quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

A função social da propriedade

O jurista Sílvio de Salvo Venosa ensina que:
Toda propriedade, ainda que resguardado o direito do proprietário, deve cumprir uma função social. [...] Utilizar a propriedade adequadamente possui no mundo contemporâneo amplo espectro que ultrapassa para aspectos como a proteção da fauna e da flora e para sublimação do patrimônio artístico e histórico[14]
Nessas condições, a expressão função social:
[...] procede do latim functio, cujo significado é de cumprir algo ou desempenhar um dever ou uma atividade. Utiliza-se o termo função para exprimir a finalidade de um modelo jurídico, um certo modo de operar um instituto, ou seja, o papel a ser cumprido por determinado ordenamento jurídico.[15]
Com efeito, o surgimento da tese da função social da propriedade atribui-se a duas concepções distintas: da doutrina clássica do direito natural da Igreja Católica e dos positivistas no século retrasado. Todavia, o princípio da função social da propriedade é relativamente recente, apesar da idéia em si ser antiga, uma vez que já era questionado nas concepções cristãs. Bem assim, o primeiro autor a relevar a idéia de propriedade como função social foi Augusto Comte, fundador do Positivismo, entorno de 1850. Contudo, a expressão “função social da propriedade” só se popularizou a partir dos ensinamentos do constitucionalista Léon Duguit, em meados de 1910. Mas a consagração do princípio da função social da propriedade somente veio à tona na Constituição de Weimar no ano de 1919. [16] No Brasil, a função social foi legislada pela primeira vez na Constituição de 1934, no capítulo da “Ordem Econômica e Social”, o qual foi reafirmado na Carta de 1946. [17]

Convém salientar, também, que José Diniz de Moraes aduz que a função social da propriedade é:
O concreto modo de funcionar da propriedade, seja como exercício do direito de propriedade ou não, exigido pelo ordenamento jurídico, direta ou indiretamente, por meio de imposição de obrigações, encargos, limitações, restrições, estímulos ou ameaças, para satisfação de uma necessidade social, temporal ou espacialmente considerada.[18]
Logo, a função social é um instituto que modifica o regime de propriedade, ao passo que há uma desvinculação da qualidade de individualista, sujeitando a propriedade aos interesses da comunidade, assumindo um caráter mais social. Na maioria dos países a característica principal é a concentração de terras em poucas mãos e isso propiciou o surgimento de teorias sobre a propriedade fundiária, as quais colocam a questão social numa condição de superioridade, em detrimento das concepções individualistas. [19] Destarte, a função social impõe limites ao exercício da propriedade, ao passo que o interesse da coletividade se sobrepõe aos interesses individuais.

Outrossim, o direito agrário brasileiro tem como princípio básico a função social da propriedade, que está fundamentado no Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/1964).[20] O projeto que resultou neste Estatuto da Terra trazia uma mensagem que referia o seguinte:
[...] saliente a preocupação com a não-utilização produtiva de grandes extensões de terras por parte de seus proprietários. O fito especulativo faz com que a propriedade rural, em vez de ser um bem de produção, torne-se apenas um bem de valor, em desacordo com os interesses maiores da nação, que exige uma exploração racional visando a uma maior oferta de alimentos e, conseqüentemente, mais barata.[21]
Mas, afinal, o que é uma terra que cumpre com a função social? O artigo 186 da Constituição Federal estabelece quais os requisitos que devem ser preenchidos para que a propriedade rural atenda a função social: aproveitamento racional e adequado; utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; observância das disposições que regulam as relações de trabalho e exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores. Cumpre ressaltar, ainda, que o cumprimento de alguns desses elementos não é o suficiente, à medida que a propriedade rural deve atender a todos os elementos simultaneamente. 

Dessa forma, uma propriedade que seja altamente produtiva, mas que não utiliza os recursos naturais de forma adequada ou não respeita os direitos laborais de seus trabalhadores, que não está cumprindo a sua função social, não poderá ser, contudo, desapropriada, pois o legislador constitucional protege a propriedade produtiva, mesmo que esta não cumpra na íntegra sua função social, estabelecendo um conflito com o disposto no artigo 184 da Carta Magna.

Ademais, engana-se quem pensa que o simples fato da propriedade ser produtiva, ela atende sua função social. Não basta produzir e ser utilizada de modo irracional e inadequado, descumprindo com a legislação ambiental e trabalhista. Portanto, a finalidade da função social de propriedade é impor o dever aos proprietários de tornar a propriedade produtiva, explorando-a de forma racional, adequada e produtiva.

Assim, todo o proprietário que cumprir com a função social da sua propriedade rural estará a salvo da desapropriação para fins de reforma agrária. A função social, dessa forma, coloca a propriedade em submissão ao interesse de toda a coletividade, passando a ser vista como um elemento de transformação social. [22] Em outras palavras, a função social é a democratização da propriedade imóvel.

BALD, Júlia Schroeder. Da legitimidade passiva do MST nas ações de direito de propriedade. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3516, 15 fev. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/23729>. Acesso em: 20 fev. 2013.

Conceito de Propriedade no Direito Civil

O Código Civil proclama no §1º do artigo 1.228 que:
O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.[7]
Claro está, assim, que o direito de propriedade é o mais amplo dos direitos reais e é um direito complexo, porque assegura ao titular a faculdade de disposição. [8] A propriedade não pode ser concebida no absolutismo original, porquanto o direito de usar, gozar e dispor dos bens possui limites, tais como o princípio da função social da propriedade. [9]

Para Paulo Torminn Borges direito de propriedade é “a faculdade que uma pessoa tem de dispor de uma coisa como própria, com o dever correlato de utilizá-la conforme o exigir o bem-estar da comunidade”. [10] Ora, propriedade é o vocábulo mais genérico e abrangente do que “domínio” e é aplicável tanto para bens móveis, como imóveis, bem como compreende coisas incorpóreas, tais como a propriedade intelectual, a qual se subdivide em propriedade literária, artística, científica e industrial. [11]

Igualmente, sabe-se que os atributos e elementos constitutivos do direito de propriedade consistem: no uso, no gozo e na disposição da coisa. Usar corresponde à faculdade de colocar o bem a serviço do proprietário, mas sem modificar a sua substância. Gozar é frutificar a coisa e auferir os produtos que advierem, tais como as colheitas de culturas agrícolas (frutos naturais) e aluguéis de uma casa (frutos civis). Já dispor, envolve o poder de consumir, alienar, gravar, desfrutar ou submeter a serviço de terceira pessoa o bem. [12]

Outrossim, a propriedade é uma situação jurídica que abrange direitos e obrigações. A propriedade, sinteticamente, é a submissão de uma coisa, em todas as suas relações, a uma pessoa. Propriedade também pode ser conceituada, sob o aspecto analítico, como o direito de usar, fruir e dispor de um bem, bem como de reavê-lo de quem injustamente o possua. Já descritivamente, propriedade é o direito pelo qual uma coisa se submete à vontade de uma pessoa, com as limitações da lei.[13]

BALD, Júlia Schroeder. Da legitimidade passiva do MST nas ações de direito de propriedade. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3516, 15 fev. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/23729>. Acesso em: 20 fev. 2013.

A propriedade no direito civil brasileiro

O atual conceito de propriedade no direito brasileiro conserva poderes ao proprietário da terra: “A propriedade é um direito complexo, que se instrumentaliza pelo domínio, possibilitando ao seu titular o exercício de um feixe de atributos consubstanciados nas faculdades de usar, gozar, dispor e reivindicar a coisa que lhe serve de objeto”. [1]

O domínio, que consiste na titularidade do bem, é instrumentalizado pelo direito de propriedade. O domínio é absoluto, uma vez que há um vínculo real entre o titular e a coisa. Contudo, diversamente, a propriedade é relativa, tendo em vista que é orientada à funcionalização do bem pela imposição de deveres perante a coletividade, tais como a função social. [2]

Eis, pois, que no direito brasileiro houve uma nítida evolução do conceito de propriedade. O direito de propriedade se firmou como o mais sólido e amplo de todos os direitos subjetivos patrimoniais. A propriedade é um direito fundamental que juntamente com os valores da vida, liberdade, igualdade e segurança, compõem o artigo 5º da Constituição Federal. [3]

O inciso XXII do referido artigo prevê o seguinte: “é garantido o direito de propriedade”. [4] Tem-se, desta norma, que o direito de propriedade é pleno, geral e irrestrito, não admitindo a intervenção na propriedade privada, a não ser naquelas formas tradicionais que impliquem em desapropriação. Entretanto, não se pode fazer uma leitura isolada deste inciso, devendo-se levar em conta o inciso XXIII do mesmo dispositivo da Carta Magna: “a propriedade atenderá a sua função social”. [5] Ou seja, a certeza de domínio pleno e de propriedade irrestrita sofre uma limitação. Desse modo, o direito de propriedade será pleno, geral e irrestrito, se a propriedade estiver cumprindo com a sua função social.

Ademais, ressalta-se que o direito de propriedade é assegurado nos termos dos artigos 182, §2º e 186, da Constituição Federal. Entretanto, este direito não é absoluto, uma vez que a propriedade poderá ser desapropriada por necessidade ou utilidade pública. [6]

BALD, Júlia Schroeder. Da legitimidade passiva do MST nas ações de direito de propriedade. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3516, 15 fev. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/23729>. Acesso em: 20 fev. 2013.

Pai não pode ser obrigado a visitar filho, decide TJ-RS



Um pai não pode ser obrigado a manter contato com seus filhos sob a ameaça de multa. Afinal, o amor não se compra, nem se impõe. Com essa argumentação, a 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Grande do Sul manteve decisão que não aceitou determinar multa a um pai separado recentemente. O acórdão foi lavrado dia 7 de fevereiro.
(...)
A mãe sustentou que a medida era necessária pois o pai descumpriu o acordo de visitas, chancelado em juízo quando a união estável acabou. Segundo ela, a manutenção da decisão serviria de estímulo a pais recalcitrantes em descumprir ajustes firmados na Justiça.
(...)
No entanto, segundo o relator, o relacionamento entre pai e filho deve se desenvolver de forma livre e espontânea. Ele também entendeu que o meio mais adequado para resolver relações de afetividade não é o direito obrigacional, mas o tratamento multidisciplinar.

"Com efeito, não obstante os ponderáveis argumentos em sentido contrário, é de pensar qual o ânimo de um pai que vai buscar contato com seus filhos, premido exclusivamente pela ameaça de uma multa? Deixará ele perceber a tão desejada afetividade que idealmente deve permear a relação entre pais e filhos? Ou, ao contrário, constrangido pela situação que lhe é imposta, exporá as crianças a situações de risco emocional, ou até físico, como forma de provocar na parte adversa o desejo de vê-lo longe da prole, que é aquilo que, afinal, ele pretende... O resultado: um verdadeiro ‘tiro pela culatra’, cujas vítimas serão as crianças, pois amor não se compra, nem se impõe’’, concluiu o julgador.

Clique aqui para ler o acórdão. 
Jomar Martins é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio Grande do Sul.
Revista Consultor Jurídico, 19 de fevereiro de 2013
Leia a íntegra em:http://www.conjur.com.br/2013-fev-19/pai-nao-obrigado-multa-visitar-filho-decide-tj-rs