terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

A usucapião do cônjuge residente e a função social da propriedade

Uma nova modalidade de prescrição aquisitiva surgiu recentemente, e necessita ser mais bem esclarecida.
O artigo 1.240-A do Código Civil, incluído pela Lei 12.424, de 16.06.2011, visou regularizar questões habitacionais, estabelecendo determinados casos em caso de separação de fato ou até de divórcio, o cônjuge que continuou a residir no bem abandonado por seu ex-consorte pode pleitear a usucapião, desde que permaneça no imóvel pelo prazo de dois anos:
“Código Civil
Art. 1.240-A. Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
§ 1º O direito previsto no caput não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.”

O principal objetivo da inserção do referido dispositivo legal é proporcionar a regularização de imóveis encravados e pendentes de documentação.
Foi certamente visando à função social da propriedade, que o legislador resolveu destinar ao cônjuge que habita o bem o direito de delimitar o seu futuro, adquirido a parte do imóvel que caberia ao outro companheiro.
Mas é claro que este dispositivo só foi inserido na codificação civil em razão dos princípios basilares instituidores na nova normativa.

1.Problema

Pensando no caso específico dos cônjuges separados e da regularização imobiliária para a continuação da família, os legisladores acharam uma saída política para legitimar o estado da posse dos imóveis abandonados.
Influenciado pela situação familiar e também pelo amparo aos filhos, seja por traumas na relação ou até por uma reconstrução de vida, no mais das vezes, o ex-consorte não se vale do direito de propriedade, elastecendo no tempo uma situação de abandono no bem.
Ao abandonar o bem, em muitos casos, o outro cônjuge não regulariza a posse do consorte, seja lhe autorizando o comodato ou o cobrando pelo uso exclusivo.
Ocorre que surgia uma situação de instabilidade para o cônjuge que ficou com o imóvel, pois este não poderia alienar o bem, investir nele ou simplesmente regularizar uma situação de posse exclusiva.
O cônjuge possuidor também não poderia, anteriormente, regularizar a situação, pois não se pode adquirir pelo uso, um bem que lhe pertence.
É o mesmo que ocorre com o herdeiro, que tem que fazer o inventário e a partilha dos bens deixados pelo autor da herança, não podendo regularizar o bem pela usucapião, pois já é proprietário e não posseiro.
Tal como nos casos acima, o cônjuge residente no imóvel é proprietário do bem, tendo uma relação de condomínio com outro cônjuge.
É diante desta problemática que surgiu a ingerência legal, para regularizar a situação destes imóveis ocupados exclusivamente por um dos cônjuges.

2. Paradigma jurídico

É certo de que as leis são feitas pelo homem diante de suas necessidades sociais, mas os princípios que lastreiam o sistema jurídico devem ser contundentes, seguindo um fato que deve ser regulado.
Os ex-cônjuges não têm prazo decadencial ou prescricional para ajuizarem a ação de divórcio, a qual, por se tratar de ação de estado, pode ser pleiteada em qualquer momento ou até nem ser pleiteada, pois se trata de um direito personalíssimo, exclusivo dos cônjuges (Art. 1.582, Código Civil).
Diante deste imbróglio, o tempo se tornou um dos maiores aliados e também inimigo dos cônjuges, pois ao mesmo tempo em que não têm prazo para reclamarem, não resolviam integralmente a dissolução de sua união.
Nesta situação os bens do casal ficavam encravados por anos, até porque o processo de divórcio com a partilha poderia atravancar ainda mais o andamento da regularização judicial do estado civil dos envolvidos.
Para tanto, em 1997, mesmo antes do Código Civil de 2002, o Superior Tribunal de Justiça entendeu por bem facultar aos cônjuges a possibilidade de obterem o divórcio mesmo sem partilhar os bens, tal como expressamente autorizou a súmula 197:
“Superior Tribunal de Justiça
Súmula 197. Divórcio Direto - Partilha dos Bens – O divórcio direto pode ser concedido sem que haja prévia partilha dos bens.”
Como uma codificação é sedimentada sobre as necessidades sociais e também sobre os entendimentos pacificados, um novo permissivo legal autorizou que o divórcio ocorresse sem a prévia partilha de bens, tal como estabeleceu o artigo 1.581 do Código Civil:
“Código Civil
Art. 1.581. O divórcio pode ser concedido sem que haja prévia partilha de bens.”
Inclusive, o que antes era regra – a partilha do patrimônio, hoje se tornou exceção.
Ou seja, é prática comum nos Juízos de Família não se discutir a partilha no processo de divórcio se não houver concordância expressa e acordo dos cônjuges, pois o estado civil é direito potestativo e não pode sofrer limitações temporais em razão da discussão do patrimônio.
Assim, se houver questionamentos, será realizado simplesmente o divórcio, deixando a partilha para ser discutida em outro processo judicial.
De tal modo, a falta de regularização dos imóveis em discussão será perpetrada perpetuamente.

3. Princípios do Código Civil de 2002

O artigo 1.240-A é inovador e ao mesmo tempo condizente com a proposta normativa em vigor.
É fato que o Código Civil de 1916 não poderia ter abarcado tal dispositivo.
Isto se deve exatamente pelo rigor formal pelo qual era conhecido o Código Civil de 1916, que não permitia, em regra, a aplicação da boa-fé, da equidade, ou da função social.
A própria história da sociedade brasileira durante o século XX não permitia interpretações que abalassem os princípios fundantes da estrutura baseadas na propriedade privadas.
Todavia, o Código Civil de 2002 se adaptou as novas realidades sociais e consequentemente as inovações constitucionais.
Esta nova estrutura foi pensada com base nos novos preceitos trazidos pela Constituição Federal de 1988, que ao mesmo tempo em que garante o direito inviolável da propriedade, também faz remissão a seu necessário atendimento à função social:
“Constituição Federal de 1988
Art. 5º. [....]
XXII - é garantido o direito de propriedade;
XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;”
Mesmo com algumas omissões propositais, o Código Civil de 2002 pautou-se em lastrear as relações jurídicas em três princípios básicos: a eticidade, a operabilidade e a sociabilidade.
Enquanto a eticidade entende que o homem é um ser inserido na sociedade e, portanto, deve atuar em suas relações com ética e boa-fé, a operabilidade admite um sistema aberto de cláusulas gerais, que possibilitará melhores da legislação aos contornos e necessidades sociais, já o princípio da sociabilidade estipula que a norma deve ser analisada conforme o contexto social.
Assim se compreende um duplo viés de preocupação na inserção da usucapião familiar no ordenamento jurídico brasileiro com a destinação social, ou seja, preocupa-se tanto no contexto social como nas cláusulas gerais.
Juntamente com a boa-fé objetiva, a função social do contrato e da propriedade são as cláusulas gerais que regem o Código Civil de 2002.
Pelo simples conceito de cláusula geral como “norma que não prescreve uma certa conduta, mas, simplesmente, define valores e parâmetros hermenêuticos” (TEPEDINO, 2002), se verifica que seu alcance é limitado e um tanto intrincado.
Ou seja, o ordenamento jurídico, no caso da usucapião familiar necessitava de uma norma casuística que melhor resolve o conflito social brasileiro instaurado.
Isto se deve porque o que difere as cláusulas gerais das normas casuísticas é que as gerais são abertas, vagas, sem uma especificação de aplicação, portanto, descrevem uma conduta a ser seguida.
Já com uma norma casuística, poder-se-ia atender os anseios da sociedade e estipular regras específicas e usuais.
Por isto a usucapião familiar praticado pelo ex-cônjuge residente no imóvel teve que ser regulamentado, possuindo regras próprias e prazo bem mais resoluto que as outras espécies de usucapião.

4. Requisitos

Para que o cônjuge possa requerer a “usucapião familiar”, deve preencher nove requisitos legais:
O primeiro deles é o “prazo” de habitação do bem de pelo menos dois anos ininterruptos e tal como já acontecia com as outras modalidades de usucapião estabelecidas no Código Civil, a continuação da posse é indispensável, ou seja, não poderá o consorte abandonar o imóvel.
O imóvel que se pretende usucapir não pode ultrapassar os duzentos e cinquenta metros quadrados, pois o “espaço” legalmente instituído visa uma regularização fundiária e não o enriquecimento ilícito.
No caso da usucapião familiar a “posse deve ser direta”, ou seja, não será permitido que o cônjuge aproveitasse a posse de terceiros, nem alugue ou ceda o bem a outrem, pois a o que se pretende garantir é a unidade familiar.
Também, será necessária que a “posse seja exclusiva” pelo consorte, não podendo se aproveitar da referida ação declaratória, terceiro que tenha vindo a residir no imóvel, como novo companheiro ou cônjuge.
Tal como os demais, a posse deve ser mansa e pacífica, “sem litígio”, sem oposição, ou seja, somente será cabível se o ex-cônjuge não requereu seus direitos de coproprietário judicialmente (venda ou aluguéis), e se não foi realizada nenhuma ação possessória ou reivindicatória.
A “copropriedade” com o ex-cônjuge ou ex-companheiro é requisito indispensável, pois não basta ter unicamente a posse, eis que neste caso caberão somente as outras formas de usucapião.
A “finalidade” deve ser somente a de utilizar para sua moradia ou de sua família, não podendo usufruir para outros fins, tais como comércio, sublocações etc.
Deve firmar a “unicidade”, não podendo ser proprietário de nenhum outro imóvel.
Tal como as demais usucapiões que visa à moradia, o direito a usucapião familiar somente pode ser exercido uma única vez na vida (Art. 1.240-A, § 1º).
Por fim, é “cabível apenas para bem imóvel” e é admissível somente em caso de “omissão ou desídia” do outro cônjuge, ou seja, em caso dele abandonar o lar.
A usucapião familiar, se por um lado tem a virtude de regularizar a situação do cônjuge que continua a morar no imóvel depois do outro cônjuge abandonar o lar, por outro traz questionamento sobre o que poderia se compreender por abandono para fins desta nova modalidade de usucapião.
Isto porque a saída do cônjuge do imóvel, em caso de abalo na vida familiar, pode se dar por vários motivos, os quais não visam, necessariamente, abandonar a família.
Ou seja, esta retirada do ex-consorte pode se dar de modo espontâneo, pela desídia no sustento e manutenção da família, ou ser então coercitivo, através da ação cautelar de separação de corpos ou criminalmente, em decorrência de agressões ou ameaças ao ex-consorte com base na Lei Maria da Penha (Art. 22, inciso II, Lei 11.340/2006). Logicamente, buscando a paz e a tranquilidade familiar, pode ainda o cônjuge deixar o lar comum visando exatamente garantir a integridade e respeito com os filhos e com o ex-cônjuge, buscando a paz e a tranquilidade familiar.
A saída do ex-consorte do lar comum pode ocorrer espontaneamente pelo abandono do lar e da família ou para evitar atritos e coercitivamente para evitar violência em âmbito criminal ou em cautela de separação de corpos.
Logicamente, a usucapião familiar expresso no Artigo 1.240-A do Código Civil somente terá cabimento nas situações que envolvam “ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar”, eis que a saída para evitar maiores confusões e desavenças no seio familiar, ou nas hipóteses de retirada forçada do imóvel, não permitem tal modalidade de prescrição aquisitiva.
Portanto, o abandono do lar é um requisito subjetivo que deve ser atentamente examinado para se adquirir a posse ad usucapionem nesta modalidade de aquisição originária da propriedade.

5. Procedimento

A competência para a ação de usucapião familiar, a despeito dos requisitos que envolvam a família, é da vara cível, uma vez que se trata de ação real, e assim envolve terceiros por ter eficácia erga omnes.
Quanto ao procedimento, também terá as mesmas características das demais formas de usucapião, tais como citação por edital para conhecimento público, comunicação aos entes de direito público interno e notificação dos confrontantes (Art. 941 e ss. do CPC).

6. Início da posse

Por fim, cabe o debate do início da posse para a concessão desta usucapião, ou seja, se esta modalidade de aquisição da propriedade pode ou não ser utilizada para posse iniciada anteriormente à vigência da Lei 12.424, de 16.06.2011, que o instituiu.
Tendo em vista que a posse ad usucapionem é um direito material, o prazo inicial (termo a quo) para o usucapião familiar terá início apenas após a vigência da nova lei, desconsiderando-se qualquer posse anterior.
Se não fosse assim, o cônjuge que se retirou do lar anteriormente seria surpreendido por uma nova situação que inovaria indevidamente a ordem jurídica e lhe causaria prejuízo que o mesmo não tinha como prever.
Portanto, o prazo para concessão da usucapião familiar somente terá início após a vigência da lei que o instituiu, mesmo nos casos em que a posse tenha iniciado anteriormente.

Conclusão

A usucapião do cônjuge residente se mostra como uma alternativa viável para resolver os problemas enfrentados na regularização de imóveis, o que atenderá a função social da propriedade em razão do fortalecimento da estabilidade familiar.
A estabilidade familiar se deve à possibilidade de investimentos no próprio bem, na possibilidade de se obter financiamentos, bem como no indiscutível retorno em eventual alienação.
Diante da alusão perpetrada e das reflexões geradas, verificou-se que o dispositivo incorporado faz parte de um sistema paradigmático de transformação de cláusulas gerais em normas casuísticas, fornecendo maior coerência ao ordenamento jurídico.
Contudo, as impressões pessoais sobre o instituto é de que o mesmo não será fiel aos seus propósitos.
Isto ocorre em razão de que ficou estipulado um tamanho máximo de duzentos e cinquenta metros quadrados para que possa usucapir os referidos imóveis, o que, a priori, não parece condizer com as realidades brasileiras.
Ocorre que a maioria dos Planos Diretores municipais estrutura terrenos com quase o dobro da referida metragem, o que inviabilizará a utilização do referido instituto.
Assim, é premente uma revisão legislativa para que seja aumentado o tamanho referenciado, para que a função social pretendida com a edição da lei alcance sua finalidade.

MANJINSKI, Everson. A usucapião do cônjuge residente e a função social da propriedade. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3486, 16 jan. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/23472>. Acesso em: 12 fev. 2013.


Anotações sobre o instituto do “amicus curiae” no direito brasileiro

A expressão amicus curiae significa “amigo da corte”, intervenção assistencial em processos de controle de constitucionalidade por parte de entidades que tenham representatividade adequada para se manifestar nos autos sobre questão de direito pertinente à controvérsia constitucional. Não são partes dos processos; atuam apenas como interessados na causa[1].
Cassio Scarpinella Bueno aduz que não há como recusar ser, o amicus curiae, agente do contraditório, entendido em amplitude diversa daquela em que, em geral, nossa doutrina se refere a ele. “Contraditório” no sentido de “cooperação”, de “coordenação”, de “colaboração”, numa leitura generosa do “modelo constitucional do processo civil brasileiro”, mas também — e a partir desta perspectiva de análise — dos arts. 339 e 341 do Código de Processo Civil (CPC). “Contraditório presumido”, “contraditório institucionalizado”: contraditório entendido à luz de uma sociedade e de um Estado plural[2].
Só há uma regra de direito positivo no Brasil que se refere expressamente ao amicus curiae no direito brasileiro. Trata-se do art. 23, § 1º, da Resolução n. 390/2004 do Conselho da Justiça Federal.
Na Lei nº. 9.868/1999, que regula o procedimento da ação direta de inconstitucionalidade (ADI) e da ação declaratória de constitucionalidade (ADC), contudo, há previsão ampla o suficiente para albergar a atuação do amicus curiae (art. 7º. § 2º). A citada lei, ao incluir três parágrafos no art. 482 do Código de Processo Civil, fornece para o incidente de declaração de inconstitucionalidade regulado pelos art. 480 a 482 do CPC, o mesmo subsídio. O mesmo pode ser dito com relação ao incidente de uniformização de jurisprudência de que se ocupa o § 7º do art. 14 da Lei nº. 10.259/2001, que cria e disciplina o Juizado Especial Federal que, aliás, é o objeto de disciplina da referida Resolução nº. 390 do Conselho da Justiça Federal. O Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (STF) foi alterado recentemente para admitir que “quaisquer terceiros” — e pela amplitude da previsão não há razão para excluir o amicus curiae — sustentem oralmente suas razões nos julgamentos perante o Plenário ou perante as Turmas (art. 131, § 2º).
No mais, há diversos outros diplomas legislativos que, embora não tratem do amicus curiae, admitem intervenções diferenciadas de terceiro sendo o bastante para, analisadas as previsões no seu devido contexto, verificar que as situações correspondem, ou, quando menos, são bastante próximas da intervenção do amicus curiae tal qual admitida nos ordenamentos jurídicos estrangeiros que o conhecem. Portanto, apenas para ilustrar a afirmação, no art. 5º da Lei nº. 9.494/1997 (pessoas jurídicas federais de direito público); no art. 31 da Lei nº. 6.385/1976 (Comissão de Valores Mobiliários); no art. 89 da Lei nº. 8.884/1994 (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) e o art. 49 da Lei nº. 8.906/1994 (Ordem dos Advogados do Brasil).
Logo, admite-se a intervenção do amicus curiae no Brasil, principalmente nos processos de controle de constitucionalidade concentrado, nos quais exerce um papel de legitimador das decisões judiciais, pluralizando o debate constitucional (valorizando a democracia), permitindo que a sociedade expresse os valores que consideram essenciais e relevantes[3]. A sua participação consubstancia-se em apoio técnico ao magistrado.
Depreende-se da regra citada que é admissível, portanto, em sede de controle abstrato de constitucionalidade, a manifestação de órgãos e entidades, desde que tenham representatividade e a matéria discutida na ação tenha relevância.
Para o ingresso do amicus curiae no processo é preciso, portanto, a satisfação de dois requisitos: a relevância da matéria e a representatividade do postulante. A relevância da matéria é um indicativo da necessidade, da conveniência de que haja um diálogo entre a norma questionada e os valores dispersos pela sociedade civil[4]. Seria o nexo de importância do assunto debatido e a atividade exercida pela instituição, ou seja, quando a lei ou ato impugnado tiver interesse de acordo com a atividade pela entidade desenvolvida.
representatividade adequada, por sua vez, exige que a entidade que requeira seu ingresso no processo como amicus curiae seja a representante legítima de um grupo de pessoas e de seus interesses.
Ressalte-se que o amicus curiae intervém para defender um interesse institucional que é público no sentido de que deve valer em juízo pelo que ele diz respeito às instituições, aos interesses corporificados no amicus, externos a eles. Pode ser um interesse público que diga respeito ao Estado, mais especificamente aos valores que o Estado representa e tem como mister primeiro cumpri-los[5]. É institucional, portanto, porque sua atuação é voltada para defesa da sociedade e somente será admitido em juízo quando caracterizado tal interesse público primário a legitimar sua intervenção.
Ainda e ante a ausência de regulamentação legal, cumpre discorrer brevemente sobre o procedimento de admissão do amicus curiae, construído pela jurisprudência e que se revela relativamente simples. Primeiro, deve o interessado preparar memorial “sucinto, objetivo e capaz de explicar a repercussão do tema na sociedade”. Tal memorial deverá ser submetido ao Relator que irá admitir ou não o seu ingresso no processo. Depois, apresentará suas razões de intervir. Não obstante exigência de duas fases distintas, é cediço que, “na prática, o pedido de admissibilidade e as razões são interpostos em conjunto.”[6]
Destaque-se que consoante majoritariamente tem entendido tanto o STF quanto a doutrina, ante o silêncio da Lei sobre a existência ou não de prazo, é possível sua admissão a qualquer tempo, desde que proceda a leitura do relatório quando do julgamento da ação, momento em que, mesmo assim, admite-se sejam por ele entregues memoriais aos julgadores[7].
No que concerne ao momento em que pode intervir o interessado, controvérsias permanecem à existência ou não de prazo para sua participação. Explica-se: em que pese haja previsão legal sobre a admissão do amicus em ações diretas de inconstitucionalidade, a lei não dispõe sobre os contornos de sua intervenção, ou seja, não revela a forma que pode o amicus intervir, nem o momento oportuno à sua manifestação. Logo, para esse fim, a pesquisa se restringe à doutrina e jurisprudência[8].
Quanto ao momento da intervenção, embora não haja previsão legal, o entendimento pacífico é que a manifestação do amicus curiae deve ser feita no prazo das informações[9]. Entretanto, dependendo da relevância da participação, o STF tem admitido o ingresso desses autores após o término deste prazo[10], após a inclusão do feito na pauta de julgamento e, até mesmo, quando já iniciado o julgamento para a realização de sustentação oral, logo após a leitura do relatório. A consequência da intervenção tardia é a impossibilidade de praticar atos processuais cujo prazo já se esgotou, ou seja, o interessado recebe o processo no prazo em que se encontra[11].
No tocante ao prazo para sua participação, o art. 7º, § 2º da Lei nº. 9.868/99, estabelece o prazo “fixado no parágrafo anterior”. Como o parágrafo anterior foi vetado, criou-se uma lacuna. Então, adota-se o prazo estabelecido no art. 6º, parágrafo único da citada Lei, que é de 30 (trinta) dias, contado da data da admissão ao processo[12].
Seguindo a Lei da ADI, também a Emenda Regimental nº. 15/04 incluiu ao artigo 131 o § 3º do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, o instituto do amicus curiae em sede de controle concentrado de constitucionalidade. Reza tal dispositivo que “admitida a intervenção de terceiros no processo de controle concentrado de constitucionalidade, fica-lhes facultado produzir sustentação oral, aplicando-se, quando for o caso, a regra do § 2º do artigo 132 desse Regimento[13].”
Derradeiramente, quanto à admissão de recurso interposto pelo amici em ação direta de inconstitucionalidade, já entendeu o STF pela sua impossibilidade, mormente porque não figura o interventor como parte, não possuindo, portanto, legitimidade recursal.
No entanto, cumpre trazer à baila os ensinamentos de Gustavo Binenbojm[14] ao afirmar a possibilidade do colaborador recorrer de decisões proferidas em ações desta natureza, tendo em vista não existir argumento lógico suficiente para impedir a intervenção do amicus curiae com apresentação de seus argumentos, e como desdobramento natural, não possa se insurgir contra as decisões que contrariem tais argumentos, por meio dos recursos cabíveis.
Ademais, assinala ainda o autor, que os efeitos da sentença propalada em sede de ação direta de inconstitucionalidade legitimam, por si só, o colaborador a interpor recurso de decisões consoante o disposto no art. 499 do Diploma Processual Civil. Nas suas palavras “podem sofrer impactos diretos em razão da decisão em controle abstrato, podendo, até mesmo, perder direitos antes reconhecidos pela lei atacada[15]”.
Derradeiramente e, como analisa Marinoni, o amicus curiae restou introduzido no Projeto do Novo Código de Processo Civil (PL nº. 166/2010) como “hipótese de intervenção de terceiros”, que não possui correspondência no atual Código[16].
O projeto de Novo Código de Processo Civil trata pela primeira vez, de forma explícita, do instituto em comento. Segundo o parecer da Comissão Temporária da Reforma do Código de Processo Civil, se regulamenta, de maneira inédita entre nós, a figura do amicus curiae, criando, com a iniciativa, condições de uma maior e melhor participação de terceiros interessados nos processos em curso[17].
Outra alteração prevê que o legitimado para as ações coletivas poderá, como amicus curiae, intervir em causas pendentes, facultando-lhes juntar documentos, requerer provas, arrazoar e, se for o caso, recorrer, desde que a intervenção se justifique para a defesa de relevante interesse de ordem pública e que busque favorecer uma das partes no processo[18].
Pode-se concluir, então, que a possibilidade de intervenção de terceiros no controle abstrato de constitucionalidade prestigia o princípio da segurança jurídica das decisões judiciais, em razão da ampliação do debate constitucional propiciado pela admissibilidade da figura do amicus curiae no processo objetivo de constitucionalidade, conferindo maior legitimidade democrática às decisões judiciais.
Não se olvide, outrossim, que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal encontra-se consolidada no sentido de conferir ampla legitimidade à intervenção do amigo da corte, bem como o Projeto de Novo Código de Processo Civil que contém previsão expressa sobre o instituto.

MOYSES, Natália Hallit. Anotações sobre o instituto do “amicus curiae” no direito brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3480, 10 jan. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/23418>. Acesso em: 12 fev. 2013.

Conceito e Classificação da ação

O conceito de ação se faz pela própria definição de sua natureza jurídica, ou seja, é um direito inerente a toda pessoa, física ou jurídica, de buscar a prestação jurisdicional do Estado para a satisfação de uma necessidade de solução de um conflito ou uma controvérsia existente.
 Ou, para Cintra, Grinover e Dinamarco (1991: p.221), ação vem a ser o direito ao exercício da atividade jurisdicional.
No definir de Maria Stella Rodrigues (1.989: p.51), ação é um “... direito público subjetivo, que qualquer pessoa tem, de pedir ao Estado que preste a atividade jurisdicional diante de um caso concreto (conflito)...”.
Ao explicar o conceito que a doutrina atribui à ação, afirma a célebre jurista Maria Stella (1.989: p.51-52), que a natureza da ação é autônoma, uma vez que prescinde da existência de um direito material a defender e é abstrata por ser desnecessária a existência de um direito material a defender em Juízo, para que possa exercer o direito de agir, ou seja, bastando a existência de um interesse abstrato protegido pelo ordenamento jurídico, podendo a solução ser ou não favorável ao autor, mas tão somente, a “solução do litígio”.
Regra geral, a doutrina classifica as ações de acordo com as sentenças nelas proferidas. Sendo assim, têm-se: ações meramente declaratórias, ações constitutivas e ações condenatórias.
A classificação atribuída às ações por Maria Stella (1989: p.55-57), se dá pela natureza da ação, pela natureza do objeto, da extensão do objeto, ao fim e à transmissibilidade, em razão do direito buscado. Também as classifica em razão das sentenças nelas proferidas.
Sendo assim, quanto à natureza as ações são patrimoniais ou não patrimoniais. Aquelas defendem um direito real ou obrigacional, portanto, visam um patrimônio. Subdividem-se em ações reais e pessoais ou obrigacionais, sendo reais as que visam um direito real e as pessoais, objetivam garantir o cumprimento de uma obrigação. Como exemplo das reais, são as ações possessórias e pessoais ou obrigacionais, as ações de alimentos.
As ações não patrimoniais se propõem a defender direitos relacionados ao estado da pessoa, ao estado de família, a exemplo, a investigação de paternidade.
Quanto à natureza das sentenças proferidas nas ações, estas se classificam em ações declaratórias, condenatórias e constitutivas, seguindo essa a regra geral de classificação das ações pela doutrina brasileira.
Na classificação de Cintra, Grinover e Dinamarco (1.991: p.235), de acordo com o pedido a ação se classifica em ação de conhecimento e ação executória. A primeira tem por meta o julgamento do mérito da causa e a executiva, a satisfação do pedido.
Para esses doutrinadores as ações de conhecimento se subdividem em meramente declaratórias, constitutivas e condenatórias.
Dentro dessa classificação, apenas as ações cuja sentença de mérito seja condenatória tem força executiva.
Na ação condenatória, a pretensão do autor é criar uma obrigação para o réu (parte passiva).
Nas ações constitutivas, a sentença nelas proferidas é a que constitui, modifica ou extingue uma relação ou situação jurídica.
Ainda sobre a sentença constitutiva, ela se limita a declarar “... o direito preexistente, do qual derivam efeitos constitutivos, previstos no ordenamento jurídico...”, sob a ótica de Cintra, Grinover e Dinamarco (1.991: p.272).
Já as ações declaratórias são aquelas cuja sentença declara a existência ou não de relação jurídica ou a “... mera declaração de um fato (falsidade documental)”, no afirmar de Cintra, Grinover e Dinamarco (1991: p.270).
Apenas a título ilustrativo, resta o acréscimo das ações mandamentais e as ações executivas lato sensu, segundo a classificação de Pontes de Miranda, citado por Vicente Greco Filho (1981: p.229).
Na ação mandamental, o autor busca uma ordem judicial para que a parte demandada (pessoa física ou um órgão) faça ou deixe de fazer alguma coisa. É essa a pretensão deduzida em juízo nessa ação.
Já na ação executiva lato sensu, o autor adota novas medidas para que faça valer o seu direito.
Segundo Barbosa Moreira (2.000: p.3), o processo de execução é o exercício da função jurisdicional que visa “... à atuação prática da norma jurídica concreta que deve disciplinar determinada situação...”, afirmando o renomado jurista, que a sentença de mérito é a expressão da norma jurídica que disciplinará a pretensão dedutível em juízo.
No presente trabalho interessa a ação declaratória prevista no art.4º do Código de Processo Civil Brasileiro, na qual o interesse do autor está limitado em declarar a existência de uma relação jurídica, qual seja, a união estável.
Essa relação jurídica é a situação de convivência pública, que tenha continuidade e que seja duradoura entre um homem e uma mulher, intencionados em constituir uma família, família essa já existente de fato e a qual é reconhecida como entidade familiar pelo Estado Brasileiro Democrático de Direito, na forma do art.226, §3º da Carta Magna.
A ação declaratória pode ser definida como sendo o direito que tem o autor de buscar a prestação jurisdicional do Estado para o fim único de ter declarada a existência ou não de uma relação jurídica, ou da autenticidade ou falsidade de documento, de seu interesse. (Art.4º, incisos I e II do Código de Ritos Brasileiro).
Na ação declaratória da existência ou não de uma relação jurídica, que faz parte do objeto do presente estudo, parte-se da existência de uma relação de fato para que torne certa a sua existência como uma relação jurídica e, por conseguinte, capaz de gerar direitos e obrigações, sendo o objeto da ação a simples declaração de uma situação jurídica preexistente.
A respeito do tema, ao discorrer sobre a ação declaratória no tópico pertinente à classificação das ações, a doutrina de Maria Stella Villela (1.989: p.58), revela que “...Esse tipo merece, dos estudiosos, sérias críticas, no sentido de sustentar-se que o objeto da ação não é fazer simples declarações, mas dirimir conflitos reais...”, no que se concorda, uma vez que a necessidade – interesse do autor na busca de declarar a existência ou não da relação jurídica preexistente, ou de declarar que determinado documento é ou não verdadeiro, pressupõe a existência de um conflito.
Ressalte-se que na ação declaratória estabelece-se o contraditório havendo necessidade de citação das partes legítimo-interessadas, de produção de provas como a oitiva de testemunhas, juntada de documentos, etc.
Há que se destacar ainda o fato de que as provas devem ser idôneas e no processo se destinam a oferecer ao juiz os meios de conhecer a verdade dos fatos, de sorte a nele – pessoa do juiz, produzir a convicção acerca do fato que se quer provar.


SILVA, Ivete Sacramento de Almeida. A sentença declaratória de união estável como prova plena da condição de dependente perante a previdência social. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3479, 9 jan. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/23422>. Acesso em: 12 fev. 2013.

Breve histórico da união estável

A relação de convivência extra matrimonial entre pessoas de sexos diferentes sempre existiu nas sociedades.
A propósito, o casamento formal no Brasil remonta ao ano de 1.890, quando foi instituído através do Decreto nº.181, de 24 de janeiro de 1.890. A partir daí passou o casamento civil a ser o único meio de constituição de família legítima.
As uniões de fato eram desprezadas pelo direito, sendo, inclusive, tratada pelo Código Civil revogado, Lei nº. 3.071/1.916, apenas com o objetivo de proteger a família constituída pelo casamento formal, como são exemplos: art.248, inciso IV(que legitima a mulher casada para reivindicar os bens comuns, móveis ou imóveis, doados ou transferidos pelo marido à concubina), art. 1.177 (proíbe a doação do cônjuge adúltero ao seu cúmplice) e art.1.719, III (impede que a concubina seja nomeada herdeira ou legatária do testador casado, ou o concubino de testadora casada) etc.
Anteriormente ao casamento formal, a união entre um homem e uma mulher reconhecida pela sociedade era aquela formada pelo casamento religioso, uma vez que era considerado pela Igreja Católica como um sacramento, sendo esse o ensinamento doutrinário que pregava.
Após o advento do Decreto nº. 181/1.890, que estabeleceu o casamento formal, tanto as famílias que eram constituídas por mera convivência duradoura dos cônjuges, bem como as famílias que se formavam pelo casamento religioso eram consideradas como famílias compostas por concubinos, tidas como famílias ilegítimas.
Com o passar do tempo, a jurisprudência brasileira passou a reconhecer a existência no mundo jurídico daquela relação de convivência entre o homem e a mulher não impedidos de casar, que era o considerado “concubinato puro”.
Pacificando a jurisprudência, o Supremo Tribunal Federal acabou editando quatro súmulas a respeito dessas relações não formais como o casamento, mas sem impedimento para a sua realização. São as súmulas número: 35; 380; 382 e 447.[2]
A Súmula nº. 35 previa o direito da concubina, em caso de acidente do trabalho ou de transporte, ser indenizada pela morte do amásio, se entre eles não havia impedimento para o matrimônio.
A Súmula nº. 380 trata da dissolução da sociedade de fato, reconhecendo direito à partilha dos bens adquiridos na constância da união e pelo esforço de ambos os conviventes, como segue: “Comprovada a existência de sociedade de fato entre concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum”.
A Súmula nº382 trouxe inovação na relação concubinária, ao estabelecer que a vida em comum sob o mesmo teto, more uxório, não é elemento essencial à caracterização do concubinato.
Por fim, a Súmula 447, cujo teor é: “É válida a disposição testamentária em favor do filho adulterino do testador com a sua concubina”.
No período intermediário entre a edição do Código Civil Revogado (1.916) e a entrada em vigor da Constituição de 1988, decretos e leis foram editados, que, de alguma forma, davam destaque ao concubinato.
Exemplo disso: o Decreto-Lei nº. 4.737, de 24 de setembro de 1942, que permitiu o reconhecimento dos filhos “naturais” ou “ilegítimos” após o desquite; a Lei nº. 883, de 24 de outubro de 1949, que ampliou as hipóteses de reconhecimento de filhos “ilegítimos”, em qualquer caso de dissolução da sociedade conjugal; a Lei nº.5.890/73, que atribuiu redação ao inciso I do art.11 da Lei Orgânica da Previdência Social – LOPS, Lei nº.3.807, de 26/08/1.960, incluiu a companheira mantida há mais de cinco anos como dependente dos segurados da previdência social urbana; a Lei n. 6.515/77, cujo art. 51 atribuiu nova redação ao art.1º da Lei nº.883, possibilitou o reconhecimento de filho havido fora do casamento durante a vigência da sociedade conjugal, desde que se fizesse por intermédio de testamento cerrado, aprovado antes ou depois do nascimento do filho e, nessa parte, irrevogável; a Lei nº. 6.015/73 (art.57 e parágrafos), com redação da Lei 6.216/75, atribuiu direito a concubina de adotar o nome do companheiro com vida em comum por, no mínimo, cinco anos, ou se houver filhos em comum, desde que haja impedimento legal para o casamento, decorrente do estado civil de qualquer das partes ou de ambas; Lei nº. 4.069/62, cujo artigo 5º, §§ 3º e 4º previu que a concubina seria a beneficiária da pensão deixada por servidor civil, militar ou autárquico, solteiro, desquitado ou viúvo, que não tenha filhos capazes de receber o benefício e desde que haja subsistido impedimento legal para o casamento; Lei nº. 4.284/63, onde a concubina seria beneficiária de congressista falecido no exercício do mandato, cargo ou função; Lei nº. 4.103-A/62, que a concubina fosse beneficiária de advogado; a Lei nº. 7.087/82 que regulamentava ser a companheira dependente do segurado perante o Instituto de Previdência dos Congressistas - IPC; o Decreto nº. 73.617/74, que estabeleceu ser a companheira dependente do trabalhador rural; e a Lei nº. 7.210/84, que instituiu a Lei de Execução Penal, permitiu o direito de visita pela companheira ao preso e autoriza este a sair do estabelecimento em caso de falecimento dela.
Finalmente, após o advento da Carta Política Pátria, que reconheceu a união extra matrimônio como entidade familiar, batizando-a de União Estável e elevando-a ao patamar de entidade familiar e após, a edição da Lei n. 8.971/94, que regula o direito dos companheiros a alimentos e à sucessão, cujo art. 1º concedeu à companheira ou ao companheiro, na união estável (concubinato puro), após a convivência de cinco anos ou a existência de prole, o direito a alimentos, nos moldes da Lei n. 5.478, de 25 de julho de 1968, enquanto não constituir nova união e desde que prove a necessidade, iniciando, assim, os efeitos patrimoniais da união estável.
No campo doutrinário, Maria Helena Diniz (2003: p.109-116), ao tecer comentários acerca do §3º do art.226 da CF/88, afirma que a citada norma constitucional não teria eficácia imediata, portanto, é norma com eficácia relativa complementável de princípio institutivo, sendo que esse princípio seria o de que a união estável é entidade familiar. Logo, não é auto - aplicável. É norma cuja aplicação depende de outra posterior, que dê corpo à instituição a que aquela se refere. Para a renomada autora, enquanto a norma posterior não for editada, a norma constitucional não produz efeitos positivos, mas apenas paralisa os efeitos de normas contrárias a ela.
E regulamentando o §3º do art.226 da Lei Máxima Pátria, foi editada a Lei n. 9.278/96 que passou a estabelecer um regime de bens básico para as uniões estáveis, adotando o regime semelhante ao da comunhão parcial, em que os companheiros amealhavam um patrimônio comum, sendo presumida a colaboração mútua durante a união. O artigo 5º dessa lei estabelece que em não havendo estipulação em contrato escrito, os bens móveis e imóveis adquiridos, onerosamente, por um ou por ambos os concubinos durante a convivência, são considerados fruto do trabalho e da colaboração comum, pertencendo a ambos, em condomínio e em partes iguais, mas para isso, a união tem que ser duradoura, notória, pública, contínua e tenha sido estabelecida com objetivo de constituição de família. O parágrafo único desse dispositivo concede ao companheiro sobrevivente o direito real de habitação, relativamente ao imóvel destinado à residência da família, porém, passando a ser extinto referido direito quando o seu titular contrair nova união ou se casar.
Ainda essa última lei editada em 1.996 veio atribuir aos conviventes/companheiros idênticos direitos e deveres como no casamento formal, quais sejam respeito e consideração mútua, a assistência moral e material recíprocas, a guarda, o sustento e a educação dos filhos comuns, de forma partilhada.
Como a Lei nº.9.278/96 veio para regulamentar o §3º do art.226 da CF/88, o seu artigo 9º estabelece a competência para julgar as questões relativas ao concubinato, como sendo das Varas de Família, admitindo que possa ser adotado o segredo de justiça, modificando o art.155, inciso II do Código de Processo Civil.
Essa Lei nº. 9.278/96 gerou controvérsia por haver redefinido a união estável sem ter atribuído lapso temporal ou exigir a existência de prole para o seu reconhecimento, diferentemente do que estabelecia a Lei nº. 8.971/94, no seu art. 1º. Como se percebe a modificação veio a revogar o art. 1º da Lei nº. 8.971/94 e, por conseguinte, resultou em que a caracterização da união estável dependa das circunstâncias do caso concreto.
Tem-se conhecimento de que, após a edição dessas leis, foi criado um Projeto de Lei, n. 2.686 de 1996, Estatuto da União Estável, de autoria do então Ministro da Justiça, Nelson Jobim, objetivando sistematizar a União Estável, entanto foi vetado.
No art.1º do referido projeto, estava estabelecido que: “É reconhecida como união estável a convivência, por período superior a cinco anos, sob o mesmo teto, como se casados fossem, entre um homem e uma mulher, não impedidos de realizar matrimônio ou separados de direito ou de fato dos respectivos cônjuges.” Tal norma, sendo de caráter geral, deveria se sobrepor ao Código Civil Brasileiro.
Hoje, a mais recente norma legal que regula a União Estável é o Novo Código Civil com vigência a partir de 01/01/2003, que dedicou o Título III exclusivamente à União Estável dentro do Livro IV - Do Direito de Família, regulando-a na forma da Carta Política Pátria e da Lei nº. 9.278/96.
O art.1.723 do Código Civil reconhece como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura, estabelecida com o objetivo de constituir uma família, não se configurando, no entanto, se presentes os impedimentos legais do casamento, aqueles previstos no art.1.521 da Lei Civil, excetuando-se o caso em que a pessoa casada se ache separada de fato ou judicialmente.
Como na Lei nº.9.278, o art. 1.724 do Código Civil enumera os deveres recíprocos aos companheiros, que são os deveres de respeito e assistência, e o de guarda, sustento e educação dos filhos, inovando com o dever de lealdade, que nada mais é que a fidelidade estabelecida no inciso I do art.1.566 do Código Civil como um dever do casamento.
Em relação aos efeitos patrimoniais decorrentes da União Estável, o art.1.725 do CC estabelece o regime de comunhão parcial de bens, onde serão partilhados entre eles os bens adquiridos durante a constância, ressalvando o caso em que haja contrato escrito pelos companheiros.
Seguindo as prescrições constitucionais do §3º do art.226 da Constituição Federal/88, o art. 1.726 do CC dita que a união estável possa ser convertida em casamento por meio de pedido formulado pelos companheiros ao juiz, como o respectivo assento no Registro Civil.
Por fim, encerrando os regramentos acerca da União Estável, o art. 1.727 do Novo Código Civil diferencia a união estável do concubinato, que era denominado pela doutrina de “concubinato impuro”, estabelecendo que as relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato, portanto, não constituem união estável.
De todo o exposto, conclui-se que para a União Estável se configurar é mister que estejam presentes requisitos como a união entre homem e mulher, que ambos convivam, portanto, o dever de coabitação, que também existe no casamento, embora a doutrina e a jurisprudência admitam domicílios separados, a teor do disposto na Súmula nº382 do STF, ao estabelecer que a vida em comum sob o mesmo teto, more uxório, não é elemento essencial à caracterização do concubinato, e que essa convivência seja pública, contínua e duradoura.
Ressalte-se que a doutrina majoritária admite que a coabitação é elemento essencial para a configuração da união estável, uma vez que esta deve ter aparência de casamento, embora não negue eficácia à citada Súmula 382, refletindo uma situação de exceção.
Encerrando o tema, o que se percebe é que a corrente mais literal de interpretação da união estável exige três condições básicas para a sua configuração: a notoriedade, a fidelidade e a continuidade da relação.

SILVA, Ivete Sacramento de Almeida. A sentença declaratória de união estável como prova plena da condição de dependente perante a previdência social. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3479, 9 jan. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/23422>. Acesso em: 12 fev. 2013.

Conceito de união estável

A União Estável é entendida como sendo a união entre um homem e uma mulher, de forma estável, pública, duradoura, demonstrando o interesse de constituir uma família à qual a Constituição da República Federativa do Brasil de 1.988 lhe atribuiu a natureza jurídica de uma entidade familiar.
Segundo a doutrina de Álvaro Villaça Azevedo (2000: p.14), a União Estável é a convivência não adulterina nem incestuosa, duradoura, pública e contínua, de um homem e de uma mulher, sem vínculo matrimonial, convivendo como se casados fossem, sob o mesmo teto ou não, constituindo, assim, sua família de fato.
Edgar de Moura Bittencourt (1979: p.115) acerca do tema escreve que “como esposa de fato, respeitável, em verdadeira posse de casada, é que admito a designação de companheira à concubina honesta e de longa ligação com o homem que a respeita e impõe seu respeito a todos.”, deixando de reconhecer como de fato relação paralela mantida pelo homem casado, isto é, a relação adulterina.
Ao discorrer sobre a matéria União Estável, Euclides Benedito de Oliveira, distinguindo as expressões companheiro e concubino, assim o faz:
No entanto, reserva-se a expressão “companheiros” para as pessoas unidas estavelmente, sob aparência de casados, e sem impedimentos decorrentes de outra união. Já o “concubinato” envolve ligação amorosa de casados, com terceiros, em situação de adulterinidade, formando o chamado “triângulo amoroso.”... A “companheira”, ao invés, é a que vive com homem solteiro, descasado ou viúvo, como se casados fossem legitimamente, por isso gozando da proteção que o Estado garante à entidade familiar. (OLIVEIRA: 1.997, p.104).
No dizer de Milhomens e Magela Alves (1.995: p.79), “Concubinato é a união duradoura entre duas pessoas, de sexo diferente, que passam a viver como se fossem marido e mulher, more uxorio.”
A Lei nº.9.278/96, ao regulamentar o §3º do art.226 da Carta Política Pátria, estabeleceu em seu art.1º que é reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família.
Tem-se, pois, a união estável como um casamento de fato e assim, da mesma forma que na união formal – casamento, os unidos estavelmente se devem, mutuamente, respeito e consideração, assistência moral e material, e ainda, ambos são responsáveis pela guarda, sustento e educação dos filhos havidos em comum.
É o que estabelece o art.2º da Lei nº. 9.278/96.
Também inovando o tema e acompanhando os ditames constitucionais acerca da união estável, o Código Civil Brasileiro de 2.002 dedicou o Título III do Capítulo VI do Livro IV – Do Direito de Família, que vai do art.1.723 ao art.1.726, à união estável, definindo-a como sendo a convivência pública, contínua e duradoura, estabelecida com o objetivo de constituir família, reconhecendo-a como entidade familiar.
O §1º do art.1.723 do CCB preconiza que a união estável não se estabelecerá entre os impedidos de se casarem, que são aquelas pessoas indicadas no art.1.521 do mesmo diploma legal.
No art.1.727, a Lei Civil Pátria excluiu do conceito de união estável as relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, denominando tais relações de concubinato.
Aqueles que convivem em união estável, são tidos como companheiros ou conviventes.
Na legislação previdenciária companheiro (a) é aquela pessoa, homem ou mulher, que, sem ser casada, mantenha união estável com o (a) segurado (a) como entidade familiar, na forma do art.226, §3º da CF/88. (Art.16, §3º da Lei nº.8. 213/91).
Ainda sob o manto da legislação da Previdência Social, união estável é aquela configurada na convivência pública, contínua e duradoura entre o homem e a mulher, formada com a intenção de estabelecer uma família, considerada mesmo aquela em que um ou ambos os cônjuges sejam casados, porém, desde que separados de fato ou judicialmente. (Art.16, §6º do Regulamento da Previdência Social combinado com o §1º do art.1.723 do Código Civil Brasileiro).

SILVA, Ivete Sacramento de Almeida. A sentença declaratória de união estável como prova plena da condição de dependente perante a previdência social. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3479, 9 jan. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/23422>. Acesso em: 12 fev. 2013.