quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Adoção de sobrenomes socioafetivos é comum no Brasil

(...)
O direito de uso de sobrenome em registro civil, por opção de quem o acrescenta, tem sido ampliado, em suas variáveis, pela doutrina e por julgados mais recentes. A lei indica que qualquer dos nubentes, querendo, poderá acrescer ao seu o sobrenome do outro (art. 1.565, parágrafo 1º, Código Civil/2012).
Nesse caso, a norma estende ao marido o direito de, por vontade manifesta, assumir o sobrenome da esposa e a mulher tem a faculdade de adotar ou não o sobrenome do seu cônjuge. Na primeira hipótese, a alternativa é preferida por 25% dos homens que se casaram em São Paulo (2012), com percentual de apenas 9% em 2002 (Arpen-SP). Antes, apenas era conferido por lei à esposa acrescer ao seu os apelidos do marido (art. 240, parágrafo único, Código Civil/1916), e ao marido essa opção dependia de autorização judicial.
Pois bem. Eventos novos contemplam um amplo espectro do manejo registral no uso e em opção dos sobrenomes, tudo no sentido de positivar da melhor maneira a identificação das pessoas, conforme as suas inserções sócio-familiares. Cuida-se de efetivar a expressão incontroversa do artigo 16 do Código Civil, segundo a qual “toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome”, e que esse nome civil, por sua características, adere à pessoa a constituir-lhe direito da personalidade.
A ciência jurídica registral tem refletido, em seu amplo espaço de atuação, acerca do nome da pessoa como realidade consonante com a sua dignidade. Objetivamente, tem-se que o nome, o direito ao nome e, sobremodo, o seu emprego em função da família e em convívio social, constituem elementos decisivos ao regular exercício do direito de personalidade que dele se extrai.
O nome civil como identidade pessoal, a saber de sua idoneidade intrínseca correspondente, representa uma conveniente necessidade doutrinária de análise, em sede de questões sempre instigantes que permeiam a atividade do registro civil, defrontado com uma atualidade provocativa.
Com efeito, cumpre anotar julgados elucidativos do novo momento registral. Vejamos:
(i) Decisão da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (setembro de 2012) deixou assente que o acréscimo ao nome da pessoa casada do sobrenome do cônjuge não apenas tem ensejo somente ao tempo da celebração do casamento. Assim, se admite que a adoção dos apelidos do parceiro pode ser feita, sem prazo algum, significando reconhecer, afinal, que a inclusão desejada refletirá, de tal interesse, a plena realização do casamento ou da união livre existentes.
Aliás, convenha-se que a adoção de sobrenome conjugal (ou convivencial) deveria ser preferida, não ao tempo do casamento celebrado ou do inicio da união estável (este até sem demarcação absoluta), mas quando a união se mostre consolidada em termos de atendimento afetivo recíproco, em estabilização conveniente das relações. Em outras palavras, dá-se certo tempo de carência para a adoção do sobrenome, sem prazo definido, interessando sempre que esta inclusão de sobrenome ao registro civil traduza, sim, a devida identificação social, sobretudo a representada pelo devido relacionamento consolidado com aquele(a) titular do nome.
(ii) A mesma turma julgadora do STJ decidiu ser também possível alterar registro de nascimento para fazer constar somente o nome de solteira da mãe quando excluído o nome do ex-padrasto, para o fim de assegurar direito à identificação da pessoa pelo nome e filiação e onde se reflita fielmente a veracidade dos dados.
O ministro Luís Felipe Salomão considerou que se a ordem jurídica prevê, expressamente, a possibilidade de averbação, no termo de nascimento do filho, da alteração do sobrenome materno em decorrência do casamento, a aplicação da mesma norma à hipótese inversa (princípio da simetria), quando a mãe, em face de divórcio ou separação, deixa de utilizar o nome de casada (Lei nº 8.560/1992), também é possível.
Com pertinência, “é admissível a alteração no registro de nascimento do filho para a averbação do nome de sua mãe que, após a separação judicial, voltou a usar o nome de solteira” (STJ-4ª Turma, REsp. nº. 1.123.141 e STJ – 3ª Turma, REsp. nº 1.069.864-DF). Mais precisamente, o princípio da veracidade contemporânea deve reger o direito registral moderno.
(iii) Decisão da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (setembro de 2012) reconheceu que o uso de outro sobrenome da mãe pela filha constitui direito de acrescer por parte da menor, representada pelo pai, ao dizer que o exercício de tal direito atende o devido respeito à sua estirpe familiar.
No mais, a adoção de patronímicos socioafetivos tem sido prática corrente, já permitida em lei, desde 2007, implicando o nome em seu contexto da vida familiar.
Segue-se, então, reconhecer que: (i) se formam, nessa perspectiva, os entendimentos do emprego do nome ou dos acréscimos ou supressões pretendidos, em registro civil, à medida exata na qual nome e sobrenome representam valores jurídicos e afetivos aderentes da personalidade de quem os detém; (ii) se constituem as nominações, direitos personalíssimos da pessoa; (iii) sobrenomes permutados podem ser admitidos em implemento das opções recíprocas.
Assim, todas as problematizações em torno do nome em sede do registro civil, com os avanços do direito registral, compreendem, portanto, a dignidade da pessoa humana. Este é o diálogo das fontes permanente, onde o registro civil terá sua leitura sempre inspirada nos direitos fundamentais da pessoa e nas verdades do núcleo familiar.
Chama-se, afinal, a depor, uma premissa eloquente:
“É inerente à dignidade da pessoa humana a necessidade de que os documentos oficiais de identificação reflitam a veracidade dos fatos da vida (STJ – 3ª Turma, REsp. nº 1.041.751, Rel. Min. Sidnei Benetti).

Jones Figueirêdo Alves é desembargador decano do Tribunal de Justiça de Pernambuco, diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) e coordenador da Comissão de Magistratura de Família. Autor de obras jurídicas de direito civil e processo civil. Integra a Academia Pernambucana de Letras Jurídicas (APLJ).
Revista Consultor Jurídico, 30 de outubro de 2013
 http://www.conjur.com.br/2013-out-30/jones-alves-adocao-sobrenomes-socioafetivos-pratica-comum-brasil

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Crime Ambiental: Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica e a Teoria da Dupla Imputação

Entre os destaques que podem ser conferidos à Lei n.º 9.605/98, conhecido como Lei dos Crimes Ambientais, mencione-se a possibilidade de responsabilização penal da pessoa jurídica.
É o que dispõe o seu art. 3º, assim disposto: “As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade”.
Tal dispositivo encontra assento constitucional, ex vi do art. 225, § 3º: “As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados” (grifos nossos).
Por conta de tal regime, sobreveio controvérsia sobre a necessidade de inclusão, no polo passivo de ação penal referente a crime ambiental, para além da pessoa jurídica, da pessoa física correspondente.
Em um primeiro momento, o Superior Tribunal de Justiça firmou a posição segundo a qual para a “validade da tramitação do feito criminal em que se apura o cometimento de delito criminal, na peça exordial devem ser denunciados tanto a pessoa jurídica como a pessoa física” (cf. RMS n.º 37.293-SP, 5ª Turma, rel. Min. Laurita Vaz, DJe 09/05/2013). Nesse cenário jurisprudencial, prevalecia a denominada teoria da dupla imputação, pela qual a responsabilização penal da pessoa jurídica não pode ser desassociada da pessoa física, sob pena de inadequação com os preceitos legal e constitucional acima referidos.   
No entanto, em recente decisão do Supremo Tribunal Federal, tomada no âmbito do RE n.º 548.181, a Primeira Turma reconheceu que a ação penal pode transcorrer em face apenas da pessoa jurídica, sem que conste no polo passivo o representante legal da empresa[1].
Trata-se de demanda em que se discute o trancamento de ação envolvendo a Petrobrás, acusada de crime ambiental decorrente de poluição de curso d’água localizados no Estado do Paraná.
De acordo com a Min. Relatora, Rosa Weber, não se sustenta a jurisprudência firmada no Superior Tribunal de Justiça, porquanto a adoção da teoria da dupla imputação leva ao esvaziamento do comando constitucional. “A dificuldade de identificar o responsável leva à impossibilidade de imposição de sanção por delitos ambientais”, de modo que “não é necessária a demonstração de coautoria da pessoa física”[2].
Convém destacar que a decisão foi tomada, no âmbito da Primeira Turma, por maioria de votos. Acompanharam a Relatora os Ministros Luís Roberto Barroso e Dias Toffoli. Vencidos os Ministros Marco Aurélio e Luiz Fux.
Nesse sentido, constata-se verdadeiro rompimento, pelo STF, do entendimento pacificado pelo STJ, a propósito da teoria da dupla imputação. Resta aguardar os desdobramentos de tal decisão bem como os futuros pronunciamentos do mesmo STF a respeito, dado o caráter não unânime da decisão.



[1] Cf. Notícias do STF:

[2] Idem.

Rodrigo Bordalo
http://rodrigobordalo.jusbrasil.com.br/artigos/112020585/crime-ambiental-responsabilidade-penal-da-pessoa-juridica-e-a-teoria-da-dupla-imputacao?utm_campaign=newsletter&utm_medium=email&utm_source=newsletter

Medidas de Proteção

Nos termos da Constituição Federal, carta balizadora das peculiaridades do Estatuto da Criança e Adolescente, cumpre destacar que é assegurado à criança e adolescente um julgamento por meio de um tribunal especial e submetido a uma legislação especial. À criança (de 0 a 12 anos incompletos) que praticar um ato infracional poderão ser aplicadas as chamadas medidas de proteção (artigo 101 do ECA). Ao adolescente serão aplicadas as medidas socioeducativas e/ou as medidas protetivas (artigos 101 e 112 do ECA).  
De acordo com o ECA as medidas de proteção sempre serão aplicadas quando os direitos das crianças e adolescentes forem ameaçados ou violados por ação ou omissão da sociedade ou do Estado, ou ainda por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável. Vale ressaltar que tais medidas também poderão ser aplicadas, isoladas ou cumulativamente, bem como substituídas a qualquer tempo. Cabe aqui chamar a atenção para o fato de que o Estatuto impõe que seja sempre observado, na aplicação das medidas, o caráter pedagógico, visando fortalecer os vínculos familiares e comunitários. Mais do que a simples aplicação das medidas nas situações de riscos e/ou quando da prática infracional, o Estatuto da Criança e Adolescente elenca diversos princípios que devem ser observados quando da aplicação das referidas medidas – artigo 100, Parágrafo Único:
(...) I - condição da criança e do adolescente como sujeitos de direitos: crianças e adolescentes são os titulares dos direitos previstos nesta e em outras Leis, bem como na Constituição Federal;   II - proteção integral e prioritária: a interpretação e aplicação de toda e qualquer norma contida nesta Lei deve ser voltada à proteção integral e prioritária dos direitos de que crianças e adolescentes são titulares; III - responsabilidade primária e solidária do poder público: a plena efetivação dos direitos assegurados a crianças e a adolescentes por esta Lei e pela Constituição Federal, salvo nos casos por esta expressamente ressalvados, é de responsabilidade primária e solidária das 3 (três) esferas de governo, sem prejuízo da municipalização do atendimento e da possibilidade da execução de programas por entidades não governamentais; IV - interesse superior da criança e do adolescente: a intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do adolescente, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto; V - privacidade: a promoção dos direitos e proteção da criança e do adolescente deve ser efetuada no respeito pela intimidade, direito à imagem e reserva da sua vida privada; VI - intervenção precoce: a intervenção das autoridades competentes deve ser efetuada logo que a situação de perigo seja conhecida; VII - intervenção mínima: a intervenção deve ser exercida exclusivamente pelas autoridades e instituições cuja ação seja indispensável à efetiva promoção dos direitos e à proteção da criança e do adolescente; VIII - proporcionalidade e atualidade: a intervenção deve ser a necessária e adequada à situação de perigo em que a criança ou o adolescente se encontram no momento em que a decisão é tomada; IX - responsabilidade parental: a intervenção deve ser efetuada de modo que os pais assumam os seus deveres para com a criança e o adolescente; X - prevalência da família: na promoção de direitos e na proteção da criança e do adolescente deve ser dada prevalência às medidas que os mantenham ou reintegrem na sua família natural ou extensa ou, se isto não for possível, que promovam a sua integração em família substituta; XI - obrigatoriedade da informação: a criança e o adolescente, respeitado seu estágio de desenvolvimento e capacidade de compreensão, seus pais ou responsável devem ser informados dos seus direitos, dos motivos que determinaram a intervenção e da forma como esta se processa; XII - oitiva obrigatória e participação: a criança e o adolescente, em separado ou na companhia dos pais, de responsável ou de pessoa por si indicada, bem como os seus pais ou responsável, têm direito a ser ouvidos e a participar nos atos e na definição da medida de promoção dos direitos e de proteção, sendo sua opinião devidamente considerada pela autoridade judiciária competente, observado o disposto nos §§ 1o e 2o do art. 28 desta Lei.”
Os princípios elencados pelo ECA reforçam a importância da análise do fato de forma ampla e concreta, buscando sempre o que for mais adequado à criança e ao adolescente, colocando-os sob o manto de proteção absoluta. Reforçar a observância de tais princípios tem por objetivo incutir e obrigar o Poder Público, sociedade, família, pais e responsáveis a respeitarem a condição peculiar da criança e adolescente como pessoas em desenvolvimento, quer seja quando de situações de risco, quer seja quando da prática de ato infracional. Foi assim, dentro de todos os parâmetros adotados pelo ECA, que tais princípios, basilares para aplicação das regras universais, foram inseridos recentemente pela Lei 12.010 de 2009. A inserção destes princípios surge, como já dito, para reforçar os já consolidados princípios da proteção integral e da prioridade absoluta da criança e adolescente, que, apesar de suficientes, muitas vezes deixam de ser aplicados em virtude de sua complexidade e amplitude.
Portanto, ao ser aplicada a medida de proteção e/ou medida socioeducativa à criança ou adolescente que estiverem em situação de risco e/ou praticado ato infracional deve-se observar os inúmeros princípios que regem a matéria. Assim, repisamos que o ECA não tem a sua aplicação e utilização apenas baseados na letra fria da lei, mas também nos princípios aqui já destacados. 

Ricardo Requena
http://ricardorequena.jusbrasil.com.br/artigos/112021036/medidas-de-protecao?utm_campaign=newsletter&utm_medium=email&utm_source=newsletter

A responsabilidade civil do Estado e as concessionárias de serviço público

A concessão de serviço público está definida no art. 2, inciso III, da lei 8987/95 como a delegação de sua prestação, feita pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado.

Do conceito legal fica claro que o concessionário presta o serviço por sua conta e risco e em caso de dano assume a responsabilização de forma objetiva nos moldes do art. 37 § da CF/88. Quanto ao Estado, responde de forma subsidiária.

O ponto polêmico da questão, no entanto, é o relativo à responsabilização da concessionária quanto aos terceiros não usuários do serviço. Imaginemos um caso de um motorista de um veículo particular que vem a ser abalrroado por um ônibus de uma concessionária. Como se dá essa responsabilização já que ele não era usuário direto do serviço?

Aqui mais uma vez há divergência na doutrina e na jurisprudência. Entendem alguns que a responsabilidade das pessoas privadas prestadoras de serviços públicos é objetiva somente na situação em que o dano é perpetrado contra os usuários diretos do serviço.

Outros perfilham da ideia de que a responsabilidade objetiva dessas pessoas privadas prestadoras de serviço público atinge tanto os usuários como os terceiros não usuários do serviço público.

O fundamento dessa doutrina repousa em dois argumentos. O primeiro é que a CF/88 não faz distinção entre as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviço público para efeitos de responsabilização. O segundo é o de que como delegatárias do serviço essas pessoas atuam como se fossem o próprio Estado que responde objetivamente tanto frente ao usuário direto como ao usuário indireto. (Carvalho Filho, José dos Santos, p. 499).

A responsabilidade objetiva prevista no texto constitucional, para essa doutrina, incide de maneira igual para o Estado e para as pessoas privadas prestadoras de serviço público e se aplica a usuários diretos e indiretos.

No que diz respeito à posição do STF dois foram os momentos. Em 2005, o STF no RE 262.651/SP reformou uma decisão do então Tribunal de Alçada de São Paulo, excluindo a responsabilidade objetiva em face de terceiros não usuários do serviço público.

Em 2009, instado novamente o STF no RE 591.874/MS manifestou entendimento de que a responsabilização objetiva de concessionárias de serviço público atinge tanto usuários direto do serviço quanto usuários indiretos. Portanto, o posicionamento atual do STF é o de que as concessionárias respondem objetivamente, na modalidade do risco administrativo, pelos serviços prestados aos usuários diretos e indiretos do serviço público.

Elisson Costa
http://elissoncosta.jusbrasil.com.br/artigos/112020684/a-responsabilidade-civil-do-estado-e-as-concessionarias-de-servico-publico?utm_campaign=newsletter&utm_medium=email&utm_source=newsletter

Empresa de ônibus é condenada por não retirar bagagem de passageiro em parada

O Juizado Especial Cível de Angra dos Reis, do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ), condenou a Costa Verde Transportes a pagar uma indenização de R$ 4 mil a um passageiro, idoso e com problemas de saúde, que teve o pedido de retirar as bagagens de um ônibus da empresa negado pelo motorista do veículo.

O autor da ação viajou em um coletivo da empresa que faria o trajeto Rio de Janeiro-Paraty e, como de costume, solicitou que o motorista parasse no bairro do Frade, na Rodovia Rio-Santos. Depois de muita insistência do idoso, o funcionário parou o veículo, mas se recusou a retirar as malas do passageiro do bagageiro do ônibus. O senhor foi então obrigado a se deslocar até Paraty, no dia seguinte ao ocorrido, para buscar os volumes.

Na ação, a empresa alegou que não tinha obrigação de parar no local. Para o juiz, porém, o costume de parar, que foi confirmado por uma testemunha ouvida em audiência, gerou a obrigação, principalmente porque não foi informado claramente ao consumidor que tal serviço não estaria em prática.

“Ora, se há a parada do ônibus no local, sem que tenha sido prestada qualquer informação suficientemente clara ao consumidor em sentido contrário, deve haver o pleno desembarque, com a retirada da bagagem pelo cliente. Porém, não foi o que ocorreu, tendo o réu, através de seu preposto, absurdamente se negado a abrir o bagageiro para o autor que viu subitamente ser retirado da posse das três bolsas de bagagem que transportava. E é dever do fornecedor colocar no mercado serviços adequados e eficientes ao consumidor, sob pena de responsabilização pelos eventuais danos causados”, destacou o juiz Carlos Manuel Barros do Souto, na sentença.

O magistrado explicou, ainda, na decisão, sobre o dano moral sofrido pelo passageiro. “Os danos morais decorreram do constrangimento nascido do evento danoso em si e suportado pelo autor, pessoa idosa (hoje com 70 anos) e com problemas de saúde. O autor suportou sofrimento, angústia, insegurança e indignação que extrapolam a esfera do mero aborrecimento não indenizável, pelo que presente está o dano moral.”

Processo nº 0001192-03.2013.8.19.0003
Fonte: TJRJ, 08 out. 2013.

http://atualidadesdodireito.com.br/blog/2013/10/24/empresa-de-onibus-e-condenada-por-nao-retirar-bagagem-de-passageiro-em-parada/

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Qual a diferença entre o dano indireto e dano reflexo ou em ricochete? - Áurea Maria Ferraz de Sousa

No âmbito da responsabilidade civil, como se sabe, são seus elementos caracterizadores: a conduta humana, o nexo de causalidade e o dano. 

A doutrina explica que o dano indireto remete à ideia de uma cadeia de prejuízos, ou seja, a mesma vítima sofre um dano principal, denominado de direto e, em consequência deste, ainda suporta outro, indireto. Pablo Stolze ilustra a seguinte situação: numa relação de compra e venda de um animal, o comprador verifica a existência de uma doença letal (dano direto), sendo que a doença é transmitida para todo o rebanho que o comprador já possuía (dano indireto). 

O dano reflexo, por sua vez, é aquele que atinge, além da vítima direta, uma terceira pessoa, distinguindo-se do dano indireto exatamente porque neste a mesma vítima suporta danos direto e indireto.

Fonte: http://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/2035964/qual-a-diferenca-entre-o-dano-indireto-e-dano-reflexo-ou-em-ricochete-aurea-maria-ferraz-de-sousa?utm_campaign=newsletter&utm_medium=email&utm_source=newsletter

Planejamento sucessório: Usufruto é instrumento eficaz para estabelecer equanimidade

Se existe uma receita para se concretizar com maestria uma sucessão de bens, seja de que tipo for o patrimônio, ela pode ser resumida no seguinte: conhecimento da lei e sabedoria. O primeiro item pode vir de um advogado, mas o segundo é totalmente de responsabilidade de quem detém o patrimônio. Parece um tanto abstrato, mas é fato. Na hora de pensar em deixar bens em usufruto, por exemplo, quem se sai melhor? Aquele que conhece profundamente as pessoas envolvidas e que tem uma visão acertada de como elas costumam agir ou como agirão no futuro. Claro, não se trata de ter uma bola de cristal, mas de aprender a observar e ouvir pessoas.
Tendo essa sabedoria como premissa básica, a lei dá instrumentos eficazes para encaminhar questões desde as mais simples até as mais intrincadas. Já mencionamos anteriormente episódios que exemplificaram a utilização de um verdadeiro kit de modalidades de usufrutos. Quanto ao tempo, o usufruto pode ser vitalício ou temporário. No primeiro caso, a vigência do usufruto vai até a morte do usufrutuário; no segundo, estabelece-se um tempo de vigência para o término. Dito assim, é até simples, mas saber quando utilizar uma ou outra modalidade requer, como eu mencionei acima, bastante perspicácia. Também, claro, depende dos objetivos de quem detém o patrimônio.
A lei utiliza-se de palavras bem precisas para configurar com mais exatidão o usufruto e, dessa forma, acaba por dar mais ferramentas aos que necessitam gerenciar seus bens. Também já mencionei em artigo anterior o usufruto beneficiário. É aquele em que a disposição do bem não ocorre em função da necessidade de se remunerar alguém ou como forma de pagamento. Ora, se há o usufruto beneficiário, há também algum tipo oposto, em que se possa remunerar ou ressarcir alguém?
Sim. É o usufruto remuneratório, que se institui a título oneroso, ou seja, é utilizado com o objetivo de remunerar o usufrutuário. Imagine uma situação em que uma pessoa trabalhou por anos para o dono de um estabelecimento comercial. E que este tenha tido má sorte na condução financeira e fechado as portas. Sem dinheiro para ressarcir o funcionário, oferece o usufruto de algo , que pode ser um imóvel, por exemplo. Dessa forma, o ex-empregador pode dispor desse imóvel em favor do ex-empregado por um tempo – lembra do usufruto temporário? – e este poderá habitar, alugar ou dar o destino que lhe convier. Para outorgar o usufruto, se faz necessário o registro, elaborado no Cartório de Registro de Imóveis. No documento, constarão o nome do proprietário, que passará a ser identificado como “transmitente” e o nome do usufrutuário, que será identificado como “adquirente”, além do valor estimativo e venal do imóvel.
É importante saber que sobre a outorga de usufruto de imóveis incidem impostos. Há duas modalidades de impostos. Quando o usufruto se dá por meio de doação ou testamento, portanto por ato gratuito, incide o Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD); esse imposto é estadual. Se for por ato oneroso, como é o caso citado acima, do usufruto remuneratório, o imposto é municipal, chamado Imposto de Transmissão sobre Bem Imóvel (ITBI). O cálculo do imposto é baseado no valor venal do imóvel.
Aliás, por falar em custos, é bom que se diga, o bem que está disposto em usufruto tem sua manutenção a cargo do usufrutuário, seja qual for a modalidade desse usufruto. E, especialmente quando se tratar de usufruto temporário, essa responsabilidade não pode ser deixada de lado. No caso de um imóvel, por exemplo, a responsabilidade pela manutenção é do usufrutuário. Cessado o tempo de vigência, o usufruto é suspenso, portanto o imóvel fica liberado. Ao devolver ao proprietário, o imóvel terá de estar nas mesmas condições de quando se iniciou a vigência do usufruto.
Imagine, agora, a situação de se querer ou dever beneficiar mais de um usufrutuário. Como fazer? É possível por meio do usufruto simultâneo. Essa modalidade permite que vários usufrutuários sejam beneficiados, como os membros de uma família ou os diretores de uma empresa. Conforme ocorre o falecimento dos beneficiários, vai ocorrendo a extinção de parte do usufruto. Porém, pode-se também estabelecer que o quinhão de usufruto do falecido seja transferido para os outros usufrutuários sobreviventes. E aqui vale uma curiosidade: quando o usufruto simultâneo vem acompanhado dessa possibilidade de transferir o usufruto para os sobreviventes, torna-se similar ao que é conhecido como usufruto sucessivo. Mas essa modalidade não é preconizada pelo Código Civil Brasileiro.
É bem fácil concluir que o usufruto é um instrumento dos mais eficazes quando a questão é buscar equanimidade e justiça na utilização dos bens. Não é incrível a amplitude de possibilidades? O importante é saber utilizá-las!

Ivone Zeger é advogada especialista em Direito de Família e Sucessão, integrante da Comissão de Direito de Família da OAB-SP e autora dos livros Herança: Perguntas e Respostas e Família: Perguntas e Respostas.
Revista Consultor Jurídico, 25 de outubro de 2013
http://www.conjur.com.br/2013-out-25/ivone-zeger-usufruto-instrumento-eficaz-estabelecer-equanimidade

Guarda compartilhada obrigatória divide opiniões

Quando não houver acordo entre pai e mãe separados, a guarda compartilhada dos filhos poderá ser obrigatória. O Projeto de Lei 1.009/2011, do deputado federal Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP), foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara. A proposta modifica dispositivo do Código Civil (artigo 1.584, inciso II, parágrafo 2º), sancionado em 2008, que determina que a guarda compartilhada será aplicada "sempre que possível” — expressão que seria suprimida.
O artigo, que seguiu para aprovação do Senado, divide a opinião de especialistas. Secretário da Comissão de Estudos de Direito de Família do Instituto dos Advogados de São Paulo, Mário Luiz Delgado é favorável à mudança e acredita que o novo texto pode trazer um equilíbrio nos casos de litígio. "A proposta vem em boa hora, pois a redação atual do Código Civil permite o indeferimento do pedido de guarda compartilhada nos processos de divórcio litigioso. O argumento é o de que esse tipo de guarda não poderia ser impositiva, exigindo, sempre, a harmonia do casal”, explica.
Delgado também observa que o projeto impediria o uso da criança como “instrumento de pressão” no processo de divórcio. “É justamente nos casos de maior litigiosidade que a criança corre o risco de ser usada pelo genitor que detiver a guarda unilateral como instrumento de pressão ou de vingança contra o outro cônjuge, prejudicando, assim, os seus próprios interesses.”
Mas o especialista em Direito Privado Bruno Frullani, do escritório Frullani, Galkowicz & Mantoan Advogados, acusa o PL de generalizar a solução do conflito. “A atribuição do direito-dever de guarda, seja unilateral ou compartilhada, é casuística. É função do magistrado, auxiliado por psicólogos e assistentes sociais, diante de um dilema concreto, decidir qual dos genitores é apto a exercer a guarda. A supressão da expressão 'sempre que possível' restará inócua, uma vez que continuará a caber ao magistrado decidir se é ou não possível a guarda compartilhada”, avalia.
Álvaro Villaça Azevedo, presidente da Comissão de Direito de Família do Instituto dos Advogados de São Paulo e diretor da Faculdade de Direito da FAAP, entende que a imposição da guarda compartilhada pode ter como maior prejudicada a criança. “Melhor utilizar-se da guarda alternada, ficando a criança um período sob a guarda do pai e outro na posse da mãe”, sugere.
Pela proposta aprovada na Câmara, o regime compartilhado poderá ser aplicado apenas se ambos os genitores estiverem aptos a exercer o poder familiar. Caso uma das partes declare ao juiz que não tem interesse na guarda, ela será concedida ao outro.
O texto também proíbe qualquer estabelecimento privado ou público de negar informações sobre a criança a quaisquer de seus genitores, independentemente de qual deles detenha a guarda dos filhos. A multa para os estabelecimentos que descumprirem a regra será de um salário mínimo por dia.
“Ocorre que alguns magistrados e membros do Ministério Público têm interpretado a expressão 'sempre que possível', existente no inciso em pauta, como 'sempre que os genitores sem relacionem bem'. Ora, caso os genitores efetivamente se relacionassem bem, não haveria motivo para o fim da vida em comum e, ainda, para uma situação de acordo, não haveria qualquer necessidade da criação de lei”, justificou o deputado relator do projeto no texto submetido a votação.

Clique aqui para ler o PL.
Frederico Cursino é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 26 de outubro de 2013
http://www.conjur.com.br/2013-out-26/guarda-compartilhada-obrigatoria-divide-opinioes-especialistas

Lei concede direito a salário maternidade a pais adotivos

Casais homossexuais ou em que a mãe não seja contribuinte da Previdência Social serão os principais beneficiados pela Lei 12.873, sancionada nesta sexta-feira (25/10) pela presidente Dilma Rousseff. A norma institui que qualquer um dos cônjuges, independentemente do sexo, poderá requerer o salário-maternidade de 120 dias nos casos de adoção — em reforma à Lei 10.421, de 2002, que concedia o benefício apenas às mães adotivas.
“A lei segue o caminho promovido pela própria sociedade, que é a da igualdade entre homens, mulheres e homossexuais”, destaca a advogada especialista em Direito da Família, Ivone Zeger.
Ivone considera dois casos como "sementes" para a nova lei. Um deles envolveu professor solteiro que obteve licença para cuidar de seu filho adotivo com base no princípio da isonomia; ou seja, queria o mesmo direito concedido às mulheres. Em outro, dois homens pleitearam o pagamento do salário, alegando que o benefício pertencia à criança, e não aos pais. 
“A lei de 2002 tinha uma inconsistência, pois apenas casais de mulheres homossexuais eram beneficiadas. Eles então fizeram uma leitura do Estatuto da Criança e do Adolescente e da Constituição, e afirmou que o benefício era destinado à criança; portanto, não poderia haver a discriminação”, conta.

Herança do benefício
De acordo com o advogado trabalhista Ricardo de Paula Alves, do escritório Dias Carneiro, alguns pontos da norma ainda podem ser discutidos. O principal deles, em sua opinião, é o que versa sobre o caso de falecimento do cônjuge beneficiado. Pela norma, o outro integrante do casal poderá usufruir do restante da licença, desde que também seja segurado pela Previdência. “Ou seja, se o outro cônjuge não for contribuinte, perde o direito. Isso é um óbice dessa nova lei”, ressalta.
Já o professor de pós-graduação da PUC-SP, Ricardo Pereira de Freitas, comemora a parte da lei que concede os mesmos 120 dias do benefício, independentemente da idade da criança adotada: “A aproximação com a criança que acaba de chegar à família é importante em qualquer fase”, afirma Freitas.
Para o advogado trabalhista Alan Balaban Sasson, do escritório Braga e Balaban Advogados, foi corrigida uma inconstitucionalidade vigente até o momento. "A nova lei que complementa o beneficio do salário-maternidade utiliza do princípio constitucional de que homens e mulheres são iguais perante a lei e possibilita uma maior utilização do recurso em beneficio do recém-nascido", destaca.

Frederico Cursino é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 26 de outubro de 2013
http://www.conjur.com.br/2013-out-26/lei-concede-pais-adotivos-direito-salario-maternidade

domingo, 27 de outubro de 2013

Os contratos de time sharing turístico

O contrato de time sharing turístico é um contrato atípico de natureza consumerista que tem como objetivo democratizar o turismo, permitindo que consumidores possam usufruir de infraestruturas hoteleiras de luxo, às quais, possivelmente, não teriam condições financeiras de ter acesso. Além disso, visa garantir a circulação de riquezas, neste ramo, mesmo nas épocas de baixa temporada, uma vez que são oferecidos preços mais atraentes para a ocupação nesses períodos.  Aludido modelo contratual apresenta-se, no mercado, de diversas maneiras e com variadas denominações. Portanto, contratos chamados de “clubes de férias”, “programas de férias”, “tempo compartilhado”, possuem, apesar de poderem apresentar determinadas peculiaridades, as características essenciais de um contrato de time sharing turístico.

Em um contrato de time sharing turístico, o consumidor efetua um pagamento antecipado para garantir o gozo de suas férias futuras, normalmente, em hotéis de luxo localizados em vários países. Primeiramente, o consumidor deve arcar com uma taxa de afiliação, tornando-se, então, sócio do programa ou do clube de férias. É comum que esse montante pago para aquisição do título de sócio possa ser parcelado durante os anos subsequentes. Após a aquisição desse título, o consumidor assume a obrigação de efetuar, periodicamente, o pagamento de uma taxa de manutenção. O prazo dessa sociedade é variável, mas, geralmente, tem como fim estender-se por um longo período, isto é, cerca de dez a trinta anos. Durante esta sociedade, o consumidor tem direito de gozar dos benefícios das férias pré-programadas. Isto é, os montantes pagos convertem-se em diárias de hotéis, a serem usufruídas em períodos de baixa, média ou alta temporada, segundo o que constar em disposição contratual. Conforme aludido, referido modelo de contrato garante vantagens para ambas as partes do negócio. Afinal, os consumidores passam a ter direito de usufruir de infraestruturas hoteleiras luxuosas em várias localidades do mundo a preços mais acessíveis, enquanto estes hotéis têm a ocupação assegurada mesmo em períodos de baixa temporada.

O time-sharing turístico, atualmente, já é muito difundido na Europa e nos Estados Unidos e destina-se, principalmente, para o planejamento de férias familiares. No Brasil, este tipo contratual vem ganhando espaço desde a década de noventa, contudo, a maioria dos brasileiros, dada sua relativa novidade no mercado nacional, ainda não está familiarizada com este modelo e suas peculiaridades, o que facilita o cometimento de abusos por empresas que atuam no ramo.

Portanto, o contrato de time sharing turístico não é, em si, abusivo ou ilícito, pelo contrário, pode vir a ser bastante vantajoso para o consumidor. Entretanto, não raramente, o emprego de técnicas agressivas de venda e a escassez ou inverdade de informações oferecidas pelos vendedores podem fazer com que venham a possuir essas características, ou seja, ilicitude e abusividade, levando os consumidores a suportarem graves prejuízos. Nesse sentido, para evitar ou reparar danos, é relevante que o consumidor esteja muito atento aos seus direitos garantidos pela Lei, bem como aos mecanismos de defesa jurídicos a sua disposição.

NICODEMOS, Erika. As práticas abusivas contra o consumidor e os contratos de time sharing turístico. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3769, 26 out. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/25560>. Acesso em: 27 out. 2013.

Contrato de time sharing turístico

O contrato de time sharing turístico também é conhecido como contrato de tempo compartilhado, bem como por contrato de adesão a clube ou programa de férias, entre outros. Consiste em um tipo contratual pelo qual o consumidor efetua pagamento antecipado pelo gozo de férias futuras. Isto é, mediante a aquisição de um título de afiliação e o pagamento de uma taxa de manutenção periódica, o consumidor tem direito a converter os montantes pagos em diárias de hotéis em várias localidades do Brasil e/ou do exterior.
Trata-se de modalidade contratual capaz de trazer diversos benefícios para consumidores e fornecedores de serviços turísticos. Portanto, pode parecer um contra senso que haja uma quantidade significativa de demandas judiciais, movidas por consumidores, que envolve esse tipo de negócio. Ocorre que esta insatisfação, por parte dos consumidores, não se deve às peculiaridades dessa espécie de contrato, em si, mas sim, em razão de condutas ilícitas e abusivas, muitas vezes, praticadas pelas empresas que atuam no ramo.
 A principal delas, sem dúvidas, refere-se à utilização de técnicas agressivas de venda e marketing, que submetem o consumidor a uma situação de pressão psicológica. A adoção desse tipo de tática tem, por finalidade, a celebração imediata do contrato, sem que o consumidor tenha a oportunidade de formar seu consentimento de maneira livre e racional. Outra prática ilícita e abusiva, que se verifica neste setor, é a prolação de ofertas e a propagação de publicidades com informações falsas ou, ainda, repletas de omissões atinentes a aspectos relevantes quanto ao serviço que será prestado, em caso de realização do negócio. Não raramente, ainda, a prestação do serviço é falha e/ou dissonante do avençado em convenção contratual.
Todas estas situações levam, em diversos casos, os consumidores a buscar a rescisão unilateral destes contratos. Contudo, em face da recusa ou procrastinação, pela empresa, em atuar conforme requerido, não resta alternativa, ao consumidor, senão buscar, em sede judicial, a rescisão contratual e o ressarcimento pelos danos materiais e morais incorridos.
Diante deste contexto, é relevante salientar que o consumidor conta com amplo suporte legal e jurisprudencial para tutelar seus interesses. Afinal, o Código de Defesa do Consumidor garante, ao consumidor, o direito ao consentimento livre e informado. Sendo assim, assegura, a este, diversas alternativas para que, caso ofendido seu direito, seja devidamente compensado. Nesse sentido, prevê a possibilidade de arrependimento injustificado no prazo de sete dias. Prevê, ainda, a possibilidade de rescisão do contrato, mesmo após esse prazo, com a devolução integral dos valores pagos, com juros e correção monetária, sem prejuízo de indenização pelos danos materiais e morais sofridos, caso haja falha na prestação do serviço ou, ainda, não cumprimento do serviço nos termos em que foi ofertado. Adicionalmente, o Código Civil possibilita a anulação do contrato caso este tenha sido realizado com base em erro, dolo ou coação.
A jurisprudência tem exercido relevante papel na defesa do consumidor nessas situações. Afinal, os Tribunais têm, massivamente, admitido a possibilidade de rescisão ou anulação contratual, conforme o caso, quando o consumidor é pressionado a contratar e/ou quando lhe são fornecidas informações inadequadas sobre o serviço.  Entende-se que, nessas hipóteses, o consumidor é impelido a realizar um negócio que não realizaria se tivesse tempo para formar sua opinião racional sobre o contrato e/ou se tivesse sido adequadamente informado sobre o serviço a ser prestado e sua qualidade.

Introdução

O contrato de time sharing turístico teve sua origem no direito imobiliário. O contrato de time sharing, como modelo de contrato imobiliário, surgiu na Europa, na década de sessenta. Naquele período, a Europa passava por um grave período de recessão em virtude do término, relativamente, recente da Segunda Guerra Mundial. Naquele contexto, os contratos de time sharing constituíram uma alternativa interessante para famílias que pretendiam desfrutar de uma casa de veraneio, sem onerar-se com pesados custos de aquisição e manutenção. Por este tipo contratual, um grupo de pessoas adquire, conjuntamente, a propriedade de um bem imóvel e reveza-se, no tempo, para seu uso, gozo e fruição. Assim, torna-se possível usufruir do bem, em determinada época do ano, a um custo mais acessível. 
Com o passar do tempo, o contrato de time sharing passou a ser utilizado, também, no setor turístico, mas com suas próprias peculiaridades. No contrato de time sharing turístico, não há a aquisição da propriedade de um imóvel. O que se adquire são créditos que serão convertidos em diárias de hotéis. Sendo assim, o consumidor, ao contrário do que acontece na celebração de um contrato de time sharing imobiliário, em que há aquisição de um direito real de propriedade, no contrato de time sharing turístico, os direitos adquiridos têm natureza pessoal.
O contrato de time sharing turístico configurou relevante instrumento para fomentar o dinamismo no mercado turístico, sobretudo, nos períodos de baixa temporada. Todavia, muitas vezes, são adotadas práticas ilícitas e abusivas, por parte das empresas que atuam no ramo, principalmente, destinadas à captação de consumidores. Aludidas práticas podem causar graves prejuízos a estes que, diversas vezes, celebram contratos, unicamente, em razão de serem submetidos à pressão psicológica e a informações inverídicas.
Para evitar este tipo de situação, é fundamental que o consumidor esteja a par dos direitos que lhe são garantidos pelo Código consumerista. Afinal, desta maneira, não se deixará influenciar indevidamente, assegurando-se de celebrar o negócio somente se puder proferir seu consentimento livre e informado. E, caso já realizado o contrato, poderá tomar as providências cabíveis para compensar os prejuízos que sofrer.

NICODEMOS, Erika. As práticas abusivas contra o consumidor e os contratos de time sharing turístico. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3769, 26 out. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/25560>. Acesso em: 27 out. 2013.

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

'Negação do real' impede casal gay de adotar criança

Se o espaço familiar é sadio e possibilita a proteção e o desenvolvimento da criança, a questão de gênero seria algo menos importante no conjunto de fatores que poderia impedir a adoção. Entretanto, a existência de determinados segredos familiares pode prejudicar o desenvolvimento emocional da criança, já que impossibilita a transmissão e integração do psiquismo de algo que era do outro.

Essa síntese de um laudo psicossocial se constituitiu num dos motivos que levou a 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul a manter sentença que indeferiu pedido de habilitação para adoção de menor, feito por um casal homossexual. O caso tramita sob segredo de Justiça no 1º Juizado da Infância e Juventude de Porto Alegre, sendo um dos ‘‘pais’’ transexual.

Na Apelação encaminhada ao TJ-RS, o casal adotante pediu novo laudo psicológico, com outros profissionais, queixando-se de ‘‘certo desconhecimento acerca de transexualidade’’ por parte dos atuais avaliadores. Alegou que os técnicos ficaram mais preocupados com a transexualidade em si do que como efetivamente ambos se apresentam, em termos de comportamento, perante a sociedade.
(...)
Leia a íntegra em: http://www.conjur.com.br/2013-out-22/estudo-psicossocial-barra-adocao-crianca-casal-homossexual-rs

Clique aqui para ler o acórdão.
Jomar Martins é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio Grande do Sul.
Revista Consultor Jurídico, 22 de outubro de 2013
 

Heinz poderá divulgar slogan “Melhor em tudo o que faz”?

O Tribunal de Justiça de São Paulo indeferiu agravo para que a Heinz retirasse o slogan “Melhor em tudo o que faz” das veiculações publicitárias da sua marca de catchup. O recurso foi interposto pela Unilever — detentora do produto similar da marca Hellmann's. Por dois votos a um, a 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial entendeu que o uso da expressão não configura abuso por parte da concorrente. 
Relator sorteado, o desembargador Maia da Cunha teve voto vencido na decisão, da qual participaram também os desembargadores Francisco Loreiro e Carlos Teixeira Leite. A este último foi designada a redação do acórdão que indeferiu o recurso. 
Para Teixeira Leite, o termo contestado na ação — “Melhor em tudo o que faz” — significa apenas um convite da Heiz para que os consumidores experimentem o produto. O desembargadou lembrou que a própria agravante, Unilever, utiliza recurso semelhante ao associar a expressão “verdadeiro” ao catchup Hellmann’s. “Portanto, sem qualquer diferença entre os conteúdos publicitários, não parece razoável esse questionamento para a expressão”, afirmou o relator designado.
Em referência a decisões anteriores do mesmo tribunal, Teixeira Leite acrescentou que o descrédito à concorrência faz parte da natureza publicitária, e que ela é permitida quando a comparação é posta "como um realce, observando a ética".
A petição enviada pela Unilever acusa a publicidade da Heiz de violar o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, nos termos do artigo 32, que veda "a propaganda comparativa que não seja passível de comprovação". 

Mais vendido
O agravo foi interposto pela Unilever em ação na qual a empresa pedia ao TJ-SP a suspensão dos slogans "Melhor em tudo o que faz" e "Mais consumido do mundo" das propagandas da Heinz. Em setembro, a corte deferiu, em liminar, apenas a última contestação e determinou que a Heinz comprovasse a afirmação ou, do contrário, retirasse o termo de suas campanhas, noticiou o jornal Valor Econômico.
A ação foi ajuizada depois de a Heinz descumprir determinação do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária para que as duas expressões fossem suspensas.
Clique aqui para ler a íntegra do acórdão.

Frederico Cursino é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 23 de outubro de 2013
http://www.conjur.com.br/2013-out-23/heinz-divulgar-slogan-melhor-tudo-faz-tj-sp

Ministério Público pode ajuizar ação em benefício de menor mesmo sem omissão da mãe

A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu que o Ministério Público tem legitimidade extraordinária para o ajuizamento de execução de alimentos em benefício de menor cujo poder familiar é exercido regularmente por genitor ou representante legal.
Por unanimidade, a turma seguiu o entendimento da relatora, ministra Nancy Andrighi, para quem o MP tem legitimidade para a propositura de execução de alimentos em favor de menor, nos termos do artigo 201, III, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), dado o caráter indisponível do direito à alimentação.
“É socialmente relevante e legítima a substituição processual extraordinária do MP, na defesa dos economicamente pobres, também em virtude da precária ou inexistente assistência jurídica prestada pela Defensoria Pública”, afirmou a ministra.

Substituição processual
No caso, a execução de alimentos proposta pelo Ministério Público da Bahia foi negada pelo juízo de primeiro grau, ao entendimento de que o órgão ministerial somente teria legitimidade como substituto processual, valendo-se da autorização legal contida no artigo 201, III, do ECA, quando houvesse a excepcionalidade contida no artigo 98, II, do estatuto.
Segundo o artigo 98, “as medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos na lei forem ameaçados ou violados por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável”.
O Tribunal de Justiça da Bahia manteve a sentença e não reconheceu a legitimidade do MP. “Estando o alimentando sob o poder familiar da genitora, ilegítima a substituição processual do MP para propor ação de alimentos em favor daquele”, afirmou o tribunal estadual.
Para o TJ-BA, a legitimidade do MP pressupõe a competência da Justiça da Infância e da Juventude, e a competência das varas especializadas para conhecer de ações de alimentos depende de estar a criança em situação de ameaça ou violação de direitos, decorrente, por exemplo, da omissão dos pais ou responsáveis (artigo 98) — fatos não verificados no processo.
O MP recorreu ao STJ, alegando que não reconhecer sua legitimidade em situações como esta impediria o acesso de inúmeros hipossuficientes ao Judiciário, principalmente porque “muitas comarcas no estado da Bahia ainda não podem contar com o serviço efetivo de uma Defensoria Pública estruturada".

Competência autônoma
Segundo a ministra Andrighi, o artigo 201, III, do ECA confere ao MP legitimidade para promover e acompanhar as ações de alimentos e demais procedimentos da competência da Justiça da Infância e da Juventude, mas não limita a atuação ministerial exclusivamente às hipóteses em que a ação de alimentos seja da competência das varas especializadas.
De acordo com a relatora, a legitimidade do MP não se confunde com a competência do órgão jurisdicional, sendo ela autônoma, independentemente do juízo em que é proposta a ação de alimentos. “Qualquer interpretação diferente impossibilitaria a proteção ilimitada e incondicionada da criança e do adolescente”, destacou.
A relatora afirmou também que os valores ligados à infância e à juventude não só podem como devem ser tutelados pelo MP, de forma que qualquer obstrução à atuação do órgão implicaria furtar-lhe uma de suas funções institucionais. “O Ministério Público tem, assim, papel importante na implementação do direito fundamental e indisponível aos alimentos, que sem dúvida alguma é de suma relevância para o desenvolvimento de uma vida digna e saudável de menores incapazes”, assinalou a ministra. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

http://www.conjur.com.br/2013-out-24/mp-ajuizar-acao-beneficio-menor-mesmo-omissao-mae

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Responsabilidade civil do Estado legislador

A discussão doutrinária em tema de responsabilidade civil do Estado legislador no direito brasileiro pode ser sintetizado como um reconhecimento já configurado mas ainda vacilante em seus fundamentos e em seus contornos dogmáticos. O direito brasileiro, por ter adotado desde o seu alvorecer moderno, com a Constituição de 1891, o modelo norte-americano de controle de constitucionalidade das leis, nunca enfrentou os percalços para a afirmação da responsabilidade do Estado, tal qual se deu na França, em luta secular contra o dogma da soberania estatal.
No Brasil foi sempre clara a noção de que o Estado está submetido à ordem jurídica e de que o exercício ilegal das funções estatais enseja a reparação dos danos porventura ocasionados aos particulares. Deste modo, sempre se reconheceu, desde Pedro Lessa, a responsabilidade do Estado pelos danos causados pelo desempenho inconstitucional da função de legislar. Também é relativamente unânime na doutrina o entendimento de que essa responsabilização do Estado só pode ser demandada após a declaração de inconstitucionalidade da norma legislativa lesiva. Antes dessa declaração a lei eivada de vício presume-se constitucional e portanto, cogente; uma vez declarada a inconstitucionalidade, porém, os atos praticados sob a égide da lei viciada deverão reputar-se, a posteriori, ilícitos, e acarretar a responsabilidade do Estado pelos danos emergentes.
O problema concentra-se, assim na questão dos atos legislativos lícitos causadores de danos a terceiros. Embora não haja quanto à responsabilização do Estado consenso doutrinário a maioria da doutrina inclina-se pela tese da admissão do direito à indenização quando o ato legislativo constitucional atingir direta e imediatamente um particular ou grupo específico de particulares. O dano generalizado seria qualificado como encargo social, devendo ser suportado por todos os prejudicados, enquanto que o dano excepcional, desigual e grave, produzido pela norma legal, poderia, este sim, originar o ressarcimento sob o fundamento de violação ao princípio da igualdade de todos perante os encargos públicos. Apesar de relativo consenso, dissentem os autores na determinação da noção de dano especial e em seus contornos dogmáticos como a relevância do fato do lesado, a relação entre dano decorrente da própria lei e dano resultante da execução da lei, etc.
Os textos doutrinários, via de regra, não abordam em profundidade o tema e seus desdobramentos, limitando-se a afirmações peremptórias, ou, quando muito, escudadas na aplicação acrítica da doutrina francesa da responsabilidade do Estado legislador.
Um ponto a ser salientado é, contudo, a abordagem que a doutrina faz de um instituto relativamente novo: a responsabilidade estatal por omissões legislativas. Embora incipiente a discussão tornou-se fecunda nos últimos anos com diversos autores questionando a existência também de uma responsabilidade do Estado pela omissão inconstitucional no dever de legislar.

Jurisprudência sobre a responsabilidade civil do Estado legislador

Para verificarmos, na prática, como vem sendo o tratamento dado à responsabilidade civil do Estado enquanto legislador, vamos analisar o posicionamento jurisprudencial.
Em setembro de 1992, o STF reconhece nos fundamentos de uma decisão, que o Estado responde civilmente pelo desempenho inconstitucional da função de legislar, ou seja, pelos danos causados aos particulares decorrentes da própria norma jurídica e não de atos de execução da lei. Tratava a questão da lei nº 8024/90 que ao instituir o cruzeiro e dispor sobre a liquidez de ativos financeiros, determinou o bloqueio de cruzados novos, com restituição a ser feita em doze parcelas iguais, a partir de 16 de setembro de 1991.
Considerando que o recurso extraordinário para confirmação de decisão de desbloqueio imediato de cruzados novos objeto de retenção por efeito daquele ato legislativo estava prejudicado em função da restituição integral dos ativos financeiros bloqueados ultimada em 17 de agosto de 1992, o STF devolveu os autos à origem. Entretanto, o Ministro Celso de Mello (1992, p. 305-306) expressamente fundamentou que nada impedia que se demandasse, em sede processual adequada, a reparabilidade civil dos danos eventualmente causados pelo Estado, porque este responde pelo desempenho inconstitucional da função de legislar:
“Essa circunstância, contudo, não impede que se discuta, em sede processual adequada - e perante o juízo competente - o tema concernente à reparabilidade civil dos danos eventualmente causados pelo Estado por ato inconstitucional.
A elaboração teórica em torno da responsabilidade civil do Estado por atos inconstitucionais tem reconhecido o direito de o indivíduo, prejudicado pela ação normativa danosa do poder público, pleitear, em processo próprio, a devida indenização patrimonial.
A orientação da doutrina, desse modo, tem-se fixado, na análise desse particular aspecto do tema, no sentido de proclamar a plena submissão do poder público ao dever jurídico de reconstituir o patrimônio dos indivíduos cuja situação pessoal tenha sofrido agravos motivados pelo desempenho inconstitucional da função de legislar.”
Assentou-se então na jurisprudência o princípio doutrinário de que o Estado submete-se integralmente à ordem jurídica, inclusive no exercício da função legislativa, e que o desempenho inconstitucional da função de legislar gera o direito à reparação dos danos sofridos.
O mesmo Ministro Celso de Mello (1993, p. 175-177) reafirmou esse entendimento ao despachar o Recurso Extraordinário nº 158.962 de 04 de dezembro de 1992.
Não obstante o pronunciamento da mais alta Corte do país, a matéria não se acha plenamente pacificada na jurisprudência, havendo ainda decisões judiciais que, com alicerce na idéia teórica de ineficácia da lei inconstitucional, não admitem a possibilidade de que esta possa causar danos concretos aos particulares. Como esta decisão da 2ª Turma do TRF da 4ª Região (1991, p. 4552):
“Legitimidade passiva - Responsabilidade da União por atos legislativos - Alteração de normas relativas a cadernetas de poupança. 1. A atividade legislativa ou é exercida segundo a Constituição ou contra a Constituição. 2. Em qualquer caso inexiste responsabilidade do Estado. Na primeira hipótese, porque o ato será legítimo e dele não poderá decorrer prejuízo indenizável; na segunda, porque o ato legislativo será ineficaz, não podendo gerar qualquer efeito em relação à situação jurídica de seus destinatários. 3. A União Federal, portanto, não pode, em razão de sua atividade legislativa, ser considerada litisconsorte passiva da instituição financeira depositária de recursos de cadernetas de poupança. A caderneta de poupança é contrato de depósito estabelecido entre a instituição financeira e seu cliente. Embora sujeito a regras ditadas pelo Estado, o contrato não perde a natureza de contrato particular. Aliás, a cada vez mais constante presença legislativa do Estado limitando a autonomia da vontade na formação do contrato não é privilégio dos ajustes bancários. Basta citar, da mesma estirpe, os contratos de trabalho, de locação, de transporte e tantos outros. Embora ditando regras de natureza cogente em relação a tais pactos, nem por isso o Estado a eles se vincula e nem é parte na relação jurídica que deles nasce. Não há porque, ademais, pretender a responsabilidade do Estado por alegados prejuízos que decorreriam a uma das partes em razão de alteração legislativa.”
Outro assunto importante que analisamos seu reconhecimento pela jurisprudência pátria está na responsabilidade civil do Estado por ato legislativo constitucional. A mesma ainda não é reconhecida pela jurisprudência. Os tribunais pátrios não admitiram o rompimento do princípio da igualdade de todos os indivíduos diante dos encargos públicos como fundamento da responsabilidade civil do Estado por ato legislativo, ou seja, a idéia segundo a qual o prejuízo sofrido pelo particular dará lugar à indenização estatal toda vez que este prejuízo seja especial em relação a uma determinada categoria de indivíduos.
O que vem sendo aceito pelos tribunais é a indenizabilidade do prejuízo resultante do ato legislativo que impõe medidas restritivas ao exercício de uma indústria ou de uma atividade econômica, ou a faculdades inerentes à propriedade, com a modificação do direito anterior e suprimindo ou diminuindo certas vantagens ou proveitos que antes eram desfrutados pelo particular, desde que, através dessa regulamentação, se atinja a essência do direito de propriedade, equivalendo à sua supressão por meios indiretos. Fundamenta-se a pretensão à indenização, ainda aqui, segundo os tribunais, num ato ilícito, a violação do princípio constitucional que assegura a proteção ao direito de propriedade.
Tem decidido nessa linha reiterada, quanto às restrições impostas por lei especial à derrubada de matas pelo proprietário rural com vistas à preservação de reservas florestais, a jurisprudência do STJ :
“STJ. 1ª Turma. : Não é negado ao Poder Público o direito de instituir parques nacionais, contanto que o faça respeitando o sagrado direito de propriedade, assegurado pela Constituição. Não é para confundir as limitações da lei nº 4771/65 com a proibição de desmatamento e uso da floresta que cobre totalmente a propriedade, porque seria ‘interdição de uso de propriedade’, salvo indenização devida. (13.3.91, RDA 183/134)
STJ. 1ª Turma. : Ao direito do Poder Público de instituir parques corresponde a obrigação de indenizar em respeito ao direito de propriedade assegurado pela Constituição. Há que se distinguir a simples limitação administrativa da supressão do direito de propriedade. A proibição de desmatamento e uso de floresta que cobre a propriedade é interdição de uso da propriedade, só possível com indenização prévia, justa e em dinheiro, como compensação pela perda total do direito de uso da propriedade e desaparecimento de seu valor econômico. (REsp. 19.630, 19.08.92, DJU, I, 19.10.92, p. 18.217)
STJ. 1ª Turma : O direito de instituir parques nacionais, estaduais ou municipais há de respeitar o direito de propriedade, assegurado na Constituição. Da queda do muro de Berlim e do desmantelamento do império comunista russo sopram ventos liberais em todo o mundo. O Estado todo-poderoso e proprietário de todos os bens e que preserva apenas o interesse coletivo, em detrimento dos direitos e interesses individuais, perde a sobrevivência. Recurso provido. (REsp. 32.222-PR, 17.5.93, DJU 21.06.93, p. 12351) (CAHALI, 1996, p. 563)”
A responsabilidade civil do Estado legislador, reconhecida pelo Tribunal, na prática, muitas vezes o é sob fundamento diverso, qual seja, a desapropriação indireta, o que isenta o julgador de enfrentar diretamente os tormentosos problemas da responsabilidade por ato legislativo. Como nesse caso julgado pelo 1º Tribunal de Alçada Cível de São Paulo:
“1º TACivSP, 4ª C.: A desapropriação indireta consiste no fato de apropriar-se a Administração dos bens de um particular sem o emprego dos processos legais. Se, em virtude de lei municipal, um terreno não pode ser murado, mas sim gramado, serve de logradouro público e tem seu aproveitamento econômico impedido, encontrando-se, praticamente, fora do comércio, impõe-se a conclusão de que foi apropriado pelo Poder Público, o qual, conseqüentemente, deve pagar a indenização devida. (22.11.72, maioria, RT 454/139)”
Como se deduz do exame acima, a responsabilidade civil do Estado legislador no Brasil recebe uma aceitação bastante escassa nos Tribunais. Limita-se essa, consensualmente, à indenização dos danos decorrentes de ato administrativo baseado em lei posteriormente declarada inconstitucional pelo Judiciário.

Conclusão

No que tange à própria responsabilidade que decorre diretamente da lei inconstitucional, a admissibilidade jurisprudencial é restrita, fundando-se, não obstante, em decisões pacíficas do STF. A Suprema Corte tem adotado nesse particular comportamento inovador, reconhecendo o direito à indenização mesmo nos casos de planos macroeconômicos, quando é preponderante o relevante interesse público a confrontar-se com o direito dos particulares.
Contudo, mesmo nesses casos, a fundamentação das decisões judiciais é reduzida e não são abordados aspectos laterais porém relevantes como a culpa do lesado e a relação entre a lei e o seu regulamento.
Praticamente inexistente é o reconhecimento da responsabilidade civil do Estado por atos lícitos. Essas questões, ou não são abordadas, ou o são, com fundamento em forçosas analogias com outros institutos como o apossamento e a desapropriação indireta. Procura ainda a jurisprudência brasileira conduzir a discussão para a questão da violação do sacrossanto direito de propriedade, retornando para o terreno doutrinário sólido da responsabilidade do Estado pelo desempenho inconstitucional da função de legislar.


MARTINS, Reno Sampaio Mesquita. Responsabilidade civil do Estado legislador. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3766, 23 out. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/25590>. Acesso em: 24 out. 2013.

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

O fim do direito absoluto à propriedade

Outrora considerado um direito absoluto, oponível contra qualquer perturbação, frente a quem quer que fosse, observa-se que atualmente o direito de propriedade vem sofrendo alterações significativas quanto às formas de seu exercício. Estas alterações se deram num passado relativamente recente, aproximadamente nos últimos 30 anos, e vem sendo solidificadas. Isto se afirma com base nas novas ideias disseminadas com maior rigor após o advento da Constituição de 1988, com a valorização dos direitos sociais e do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Por exemplo, na área do Direito Imobiliário o uso responsável da propriedade com o cumprimento, por parte do proprietário, da função social atribuída à terra. Este conceito de função social da propriedade partiu da observação dos movimentos sociais rurais, cujas entidades organizadas passaram a bradar e exigir um melhor aproveitamento da terra disponível para agricultura e/ou pecuária, atacando os denominados “latifúndios improdutivos”.

Já não se admite mais o comportamento comum àqueles proprietários que deixavam extensas áreas de terra ociosas, apenas como fim de acúmulo patrimonial. Estes passaram a ser acusados de não cumprir com a função social de seu patrimônio, ou  seja, de mal aproveitá-lo enquanto bem de natureza produtiva e geradora de renda.

A partir daí, o direito de propriedade podia sofrer ataques judiciais com a consequente perda da propriedade de grandes áreas de terra, com indenizações que muitas vezes não atendiam aos interesses dos proprietários latifundiários. O Direito como ciência, portanto, passou a absorver estes conceitos e a traduzi-los como alterações e certa relativização do direito de propriedade.

O uso consciente dos recursos naturais e o respeito à manutenção de um meio ambiente equilibrado também foram fatores que, nas últimas décadas, passaram a representar uma exigência aos proprietários de terras, em especial, também, nas áreas rurais. Já não bastava mais ser dono para poder usar e abusar dos recursos da terra tais como os recursos hídricos e vegetais.

O exercício da propriedade sob o ponto de vista ambiental passou a ter barreiras, tais como a reserva de áreas de preservação permanente, de modo que representou, da mesma forma que a exigência do cumprimento da função social da terra, limites legais que foram edificados dentro do Direito a partir de estudos de movimentos sociais e científicos e de novos anseios de nossa moderna sociedade.

Este breve ensaio tem por objetivo lançar o pensamento: até onde poderá avançar a relativização do direito à propriedade individual em favor da coletividade?

Publicado por André Carpe Neves  
Fonte: http://andreneves.jusbrasil.com.br/artigos/111972243/o-fim-do-direito-absoluto-a-propriedade?utm_campaign=newsletter&utm_medium=email&utm_source=newsletter

terça-feira, 22 de outubro de 2013

O direito a um pai (Maria Berenice Dias)


Existe o direito constitucional à identidade, um dos mais importantes atributos da personalidade.
Todo mundo precisa ser registrado para existir juridicamente, ser cidadão.
Claro que esta é uma obrigação dos pais: registrar o filho em nome dos dois.

A lei dos registros públicos, que é anterior à CF/88 e ao CC/02 – e que até hoje não foi atualizada – está prestes a ser, mais uma vez, remendada, sem que com isso venha a atender ao maior interesse de uma criança: ter no seu registro o nome de ambos os pais.

A antiquada lei registral, atribui exclusivamente ao pai a obrigação de proceder ao registro do filho. Somente no caso de sua falta ou impedimento é que o registro pode ser levado a efeito por outra pessoa.

Agora de uma maneira para lá de singela, o PL 16/13, recém aprovado pelo Senado, atribui também à mãe a obrigação de proceder ao registro.

Ora, nunca houve qualquer impedimento para a mãe proceder ao registro do filho. Ela sempre assumiu tal encargo quando o pai se omite.

O tratamento, aliás, sempre foi discriminatório. Basta o homem comparecer ao cartório acompanhado de duas testemunhas, tendo em mãos a DNV - Declaração de Nascido Vivo e a carteira da identidade da mãe, para registrar o filho como seu. Já a mãe só pode registrar o filho também no nome do pai, se apresentar a certidão de casamento e a identidade do pai.

Esta é outra discriminação injustificável. Quando os pais vivem em união estável, mesmo que reconhecida contratual ou judicialmente, nem assim a mãe pode proceder ao registro do nome do pai. Para ele inexiste esta exigência. Consegue registrar o filho sem sequer alegar que vive na companhia da mãe.

A lei 8.560/92 e as resoluções 12/06 e 16/06 do CNJ, até tentaram chamar o homem à responsabilidade de registrar os seus filhos. Se a mãe indica ao oficial do registro civil quem é o genitor, é instaurado um procedimento, em que o indigitado pai é intimado judicialmente. Caso ele não compareça, negue a paternidade ou não admita submeter-se ao teste do DNA, nada acontece. Ao invés de o juiz determinar o registro do filho em seu nome, de forma para lá que desarrazoada o expediente é encaminhado ao MP para dar início à ação de investigação de paternidade. Proposta a ação, o réu precisa ser citado, nada valendo a intimação anterior, ainda que tenha sido determinada por um juiz.

Às claras que esta é o grande entrave para que os filhos tenham o direito de ter um pai. É de todo desnecessária a propositura de uma ação investigatória quando aquele que foi indicado como genitor nega a paternidade e resiste em provar que não o é. Diante da negativa, neste momento deveria o juiz determinar o registro, sem a necessidade de qualquer novo procedimento.

Na hipótese de o pai não concordar com a paternidade, ele que entre com a ação negatória, quando então será feito o exame do DNA.

O fato é que a mudança pretendida nada vai mudar. Para a mãe registrar o filho em nome de ambos, precisará contar com a concordância do genitor, pois terá que apresentar a carteira de identidade dele. Caso ele não forneça o documento, haverá a necessidade do procedimento administrativo. Ainda assim, para ocorrer o registro é indispensável que ele assuma a paternidade.

E, no caso de o indigitado pai não comparecer em juízo ou e se negar a realizar o exame do DNA, vai continuar a existir a necessidade da ação investigatória de paternidade, quando todos estes acontecimentos não dispõem de qualquer relevo.

Apesar de o CC/02 afirmar que a recusa a exame pericial supre a prova a ser produzida, não podendo quem se nega a realizá-lo aproveitar-se de sua omissão (CC/02 arts. 231 e 232), quando se trata de assegurar o direito à identidade a alguém, tais dispositivos não valem. A recusa do réu de se submeter ao exame de DNA gera mera presunção da paternidade a ser apreciada em conjunto com o contexto probatório (lei 8.560/92, artigo 2º-A, parágrafo único). No mesmo sentido a Súmula 301 do STJ, que atribui à negativa mera presunção juris tantum da paternidade.

Ou seja, a de alteração legislativa - anunciada como redentora - não irá reduzir o assustador número de crianças com filiação incompleta. Segundo dados do CNJ, com base no Censo Escolar de 2011, há 5,5 mi de crianças registradas somente com o nome da mãe.

Mais uma vez perde o legislador a chance de assegurar o direito à identidade a quem só quer ter um pai para chamar de seu.

 Maria Berenice Dias é advogada e vice-presidente do IBDFAM - Instituto Brasileiro de Direito de Família.
http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI188745,101048-O+direito+a+um+pai