quarta-feira, 13 de março de 2013

Parentesco, afinidade e alimentos

Como sabido, as relações de parentesco estão relacionadas nos artigos 1591 a 1595 do Código Civil, destacando-se sua classificação em: consanguíneo ou natural, por afinidade e civil.

Entende-se como parentesco consanguíneo “aquele existente entre pessoas que mantém entre si um vinculo biológico ou de sangue, ou seja, que descendem de um ancestral comum, de forma direta ou indireta.[xvi]”
Parentesco por afinidade é aquele “existente entre um cônjuge ou companheiro e os parentes do outro cônjuge ou companheiro. Lembre-se que marido e mulher e companheiros não são parentes entre si. Limita-se aos ascendentes, aos descendentes e aos irmãos do cônjuge ou companheiro.[xvii]”

Já o parentesco civil é aquele decorrente de outra origem, que não seja a consanguinidade ou a afinidade, destacando-se a adoção, a inseminação artificial hieróloga e a parentalidade socioafetiva.
“A afinidade é uma cópia da consanguinidade, é vínculo meramente fictício; assim, cada cônjuge ou companheiro se alia aos parentes do outro, limitando-se aos ascendentes, aos descendentes e aos irmãos do cônjuge ou companheiro; portanto, só serão afins os pais, os filhos e os irmãos de cada cônjuge ou companheiro, restringindo-se na linha reta ao genro e à nora, ao sogro e à sogra, ao enteado e à enteada, à madrasta e ao padrasto, e na linha reta transversal, ao cunhado e à cunhada.”[xviii]
Na verdade, o denominado parentesco por afinidade ou politico, não se enquadra, efetivamente, no exato conceito de parente, limitando-se a um vinculo jurídico fictício criado pelo legislador visando adequar determinados atores da cena familiar.

Conforme observa Washington de Barros Monteiro[xix], “a palavra parente aplica-se apenas aos indivíduos ligados pela consanguinidade; somente por impropriedade de linguagem sepode atribuir tal designação a outras pessoas, como o cônjuge e os afins.”

Esta mesma advertência é feita por Luiz da Cunha Gonçalves: “Note-se que a palavra parentes só é aplicável aos indivíduos ligados por consanguinidade, pois proveio do latim parens, que significa pai ou mãe.[xx]

“O legislador civil de 2002, na trilha do antecedente, ao se referir aos afins em linha reta no artigo 1521, II, ou à afinidade, no artigo 1595, utiliza apropriadamente o vocábulo “vínculo” e não “parentesco[xxi]”...”, sendo certo que, a denominação parentes, indevidamente utilizada aos afins constitui mera tradição do direito luso-brasileiro.

Também ressalta essa distinção Guilherme Calmon Nogueira da Gama[xxii], para quem “parentesco e afinidade são vínculos que não se confundem, a despeito de ser utilizada terminologia que muitas vezes os considera no mesmo contexto, como a expressão ‘parentesco por afinidade’, utilizada pelo legislador no artigo 1595, § 1º (do Código Civil), embora o caput se refira mais apropriadamente a expressão ‘vinculo’.”
Arnold Wald[xxiii] esclarece que “a afinidade não é parentesco, senão um vínculo que não tem a mesma intensidade que o parentesco e se estabelece entre sogro e genro, cunhados, etc.”

Ou seja, salvo para caracterização de impedimentos matrimoniais, não possui o vínculo de afinidade o condão de originar uma obrigação alimentar inexistente na legislação brasileira, mostrando-se, frágil e equivocado entendimento diverso.

Portanto, uma vez ausente verdadeiro laço de parentalidade entre aqueles que estão vinculados por afinidade, não se há de impor a tais pessoas responsabilidade pelo cumprimento de obrigação alimentar, pois, ausentes do rol taxativo fixado pelo legislador no artigo 1694 do diploma civil.

Zeno Veloso compartilha deste entendimento, salientando que, “a lista dos parentes obrigados por lei a pagar pensão alimentícia é exaustiva, não havendo como o necessitado reclamar judicialmente alimentos de outros parentes que não sejam os seus descentes, ascendentes, ou irmãos, existindo alguma dissensão para saber se os irmãos germanos ou unilaterais disputariam alguma primazia em função da maior amplidão dos vínculos parentais, considerando que no direito sucessório os unilaterais herdam a metade do que herdam os bilaterais (art. 1841).”[xxiv]

Ademais, por se tratar de direito personalíssimo e recíproco, inviável se mostra a pretendida ampliação da obrigação alimentar em face de outras pessoas que sequer ostentam condição de herdeiros entre si, valendo notar entendimento jurisprudencial e doutrinário minoritário em sentido oposto.[xxv]

“Para Clovis Bevilaqua, a obrigação alimentar ‘é uma relação familial, que se funda no vinculo de parentesco (jure sanguinis), é o que se deve, legitimamente, por ‘direito de sangue’, como acentuam Francisco Cavalcante Pontes de Miranda, Marco Aurelio S. Viana e Yussef Said Cahali.” No mesmo sentido, entendem Luiz Edson Fachin, Maria Helena Diniz, Silvio Rodrigues e Guilherme Gonçalves Nogueira da Gama.[xxvi]

No direito comparado[xxvii]também não se verifica extensão da obrigação alimentar às pessoas vinculadas por liame de afinidade, como de pode notar das legislações dos países europeus, como Bélgica, Alemanha, Suíça e França, restando apenas, em algumas decisões judiciais a possibilidade de contribuição subsidiária e indireta ao enteado durante a permanência da coabitação com o genitor.

O direito holandês e lusitano, prevêem a possibilidade de obrigar diretamente o padrasto ao cumprimento de obrigação alimentar apenas durante a vida comum, assim como na legislação inglesa, esta última fundamentada na doutrina do childofthefamily, ou seja, aceitação do encargo em beneficio do enteado visto como fazendo parte da família.

Na Argentina essa obrigação alimentar também se restringe ao período em que existir a relação de conjugalidade entre o genitor e terceiro, cessando no caso de morte ou dissolução do casal, sendo possível a sua permanência apenas no caso da inexistência de parentes biológicos em condições de prestá-la, e mesmo assim, limitado ao indispensável à sobrevivência do beneficiário.

Ou seja, o dever de sustento dos filhos compete única e exclusivamente aos pais, sendo possível, de forma subsidiaria, eventual e excepcional, estender tal encargo aos parentes afins, situação em que a responsabilidade deve se limitar aos alimentos necessários.

Diante das ponderações acima elencadas, conclui-se, a olhos rasos, que o pretendido redirecionamento da obrigação alimentar em face do padrasto não encontra fundamento no atual sistema normativo vigente, constituindo-se, muito mais numa confusão de conceitos instaurador da insegurança jurídica e instabilidade social das relações afetivas.

Como diria Caetano Veloso[xxviii], “alguma coisa está fora da ordem, fora da nova ordem mundial”, sendo necessário, urgentemente, restabelecer a integridade e coerência do ordenamento pátrio, prestigiando-se um verdadeiro “Novo Direito de Família.

ROSALINO, Cesar Augusto. Redirecionamento da obrigação alimentar em face do padrasto. A jabuticaba no Direito de Família. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3541, 12 mar. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/23947>. Acesso em: 13 mar. 2013.

Da família recomposta

O tema em debate surge no âmbito das assim denominada famílias reconstituídas (reconstitutedfamily) ou recompostas (blendedfamily), segundas famílias, novas famílias, novas núpcias (remarriage) ou, simplesmente, famílias alargadas provenientes de recasamentos ou relacionamentos afetivos anteriores.

Em obra dedicada ao assunto, Waldyr Grisard Filho[viii] apresenta um conceito desta nova modalidade de arranjo familiar contemporâneo:“Família reconstituída é a estrutura familiar originada do casamento ou da união estável de um casal, na qual um ou ambos de seus membros têm um ou vários filhos de uma relação anterior. Numa formulação mais sintética, é a família na qual ao menos um dos adultos é um padrasto ou madrasta. Ou que exista ao menos um filho de uma união anterior de um dos pais. Nesta categoria entram tanto as sucessivas uniões de viúvos e de viúvas como de divorciados e divorciadas com filhos de uma relação precedente e as primeiras de mães e pais solteiros.”

Prossegue explicitando que “(...) também compreende o núcleo familiar originado de uma união estável, cujos integrantes cumprem as mesmas funções que as do novo cônjuge do pai ou da mãe”[ix]

O fato é que essa nova “constelação familiar”[x]surge estigmatizada pelo rótulo de “problemática”, sendo por vezes considerada como uma “família de segunda classe”, em que o fracasso do relacionamento afetivo anterior acaba por transmitir aos seus novos membros a instabilidade emocional inerente à redefinição dos novos papéis assumidos pelos adultos.

Nada mais inadequado do que estereotipar essas entidades familiares com qualificações preconceituosas, merecendo tais arranjos familiares idêntica proteção e respeito, haja vista a aplicação direta dos princípios constitucionais da igualdade, solidariedade e afetividade.
“A possibilidade de que um grupo familiar reconstituído funcione com baixo nível de conflitos dependerá da disponibilidade de que seus membros aceitem um modelo familiar distinto do anterior e que as relações entre seus membros sejam permeáveis. Os filhos deste tipo de relação experimentam dificuldades com relação aos limites, o espaço e o tempo que se lhes dedica e a autoridade a que devem obedecer, porque implica passar de um modelo a outro (de um nuclear para outro binuclear), em que antigas pautas seguem vigentes junto a novas.[xi]
Prossegue esclarecendo que “Estas famílias caracterizam-se pela ambiguidade. Em seu processo de constituição implica reconhecer uma estrutura complexa, conformada por uma multiplicidade de vínculos e nexos, na qual alguns de seus membros pertencem a sistemas familiares originados em uniões precedentes. As crianças podem passar a ter novos irmãos, que, se serem irmãos, o são em seu funcionamento cotidiano. Padrastos e madrastas cumprem suas funções, muitas vezes, sobrepondo-as às dos pais biológicos. Aparecem novos tios e avós, provenientes de outras famílias. A rede social se expande e surgem crises e conflitos de autoridade e lealdade, que exige o estabelecimento de um conjunto de pautas para uma interação estável no tempo e flexível em sua formulação. Sendo imprecisas as interações, pois não se tem claro quais são os laços ou a autoridade, o novo grupo familiar tem uma gigantesca tarefa a cumprir, qual seja, a de construir sua própria identidade, pois os seus integrantes organizam-se sob condições individuais, sociais e culturais diferentes.[xii]

Os vínculos afetivos que se formam a partir dessa nova configuração familiar, especialmente entre padrastos/madrastas e enteados constituem elemento central para a estabilização emocional e o próprio êxito da relação conjugal formada.

Ademais, frágil e precipitada se mostra a ideia de que se constituirá uma “paternidade instantânea” entre o “novo namorado da mamãe” ou a “nova namorada do papai”, à medida que o vínculo biológico se mostra muito mais forte na sedimentação do afeto, dependendo a dinâmica da recomposição da linha de substituição utilizada: integração ou exclusão.

Conforme pesquisa realizada por Cristina Lobo[xiii] na literatura especializada, “Ao contrário (do pai), o padrasto não é umparente das crianças, mas invade-lhes o quotidiano, entra- lhes em casa, muitas vezes sem pedir autorização, ocupaumlugar privilegiado no quarto da mãe e, por tudo isso, tem de provar com o tempo que é capaz de ser “qualquer coisa no meio” — entre parente e estranho ou um “parente estranho”( Beer, 1988) - umamigo, um cúmplice, um outsider íntimo (Papernow, 1993).E quem sabe - com algum tempo, imaginação, jeito e paciência—umsegundo pai ouumquase-pai. Tudo indica que o papel de padrasto, sendoumpapel de composição, se constrói com vontade e no tempo, e cuja legitimidade se conquista continuamente (Théry, 1995).Pais e padrastos, numa configuração familiar recomposta, não devem serpensados em separado. Porque só através da relação das crianças com os seus pais, elas poderão reconhecer no padrasto alguém que pode partilhar com eles a sua educação (idem).Naverdade, o padrasto não entra na família por causa das crianças, mas porcausa de um adulto (neste caso a mãe) e, para além disso, numa fase de reforço dos laços entre a mãe guardiã e os filhos. Ou seja, as mães sozinhas e os seus filhos criam um novo sistema familiar, e é precisamente neste sistema em que se partilha uma história, se intensificam relações e se restabelecem regras, que chega o padrasto (Cherlin e Furstenberg Jr., 1994).Em todo o caso, a chegada do novo companheiro da mãe também pode representar um reforço no orçamento da nova família, e consequentemente um aumento da estabilidade económica e da qualidade de vida do agregado familiar (Morgan, 1991).”

O fenômeno da paternageme a construção do vínculo afetivo entre um padrasto e um filho não biológico leva tempo para se desenvolver, sendo certo que a simples presença de outro adulto na casa, não significará, necessariamente a negação do pai biológico.

Em interessante estudo psicológico[xiv], Graciela Leus Tomé e Ligia Schermann, destacam que fatores como idade do enteado, ausência de contato com o pai biológico e o comportamento da genitora detentora da guarda mostram-se fundamentais para o êxito do relacionamento afetivo entre padrastos e enteados.

Ou seja, não necessariamente um padrasto pretende substituir o pai biológico do enteado, não se podendo presumir, em hipótese alguma, a caracterização de vinculo paternal socioafetivo quando este, efetivamente, jamais existiu ou foi pretendido pelas partes envolvidas na relação afetiva.

Mero decurso de tempo não pode servir como parâmetro definidor de uma paternidade socioafetiva, devendo-se perquirir sobre as genuínas intenções das participes da relação paterno-filial.

Não se pode afastar, logicamente, a possibilidade do reconhecimento de uma verdadeira paternidade socioafetivaconstruída, desde que se façam presentes os requisitos sedimentados pela doutrina (nome, trato e fama) e a qualidade do vinculo afetivo justifique esta caracterização.

Deve existir inequívoca manifestação do padrasto/madrasta, como, por exemplo, na hipótese de adoção pelo cônjuge ou companheiro do filho exclusivo de seu consorte (artigo 41, § 1º do Estatuto da Criança e Adolescente), ou inclusão do patronímico do padrasto (Lei 12.294/2009), inexistindo no ordenamento uma “presunção de paternidade socioafetiva.”

Simples cuidado ou colaboração com as despesas materiais do filho do outro companheiro não podem se converter em paternidade presumida, sob pena de se extinguir do sistema normativo o vínculo de afinidade disposto no artigo 1595 do Código Civil.

Outrossim, no intuito até mesmo de fomentar um saudável relacionamento familiar, inviável seria impor tratamentos discriminatórios no âmbito familiar, dispensando o padrasto melhores condições ao filho comum em detrimento do enteado, filho exclusivo de sua consorte.

Natural que no decorrer da evolução afetiva, seja dispensado ao enteado a mesma consideração dirigida ao filho natural, todavia, tal benesse não pode se converter em “direito adquirido” do favorecido, ou ainda, impor ao padrasto suportar um encargo financeiro perpétuo mesmo após eventual ruptura do relacionamento com a genitora do menor.

Aliás, curioso seria se a cada novo relacionamento afetivo do genitor, o menor “colecionasse” sucessivos co-devedores da obrigação alimentar, onerando-se indevidamente terceiros em detrimento da responsabilidade atribuída por lei aos pais biológicos.

Tal postura somente viria a fomentar a discórdia familiar, acarretando ainda, dificuldades para pessoas com filhos edificar novos relacionamentos afetivos, haja vista a possibilidade de futura responsabilização de terceiros pelo encargo financeiro dos genitores do alimentando.

Não se pode esquecer as gravosas conseqüências jurídicas para o devedor de alimentos, podendo este sofrer descontos em seus rendimentos, ser incluído em cadastros restritivos de crédito ou mesmo ter sua prisão civil decretada judicialmente, razões estas que, certamente justificam maior atenção no tratamento do assunto.

Ademais, a possibilidade de pensionamento até a maioridade civil, ou mesmo a conclusão de estudos universitários do alimentando, poderá acarretar prejuízos a terceiras pessoas não vinculadas ao relacionamento afetivo desfeito, tais como ascendentes e descendentes do padrasto, haja vistaprevisão do artigo 1698 do Código Civil.

A transmissibilidade da obrigação alimentar (artigo 1700 do Código Civil), poderá atingir, ademais, o patrimônio de terceiros desvinculados da relação conjugal desfeita, parentes consangüíneos do padrasto, em patente violação ao direito de propriedade e herança de fundo constitucional. (artigo 5º, XXII e XXX)

O “pai e mãe afim”[xv], na denominação cunhada por WaldyrGrisard Filho estabelece com o enteado mera guarda de fato, mantendo-se as responsabilidades inerentes ao poder familiar com os genitores naturais (pai e mãe), conforme disposto nos artigos 1632, 1634, 1636 e 1703 do Código Civil.

Daí que se mostra absolutamente temerário pretender impor ao padrasto, especialmente após o término do relacionamento afetivo entabulado com a genitora, uma obrigação alimentar que compete, exclusivamente, aos pais biológicos ou demais parentes consanguíneos, na esteira dos artigos 1694 e 1698 do diploma civil.


ROSALINO, Cesar Augusto. Redirecionamento da obrigação alimentar em face do padrasto. A jabuticaba no Direito de Família. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3541, 12 mar. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/23947>. Acesso em: 13 mar. 2013.

Redirecionamento da obrigação alimentar em face do padrasto

(...) Com efeito, meses atrás, a grande imprensa noticiou “decisão inédita” proferida liminarmente em primeiro grau de jurisdição pela Justiça de Santa Catarina em que restou fixada pensão alimentícia em favor de enteada, tendo o então ex-padrasto de suportar ônus financeiro fixado em 20% (cerca de R$ 1.500,00) sobre seus rendimentos.[ii]

Conforme informações disponíveis na imprensa, a adolescente seria filha biológica do primeiro casamento da mãe, tendo convivido com o padrasto por cerca de 10 anos, período em que este, contribuiu com o pagamento das despesas com saúde, educação e lazer da jovem, sem prejuízo da pensão de um salário mínimo já recebida pela menor de seu pai biológico.

Pelo que consta, referida decisão judicial fundamentou-se numa “nova visão do Direito de Família”, prestigiando-se o vínculo afetivo então existente entre as partes, capaz de se presumir a existência de uma paternidade socioafetiva construída ao longo do tempo.

Confesso que levei algum tempo para compreender essa curiosa e alvissareira decisão, ainda mais, se considerado a existência de regras bastante objetivas dispostas pelo legislador nos artigos 1694 e seguintes do Código Civil Brasileiro no que tange à obrigação alimentar.

Ademais, incongruente se mostra decisão judicial que, simplesmente, presume a existência de uma paternidade socioafetiva em detrimento da paternidade biológica íntegra entre a menor e seu genitor, que, aliás, já suporta encargo alimentar pago mensalmente.

Consoante será demonstrado linhas abaixo, instaurou-se uma verdadeira miscelânea conceitual, contrapondo-se vínculos de parentesco com liames de afinidade, visando, criar uma obrigação alimentar até então inexistente no ordenamento posto, de modo a se concluir afoitamente que “padrasto” e “pai” seriam parâmetros equivalentes, o que, obviamente, resvala em impropriedade lógica e conceitual.

Já ressaltei em outras oportunidades o desconforto gerado por tais decisões judiciais, que, na melhor exegese, não se mostram saudáveis à democracia.

Não é bom para a legitimação do Direito enquanto instrumento social de pacificação, tergiversa com regras postas pelo legislador estatal e fomenta a insegurança jurídica, somente reforçando o conhecido dito popular: “cada cabeça, uma sentença.”

Antes de mais nada, urge desde logo ressaltar que não se pretende adentrar na seara fática da situação posta em debate, tampouco imiscuir-se no mérito da decisão judicial prolatada, cabendo somente às partes envolvidas no litigio fazer uso dos meios processuais adequados à eventual reforma do decidido.

O debate que ora se propõe repousa na legitima e honesta dialética doutrinária, no saudável debate necessário à evolução das ciências sociais, compreendendo-se a amplitude dos institutos jurídicos e suas conseqüências no teatro da vida real.

Também já salientei que a Doutrina familiarista evoluiu enormemente na ultima década, reformulando conceitos e trazendo à lume parâmetros interpretativos, institutos e princípios fincados na nova ordem constitucional vigente após 1988.

 A constitucionalização do ordenamento jurídico não poderia excluir, logicamente, o direito de família, ramo imprescindível à manutenção dos vínculos sociais, garantindo-se a introdução de valores como liberdade, responsabilidade, igualdade, solidariedade e afetividade.

É inegável que o direito civil brasileiro, em especial, o direito de família passou por profundas transformações a partir da vigência da atual Constituição Federal, superando o tradicional modelo patriarcal rural, fundado no matrimônio indissolúvel, na desigualdade conjugal e assimetria do tratamento legal dos filhos.

A problemática que surgiu desta revolução conceitual advém exatamente do influxo de informações e teorias, que acabaram por desconstruir bases sedimentadas por décadas, a ponto de não se reconhecer mais unidade, coerência e integridade no ordenamento vigente.

A inflação de interpretações acarretou deconfiguração nosistema jurídico, de modo a trazer ao cidadão insegurança, receio e angústia ao se deparar com a imprevisibilidade da prestação jurisdicional, culminando em decisionismo e solipsismo judicial.

Se por um lado o magistrado não se limita hoje a mero autômato, aplicador do direito posto, apenas a “boca da lei”, como pretendiam os revolucionários pós 1789, de outra parte, também não pode adotar entendimentos sedimentados em subjetividade pessoal, divorciados da norma estatal legitimamente criada pelo legislador instituído.

O direito, definitivamente, não é aquilo que o intérprete quer que ele seja, sob pena de se subverter a ordem democrática vigente, subordinando relações sociais ao arbítrio de cada um, a ponto de não se justificar mais a existência de um Estado organizado, dotado de soberania e supremacia perante o cidadão.  
Parafraseando o Professor LênioStreck[iii], o “Direito acaba sendo conceitos sem coisas”, um emaranhado de subjetividades plasmadas por vaidade intelectual que acabam por desaguar na desordem e insegurança jurídica.
“O Direito não está ao nosso dispor. Ou seríamos pequenos tiranos, ao estilo ledroitc'est moi. Interpretação não é ato de vontade. Os sentidos dos textos não estão ao nosso dispor. A interpretação é um encontro. Uma fusão de horizontes (o do texto — inteiro alerte-se — e o do intérprete).[iv]
O magistrado não pode transformar em comando normativo seu mero querer ou entendimento individual. Quando não se trata de disposição legal expressa (e ausente a possibilidade de relativizar o comando, em virtude de princípios ou regras postos), cabe ao magistrado fundamentar e dialeticamente convencer da razoabilidade de seu provimento.

Ora, se a lei não previu hipóteses em que a obrigação alimentar pode ser legitimamente direcionada às pessoas ligadas por vínculo de afinidade, não compete ao intérprete ou aplicador da lei inovar, criar ou simplesmente alterar o sentido e conteúdo do texto legal, sob pena de usurpar a competência do Poder Legislativo e ofender o principio da tripartição dos poderes, tão caro à jovem democracia brasileira.

A propalada ideia de que “julgar é um ato de vontade” não se coaduna com a existência de um Estado de Direito, em que limites normativos são postos ao julgador, sob pena de se prestigiar um poder inquisitivo, arbitrário e ilegítimo, fundado apenas no “tribunal da razão”, no “interpretacionismo” doirresponsável aplicador da norma.[v]

O ativismo judicial utilizado de forma inadequada pode levar àquilo que o Professor LenioEstreck denomina de “álibis persuasivos”[vi], fortalecendo um protagonismo do intérprete fundado em decisionismo e subjetividade, ancorada em princípios constitucionais que se mostram justificadores de qualquer decisão.

Daniel Sarmento também pondera sobre a necessidade de cuidado redobrado da inconseqüente aplicação dos princípios: “E a outra face da moeda (do uso desmesurado dos princípios) é o lado do decisionismo do “oba-oba”. Acontece que muitos juízes, deslumbrados diante dos princípios e da possibilidade de, através deles, buscarem justiça – ou o que entendem por justiça – passaram a negligenciar do seu dever de fundamentar racionalmente seus julgamentos. Esta “euforia” com os princípios abriu um espaço maior para o decisionismo judicial. Um decisionismo travestido sob as vestes do politicamente correto, orgulhoso com seus jargões grandiloqüentes e com sua retórica inflamada, mas um decisionismo. Os princípios constitucionais , neste quadro, convertem-se em verdadeiras “varinhas de condão”: com ele, o julgador consegue fazer quase tudo o que quiser.”[vii]

Tecidas tais considerações iniciais, resta analisar a viabilidade jurídica bem como os reflexos sociais do pretendido redirecionamento da obrigação alimentar em face do denominados parentes “afins”, sem antes trazer ao debate conceitos jurídicos imprescindíveis para a adequada compreensão da celeuma instaurada.

ROSALINO, Cesar Augusto. Redirecionamento da obrigação alimentar em face do padrasto. A jabuticaba no Direito de Família. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3541, 12 mar. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/23947>. Acesso em: 13 mar. 2013.

Reflexões sobre o art. 13 do CPC e a falta de capacidade processual do incapaz

A pretensão resistida só pode ser levada ao conhecimento do Estado-juiz para buscar a tutela jurisdicional mediante o processo.
Imaginando o transcurso normal do processo até o julgamento definitivo da lide, a análise do mérito da demanda depende do preenchimento de certos requisitos que permitirão o seu desenvolvimento válido e regular. Justamente tais requisitos são chamados de pressupostos processuais, e sua não observância acarreta a extinção do processo, sem resolução do mérito, consoante o art. 267, inc. IV, do Código de Processo Civil.
Os pressupostos processuais subdividem-se em pressupostos de existência e validade. Dentre os pressupostos de validade, merece destaque a capacidade processual, também chamada de capacidade de estar em juízo, que é a aptidão para praticar sozinho os atos processuais.
Em regra, quem tem capacidade civil tem capacidade processual. Mas há exceções, v.g.: i) pessoa jurídica de direito público é capaz civilmente, mas não tem capacidade de estar no polo ativo nos Juizados Especiais Federais, por exemplo; ii) o preso é pessoa capaz, embora não tenha capacidade nos Juizados Especiais; iii) o eleitor entre 16 e 18 anos pode propor ação popular, mas não tem capacidade civil.
Dispõe o art. 13, do Código de Processo Civil, que:
“Art. 13. Verificando a incapacidade processual ou a irregularidade da representação das partes, o juiz, suspendendo o processo, marcará prazo razoável para ser sanado o defeito.
Não sendo cumprido o despacho dentro do prazo, se a providência couber:
I - ao autor, o juiz decretará a nulidade do processo;
II - ao réu, reputar-se-á revel;
III - ao terceiro, será excluído do processo.”
Então, como consequência da falta de capacidade processual, o juiz deverá determinar a correção do defeito, atuando, desse modo, em observância ao princípio da cooperação. Acaso não corrigida a irregularidade, o juiz deverá decretar a nulidade do processo, se a providência competia ao autor; reconhecerá a revelia, se a providência cabia ao réu; excluirá da lide o terceiro, se a medida tivesse de ser sanada por ele.
Extrai-se das diversas normas de direito material e processual que o ordenamento jurídico pátrio dedica especial atenção aos incapazes de praticar atos na vida civil – como não poderia ser diferente.
E não há dúvidas de que essas normas protetivas visam à defesa do hipossuficiente no processo. Não faria qualquer sentido editar normas de proteção de certas minorias que estão em situação de maior vulnerabilidade e não conferir maior defesa àquele que se encontra em situação de hipossuficiência.
Têm-se diversos exemplos no ordenamento jurídico pátrio que comprovam isso. Dentre eles, podem ser citados: i) o art. 9º, inciso I, do CPC: o juiz dará curador especial ao incapaz se ele não possuir representante legal ou se os interesses deste colidirem com o daquele. Ora, se não for para defender o incapaz, faria algum sentido instituir esse dispositivo com a figura do curador especial no processo? ii) art. 982, do CPC: havendo interesse de incapazes, proceder-se-á ao inventário judicial. Alguém tem dúvida de que tal norma reveste de maiores formalidades o inventário – que já há algum tempo pode ser realizado extrajudicialmente em determinadas situações –, exigindo, no caso de interesse de incapazes, que seja procedido mediante ação judicial, justamente a fim de conferir maior proteção aos próprios incapazes? A título exemplificativo, cite-se, ainda, o art. 98, do CPC, que impõe que as ações em que o incapaz for réu serão processadas no foro do domicílio do seu representante, e a necessária intervenção do Ministério Público quando houver interesses de incapazes, conforme preceitua o art. 82, inc. I, do CPC, sob pena de nulidade do processo (art. 84, do Codex processual).
Todo esse raciocínio é construído para demonstrar que os incisos do art. 13, do CPC, encontram-se, em certa medida, na contramão dessa noção de maior proteção do incapaz.
Andou bem o legislador ao possibilitar que a irregularidade seja sanada mediante determinação do juiz, conferindo aplicabilidade aos princípios da instrumentalidade das formas, da economia processual, dentre outros.
É estreme de dúvidas que ao mandar suprir o defeito, o que se quer é justamente proteger o incapaz. Não obstante, esta não foi a lógica dos incisos do aludido dispositivo legal, pois imputou consequências severas àqueles que não cumprirem a ordem judicial.
No caso de a providência caber ao autor, o juiz decretará a nulidade do processo; se couber ao réu, ensejará o reconhecimento da revelia; por fim, se competir ao terceiro, será excluído da lide.
Ora, reconhecer a nulidade representaria drástica consequência naquela demanda, o que poderia acarretar até mesmo a extinção do processo acaso verificadas as hipóteses do art. 267, incs. II, III e IV, do CPC, com a extinção anormal do processo, é dizer, sem se alcançar a desejada resolução do mérito da coisa deduzida em juízo. Convém mencionar que essa drástica consequência, conquanto endoprocessual, não deixa de ter relevância, pois inviabiliza o prosseguimento regular daquela demanda, embora se admita o ajuizamento de nova ação após a correção do vício – tal extinção, em princípio, não produz efeitos extraprocessuais.
Por sua vez, o reconhecimento da revelia traria grave consequência jurídica para o réu, na medida em que seriam reputados verdadeiros os fatos afirmados pelo autor, salvo naquelas hipóteses que tais efeitos não são produzidos (art. 320, do CPC), e os prazos ainda correriam independentemente de sua intimação, como prevê o art. 322, do Codex processual.
No caso dos terceiros, justamente por não ser parte na lide, ele sofrerão as consequências menos severas, conquanto não menos importantes: basicamente, serão excluídos da lide, devendo valer-se de instrumentos processuais próprios ou ajuizar outra demanda judicial para discutir em juízo aquilo que redundaria na sua intervenção naquela demanda em curso.
Então, que proteção aos incapazes os incisos do art. 13, do CPC, conferiu? Se o espírito do legislador ao instituir normas protetivas é justamente proteger, como conciliar esse dispositivo com todo o arcabouço normativo brasileiro?
A melhor interpretação deve ser aquela que demanda uma apuração de prejuízo ou não contra o incapaz.
A doutrina e jurisprudência vêm conferindo aplicabilidade ao princípio pas de nullité sans grief nas mais diversas situações de nulidade e, no presente caso, não poderia ser diferente.
Não há que se reconhecer nulidade se não houver prejuízo, segundo o próprio princípio da instrumentalidade das formas.
Ao partir da premissa de que toda incapacidade procura defender o incapaz, é possível, então, ao juiz, superar a irregularidade apontada no aludido pressuposto processual, desde que seja clarividente a inexistência de prejuízo àquele hipossuficiente no processo.
Tal conclusão é a que melhor se harmoniza com a visão processualística moderna. De fato, se a norma veio para proteger o incapaz, não se deve simplesmente extinguir o processo quando o incapaz for autor, ou reconhecer a revelia quando o incapaz for réu, ou processar sua exclusão da lide, quando o incapaz for terceiro, pois, acima de tudo, deve-se lembrar que toda a incapacidade visa à proteção do incapaz, não podendo uma norma protetiva desvirtuar seu objetivo para trazer maiores entraves e prejuízos ao interesse daquele hipossuficiente, o que seria por demais contraditório.
De fato, o vício só deverá acarretar aquelas gravosas consequências dos incisos do art. 13, do CPC, na hipótese em que forem intransponíveis os obstáculos criados por aquele defeito, raciocinando-se sempre sob a ótica do incapaz, e não privilegiando normas meramente processuais que se encontram desfocadas de um fim legítimo.

COSTA, Gustavo D' Assunção. Reflexões sobre o art. 13 do Código de Processo Civil e a falta de capacidade processual do incapaz. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3541, 12 mar. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/23943>. Acesso em: 13 mar. 2013.

A contratação de deficientes ou portadores de necessidades especiais

A lei 8213/91, criada em mau momento, manda contratar deficientes, estabelecendo enorme percentual incidindo sobre o número de empregados mantidos pelas empresas, percentual dificílimo de ser atendido por várias razões. O não preenchimento das quotas gera punições. Ressalte-se que as autoridades não informam, com eficiência, onde os deficientes podem ser encontrados, no escopo de admiti-los, argumentando que o problema é das empresas. Não se pode controlar qualquer um, porque os riscos do negócio são da empresa, conforme art. 2º/CLT, de modo que qualquer deslize praticado pelo deficiente implicará em obrigação de a empresa indenizar a vitima ou familiares, conforme artigos 5º, X/CF/88, 186, 944, 927/CCB. O pedido de indenização pelos danos morais virou modismo no pretório trabalhista, com a concessão de vultosos valores, todos fora dos princípios da razoabilidade e do bom senso.

A contratação de deficientes tem sido tarefa muito difícil pelas empresas, por vários motivos. Em primeiro lugar, inexistem empresas fornecedoras de deficientes. Os anúncios nos jornais não surtem efeitos. O mesmo ocorre quando as empresas, através de circulares internas, pedem aos empregados para encaminhar deficientes e lhes dar ciência da existência dos empregos. Há casos – e muitos – que as empresas necessitam de mão de obra qualificada, a qual inexiste. Um hospital, por exemplo, não pode contratar deficiente visual para trabalhar no CTI, UTI e enfermaria. Uma empresa de transporte não pode contratar motorista sem braços, pernas, cego ou surdo. E assim vai em todas as áreas. Um enfermeiro sem braços não pode trabalhar na enfermaria do hospital, porque, se colaborar para a morte do paciente, o hospital terá que indenizar a família do falecido, com base nos artigos 5º, X/Constituição Federal, 186 e 927/Código Civil de 2002, mesmo se tiver feito o contrato de seguro. Dita indenização constitui modismo na Justiça do Trabalho, com condenações elevadas, porque não há critérios objetivos para a sua fixação, de modo que cada Juiz, a seu modo, arbitra valores incomensuráveis.

Os Auditores do MTE e os Procuradores do Trabalho, ávidos pela assinatura de leoninos Termos de Ajustamento de Conduta e para encher, mais ainda, os cofres do FAT, reduto do PDT no Ministério do Trabalho, enxergam a seu modo a lei 8213/91, sendo que os Procuradores ajuízam, na Justiça do Trabalho, as nefandas Ações Civis Públicas, fazendo letra morta do princípio da razoabilidade e do bom senso.

Pela Lei 8213/91, as empresas, contando mais de 100 empregados, são obrigados a destinar de 2% a 5% de suas vagas para deficientes. Chegam a pedir a despedida de empregados sadios para o preenchimentos das vagas com deficientes, gerando o terrível caos social e notória discriminação! A Justiça do Trabalho, contando com alguns Juízes bons, tem cancelado as arbitrárias multas impostas pelos Auditores do Trabalho, os quais asseveram que a contratação constitui problema e obrigação das empresas, em odioso entendimento da lei 8213/91, esquecidos da função social das empresas: dão empregos, pagam elevados tributos e taxas, colaboram para extirpar a crise social e quejandos. Há o crescimento econômico do país.

Na interpretação da lei, que é de 1991, o Juiz, deve respeitar o princípio da razoabilidade, porque existem as vagas, mas inexistem profissionais qualificados para seu preenchimento, com notória escassez no mercado de trabalho. Assim, obrigar as empresas a contratar qualquer um, uma pessoa despreparada, é o mesmo que colocar, às escâncaras, em risco o empreendimento. O empenho em contratar os portadores de necessidades tem sido só das empresas, havendo inércia dos Poderes, mormente do Executivo, via MTE e Procuradoria do Trabalho, que não colaboram em nada. Pelo contrário, querem metas para o FAT, enchendo seus cofres e cujo destino, como a mídia divulga, não é dos melhores.

A construção civil e vigilância, por exemplo não conseguem deficientes qualificados. Nos Tribunais de Brasília, Rio e São Paulo, as empresas têm logrado sucesso, porque para eles não se pode interpretar a lei 8213/91 de forma isolada e literal. Adite-se que, segundo o próprio MTE, na Instrução Normativa 20/2001, esses profissionais teriam de ser reabilitados pela Previdência Social ou terem características comprovadas para uma determinada atividade na empresa.

Por falta de deficientes habilitados, como é público e notório, as empresas têm sido penalizadas injustamente. A Ministra Cristina Peduzzi, do TST, em certo julgamento, prelecionou que é impossível o portador de deficiência física participar de cursos de formação de vigilantes e, dependendo do tipo de deficiência, possa exercer a função. Infelizmente, os Auditores e Procuradores do Trabalho, fazendo literal interpretação da lei, em nada oferecem de útil, porque só visam aplicar multas em prol do FAT, fugindo, infelizmente, da razoabilidade e do bom senso. Felizmente, há Juízes do Trabalho, dotados de saber jurídico, bom conhecimento de hermenêutica e sabedoria, anulam as violentas multas e julgam improcedentes as ações civis públicas. Sugiro que eles, ávidos pela permanente punição às empresas, incentivem a criação de empresas fornecedoras de mão de obra composta de deficientes, valendo-se de todos os meios de ampla publicidade, porque o impossível não se cumpre.
O Desembargador André R. P. V. Damasceno, do TRT de Brasília, no processo 00437-2007-018.10.00.1, assim decidiu:
“Empresas de vigilância privada. Vagas destinadas a deficientes físicos. Artigo 93, da Lei 8213/91. Cálculo do percentual. Incidência sobre o efetivo das empresas, excluídos os empregos de vigilância. A empresa que contar com 100 ou mais trabalhadores deverá obedecer a um percentual de empregados portadores de necessidades especiais, segundo estabelece o caput do art. 93 da lei 8213/91. Contudo, tal dispositivo de lei deve ser interpretado levando-se em consideração as peculiaridades materializadas no caso concreto. As empresas de vigilância privada são regidas pela lei 7102/83 que traz normas especificas para o exercício da profissão de vigilante, sendo obrigatória a aprovação em curso de formação de vigilante, envolvendo matérias relativas à defesa pessoal, armamento e tiro, entre outras, além de aprovação de exames de saúde física, mental e psicotécnico. É de se notar que as habilidades exigidas no curso de qualificação para vigilantes revelam-se incompatíveis com as restrições de uma pessoa portadora de necessidades especiais, defendo o cálculo de percentual a que alude o referido dispositivo de lei incidir sobre o efetivo das empresas de vigilância excluídos os empregos de vigilante”.
O auto de infração foi anulado pelo TRT, em correta interpretação da lei. A possibilidade de se mitigar o alcance da legislação que promove a inserção dos portadores de deficiência no mercado de trabalho está expressa, inclusive no Decreto 3298/99, que regulamenta a lei 7853, 24/10/89 e dispõe sobre a politica nacional para integração da pessoa deficiente, cujo artigo é taxativo, estabelecendo que não se aplica o disposto no artigo anterior nos casos de admissão que exija aptidão plena do candidato.
O Desembargador Braz Henriques de Oliveira, relator do processo 00440-2009-005.10.00.0, do TRT de Brasília, assim prelecionou:
“Artigo 93 da lei 8213/91. Auto de infração. Multa. Nulidade. É certo que as empresas devem atender ao preceito constitucional regulamentado pelo artigo 93 da lei 8213/91, que visa a adaptação social do portador de deficiência. Todavia, no caso concreto, não pode a empresa ser punida pela dificuldade de se encontrar mão-de-obra com o perfil previsto na norma legal, reabilitadas ou portadoras de deficiência, que atendam os requisitos necessários para assumir os cargos colocados à disposição”.
A multa foi anulada, bem como o auto de infração. Constou no acórdão que a empresa não é a única que tem tido dificuldades para cumprir integralmente o comando legal, visto que a lei 8213/91 se dirige aos beneficiários da previdência social, reabilitados ou pessoa portadora de deficiência habilitada e estas são raras a se apresentar.

Mas não é só.

Sabidamente o artigo 93 é inconstitucional, porque discrimina os candidatos sadios aos empregos. Ressalto que o Censo do IBGE de 2010 apurou que 23,9% da população tinha pelo menos um dos tipos de deficiência investigados (visual, auditiva, motora e mental).

O grande Cícero prelecionou que: “Direito é a arte do bom senso”, verdade incontestável. A experiência de vida, razoabilidade, bom senso e sensibilidade jurídica dos Juízes resolvem eterna e rapidamente os pedidos de anulação dos autos de infração impostos pelos Auditores, violadores da Lei de Abusos de Autoridade (Lei 4898/65). O bom Juiz não pensa que é capaz, porque sabe é mesmo capaz na mais elevada acepção para corrigir os abusos de autoridades.

A seguir consta uma bela sentença de Juiz culto e de bom senso.

O Juiz José Mateus Alexandre Romano, da 38ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro no processo 0025800-83-2008-501.0038, bem fundamentou sua sentença, ensinando: no entanto, o certo é que há provas nos autos que, de várias formas, mesmo através de concursos a empresa tentou repetidamente preencher a cota prevista no art. 93 da lei 8213/91. Disse que a interpretação da norma é teleológica e dentro do princípio da razoabilidade, não entanto a empresa obrigada a contratar pessoas despreparadas, sem noção técnica para o cargo que irá ocupar, sem as habilidades necessárias para o cargo. A colocação daqueles que não são portadores de deficiência está difícil, apesar dos noticiários em jornais demonstrar a existência de vagas. As vagas existem mas o que não está existindo é a qualificação dos candidatos a emprego. Obrigar empresas a contratar qualquer um, um despreparado, sem qualificação profissional, é o mesmo que colocar em risco o empreendimento. A empresa não pode ser apenada por não ter conseguido atingia a cota, porque a percentagem do art. 93 da lei 8213/91 tem que ser interpretada dentro do princípio da razoabilidade. Contrato é a manifestação bilateral de vontades. Não tem a empresa, por outro lado, o poder de obrigar o candidato ao emprego a aceitar a remuneração oferecida, as condições de trabalho previstas em norma regulamentar. Normalmente as empresas não conseguem cumprir a cota por motivos alheios à sua vontade. O princípio da razoabilidade não pode ser esquecido pelo Julgador. Basta a empresa tomar alguma providência para contratar o deficiente para ficar inume à pesada multa em favor do FAT que, na realidade, nunca se reverterá para os deficientes.

O princípio da solidariedade previsto nos artigos 208 e 227§1º/CR revela não ser plausível que o Estado se omita em tão importante questão que é a adaptação social integral do portador de deficiência, esperando que as empresas supram as falhas das famílias, das escolas e da previdência social. Ressalte-se que a Juíza do Trabalho Patrícia Tostes Poli, da 21ª Vara do Trabalho de Curitiba, julgando o processo nº. 34173-2009-041.09.00.4, anulou um auto de infração lavrado por auditor fiscal federal, desconstituindo-se o débito tributário dele decorrente e deu uma verdadeira aula sobre o tema sempre ressaltando que o princípio da razoabilidade nunca pode ser ignorado por nenhuma autoridade.

O Executivo nada faz para preparar os deficientes para o mercado de trabalho, deixando-os a própria sorte. Seria interessante a criação pelo Executivo de um Órgão preparatório, visando acabar com a carência de portadores de deficientes habilitados. Saliento que a capacitação profissional é degrau obrigatório do processo de inserção do deficiente no mercado de trabalho. A Secretaria de Inspeção do Trabalho, através da Instrução Normativa 20/2001, orientou os auditores fiscais do trabalho na fiscalização do cumprimento do artigo 93 da 8213/91, definiu como pessoa portadora de deficiência habilitada, aquelas que não se submeteram a processo de habilitação, incluindo como habilitadas as capacitadas para o trabalho, indo além da vontade da lei e reconhecendo, implicitamente, a carência de portadores de deficiência habilitados.
Relembro, ao ensejo, para reflexão, as palavras de J. Bernstein, citado por Winston Churchiel 1940:
“Se todos soubessem como são feitas as leis e as salsichas, ninguém seguiria umas nem comeria as outras”.
O aforisma é bem pertinente aos tempos hodiernos, ressaltando-se que nem tudo que vem de Brasília é bom. Há leis que são como vacinas: umas pegam, outras não. A lei 8213/91 é exemplo típico, porque, na prática e à mingua de deficientes capacitados, ela não vingou, embora sancionada há 11 anos, repetindo que não tem a mínima condição de ser aplicada, pelas fortes razões aqui trazidas e outras de pessoas sérias e estudiosas.

O TRT/2ª Região, em recente decisão julgou o processo 05224001320065020081, relatora a Ilustre Desembargadora Ana Cristina Lobo Petinati, concluindo pela improcedência da ação civil pública movida pelo MPT, onde destacou a boa fé da empresa, que tudo vez para conseguir a mencionada mão de obra. Publicou os anúncios de emprego a candidatos portadores de deficiência, revelando que a empresa também tem por escopo o atendimento de sua função social no mercado produtivo coma inclusão de pessoas portadoras de deficiência, quando habilitadas a exercer o cargo disponível. Também implantou um programa de qualificação de pessoa com deficiência,  tendo assinalado que tal conduta não fora suficiente com o SENAI. A empresa se esforçou em habilitar empregados para o cumprimento das tarefas que por estes podem ser desempenhadas. É inequívoca a dificuldade de contratação de portadores de deficiência compatíveis com as funções a serem exercidas. Na sentença ficou destacada a confissão do MPT quanto à dificuldade da empresa em encontrar profissionais habilitados para o preenchimento das vagas, sendo inequívoca a dificuldade de cumprir a lei em face da precariedade e carência de profissionais pertencentes ao universo dos reabilitados pela previdência social ou portadores de deficiência. Importa sinalizar que o artigo 93 da lei 8213/91 não aponta como destinatário da norma o portador de deficiência sem nenhuma qualificação, mas, antes, os habilitados e reabilitados não havendo como concluir que para estes devam as empresa abrir sua portas pelo simples fato de serem deficientes, desempregados, desativados do mercado de trabalha, resumidas como condição “SINE QUA NOM”, para que as empresas estejam obrigadas a admiti-los sem o preenchimento do requisito habilitação para tanto. O Julgador na aplicação ao caso concreto deve observar o esforço da empresa para a contratação. Para corroborar meu entendimento, cito ainda as decisões proferidas nos julgamentos do TST nos AIRR 134200-63-2007-5.02.0083, julgado em 07/11/2012 e publicado no dia 09/11/2012 e AIRR 196400-23-2008-5.20.0002, julgado em 26/09/2012 e publicado em 28/09/2012. Verifico, com alegria, que o Colendo TST tem adotado o meu entendimento.

Não é justo que os empregadores assumam ônus exclusivos do Poder Executivo, sendo punidos com injustas e pesadas multas destinadas ao FAT, integrante do Ministério do Trabalho, repetindo-se que estas multas não se revertem para os deficientes, como é público e notório.

ANDRADE, Dárcio Guimarães de. A contratação de deficientes ou portadores de necessidades especiais. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3541, 12 mar. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/23926>. Acesso em: 13 mar. 2013.

Adultério, por si só, não gera dano moral indenizável



O entendimento de que a infidelidade, por si só, não tem o dom de caracterizar dano moral fez com que a 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul mantivesse sentença que negou indenização pedida no bojo de uma Ação de Reconhecimento e Dissolução de União Estável. 

Além disso, com base na jurisprudência da corte, o colegiado considerou que não cabe averiguar quem foi o culpado pela dissolução da união estável. Deste modo, se não se define o responsável pelo fim do relacionamento, não há dor ou frustração a ser indenizada. O acórdão foi lavrado na sessão de julgamento do dia 27 de fevereiro.

O caso em discussão é o de um casal que se divorciou na Justiça depois da traição da mulher. A ação judicial, ajuizada em Porto Alegre, reconheceu a relação e sua dissolução, dispondo sobre as obrigações daí decorrentes. O juízo local, porém, indeferiu o pedido de indenização por dano moral lastreado em adultério.
Ao analisar a Apelação do ex-companheiro neste aspecto, o desembargador Jorge Luís Dall’Agnol afirmou que, para haver obrigação de indenizar, é necessário que o dano provocado decorra de ato ilícito. Ou seja, os requisitos inerentes à responsabilização civil têm de estar presentes, quais sejam: dano, ilícito e nexo de causalidade.

No seu entendimento, as emoções, por mais intensas que sejam, não são indenizáveis, ‘‘pois se diferente fosse estar-se-ia invadindo intimidade e, por conseguinte, violando a liberdade do individuo no que tange a sua vida privada’’.

Para o desembargador-relator, o Estado não pode interferir tão a fundo nas relações que envolvam sentimentos, sob pena de acabar impondo mais uma vingança do que uma reparação propriamente dita. ‘‘Ademais, se se admitisse a reparação de desilusões, traições, humilhações e tantos outros dissabores derivados do casamento/união estável, acabar-se-ia por promover a mercantilização das relações existenciais’’, encerrou o magistrado, negando a Apelação.

Clique aqui para ler o acórdão.
Jomar Martins é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio Grande do Sul.
Revista Consultor Jurídico, 12 de março de 2013
http://www.conjur.com.br/2013-mar-12/adulterio-nao-gera-dano-moral-indenizavel-decide-tj-rio-grande-sul