de cuidado.”
Pois bem. Em perfeito diálogo do direito com a situação dos fatos, na busca de empreender a solução adequada diante de proposição de uma regra jurídica, a decisão judicial proferida pelo tribunal paulista apurou a devida reparação civil, com atenção às peculiaridades do caso.
Na hipótese, ante a especial circunstância de prévia ação de investigação de paternidade, onde o pai, subtraindo-se de realizar exame genético de DNA postergou a demanda de sua filha, agora já adulta, deixando de prestar-lhe o apoio necessário, não apenas resultou reconhecida a obrigação de indenizar.
Para além disso, apurou-se, efetivamente, o fato jurídico de uma melhoria existencial negada à filha, quando em toda a adolescência faltou-lhe o pai, diante de sua resistência ao controle judicial da existência do vínculo biológico.
É nesse cenário que a ilicitude civil ganha imediata materialidade, a saber do axioma bem traçado pelo relator, desembargador Galdino Toledo Júnior.
Ele asseverou, com precisão, a estilete:
“(...) obteve o apelante noticia de que a autora estava lhe imputando a condição de pai e, nesse momento, sem dúvida alguma tomou conhecimento da possibilidade de existência da suposta descendente. Nesse passo, como pessoa responsável, cabia-lhe o quanto antes, realizar o exame pericial (DNA), a fim de ter a certeza sobre a paternidade ou não, demonstrando, inclusive, sua boa-fé em relação aos fatos narrados”.
Ora. A paternidade investigada resultou durante algum tempo frustrada, em níveis de um proveito adverso arbitrário, rendendo ensejo, portanto, à indenizabilidade, apurada na ação indenizatória a circunstancia lesante ao princípio da boa-fé, cuja presença é exigida nas relações comportamentais, produtoras de efeitos jurígenos próprios.
No ponto, a resistência injustificada à demanda, esquivando-se o investigado, por inúmeras vezes, de realizar o exame genético, configurou, como admitido no julgado, conduta bastante reprovável e mais que isso, de lesa-jurisdição, à falta da devida contribuição com a justiça. Eximiu-se o demandado da paternidade que lhe era posta à prova, com o poder-dever de exercê-la perante a filha, em todos os níveis que a relação paterno-filial vem exigir e proclamar.
Precisamente, tem-se em conta que a imputação da paternidade estava a exigir do imputado pai contribuir ele com a busca da verdade, abreviando a solução do litígio, com a razoável duração do processo (garantia constitucional).
Em ações de tal natureza, a verdade material tem sido paradigma moderno do processo civil.
Aliás, o fenômeno jurídico do processo, tomado como ciência processual, em face da verdade, defronta-se com o mesmo problema da filosofia do direito, segundo o axioma de André Comte-Sponville: “Filosofar é pensar mais longe do que se sabe. É do que se esquece o cientista, que toma as ciências por uma filosofia, e é o que recusa o positivista, para o qual as ciências bastam.” Parece claro, atualmente, que o conceito de verdade é o do desate necessário a dar funcionalidade à própria segurança jurídica do fato em si mesmo, na juridicidade que ele produz.
Em ações como as de investigação de paternidade, o direito da identificação genética da origem de quem demanda, obriga o magistrado a um amplo poder de iniciativa probatória para a determinação do fato imputado.
De tal efeito, “tem o julgador iniciativa probatória quando presentes razões de ordem pública e igualitária”, principalmente quando “na fase atual da evolução do Direito de Família não se justifica inacolher a produção de prova genética pelo DNA, que a ciência tem proclamado idônea e eficaz.” (STJ – 4ª Turma, REsp. 222.445-PR). Ou, lado outro, deixar a mesma perícia de ser realizada.
Assim, a jurisprudência vem orientando “no sentido de que o magistrado deve perseguir, especialmente nas ações que tenham por objeto direito indisponível, como nas ações de estado, o estabelecimento da verdade real” (STJ – 3ª Turma, Resp. 348007/GO).
Nessa perspectiva, a inação do investigado em permitir fosse obtida a verdade real, de interesse de todos, como valor social, somada a circunstancia de vir a ser, ao fim e ao cabo da lide personalíssima, declarada a sua paternidade, bem demonstram o acerto da obrigação de indenizar, fixada na ação própria.
Não se trata, no particular, referir ao “contempt of court”, mas sobremodo, ao fato decisivo da paternidade protraída, quando importa considerar, com especificidade, a privação de convivência e de incumprimento aos deveres paternais.
Assim, malgrado se entenda que antes do reconhecimento judicial do vínculo, inexistem deveres decorrentes do poder familiar, caso é pensar que, formada a relação do processo, a resistência do investigado à lide, postergando a mais não poder, a declaração judicial da paternidade, afinal reconhecida, implica inexoravelmente em graves prejuízos ao regular e obrigatório exercício dos deveres paternais, sacrificados tão somente por embaraços procrastinatórios do investigado.
É nessa modelagem, que a omissão de cuidado, o abandono afetivo, a desídia, refletem uma circunstancia mediata, a intolerância abusiva com os fatos da vida, inclusive com a própria responsabilidade parental que se pretende assentada na ação investigatória.
Mais que isso, quando se posterga, adredemente, o reconhecimento da paternidade (voluntário ou judicial), nega-se ao filho uma melhoria existencial de vida, potencializada pela identidade genética e pelo poder parental desempenhado em coesão, o que pode reclamar, sim, efeitos retrooperantes de responsabilidade civil.
Jones Figueirêdo Alves é desembargador decano do Tribunal de Justiça de Pernambuco, diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) e coordenador da Comissão de Magistratura de Família. Autor de obras jurídicas de direito civil e processo civil. Integra a Academia Pernambucana de Letras Jurídicas (APLJ).
Revista Consultor Jurídico, 19 de setembro de 2013
http://www.conjur.com.br/2013-set-19/jones-figueiredo-pai-posterga-reconhecimento-indenizar-filho