sábado, 30 de novembro de 2013

Black Friday e o consumo como paraíso artificial

Segundo consta do site wiseGeek, a Black Friday é um termo criado pelos varejistas estadunidenses para nomear a ação de vendas anual, que acontece sempre na última sexta-feira de novembro após o feriado de Ação de Graças (http://www.wisegeek.org/what-is-black-friday.htm). Nesse dia, milhares de consumidores se mobilizam em lojas físicas e virtuais, de modo a aproveitar os descontos oferecidos para a aquisição de milhares de produtos.
Tarefa tormentosa é distinguir quando o consumo é mera satisfação de nossas necessidades básicas ou um subterfúgio às pressões do cotidiano.
J. Fayard, em sua obra A chave da felicidade e a saúde mental, dedica um capítulo especial ao que ele chama de paraísos artificiais, referindo-se aos indivíduos usuários de entorpecentes e os motivos que os levam à tal prática.
Analogicamente aos usuários de entorpecentes, guardando as devidas proporções, é claro, não são raros os casos de quem se deixa escravizar pelo consumo, no qual encontram, em princípio uma sensação fictícia de bem-estar, ou seja, um “paraíso artificial”, um refúgio agradável, porém irreal, a arrostar as dificuldades cotidianas.
Nesse sentido, eis a lição de Costa Freire:
(...) falamos de um ‘consumo’ de bens materiais ou símbolos de status, sem perceber que o que está sendo verdadeiramente ‘consumido’ é a vitalidade de nossos corpos e mentes, diariamente vendida e comprada, usada e abusada para azeitar a máquina ensandecida do lucro. Observadas de perto, as promessas da ‘sociedade de consumo’ são espantosas. Tudo cabe numa lista tacanha, onde, de um lado, estão os meios de evasão (...) e, de outro, a realidade social da qual todos querem se evadir (Apud Gerson Pastre de Oliveira. In http://www.campus-oei.org/pensariberoamerica/colaboraciones12.htm).
Lasch (1986) tem semelhante opinião:
“A produção de mercadorias e o consumismo alteram as percepções não apenas do eu como do mundo exterior ao eu; criam um mundo de espelhos, de imagens insubstanciais, de ilusões cada vez mais indistinguíveis da realidade. O efeito especular faz do sujeito um objeto; ao mesmo tempo, transforma o mundo dos objetos numa extensão ou projeção do eu. É enganoso caracterizar a cultura do consumo como uma cultura dominada por coisas. O consumidor vive rodeado não apenas por coisas como por fantasias. Vive num mundo que não dispõe de existência objetiva ou independente e que parece existir somente para gratificar ou caracterizar seus desejos” (LASCH, Christopher. O mínimo eu: sobrevivência psíquica em tempos difíceis. São Paulo: Brasiliense, 1986).
Anote-se que o consumo, obviamente, não é capaz de causar as debilidades atribuídas aos entorpecentes. Porém, as conseqüências de seu desregramento não são menos graves.
Tomemos como exemplo mais corriqueiro a violência nos grandes centros urbanos, já banalizada pelos meios de comunicação. São inegáveis as conseqüências que o movimento do campo para a cidade trouxeram para o convívio social. Acostumados a uma vida simples e miserável, muitos acabaram por optar pela vida urbana como forma de alcançar o sucesso sócio-econômico.
É cediço que tal modelo de vida requer a satisfação de uma série de necessidades, acarretando, por conseguinte um grau de consumo mais elevado, em comparação com a vida rural. Destarte, há um choque cultural enorme entre indivíduos pertencentes a estilos de vida diferentes. O ponto de intersecção entre quaisquer indivíduos está exatamente na sedução pela modernidade, pelas novidades do mercado, pela automatização, novas tecnologias, enfim, pela chamada “tecnoestrutura”. São seduzidos, tanto o homem médio, quanto aquele sem qualquer instrução; este último em grau mais elevado. O habitante do “morro” também aspira o sucesso alcançado pelo rico empresário. Ilustrando-se: quer um lap-top, o tênis Nike, o jeans Levis, o carro do ano etc.
O problema também fora identificado pelo educador britânico John Lane, que assim enxerga a questão:
"As pessoas estão ligadas a metas de vida inalcançáveis. Os anúncios estão sempre nos dizendo que seremos mais felizes se escolhermos esse carro, essa nova cozinha. Dizem até que ficaremos mais atraentes se usarmos este xampu ou aquele desodorante. O consumismo e a pressão pelo sucesso estão criando uma epidemia de infelicidade para pessoas que não conseguem alcançar as metas colocadas à sua frente" (LANE, John. Revista Vida Simples / março de 2005, ed. nº 26, pág. 54).
Como corolário desses desejos, desponta o aumento da criminalidade. Bandido não rouba bandido, rouba, por exemplo, o morador da Zona-Sul carioca e demais bairros de nível social assemelhado. Isto é fato!
Então, embora não seja uma consequência físico-psíquica do ato de consumir, o aumento da criminalidade, nessa esfera, apresenta-se como uma consequência da tecnoestrutura imposta pelo neoliberalismo e pela globalização, em detrimento da coletividade. Mais uma vez é possível observar o quão vultoso é o papel do Estado na difusão de valores que permitam o saudável desenvolvimento social.
Néstor Garcia Canclini considera o consumo como uma das dimensões do processo comunicacional, relacionando-o com práticas e apropriações culturais dos diversos sujeitos envolvidos neste sistema. Afirmou que por meio dele os sujeitos transmitem mensagens aos grupos sócio-culturais dos quais fazem parte.
Baudrillard compartilha da mesma opinião, ao afirmar:
“O homem - ser consumidor considera-se como obrigado a gozar e como empresa de prazer e de satisfação, como determinado-a-ser-feliz, amoroso, adulador/adulado, sedutor/seduzido, participante, eufórico e dinâmico. Eís o princípio de maximação através da multiplicação dos contactos e das relações, por meio do uso intensivo de sinais e objectos, por intermédio da exploração sistemática de todas as virtualidades do prazer” (Cf. Carlos Fontes. Trabalho e Tempos livres, in www.educar.no.sapo.pt.).
Claus Radloff (2002, p. 03), assim consignou:
“De irretocável veracidade, impossível dissociar o ser humano do cotidiano de consumo. Inobstante a classe social em que vivemos, somos forjados pela conjuntura contemporânea e, como tal, independentemente do status social que assumimos. Somos, indubitavelmente, contumazes consumidores, quer seja pela necessidade biológica, quer pela necessidade incessante de atendermos nossos desejos, mesmo os mais dispensáveis e supérfluos” (RADLOFF, Stephan Claus. A Inversão do Ônus da Prova no Código de Defesa do Consumidor. Rio de Janeiro: Forense, 2002).
Fica, então, a reflexão nessa Black Friday, em que as redes sociais denunciam o descontentamento de milhares de consumidores com o engodo promovido pelos comerciantes, sendo pertinente indagar: compra-se por necessidade ou tão somente para se sentir "in"?

GUGLINSKI, Vitor. Black Friday e o consumo como paraíso artificial. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3803, 29 nov. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/26012>. Acesso em: 30 nov. 2013.

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

O óbvio sobre a extinção da dívida na alienação fiduciária

Dizem que é mais difícil explicar o óbvio. Sempre me recordo disso quando um aspecto crucial da alienação fiduciária de imóveis é colocado em discussão. O objetivo deste artigo é exatamente enfrentar a dura missão de explicar o óbvio. Espero que a explicação ajude a afastar um fantasma desnecessário que foi criado no mercado.
A questão refere-se à cobrança do saldo devedor de uma determinada dívida garantida por alienação fiduciária de imóvel quando, após o inadimplemento do devedor, o imóvel é levado a dois leilões sem que apareçam interessados em comprá-lo. Nesse caso, a solução dada pela Lei 9.514/97 é a permanência do imóvel na propriedade do credor.
Até aqui nenhuma questão. Se ninguém aparece para comprar o imóvel, o jeito é deixá-lo na propriedade do credor. Paralelamente, a lei estipula que o credor não precisará devolver “o que sobejar” ao devedor, ficando a dívida extinta.
Quando a lei menciona que o credor não tem a obrigação de devolver “o que sobejar”, ficando a dívida extinta, é óbvio que está se referindo à hipótese de a dívida ser menor e não maior do que o valor de avaliação do imóvel.
Por exemplo, se a dívida não paga é de R$ 80 mil e o imóvel foi avaliado em R$ 90 mil, mas ninguém quis comprá-lo nos leilões, o credor ficará com a propriedade do imóvel, a dívida de R$ 80 mil será considerada extinta e o credor não precisará devolver “o que sobejar”, ou seja, R$ 10 mil, ao devedor. Afinal, os R$ 10 mil são teóricos, pois ninguém quis comprar o imóvel nos leilões.
A solução acima, dada pela Lei 9.514/97, por óbvio não se refere à hipótese de a dívida ser maior do que a avaliação do imóvel. Por exemplo, se a dívida não paga é de R$ 2 milhões e o imóvel foi avaliado em R$ 90 mil, o credor ficará com a propriedade do imóvel se não houver interessados nos leilões. Mas não será aplicável a regra de que o credor fica desobrigado de devolver “o que sobejar”, ficando extinta a dívida. Afinal, não existe nenhum valor que sobejou após a permanência do imóvel com o credor. Muito pelo contrário, a dívida continua existindo pelo valor de R$ 1,910 milhão, já que o valor de R$ 90 mil do imóvel deve ser abatido do valor total da dívida de R$ 2 milhões.
Naturalmente, assim como em qualquer outra modalidade de garantia, após a excussão da alienação fiduciária que não foi suficiente para a liquidação integral do crédito, a dívida remanescente continua existindo e o credor pode continuar sua cobrança normalmente.
Dizer que a dívida ficaria extinta, além de não fazer sentido, representaria evidente enriquecimento sem causa do devedor. É importante repetir que a Lei 9.514/97 não menciona em nenhum momento que a dívida fica extinta nessas condições. Aliás, nem poderia fazer isso, pois não poderia trazer uma hipótese de enriquecimento sem causa.
A Lei 9.514/97 apenas trata da extinção da dívida no contexto da devolução, pelo credor ao devedor, “do que sobejar” após os leilões. Esse contexto só existe se: (i) o imóvel foi vendido em leilão por um valor maior do que a dívida; ou (ii) não apareceram interessados nos leilões quando o valor de avaliação do imóvel era maior do que o valor da dívida. Assim, a situação só é matematicamente possível se o valor da dívida é menor do que o valor do imóvel.
Infelizmente, alguns autores tratam a questão de maneira genérica concluindo que a dívida ficaria extinta em qualquer hipótese, ou seja, ainda que a dívida fosse maior do que o valor de avaliação do imóvel.
Essa conclusão não se sustenta em nenhum critério de interpretação. Ela não está baseada na finalidade da lei, nem na sistemática da lei. Ela não está baseada sequer na literalidade da lei, como alguns poderiam confundir ao ler apressadamente a Lei 9.514/97. Mais do que isso, nenhum critério de interpretação poderia levar ao enriquecimento sem causa do devedor.
Felizmente, essa interpretação genérica ainda não chegou à jurisprudência. Na verdade, a esperança é que o judiciário seja mais criterioso e separe as hipóteses quando for chamado a analisar a questão. Mas a mera existência de tal interpretação criou uma insegurança enorme no mercado.
Com receio de ver o seu crédito desaparecer na medida do enriquecimento sem causa do devedor, vários credores têm medo de utilizar a alienação fiduciária de imóveis. Assim, acabam optando pela hipoteca, que é uma garantia menos eficaz. Isso leva os credores a aumentarem as taxas de juros cobradas e, como resultado, todos os bons devedores são prejudicados.
A situação acaba sendo um ótimo exemplo de como a insegurança jurídica afeta a economia. O caso é ainda mais curioso porque a insegurança jurídica decorre de uma interpretação nada razoável disseminada quase na forma de um mito.
Ora, não faz sentido que o mecanismo da alienação fiduciária de imóveis seja distorcido e mal aproveitado em função de tal interpretação. Esse fantasma precisa ser dissipado.

Renato Berger é sócio de TozziniFreire Advogados
Revista Consultor Jurídico, 28 de novembro de 2013
http://www.conjur.com.br/2013-nov-28/renato-berger-obvio-extincao-divida-alienacao-fiduciaria

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Built to suit: aspectos práticos da vontade de contratar

Muito ainda se indaga sobre a natureza real do contrato denominado "built to suit",  assim como ainda encontramos nos dias atuais, contestadores fiéis sobre a liberdade legalmente atribuída às cláusulas e condições desta modalidade de contrato, que, em verdade, não passa em breves palavras de um contrato de locação no qual consta o dever atribuído ao locador de disponibilizar a construção ou reforma que atenda especificamente às necessidades e finalidades de um determinado locatário.
Muitos questionam a natureza de referida contratação, atribuindo de maneira errônea à Lei 12.744/2012, um caráter inovador, tal como se a inclusão desta modalidade locatícia à Lei de Locações Urbanas (Lei 8.245/91) trouxesse ao mercado imobiliário e da construção civil preceitos e conceitos jamais anteriormente delineados.
Ocorre, no entanto, que referida modalidade contratual se mostra no contexto imobiliário nacional há muitas décadas, tendo, contudo, sido adotado entre um rol limitado de empreendedores, assim compreendidos não somente os locadores imbuídos por satisfazer as expectativas de pretensos locatários, como dos próprios inquilinos que via de regra adotam e exigem um padrão específico de projeto e modelo construtivo para o desempenho de suas atividades.
A título exemplificativo, mencionemos para melhor ilustração, uma franquia, seja uma escola de línguas, uma empresa do ramo de alimentação, um hipermercado, ou ainda multinacionais que tenham como parte integrante de sua "marca", um modelo de edificação próprio para suas instalações.
Sabido é que não há nada de recente o reconhecimento público de uma instituição financeira, não só pela logomarca que a identifica às vias públicas, mas pela uniformidade de suas agências. 
Pois bem. Dos exemplos acima citados e da fácil idealização que daí obtemos, conclui-se que surge o primeiro equívoco: sempre acreditamos que renomadas e reconhecidas marcas e empresas deteriam a propriedade de cada um dos imóveis em que se encontram instaladas.
O fato é que, especialmente na última década, no Brasil, essa premissa não mais corresponde à realidade.
Considerando a presumida solidez e estabilidade de locatários tais como os acima exemplificados,  empreendedores disponibilizam àqueles imóveis que lhes atendam as expectativas para futura instalação de suas unidades, mediante prévia construção ou reforma (ainda que por meio de terceiros), com o prévio ajuste da futura locação entre eles, empreendedores e locatários.
O contrato de que trata o presente, "built to suit", portanto, trata-se de uma locação por encomenda, precedida das edificações ou obras que, em um primeiro momento, se fazem necessárias ao atendimento  de um determinado locatário.
Nesse passo, o empreendedor (locador) dispõe-se em edificar ou reformar um imóvel próprio, um projeto especialmente elaborado para um certo locatário, considerando as atividades por este desenvolvidas, não sendo raro que empreendedor-locador adquira determinado imóvel eleito pelo contratante-locatário, para ali incorporar a obra especialmente planejada.
Uma vez eleito o imóvel em que se edificará ou que será objeto das reformas contratadas pelo futuro locatário, passa o empreendedor a investir na construção ou reforma contratada, pré-estabelecendo as partes contratantes a futura finalidade daquela edificação ou obra, pré-dispondo de prazos mínimos para que usufrua o contratante locatário da edificação encomendada.
 
Em um primeiro momento, chegamos à conclusão lógica de que não haveria qualquer conveniência para esta modalidade de contrato, caso não obtivesse o empreendedor o reembolso do investimento praticado para aquele específico locatário. Neste momento encontramos a natureza mista do contrato "built to suit", à medida em que, assiste ao empreendedor o direito ao ressarcimento da edificação ou reforma encomendadas.
Considerando a finalidade recíproca dos contratantes acerca da locação do imóvel eleito, tem-se que, ao longo desta locação, pelo prazo  inicial de vigência mutuamente estabelecido, assiste ao locador, portanto, o reembolso do investimento realizado, sendo por este período pré-ajustados locativos mensais, nos quais inserem-se valores periódicos para o devido reembolso. De forma que, enquanto não integralmente ressarcido, naquele período pré-determinado, não assiste ao locatário a rescisão do ajuste escrito, senão mediante o pagamento integral da construção ou reforma contratada, obrigação esta que somente restará superada, após o transcorrer do prazo previsto para o ressarcimento do empreendedor.
Desta forma, enquanto não cumprida pelo locatário o dever de pagamento pela "obra encomendada", impera nesta relação contratual o princípio da autonomia de vontades e liberdade dos contratantes. 
Dito princípio, como cediço, sempre teve por alicerce a legislação civil, que possui, como essência, ademais, os princípios da   boa-fé e lealdade das partes.
Entretanto, uma vez adimplida a contra-prestação pelo locatário, concernente à restituição do investimento praticado pelo locador, retoma o ajuste locatício suas características essenciais e típicas dispostas à Lei Especifica (Lei 8.245/91), exigindo que daí por diante, impere o equilíbrio contratual, equilíbrio este conferido pelo mesmo diploma legal referido, mediante aplicação imediata de todas as suas disposições e limitações.
Assim, ao contrário do que se possa parecer, não há na Lei 12744/2009, ao introduzir no bojo da Lei 8.245/91, o contrato "built to suit", qualquer inovação. Por uma análise meramente teleológica, afasta o Legislador qualquer dúvida quanto à atipicidade primeira e característica desta espécie de contrato ao assim dispor:
"Art. 54-A. Na locação não residencial de imóvel urbano na qual o locador procede à prévia aquisição, construção ou substancial reforma, por si mesmo ou por terceiros, do imóvel então especificado pelo pretendente à locação, a fim de que seja a este locado por prazo determinado, prevalecerão as condições livremente pactuadas no contrato respectivo e as disposições procedimentais previstas nesta lei."
Complementa o legislador que, durante o prazo inicialmente contratado, impõe-se a observância do  princípio "pacta sunt servanda", através da redação do §2º do mesmo dispositivo legal acima transcrito:
"§ 2o  Em caso de denúncia antecipada do vínculo locatício pelo locatário, compromete-se este a cumprir a multa convencionada, que não excederá, porém, a soma dos valores dos aluguéis a receber até o termo final da locação."  
Por certo que o dispositivo ora em comento mereceria reparos, no sentido de clarear que "o termo final da locação" a que se refere, se consideraria aquele inicialmente pactuado como termo final para o ressarcimento do empreendedor locador, ajustado no momento da contratação, pois nada obsta aos contratantes que, findo aquele, optem pela renovação do ajuste por igual  período, ou prazo diverso, mediante repactuação de condições, que atendam o mercado de locações da ocasião, e a conveniência recíproca no momento da suposta renovação.
Nesta hipótese, peca o legislador ao não deixar expresso que em neste momento (de renovação) não mais há que se falar em ressarcimentos, mas apenas nas contra-prestações pela continuada cessão da posse, perdendo por conseguinte o art 54-A e seus parágrafos sua eficácia.
Por todo o acima exposto,  pela natureza do contrato em análise, e prevenindo-se qualquer indício de inexistência dos princípios norteadores da vontade inicial dos contratantes, indispensável, por óbvio, que venha o ajuste escrito originário redigido de forma clara e aparelhado com os projetos e cronogramas que orientam a conduta e iniciativa do empreendedor, devidamente reconhecidos e legitimamente anuídos pelo contratante, pretenso locatário.
Não pairam dúvidas, portanto, de que nada há de sombrio no chamado "built to suit", impondo-se apenas e tão somente aos contratantes as diligências mínimas e indispensáveis nos ajustes pré-contratuais, com a devida e satisfatória assistência sempre de profissionais jurídicos que lhes atendam na prevenção de futuros conflitos. 

CAPARELLI, Luciana. Built to suit: aspectos práticos da vontade de contratar. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3796, 22 nov. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/25928>. Acesso em: 25 nov. 2013.
 

O Direito novo do art. 227 da Constituição Federal de 1988

Com o advento da Constituição Federal de 1988, após um intenso processo de participação democrática e tensão entre interesses na consolidação do texto constitucional, pactuamos como comunidade nacional a inclusão de um fundamental e basilar artigo: o 227. Longe de ser um concessão benevolente do Estado, o art. 227 foi fruto de uma intensa movimentação popular, que tinha como nítida a necessidade de se incluir no rol dos direitos fundamentais uma garantia especial à criança brasileira, a qual lhe concedeu o mais alto e intenso grau de proteção.
Inaugurando a Doutrina de Proteção Integral da criança, o referido artigo definiu com clareza que todos os direitos da criança não deveriam ser apenas assegurados, como acontece com qualquer outro direito constitucional. Algo de novo e transformador consolidou-se nas linhas do texto constitucional, determinando às crianças brasileiras um novo status e, portanto, um novo direito. Em uma junção única de palavras, inexistente em qualquer outro lugar na Constituição, consolidava-se, há 25 anos atrás, o direito da criança à Prioridade Absoluta.
Dentro do sistema de normas da Constituição Federal, não há nenhuma outra determinação tão forte e expressa no sentido da proteção de direitos. O art. 227 coloca a criança como foco central de todas as preocupações constitucionais, determinando, ao menos no plano deontológico, que seus direitos e interesses devem ser observados em 1o lugar, antes de qualquer outro interesse ou preocupação. Detalhando a norma, o ECA em seu art. 4o define que tal absoluta prioridade compreende, dentre outros, a destinação de recursos públicos, a formulação e execução das políticas sociais públicas, o atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública e o recebimento de proteção e socorro em quaisquer circunstâncias.
No entanto, esse dever de garantir à criança Prioridade Absoluta não se restringe apenas à esfera de atuação e dos processos decisórios do Estado e de seus governantes. Segundo o mesmo artigo, todos nós – famílias e indivíduos na sociedade –, temos o dever de participarmos na realização desse objetivo, fazendo cada um a sua parte. Mais uma vez, o art. 227 inovou ao dirigir-se não apenas ao próprio Estado, no sentido de norteá-lo na execução de suas tarefas para promoção e defesa dos direitos dos indivíduos e coletividades. Ao determinar com exatidão o dever “da família, da sociedade e do Estado”, realiza com veemência um chamamento normativo a todos os atores sociais para uma ação constante na defesa e promoção dos direitos das crianças; e não somente da criança diretamente ligada às nossas vidas, da criança filha, da criança sobrinha, da criança neta ou da criança conhecida.
O art. 227 nos conclama a agirmos na defesa e promoção dos direitos de todas as crianças: da criança desconhecida, mas que sofre os abusos da violência diária em suas casas; da criança desconhecida, mas carente da falta de espaços seguros para o lazer e exercício do seu direito de brincar; da criança desconhecida, mas que passa seus dias e horas no labor constante entre os carros na cidade; da criança desconhecida, mas que recebe todos os dias o bombardeio das abusivas publicidades infantis; da criança desconhecida e invisível aos nossos olhos, mas sobrevivente em um cenário concreto e visível de violações de seus direitos e desrespeito a sua condição de vulnerabilidade e de indivíduo em desenvolvimento.
E se o art. 227 foi tão revolucionário, qual o motivo de todos nós ainda não o termos efetivado? Poderíamos elencar uma série de fatores históricos, culturais e sócio-comportamentais, como, por exemplo, o entendimento aferido pela Fundação Getúlio Vargas no índice de percepção do cumprimento da lei no Brasil, de que para 82% dos brasileiros é fácil desobedecer às leis. Ou ainda, da compreensão de que as crianças brasileiras somente há pouco foram consideradas sujeitos de direitos e não mais mini-adultos
No entanto, um dado alarmante nos chama mais fortemente os olhos. Fugindo do mito jurídico do conhecimento presumido da lei, constatamos, por meio de uma pesquisa realizada pelo Instituto Datafolha em junho de 2013, que mais de 80% da população brasileira não se considera informada sobre os direitos da criança, previstos na Constituição e no ECA. E, quando apresentados ao conceito de prioridade absoluta do art. 227, apenas 24% dos entrevistados se declararam informados sobre o conteúdo e o significado da norma.
Sabemos que o conhecimento de um direito é o primeiro passo para torná-lo realidade. Eis, então, um imediato obstáculo que temos que superar para tornar o novo direito do art. 227 realidade no plano fático da ação no mundo da vida. Aproximar o Direito daquele que não possui conhecimento de seus direitos e instruí-lo para exigi-los, talvez seja a mais nobre e emancipatória função de um Estado e de uma Sociedade Democráticos de Direito.
O novo direito preconizado pelo art. 227 nos convida como operadores a realizarmos, igualmente, um Direito novo. Um Direito no qual o superior interesse das crianças de nossas comunidades seja colocado em primeiro lugar. Um Direito balizado pela defesa dos interesses coletivos e difusos de nossas crianças certamente resultaria em mundo diferente e melhor para todos nós; um Mundo novo, no qual a novidade da Prioridade Absoluta do art. 227 tenha sido superada pela própria realidade.

Autores : Isabella Henriques, advogada e diretora do Instituto Alana, e Pedro Hartung, advogado do Instituto Alana e conselheiro do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente.

http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI191102,91041-O+Direito+novo+do+art+227  

Passaporte para cães e gatos

Foi criado um "passaporte" para cães e gatos que fazem viagens nacionais e internacionais. Segundo o ministério da Agricultura, a ideia é facilitar a entrada e saída dos animais.

A Portaria pode ser lida no Diário Oficial da União. De acordo com publicação no "Diário Oficial da União" de hoje (22), o documento pode ser solicitado gratuitamente.

O passaporte para trânsito de cães e gatos será emitido pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e terá entre as informações obrigatórias o nome e endereço do dono do animal; a descrição do animal; nome, espécie, raça, sexo, pelagem e data estimada de nascimento; número de identificação eletrônica do animal (microchip); dados de vacinação e exame clínico fornecidos por médico veterinário.

O documento poderá ser tirado daqui a três meses nas unidades do Sistema de Vigilância Agropecuária Internacional (Vigiagro) localizadas em portos, aeroportos, postos de fronteira e aduanas especiais.

De acordo com a portaria, o passaporte para pets será emitido gratuitamente pelo governo em português, inglês e espanhol. Os animais nascidos no Brasil ou no exterior devem ter, pelo menos, 90 dias de vida. A fotografia dos animais não será obrigatória, ficando a critério do proprietário fornecê-la em tamanho 5x7cm Caso o animal mude de dono, deverá ser pedida uma nova versão do documento com a apresentação obrigatória do antigo.

http://odiariodemogi.inf.br/nacional/20118-caes-e-gatos-terao-passaporte-para-viagens.html

Cirurgia de mama - Confira jurisprudência do STJ sobre obrigação do profissional liberal


Há o entendimento pacificado no STJ de que a responsabilidade dos médicos em cirurgias estéticas é com o resultado. E quando a cirurgia apresenta natureza mista, ao mesmo tempo estética e reparadora? Nessa hipótese, “a responsabilidade do médico não pode ser generalizada, devendo ser analisada de forma fracionada, sendo de resultado em relação à sua parcela estética e de meio em relação à sua parcela reparadora”, ensina a ministra Nancy Andrighi.

Em setembro de 2011, a 3ª turma do STJ julgou o caso de uma mulher que foi submetida a cirurgia de redução dos seios porque era portadora de hipertrofia mamária bilateral. O procedimento tinha objetivo de melhorar sua saúde e sua aparência, entretanto, o resultado da cirurgia foi frustrante. As mamas ficaram com tamanho desigual e cicatrizes muito aparentes, além disso, houve retração do mamilo direito.
O juízo de primeiro grau negou os pedidos feitos pela paciente na ação indenizatória ajuizada contra o médico e o Hospital e Maternidade Santa Helena. Para o magistrado, “as complicações sofridas pela autora devem ser consideradas como provenientes de caso fortuito, a excluir a responsabilidade dos réus”


Danos morais
O TJ/MG deu parcial provimento ao recurso da paciente, para condenar os responsáveis ao pagamento de danos morais.
No STJ, ao julgar recurso contra a decisão, a ministra Nancy Andrighi disse que, “ainda que se admita que o intuito primordial da cirurgia era reparador, o médico jamais poderia ter ignorado o seu caráter estético, mesmo que isso não tivesse sido consignado no laudo que confirmou a necessidade da intervenção”.
Ela acrescentou que o uso da técnica adequada na cirurgia não é suficiente para isentar o recorrente da culpa pelo não cumprimento de sua obrigação. “Se, mesmo utilizando-se do procedimento apropriado, o recorrente não alcançou os resultados dele esperados, há a obrigação de indenizar”, declarou.
Quanto à indenização, Andrighi sustentou que o valor arbitrado pelo TJ/MG, correspondente a 85 salários mínimos, “nem de longe se mostra excessivo à luz dos julgados desta Corte, a ponto de justificar a sua revisão” (REsp 1.097.955).


Fonte: http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI191083,91041-Confira+jurisprudencia+do+STJ+sobre+obrigacao+do+profissional+liberal

Perda do prazo por advogado - Confira jurisprudência do STJ sobre obrigação do profissional liberal


Perda do prazo
De acordo com o ministro Luis Felipe Salomão, a obrigação assumida pelo advogado, em regra, não é de resultado, mas de meio, “uma vez que, ao patrocinar a causa, obriga-se a conduzi-la com toda a diligência, não se lhe impondo o dever de entregar um resultado certo”.
Dessa forma, Salomão explica que o profissional responde pelos erros de fato e de direito que venha a cometer no desempenho de sua função, “sendo certo que a apuração de sua culpa ocorre casuisticamente, o que nem sempre é uma tarefa fácil”.
Em março de 2012, a 4ª turma do STJ negou provimento ao recurso especial de uma parte que pretendia receber indenização do advogado que contratou para interpor recurso em demanda anterior, em razão de ele ter perdido o prazo para recorrer.
Para Salomão, relator do recurso, é difícil prever um vínculo claro entre a negligência do profissional e a diminuição patrimonial do cliente. “O que está em jogo, no processo judicial de conhecimento, são apenas chances e incertezas que devem ser aclaradas em juízo de cognição”, afirmou.
Isso quer dizer que, ainda que o advogado atue de forma diligente, o sucesso no processo judicial não depende só dele, mas também de fatores que estão fora do seu controle. Os ministros concluíram que o fato de o advogado perder o prazo para contestar ou interpor recurso não resulta na sua automática responsabilização civil (REsp 993.936)


Fonte: http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI191083,91041-Confira+jurisprudencia+do+STJ+sobre+obrigacao+do+profissional+liberal

Rinoplastia - Confira jurisprudência do STJ sobre obrigação do profissional liberal


Sérgio Cavalieri Filho ensina que, “no caso de insucesso na cirurgia estética, por se tratar de obrigação de resultado, haverá presunção de culpa do médico que a realizou, cabendo-lhe elidir essa presunção mediante prova da ocorrência de fator imponderável capaz de afetar o seu dever de indenizar”.
Em outubro de 2013, a 3ª turma do STJ analisou o caso de um paciente que teve de se submeter a três cirurgias plásticas de rinoplastia para corrigir um problema estético no nariz. Ele não ficou satisfeito com o resultado das duas primeiras operações e decidiu buscar o Poder Judiciário para receber do cirurgião responsável indenização por danos materiais e morais (REsp 1.395.254) .
Vencido o prazo estabelecido pelo cirurgião para que o nariz retornasse ao estado normal, o operado verificou que a rinoplastia não tinha dado certo. O médico realizou nova cirurgia, dessa vez sem cobrar. Contudo, segundo alegou o paciente, o novo procedimento agravou ainda mais o seu quadro, levando-o a procurar outro médico para realizar a terceira cirurgia.
O juiz de primeira instância julgou o pedido improcedente. Para ele, não houve comprovação de que o cirurgião agiu com negligência, imprudência ou imperícia. O TJ/SC manteve a sentença com base em prova pericial, a qual teria comprovado que a cirurgia plástica foi realizada em respeito às normas técnicas da medicina.
A ministra Nancy Andrighi constatou que, para afastar a responsabilidade do médico, o TJ/SC levou em consideração apenas a conclusão da perícia técnica, deixando de aplicar a inversão do ônus da prova.
Contudo, segundo a ministra, nas obrigações de resultado, o uso da técnica adequada na cirurgia não é suficiente para isentar o médico da culpa pelo não cumprimento de sua obrigação. “Se, mesmo utilizando-se do procedimento apropriado, o profissional liberal não alcançar os resultados dele esperados, há a obrigação de indenizar”, ressaltou.
Para Andrighi, devido à insuficiência da prova pericial realizada e da necessidade de inversão do ônus da prova, “o acórdão recorrido merece reforma”.



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Fundo de investimento - Confira jurisprudência do STJ sobre obrigação do profissional liberal


Fundo de investimento

Para os ministros da 4ª turma, não fica caracterizado defeito na prestação de serviço quando o gestor de negócios não garante ganho financeiro ao cliente. Embora o agente financeiro seja remunerado pelo investidor para escolher as aplicações mais rentáveis, ele não assume obrigação de resultado, mas de meio – de bem gerir o investimento, na tentativa de obter o máximo de lucro.
No julgamento do REsp 799.241, o colegiado afastou a responsabilidade civil do gestor de um fundo de investimento pelos prejuízos sofridos por cliente com a desvalorização do Real ocorrida em 1999.
Ao analisar o processo, o ministro Raul Araújo afirmou que, “sendo a perda do investimento um risco que pode, razoavelmente, ser esperado pelo investidor desse tipo de fundo, não se pode alegar defeito no serviço, sem que haja culpa por parte do gestor”.
Para o ministro, a culpa do gestor não ficou comprovada. “A abrupta desvalorização do real, naquela ocasião, embora não constitua um fato de todo imprevisível no cenário econômico, sempre inconstante, pegou de surpresa até mesmo experientes analistas do mercado financeiro”, disse.
Além disso, segundo o ministro, o consumidor buscou aplicar recursos em fundo arriscado, objetivando ganhos muito maiores que os de investimentos conservadores, “sendo razoável entender-se que conhecia plenamente os altos riscos envolvidos em tais negócios especulativos”.



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Confira jurisprudência do STJ sobre obrigação do profissional liberal - Procedimento odontológico

As obrigações contratuais dos profissionais liberais é tema sobre o qual o STJ se debruça constantemente. No Brasil, a maioria das obrigações contratuais dos profissionais liberais é considerada de meio. Ou seja, o resultado esperado pelo consumidor não é necessariamente alcançado, embora deva ser buscado.
De acordo com a ministra Nancy Andrighi, da 3ª turma do STJ, “a obrigação de meio limita-se a um dever de desempenho, isto é, há o compromisso de agir com desvelo, empregando a melhor técnica e perícia para alcançar um determinado fim, mas sem se obrigar à efetivação do resultado”.
Para o ministro Luis Felipe Salomão, da 4ª turma, nas obrigações de meio é suficiente que o profissional “atue com diligência e técnica necessárias, buscando a obtenção do resultado esperado”.
Existem, em menor escala, situações em que o compromisso do profissional é com o resultado – o alcance do objetivo almejado é condição para o cumprimento do contrato. Nancy Andrighi explica que “o contratado se compromete a alcançar um resultado específico, que constitui o cerne da própria obrigação, sem o que haverá a inexecução desta”.
Grande parte da doutrina considera que o cirurgião plástico que realiza procedimento estético compromete-se com o resultado esperado por quem se submeteu à sua atuação. O STJ tem entendido que, nessa espécie, há presunção de culpa do profissional, com inversão do ônus da prova. Em outras palavras, cabe a ele demonstrar que o eventual insucesso não resultou de sua ação ou omissão, mas de culpa exclusiva do contratante, ou de situação que fugiu do seu controle.
Veja como o STJ tem se posicionado sobre o tema ante a falta de previsão legal e as divergências doutrinárias. 
 
Procedimento odontológico
Ao julgar o REsp 1.238.746, a 4ª turma reconheceu a responsabilidade de um dentista que teria faltado com o dever de cuidado e de emprego da técnica adequada em tratamento ortodôntico. Naquela ocasião, os ministros entenderam que o ortodontista tem a obrigação de alcançar o resultado estético e funcional acordado com o paciente. Caso não o faça, deve comprovar que não agiu com negligência, imprudência ou imperícia, ou mesmo que o insucesso se deu por culpa exclusiva do paciente.
A paciente contratou os serviços do dentista para corrigir o desalinhamento de sua arcada dentária, além de um problema de mordida cruzada. Segundo ela, o profissional não cumpriu o combinado e ainda lhe extraiu dois dentes sadios. Diante disso, ela recorreu ao Poder Judiciário para receber indenização, além de ressarcimento dos valores pagos ao dentista.
Tanto o juiz de primeiro grau quanto o TJ/MS entenderam que o ortodontista faltou com o dever de cuidado e de emprego da técnica adequada. No STJ, o dentista alegou que não poderia ser responsabilizado pela falta de cuidados da paciente, que, segundo ele, não seguiu suas prescrições e procurou outro profissional.
Nos procedimentos odontológicos, mormente os ortodônticos, os profissionais da saúde especializados nessa ciência, em regra, comprometem-se pelo resultado, visto que os objetivos relativos aos tratamentos, de cunho estético e funcional, podem ser atingidos com previsibilidade”, afirmou o relator, ministro Luis Felipe Salomão.
Salomão verificou no acórdão do TJ/MS que, além de o tratamento não ter obtido os resultados esperados, ainda causou danos físicos e estéticos à paciente. Ele concordou com as instâncias ordinárias quando afirmaram que, mesmo que se tratasse de obrigação de meio, o profissional deveria ser responsabilizado. A 4ª turma, em decisão unânime, negou provimento ao recurso do ortodontista. 

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quinta-feira, 21 de novembro de 2013

A execução da Reserva de Domínio

A execução no direito brasileiro[xxvii] é mais simples do que no direito português. No primeiro, basta o incumprimento de uma parcela para constituir o devedor em mora e legitimidade para fazer a cobrança em juízo, das parcelas vencidas e vincendas ou pela recuperação do bem.
A lei brasileira exige forma para a execução da reserva, deve-se ser feita por meio do protesto do título em Cartório competente ou por interpelação judicial.
Quando o vendedor optar por reaver o bem, ele poderá reter o preço pago[xxviii]  até o necessário para cobrir a depreciação da coisa e as despesas com os atos necessários para cobrança do devido.[xxix]
O direito luso acompanha o pensamento italiano, beneficiando o devedor que atrasa uma parcela do preço:
Art. 1525 – Inadimplemento do comprador
Não obstante acordo em contrário, o não pagamento de uma parcela, que não exceda a oitava parte do preço, não dá lugar à rescisão do contrato, e o comprador mantém o benefício do prazo em relação às parcelas subsequentes[xxx].
De acordo com o artigo 934º, o não pagamento de uma única parcela que não exceda um oitavo, não poderá dar causa à resolução, que somente seria cabível quando duas ou mais parcelas não fossem pagas ou quando a parcela não cumprida exceda um oitavo do preço do bem, no caso das partes não tratarem o contrário.
A reserva de domínio não se limita a garantir a cobrança do preço parcelado. Embora seja sua função essencial, ela deve ir além do direito de preferência à cobrança do preço, como ocorre com a hipoteca.
RIVERA aduz que: “esse algo a mais, especial da reserva de domínio e que a diferencia dentro do nosso ordenamento, deve ser a possibilidade de recuperar o bem vendido a prazo.”[xxxi]
Na hipótese do vendedor optar pela ação de cobrança e no decurso do processo o bem penhorado seja o próprio bem objeto de reserva de domínio, na situação de não existir outro ou existindo, que não garantam o pagamento da totalidade do devido, surge um obstáculo. Como garantir o pagamento com um bem que é do próprio autor da demanda[xxxii]?
A doutrina espanhola dominante profere que, nessa hipótese, existe uma renúncia tácita da propriedade do bem pelo comprador no instante da prática do ato executivo. Neste momento o comprador passa a ser o proprietário do bem embargado e por tal razão, suscetível de execução.[xxxiii]
Após colacionarmos legislação pertinente, fica translúcida a capacidade do vendedor em recuperar o bem, no caso de incumprimento do comprador. Mas também seria possível ao comprador recuperar o bem de terceiro?
FERNÁNDEZ revela que de acordo com a concepção clássica, é necessária a comprovação do domínio para obter a recuperação do bem. Nesse ponto de vista seria impraticável a ação reivindicatória pelo comprador, visto que ele não tem a propriedade do bem objeto da reserva de propriedade.
Outro autor espanhol, VALPUESTA, em seu livro Acción Reivindicatória, defende que a prova de titularidade dominial não se sujeita, necessariamente, as exigências tradicionais para a ação reivindicatória. Isso, pois, a resolução do conflito favorece o melhor direito por meio de uma análise comparativa entre as alegações e provas das partes.[xxxiv]
MANUEL RIVERA apoia a opinião de VALPUESTA. Pronuncia o autor que independente do nome da ação interposta, a prova do domínio foi altamente suavizada, o que na prática, coincide com o objetivo buscado pelo comprador: a recuperação do bem pelo melhor possuidor.
RIVERA prossegue demonstrando que a aplicação conjunta de dois princípios fundamentais do ordenamento jurídico reforçaria tal posicionamento:
- O dever inexcusável dos juízes e Tribunais resolverem todos os assuntos que conheçam segundo o sistema de fontes estabelecido[xxxv];
- O magistrado somente pode decidir pelos fatos afirmados pelas partes.
Acreditamos ser mais acertada a posição dos autores espanhóis. O adquirente do bem afetado com a reserva de domínio não poderia depender do vendedor, o proprietário do bem, para assegurar seu direito em relação à terceiro.
Diante dessas considerações, FERNÁNDEZ, conclui que o comprador será parte legítima para as ações possessórias: “os interditos destinados a recuperação ou manutenção pacífico da sua posse adquirida através da efetiva execução das obrigações contratuais. Ações que poderá exercer frente a qualquer perturbador, incluindo o vendedor.”[xxxvi]
Interessante destacar essa última afirmação de RIVERA: “incluindo o vendedor”. Como poderia o comprador impedir um ato do vendedor, o real proprietário do bem? Já dissemos que na ação reivindicatória, prevaleceria o melhor direito e nessa situação, estaríamos com um conflito entre Posse Vs Propriedade. Deixando as discussões doutrinárias de lado, a posse prevaleceria sobre a propriedade na maioria dos casos, em se tratando de reserva de propriedade.
Isso se motiva pelo fato de não se admitir ao vendedor o livre acesso ao bem vendido pela simples justificativa de que permanece com a sua propriedade. A única hipótese para que o vendedor recupere o bem é o incumprimento contratual por parte do comprador, nas formas já especificadas[xxxvii]. Para as outras hipóteses, o comprador poderá opor ações possessórias contra o proprietário.
Agora, na situação de uma execução do vendedor, os credores somente poderão embargar os direitos que o vendedor tenha sobre a coisa, ou seja, ao restante das parcelas vincendas e não sobre a propriedade do bem, mesmo porque o vendedor somente poderá recuperá-lo diante do incumprimento do comprador.[xxxviii]


GUERRA, André Fonseca. Reserva de domínio. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3794, 20 nov. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/25880>. Acesso em: 21 nov. 2013.

Reserva de domínio: Transferência, risco e oponibilidade

Transferência e Risco:

Normalmente o risco e a propriedade caminham juntos, ou seja, quem é dono da coisa responde pelos riscos do seu perecimento ou da diminuição do seu valor. Na reserva de domínio, o comprador mantém a posse do bem, mas a propriedade conserva-se com o vendedor, quem, então, responderia pelos riscos da coisa?
A legislação brasileira é clara e segue os moldes do ordenamento italiano[xvi]:
Art. 524. A transferência de propriedade ao comprador dá-se no momento em que o preço esteja integralmente pago. Todavia, pelos riscos da coisa responde o comprador, a partir de quando lhe foi entregue.
Apesar do direito português não tratar especificamente sobre o tema, a doutrina segue a mesma posição do direito brasileiro.
MARTINEZ aduz que sempre que há entrega do bem, o risco é transferido. Citando artigos do Código Civil Português, como o 796º, nº 1 e 3 e o 886º, ele acredita que sendo a reserva de propriedade caso de condição resolutiva ou suspensiva, a transferência dos riscos se dá com a transferência do bem e não da propriedade.[xvii]
Na legislação e doutrina estudada, a visão do risco é una. FERNANDEZ esclarece que: É opinião admitida unanimemente que a transmissão do risco sobre a coisa, assim como a aquisição dos frutos gerados por esta, se transmitem ao comprador desde que haja a entrega da coisa por parte do vendedor.[xviii]
Chega a essa conclusão pelo seguinte motivo: “Se o comprador, pela tradição possessória, usa, goza e até abusa da coisa sem que haja pagado seu preço na totalidade, parece normal que suporte o periculum”.[xix]

Oponibilidade:

Anteriormente vimos que é necessário o registro da cláusula da reserva de domínio para que seja possível a oposição contra terceiros de boa-fé.
Diferente da legislação portuguesa, a brasileira impõe a necessidade do registro de todos os bens, sem distinção, para que seja admissível a oposição a terceiros.
Quando a lei de Portugal diz no art. 409º, nº 2: Tratando-se de coisa imóvel, ou de coisa móvel sujeita a registo, só a cláusula constante do registo é oponível a terceiros. Um importante questionamento surge.
Seria possível a oposição a terceiros em caso de bens não sujeitos ao registro? Percebam que o artigo transcrito determina a necessidade somente em relação aos bens registráveis.
Ressaltemos que: “em relação à cláusula de reserva de propriedade acordada numa compra e venda de coisa móvel não sujeita a registro, a sua eficácia não é questionável inter partes, mas não pode ser oponível a terceiros de boa-fé.[xx]” Vale dizer que a eficácia obrigacional independe do registro, entretanto ela não é suficiente para ser oposta a terceiros.
Varela e Leitão[xxi] consideram a possibilidade da oponibilidade em relação a terceiros desses bens não sujeitos a registro por não ter o valor posse vale o título.
E é o posicionamento de parte da jurisdição. É o que podemos ver dos seguintes excertos:
II - Tratando-se de coisa móvel não sujeita a registo, o pacto de reserva vale em relação a terceiros sem necessidade de qualquer formalidade especial.
III - Assim, se o comprador relapso vendeu, por sua vez, a mesma mercadoria a terceiro, este negócio tem o cariz de venda de coisa alheia cominada de nula, não podendo o segundo comprador opor o seu direito ao primitivo vendedor que se mantém proprietário da mercadoria.[xxii]
A decisão judicial revela um importante ponto de vista. Como o comprador não é proprietário do bem até que cumpra a condição compactuada, ao vender o bem, ele estaria realizando uma venda de coisa alheia, e, para boa parte da doutrina, o regime da venda de coisa alheia é suficiente para tutelar o direito do vendedor/proprietário.
PEDRO ROMANO não segue essa linha de pensamento. Diz o autor que a regra disposta no art. 409º, nº 2 afasta a reserva de propriedade do regime constante do art. 274º, nº 1. Ele conclui que o princípio geral é: “o da sujeição dos actos de disposição de bens ou direitos que constituem objeto de negócio condicional à própria condição, mas relativamente à reserva de propriedade, no que respeita à oponibilidade a terceiros, é necessária a publicidade (registro), razão pela qual, em relação a bens móveis não sujeitos a registro, não se pode aplicar o princípio da eficácia absoluta.”[xxiii]
Apesar de defender uma linha minoritária e ter seus fundamentos rebatidos com veemência por LEITÃO[xxiv], cremos que ROMANO segue a linha que oferece mais segurança jurídica. Imagine um terceiro de boa-fé que pesquise a situação do bem minunciosamente e descobre que ele é registrado com a cláusula de reserva de propriedade. Ele decide não adquiri-lo. Agora imagine a mesma situação, sendo que o terceiro não descobre nenhum embaraço a coisa. Se a coisa não for sujeita a registro, tal fato não garante nada. Ao adquirir o bem ele sempre estará sujeito a perdê-lo devido a uma possível reserva de propriedade.
Não existiria segurança jurídica. Os bens não sujeitos a registro com cláusula de reserva de propriedade não poderia ter eficácia real. A aparência de dono do comprador original impede qualquer desconfiança do terceiro adquirente, e mesmo que desconfie, a busca nada revelará de anormal.
ROMANO complementa com base no princípio da relatividade dos contratos, ou seja, como a cláusula de reserva de propriedade é uma cláusula contratual, não seria oponível em relação a terceiros por si.[xxv]
Caso o terceiro adquirente esteja de má-fé, obviamente, deverá perder o bem como penalidade por sua conduta vil.
A legislação italiana é mais específica e coloca a necessidade do registro para os bens imóveis e móveis, de acordo com o Codice Civile, e para os demais bens de acordo com legislação específica.
Caso a legislação portuguesa houvesse optado pela solução italiana, a discussão sobre a oponibilidade poderia não existir, possibilitando uma solução clara para o tema.[xxvi]


GUERRA, André Fonseca. Reserva de domínio. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3794, 20 nov. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/25880>. Acesso em: 21 nov. 2013.

Reserva de domínio: natureza jurídica e forma

FERNÁNDEZ leciona ser frequente crer que a reserva de domínio tratar-se-ia de uma condição resolutória, entretanto, ao admitir essa possibilidade estaríamos supondo que a propriedade do bem passa imediatamente ao comprador, tornando o vendedor desprotegido frente a terceiros credores ou adquirentes de boa-fé do comprador.[ix]
O autor continua dizendo que outra parcela[x] da doutrina defende a tese da Aquisição Progressiva da propriedade, ou seja, a reserva de domínio seria uma relação contratual complexa na qual a propriedade é adquirida gradualmente, de acordo com a evolução do pagamento do preço. [xi]
Cremos não ser a melhor opção. O benefício da reserva da propriedade está no fato de manter-se a propriedade com o vendedor até que o pagamento total, ou outro efeito, seja atingido e com isso o bem seja transferido ao comprador. Admitir que a propriedade passe progressivamente ao comprador seria descaracterizar o instituto e dificultar o vendedor no momento da execução, caso haja incumprimento do comprador.
A doutrina italiana considera a reserva de domínio como uma hipótese de venda obrigatória, enquanto o direito alemão destaca o caráter real da posição do comprador ao dizer que este teria um direito de expectativa, que supõe uma segurança na aquisição do domínio pleno do bem no momento em que a condição é cumprida.[xii]
No entendimento de LEITÃO, a natureza seria uma venda em que o efeito translativo da propriedade é diferido ao momento do pagamento do preço, obtendo, no entanto, o comprador logo com a celebração do contrato uma posição jurídica específica distinta da propriedade.
Outra questão interessante é quanto a natureza da posse do comprador.
O Tribunal Supremo da Espanha em janeiro de 1976 se posicionou, revelando que a natureza dessa detenção seria a de depositário.[xiii]
Essa é a construção mais aceita na Espanha. Muitas críticas, todavia, podem ser feitas.
MANUEL RIVERA tece considerações admiráveis. Segundo o autor, não poderia admitir-se a natureza de depósito, por faltar a coerência jurídica, uma vez que o regime de depósito é totalmente contrária a essência, finalidade e natureza da reserva de domínio.
Continua dizendo que na reserva de domínio, o comprador não compra para guardar e restituir e ainda pode usufruir e gozar do bem. Características contrárias ao instituto do depósito.
Outro ponto que afasta os dois institutos é a impossibilidade do depósito de bens imóveis. Tanto o direito português quanto o espanhol é possível a reserva de domínio de bens imóveis, situação que não ocorre no Brasil.[xiv]
Por meio dessa exposição é possível defender que a natureza da posse do comprador não poderia ser a de depositário.
E qual seria a natureza da posse na reserva de domínio?
Admitindo as particularidades da reserva de domínio a doutrina preferiu definir a posse como uma situação jurídica sui generis. É a resposta mais simples, entretanto, é a conclusão alcançada por FERNANDEZ e pela doutrina e jurisprudência italiana.
GALASSO revela que: “A doutrina e jurisprudência afirmam tranquilamente a validade do contrato com reserva de propriedade, considerando uma hipótese normal de compra e venda e que criou uma forma de posse sui generis que não encontra semelhança no nosso ordenamento jurídico”.[xv]

Forma:

O Direito brasileiro impõe uma formalidade para a cláusula de reserva de domínio. O art. 522 determina que a reserva “será estipulada por escrito e depende de registro no domicílio do comprador para valer contra terceiros”.
Pode-se depreender que essa imposição tem como finalidade a publicidade e a possibilidade de oposição da cláusula diante terceiros.
A lei portuguesa determina a formalidade do registro no caso de bens imóveis ou dos móveis sujeitos à registro. Em outro capítulo iremos discorrer com mais atenção sobre essa oponibilidade diante terceiros.
GUERRA, André Fonseca. Reserva de domínio. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3794, 20 nov. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/25880>. Acesso em: 21 nov. 2013.

Reserva de domínio: conceito

A cláusula da reserva do domínio tem por objetivo garantir o domínio do bem ao vendedor até que o comprador cumpra a obrigação compactuada.
Antes mesmo de ser prevista legalmente, no ordenamento jurídico espanhol, o Tribunal Supremo em 1894 decidiu pela sua licitude e obrigatoriedade entre os contratantes.[i]
No direito brasileiro[ii], a transferência é feita, automaticamente, após o pagamento integral do valor, conforme o artigo 521 do Código Civil:
A legislação brasileira segue o pensamento italiano e espanhol que consideram a transferência somente após a quitação total do preço do bem. O artigo 1523 do Código Civil italiano é claro:
Na venda a prestação com reserva de propriedade, o comprador adquire a propriedade da coisa com o pagamento da última parcela do preço, mas assume o risco no momento da tradição.[iii]
Portugal segue outra vertente, possibilitando uma maior liberdade das partes ao dizer que a transferência da propriedade pode ocorrer após a verificação de outro evento, que não o pagamento total do bem, de acordo com o artigo 409º do Código Civil.
A doutrina apoia a lei. MARTINEZ aduz que “a reserva de propriedade pode estar relacionada com o cumprimento das obrigações do comprador, máxime o pagamento do preço, ou com a verificação de qualquer outro evento, podendo a cláusula ser aposta na venda de coisas móveis (genéricas ou específicas) ou imóveis”[iv], mesmo posicionamento de Leitão.[v]
A doutrina, todavia, discorda sobre uma possível limitação na compactuação de outro evento para a transferência da propriedade diverso do pagamento integral do preço do bem.
Por um lado, não há discussão. Como o vendedor pode desistir da reserva de propriedade a qualquer momento, o que ocasionaria a transferência imediata da propriedade, seria possível compactuar qualquer quantidade de parcelas inferior ao total para a transferência da propriedade.
A grande dificuldade está na possibilidade do evento acordado versar sobre atos de natureza diversa. Percebam que o artigo supramencionado não impõe qualquer limitação.
Na doutrina alemã admite-se a reserva de propriedade prolongada (Verlängerter Eigentumsvorbehalt), que seria a conservação da propriedade do vendedor perante posteriores aplicações da coisa e a reserva de propriedade alargada (Erweiterte Eingentumsvorbehalt), onde a reserva de propriedade mantém-se até a satisfação de todos os créditos do vendedor ou até da satisfação de outros credores.[vi]
Nesse último sentido, a doutrina admite que, esse outro evento, seja o pagamento de uma dívida a terceiro, situação recorrente para os casos em que o financiamento para a compra do bem não é realizado pelo vendedor.
O projeto de Convenção Europeia prevê a reserva de domínio nos moldes da legislação brasileira, entretanto é mais ampla ao permitir a reserva aos bens móveis e imóveis: Contrato com cláusula de reserva de domínio é o contrato de compra e venda de bens cuja propriedade dos bens objeto do mesmo não se transfere ao comprador até que este tenha cumprido a totalidade da contraprestação da compra.[vii]
 
Seria mais interessante que a legislação portuguesa modificasse o art. 409º 1, sua última parte, sobre a verificação de qualquer outro evento. A previsão da satisfação de uma dívida de terceiro poderia substituir a amplitude da expressão “qualquer outro evento”, tornando o preceito legal menos suscetível a excessos.
Outra importante diferença encontrada no instituto no Brasil e em Portugal se refere aos bens sujeitos à reserva de propriedade. No primeiro, a cláusula somente pode versar-se sobre bens móveis, já no segundo é possível tanto aos móveis, quanto aos imóveis.
Para que a cláusula da reserva seja válida, seja em relação a bens móveis ou imóveis, deve-se caracterizar o bem de maneira a torná-lo distinguível dos demais bens do seu gênero. É o que profere o seguinte artigo do Código Civil brasileiro:
Art. 523. Não pode ser objeto de venda com reserva de domínio a coisa insuscetível de caracterização perfeita, para estremá-la de outras congêneres. Na dúvida, decide-se a favor do terceiro adquirente de boa-fé.
 A inteligência do artigo pode ser exportada para Portugal, principalmente em relação aos bens móveis. Isso porque, normalmente, os bens imóveis tem forma própria de identificação, reduzindo a problemática da identificação.
Antes que passemos a discussão sobre a natureza do instituto, torna-se importante dizer que a cláusula em tela deverá ser compactuada antes da celebração da venda e poderá ser informal[viii], desde que o contrato em concreto prescinda de forma específica.

GUERRA, André Fonseca. Reserva de domínio. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3794, 20 nov. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/25880>. Acesso em: 21 nov. 2013.

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Justiça condena mãe por indisciplina do filho na escola

A Justiça de Goiás manteve condenação de multa a uma mulher por negligência na criação de seu filho, equivalente a três salários mínimos (R$ 2.034). Para a 6ª Câmara Cível, ela descumpriu “os deveres inerentes ao pátrio poder” estabelecidos pela Constituição. O valor será repassado para um fundo de direitos da criança na comarca de Cristalina.

A mulher foi responsabilizada pela indisciplina constante do filho na escola e por não contribuir para a sua melhoria, pois sempre faltava às reuniões escolares, sem justificativas. Ela tentou derrubar a sentença, sob a justificativa de que não tem muitas condições financeiras e precisa cuidar de três filhos, e sugeriu trocar a multa por sua apresentação mensal à Justiça.

Relator do caso, o desembargador Fausto Moreira Diniz disse que “o baixo grau escolar ou a falta de condições financeiras não podem ser aceitos como desculpas para o descumprimento de seus deveres como mãe, nem, tampouco, para afastar a sanção que lhe é imposta”. Ele foi seguido por unanimidade.

“Uma mãe não pode ser punida pelos atos de seus filhos, mas a situação é outra, quando aquela deveria tomar as providências necessárias para ajudar a sua prole não o faz”, justificou o desembargador ao negar o pedido. Com informações do Centro de Comunicação Social do Tribuna de Justiça de Goiás.

Revista Consultor Jurídico, 19 de novembro de 2013
http://www.conjur.com.br/2013-nov-19/justica-determina-mae-pague-multa-indisciplina-filho-escola

Estatuto das Famílias retoma proposições desastrosas

É comum vermos reviews de filmes, sejam bons ou ruins, tais como O Retorno de Jedi, O Retorno da Múmia, O Retorno de Goku e Seus Amigos.
Mas no Poder Legislativo o review de projetos de lei, com a utilização de casas diversas do Congresso Nacional, é chocante e lamentável.
Deveria haver mais respeito pelo Poder Legislativo brasileiro, evitando-se a apresentação de projeto com roupagem diferente, mas com o mesmo conteúdo, por uma das casas do Congresso, quando o mesmo projeto está em tramitação na outra.
Dever-se-ia aguardar a tramitação do projeto na casa de origem para, desde que ali aprovado, após sua remessa à outra casa, haver o exame das proposições legislativas.
É um descrédito para o Legislativo que um projeto de lei, como o chamado Estatuto das Famílias, apoiado pelo IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direito de Família), tenha sido apresentado no Senado, em 12/11/2013, sob o n. 470/2013, embora esteja em tramitação na Câmara dos Deputados, onde teve início sob o n. 2.285/2007, posteriormente apensado ao PL 674/2007.
Note-se que, quando esse PL chegou à Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara, quis-se atribuir-lhe apreciação conclusiva, o que foi obstado por quatro recursos de parlamentares. Portanto, o PL Estatuto das Famílias está sujeito à deliberação do Plenário da Câmara dos Deputados, na conformidade de seu Regimento Interno (Resolução n. 17/1989).
Portanto dever-se-ia aguardar que as proposições constantes do PL Estatuto das Famílias fossem para a Mesa, com a sua inclusão em pauta do Plenário da Câmara dos Deputados.
No entanto, esse mesmo projeto de lei, com as mesmas atrocidades propositivas, foi apresentado como de autoria da Senadora Lídice da Mata (PSB-BA) – portanto, de iniciativa do Senado Federal, em 12/11/2013, sob o n. 470/2013, com idêntico apoio do IBDFAM.
Isso nos leva a ter de retomar os esclarecimentos necessários para que os nobres membros do Congresso Nacional não sejam levados a erro.
Foi o que fizemos no PL n. 2.285/2007, apensado ao PL 674/2007, também denominado Estatuto das Famílias, de iniciativa da Câmara dos Deputados, participando de Audiência Pública e apresentando Parecer que foi aprovado pelo Conselho do Instituto dos Advogados de São Paulo – IASP, entre outras manifestações .
Vamos lá, novamente, no que podemos chamar de O Retorno do PL Estatuto das Famílias.
Esse projeto de lei n. 470/2013, em seu art. 303, pretende substituir todo o Livro do Direito de Família do Código Civil brasileiro (Lei 10.406/2002).
Aí começam as falhas, porque não se deram ao trabalho, seus elaboradores, de apresentar conjuntamente outro projeto sobre o Livro do Direito das Sucessões. Já que o Direito de Família é uma das partes do Direito Civil, ligada ao Direito das Sucessões, como se pode tentar substituir o primeiro sem querer alterar o segundo?
Mas os malefícios do PL Estatuto das Famílias são muito maiores e seu texto é incorrigível, já que parte de premissas individualistas e, portanto, materialistas, aparentemente baseadas em afeto, que é sentimento e não valor jurídico. Passemos a apontar algumas dessas desastrosas proposições.

Bigamia
Esse PL propõe que as denominadas relações paralelas, expressão enganosa porque suaviza seu conteúdo de relações extraconjugais ou mancebia, sejam alçadas ao patamar de entidade familiar.
Assim, consta do título das Entidades Familiares, art. 14, caput e parágrafo único, que “As pessoas integrantes da entidade familiar têm o dever recíproco de assistência, amparo material e moral, sendo obrigadas a concorrer, na proporção de suas condições financeiras e econômicas, para a manutenção da família.” Parágrafo único. “A pessoa casada, ou que viva em união estável, e que constitua relacionamento familiar paralelo com outra pessoa, é responsável pelos mesmos deveres referidos neste artigo, e, se for o caso, por danos materiais e morais.”
Quer o tal PL institucionalizar a poligamia em nosso país. Para perpetrar esse plano, o PL tenta iludir com a outra proposição de que o duplo casamento seria nulo, ou seja, de que, diante da bigamia, o segundo casamento não valha (art. 1.516, § 3º).
Quem tem um senso mínimo de conhecimentos gerais, nem mesmo precisam ser jurídicos, sabe que a bigamia – duplo casamento – é raríssima. No entanto, algo que não é tão incomum, é a mancebia, a relação extraconjugal, a manutenção de amante fora do casamento ou da união estável.
Assim, a amante ou o amante (coloquemos por educação as “senhoras” antes) terá direito à pensão alimentícia e poderá ainda requerer reparação dos danos morais e materiais que o amásio ou a amásia lhe tenha causado. Quiçá porque a amante ou o amante não tenha recebido igual tratamento econômico que a família oriunda do casamento ou da união estável do respectivo amásio ou amásia.
Afinal, propõe esse PL que tudo possa ser reconhecido como entidade familiar, ao prever no art. 3º que “É protegida a família em qualquer de suas modalidades e as pessoas que a integram”, sendo confundida a dignidade, que não é um conceito que cada um forja como quer, com a dignidade da pessoa humana protegida pela Constituição da República Federativa do Brasil (art. 1º, III), ao dizer, aquele PL, no art. 4º que “Todos os integrantes da entidade familiar devem ser respeitados em sua dignidade pela família, sociedade e Estado”, completando no art. 5º que “Constituem princípios fundamentais para a interpretação e aplicação deste Estatuto... a afetividade;... a convivência familiar;... a igualdade das entidades familiares... o direito à busca da felicidade e ao bem- estar”.
Ora, tudo pela felicidade, individualista, egoísta, perversa, que passa como um trator sobre os anseios da sociedade e sobre os valores da família brasileira, que quer atender os desejos de poucos, sem qualquer representatividade da maioria.
O PL Estatuto das Famílias chega ao cúmulo, nas suas justificativas, de argumentar que “A realidade social subjacente obriga a todos, principalmente a quem se dedica ao seu estudo, a pensar e repensar o ordenamento jurídico para que se aproxime dos anseios mais importantes das pessoas”.
Desde quando é anseio social no Brasil que as relações conjugais ou de união estável admitam relações paralelas, ou seja, a mancebia? Vê-se, facilmente, que esse PL distorce o pensamento social e quer enfiar “goela abaixo” de nosso ordenamento legal a poligamia.
Quem recebe um trio formado por duas mulheres e um homem ou por dois homens e uma mulher em sua casa e lhe diz, venha, sente-se e coma à minha mesa? Ditado que bem representa e resume o que queremos mostrar. Esse tipo de relação paralela, seja consentida ou não consentida, não é aceita pela sociedade e deve assim também ser repudiada pela legislação e por todas as formas de expressão do direito.
Mas não para por aí. Também é prevista a família pluriparental. Na proposição do art. 69, § 2º: “Família pluriparental é a constituída pela convivência entre irmãos, bem como as comunhões afetivas estáveis existentes entre parentes colaterais”.
Nas famílias chamadas recompostas, o padrasto e a madrasta têm direitos e deveres perante os enteados, compartilhando da autoridade dos pais, conforme art. 70 desse PL. Esses padrastos e madrastas passarão a ter o dever de pagar pensão alimentícia aos enteados, em complementação ao sustento que já lhes deem seus pais ou suas mães, conforme prevê o art. 74 do PL. No art. 90, § 3º, o PL é retomada a mesma proposição, no sentido de que “O cônjuge ou companheiro de um dos pais pode compartilhar da autoridade parental em relação aos enteados, sem prejuízo do exercício da autoridade parental do outro”.
Multiparentalidade, é o que pretende esse PL, com incentivo ao ócio, porque se um jovem tem duas fontes pagadoras de alimentos (pai e padrasto, por exemplo), por qual razão esforçar-se-ia a trabalhar? Incentivo ao ócio também porque a mãe de uma criança ou adolescente sustentada por dois homens concomitantemente (pai e padrasto), pela natureza humana, que cultiva ainda que no íntimo de seu ser, a preguiça, ficaria sem incentivo a buscar recursos para auxiliar no sustento do filho.
Incentivo ao desafeto, igualmente, porque uma pessoa em sã consciência evitará unir-se a quem tenha filhos, porque poderá ser apenado com o pagamento de pensão alimentícia aos jovens que não são seus filhos caso se separe da mãe desses menores.
Sem falar da absurda proposição de atribuir estado civil às uniões estáveis, que são uniões fáticas e que, exatamente por isso, não têm o atributo do estado civil, o que sequer exige maiores digressões, para que se verifique como há distorções nesse PL.
Vamos agora à presunção da paternidade, que se propõe ocorra no casamento, na união estável e em qualquer convivência entre a mãe e o suposto pai. Propõe o art. 82, I, que sejam havidos como filhos “os nascidos durante a convivência dos genitores à época da concepção”. Assim, até mesmo em relação eventual, sem estabilidade e sem certeza na paternidade, o que infelizmente é natural face às liberdades existentes nos costumes de nossos já excessivamente “alegres” dias, o homem será presumidamente havido como pai da criança e para que esse vínculo se desfaça caberá a ele promover ação de contestação da paternidade; enquanto essa ação tem andamento – moroso ou até mesmo suspenso o processo por poder absoluto do juiz previsto no art. 149 -, esse homem, se não for pai desse filho, prestará pensão alimentícia ao rebento. E, também, na família chamada paralela o amante será havido como pai do filho da amásia. Tudo um despautério!
O review de O Grande Gatsby, que retrata a sociedade dos idos de 1920, com suas perversões, nos induz a fazer a comparação com o retorno das proposições legislativas constantes do PL Estatuto das Famílias, não pela qualidade incontestável do referido filme, mas pela deturpação familiar que esse projeto acarretará na sociedade, que viverá quiçá ao estilo dos personagens do filme, com excessivo materialismo e completa imoralidade, em meio à lascívia e à perdição.
Afinal, por ser inconstitucional e desqualificado em suas proposições, inclusive em termos técnicos legislativos, o PL Estatuto das Famílias está mais para O Retorno de Goku e Seus Amigos, para não dizer O Retorno da Múmia.
Como se não bastasse, os pais e as mães sofreriam diminuição do poder familiar perante os filhos, não só por ter de dividi-lo com o padrasto ou a madrasta dos menores, mas também porque segundo o art. 104 desse PL, “O direito à convivência pode ser estendido a qualquer pessoa com quem a criança ou o adolescente mantenha vínculo de afetividade”.
O que é afeto, algo de natureza evidentemente subjetiva e, portanto, individual, em que se pretende embasar todas as normas sobre direito de família? Esse PL trata efetivamente de afeto ou de devassidão nas relações familiares?
Como já afirmamos em relação ao mesmo PL denominado “Estatuto das Famílias”, que tramita, ou melhor, está bem “adormecido” na Câmara dos Deputados, com algumas diferenças redacionais, mas com o mesmo conteúdo e os mesmos objetivos, essas proposições legislativas agora de iniciativa do Senado deveriam ser chamadas de “PL de Destruição da Família” (Curso de Direito Civil: Direito de Família, em coautoria com Washington de Barros Monteiro. 42ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 31).
Apontaremos em breve outras tantas perversidades propositivas à família brasileira que são realizadas por esse PL denominado Estatuto das Famílias.
 
Regina Beatriz Tavares da Silva é pós-Doutora em Direito da Bioética pela FDUL- Portugal, doutora e mestre em Direito Civil pela FADUSP, conselheira do IASP e advogada e sócia fundadora da Regina Beatriz Tavares da Silva Sociedade de Advogados.
Revista Consultor Jurídico, 19 de novembro de 2013
http://www.conjur.com.br/2013-nov-19/regina-tavares-silva-estatuto-familias-retoma-proposicoes-desastrosas