quarta-feira, 20 de março de 2013

Enunciado aprovado na VI Jornada de Direito Civil. Obrigações e contratos.

Prezados.
Outro enunciado aprovado pela comissão de Obrigações e Contratos na VI Jornada de Direito Civil, com redação bem interessante: “Constitui abuso de direito a modificação acentuada das condições do seguro de vida e de plano de saúde pela seguradora, quando da renovação do contrato”.
Trata-se de mais uma excelente proposta, na linha dos princípios da boa-fé objetiva e da função social do contrato (na sua eficácia interna).
Bons estudos.
Professor Flávio Tartuce
Fonte: http://atualidadesdodireito.com.br/flaviotartuce/2013/03/20/enunciado-aprovado-na-vi-jornada-de-direito-civil-obrigacoes-e-contratos/

A quem pertence, em primeiro lugar, o direito de preferência: ao condômino ou ao locatário?

A situação jurídica em que duas ou mais pessoas são proprietárias de um mesmo bem é chamada de condomínio tradicional. O instituto não se confunde com o do condomínio edilício, em que a propriedade exclusiva sobre uma determinada unidade autônoma coexiste com a propriedade de áreas comuns.
O art. 504 do Código Civil dispõe que não pode um condômino em coisa indivisível vender a sua parte a estranhos, se o outro consorte a quiser, tanto por tanto. Conhecido pelos romanos como mater rixarum, o condomínio tem a sua extinção facilitada pela lei, com o objetivo de fazer cessar a alta potencialidade de conflitos. Essa é uma das razões que impõe, a qualquer condômino que deseja vender a sua parte ideal, a obrigação de ofertar a venda primeiramente a seu consorte.

O mesmo artigo confere ao condômino preterido em seu direito de preferência a possibilidade de depositar o preço em juízo e haver para si a parte vendida a estranhos, desde que o faça dentro do prazo decadencial de 180 dias. Adjudicação compulsória.

Se há mais do que dois condôminos, e um deles pretende vender a sua parte ideal, a preferência é dada primeiramente ao que tiver benfeitorias de maior valor e, na ausência de benfeitorias, àquele que for proprietário de maior quinhão.

Porém, o direito de preferência não resulta exclusivamente do condomínio. Há outras situações que também acarretam o seu surgimento. A vontade pode ser fonte da preferência (cláusula especial à compra e venda), assim com a locação de imóvel urbano; nesse último caso, a preferência decorre da lei.

O art. 27 da lei 8.245/91 prescreve que, "no caso de venda, promessa de venda, cessão ou promessa de cessão de direitos ou dação em pagamento, o locatário tem preferência para adquirir o imóvel locado, em igualdade de condições com terceiros, devendo o locador dar-lhe conhecimento do negócio mediante notificação judicial, extrajudicial ou outro meio de ciência inequívoca".

De acordo com o art. 33 da mesma lei, o locatário preterido no seu direito de preferência pode se valer da mesma ação de adjudicação compulsória, depositando em juízo o preço e demais despesas do ato de transferência, se assim proceder dentro de seis meses a contar do registro da alienação feita a terceiro, perante o Cartório de Registro de Imóveis, desde que o contrato esteja averbado, pelo menos trinta dias antes da alienação, junto à matrícula do imóvel. Evidente, pois o terceiro adquirente de boa-fé não pode ser prejudicado se estava efetivamente de boa-fé.

Se não estiverem preenchidos tais requisitos, ainda assim, é possível ao locatário preterido requerer perdas e danos.

Portanto, se há condomínio, os condôminos têm preferência. Se há locação, o locatário tem preferência. Em ambas as hipóteses, a preferência resulta da lei; e não da vontade das partes. A dúvida que surge muitas vezes, no caso prático, reside na situação em que ambos os interesses (do condômino e do locatário) estão presentes.
E o art. 34 da lei 8.245/91 responde com precisão: "Havendo condomínio no imóvel, a preferência do condômino terá prioridade sobre a do locatário".

A preferência do condômino sobrepõe-se porque a situação do locatário não se altera, em princípio.

Questão tormentosa que pode surgir diz respeito à possibilidade ou não de denúncia da locação. Isso porque o art. 8º. da lei 8.245/91 dispõe que "Se o imóvel for alienado durante a locação, o adquirente poderá denunciar o contrato, com o prazo de noventa dias para a desocupação, salvo se a locação for por tempo determinado e o contrato contiver cláusula de vigência em caso de alienação e estiver averbado junto à matrícula do imóvel".

Pergunta-se: e se parte ideal do imóvel é vendida ao outro condômino? Permanece esse direito de denúncia da locação por esse motivo? Em princípio, a resposta seria negativa, porque o condômino que adquire parte ideal de seu outro consorte também participa da locação como locador. Não pode, assim, se valer desse motivo para surpreender o locatário. 

Adriano Ferriani é professor de Direito Civil e chefe do departamento de Direito Civil, Direito Processual Civil e Direito do Trabalho da PUC/SP.
http://www.migalhas.com.br/Civilizalhas/94,MI174579,61044-A+quem+pertence++em+primeiro+lugar++o+direito+de+preferencia+ao 

Cessão de créditos em segurança de obrigações

O tomador de um empréstimo transfere ao banco, como garantia, créditos que tem contra terceiros. Quitada a dívida, faz jus a receber o saldo remanescente dos direitos creditórios. Essa operação é conhecida como cessão fiduciária de créditos. Porém, nela não existe propriedade fiduciária, ou seja, aquela que retorna ao fiduciante (no caso, o tomador do empréstimo) quando do pagamento da obrigação garantida. O que existe é transferência definitiva de propriedade com o fim de assegurar o adimplemento de uma prestação. Por isso, melhor falar de "cessão de créditos em segurança".

A expressão é de Pontes de Miranda e cabe perfeitamente para negócios com direitos creditórios. Estes são, em regra, coisas fungíveis, ou seja, podem ser substituídos por outros da mesma espécie, qualidade e quantidade. A propriedade de uma coisa fungível transferida em garantia não é resolúvel porque o “fiduciante” não tem direito à restituição da coisa em si, podendo o “fiduciário” devolver outra do mesmo gênero e valor. Assim, se o “fiduciário” que recebeu créditos não cumprir sua obrigação de restituição, sobra ao “fiduciante” cobrar judicialmente o montante que lhe for devido. 

Tal reflexão revela que, ao contrário da propriedade fiduciária de coisa infungível, em que o fiduciante tem um direito real de reaver o bem se pagar a dívida, na cessão de direitos creditórios o devedor tem apenas um direito pessoal de cobrar do seu credor a quantia que sobejar dos créditos. A propriedade do ativo transferido não retorna ao transferente, permanecendo em definitivo com aquele que a recebe, o qual tem livre disposição sobre o crédito e pode, inclusive, aliená-lo a terceiros.

Esse fato é especialmente evidente na hipótese de o direito creditório cedido ser quitado pelo respectivo devedor. O valor recebido será imputado em pagamento da dívida garantida, e não restituído ao cedente do crédito, mesmo que referida dívida ainda não esteja vencida, caso em que os recursos oriundos do direito creditório deverão ser reconhecidos como pagamento antecipado por parte do cedente. 

Dessa forma, na cessão de créditos em segurança não tem sentido falar em pacto comissório (ou em sua vedação), que é a autorização contratual conferida ao credor para ficar com a coisa se o devedor se tornar inadimplente. Como os direitos creditórios são transferidos definitivamente desde o início, seu novo titular os manterá sempre, haja ou não pagamento da obrigação assegurada. 

Ademais, se o cessionário dos créditos for solvente, eventuais credores do cedente não poderão questionar o negócio. Isso porque o cedente passa a ser titular de um direito eventual em face do cessionário, que é receber o saldo após pagar sua dívida. Portanto, os credores do cedente podem se apropriar desse direito eventual, que será hígido diante da situação patrimonial positiva do cessionário. Nesse contexto, mesmo que se quisesse aplicar a vedação ao pacto comissório, a operação não seria nula em razão da ausência de prejuízo aos credores do transferente, incidindo o princípio de que pas de nullité sans grief: "não há nulidade sem prejuízo".

De certo modo, a alienação de créditos em segurança de obrigação separa fidúcia e resolubilidade da propriedade em negócios com função de garantia. A fidúcia, no sentido de confiança, continuará presente na crença presumida do cedente de que, quitado o débito, o cessionário lhe “devolverá” eventual saldo dos direitos creditórios cedidos. Já a resolubilidade não se verificará porque, uma vez alienados, os créditos não retornam à esfera patrimonial do cedente, cabendo a este apenas cobrar o excesso do cessionário, inclusive para evitar enriquecimento sem causa dele.

Vale mencionar que a cessão de créditos em segurança de obrigação vem normalmente acompanhada da chamada “cessão fiduciária de conta corrente” do devedor. A conta cedida é a que recebe os pagamentos dos direitos creditórios transferidos ao credor. Nesse caso, porém, existe fidúcia propriamente dita. Na verdade não há cessão fiduciária da conta corrente, mas sim do crédito que o depositante (devedor) tem contra o depositário (instituição financeira) de sacar determinada quantia. Esse crédito é alienado fiduciariamente ao credor da obrigação assegurada, nos termos do artigo 66-B da Lei nº 4.728, de 14 de julho de 1965.

A conclusão é que a cessão de créditos em segurança de obrigação, por não envolver propriedade resolúvel, deve ficar fora das atuais discussões existentes em doutrina e jurisprudência sobre a força das garantias fiduciárias. Na qualidade de proprietário definitivo dos direitos creditórios, o cessionário-credor não deve ser afetado por eventos críticos como insolvência, falência ou recuperação judicial do cedente-devedor. Isso é reforçado quando há cessão fiduciária da "conta corrente", sendo inquestionável que o credor poderá receber os pagamentos relativos aos créditos até a extinção da obrigação assegurada.
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* Kleber Luiz Zanchim é sócio do escritório Souza Araujo Butzer Zanchim Advogados
http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI174530,21048-Cessao+de+creditos+em+seguranca+de+obrigacoes

Motivos que autorizam a alteração do regime de bens

A família, reconhecida pela CF como a "base da sociedade", é instituição de inegável importância na manutenção e desenvolvimento da vida humana, assim como na estrutura social, jurídica, econômica e política do Estado.Aqui considerar-se-á a família em sentido estrito, fundada pelo casamento que, por sua vez, gera várias consequências jurídicas e, entre elas, estão as de repercussão patrimonial, atreladas ao regime de bens escolhido pelos nubentes.

O antigo Código Civil impossibilitava a alteração do regime de bens escolhido por ocasião da celebração do casamento ao dispor no artigo 230 que "O regime de bens entre cônjuges começa a vigorar desde a data do casamento, e é irrevogável".

O atual Código Civil, ao revés, em seu artigo 1.639, parágrafo segundo, dispõe que "é admissível a alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiro".

A alteração do regime de bens depende, pois, de decisão judicial. O juiz verificará se o pedido foi manifestado livremente, bem como se motivos plausíveis aconselham seu deferimento. Finalmente, só acolherá o pedido se não tiver sido feito com o propósito de prejudicar terceiros.

Ocorre que os motivos que justificam o pedido de alteração do regime de bens pelo casal — e que podem levar à ruptura do relacionamento — nem sempre se revelam suficientemente motivados ou plausíveis sob os olhos de quem os analisa, especialmente quando envolve questões financeiras e não primariamente de cunho afetivo.

Assim, a divergência na administração do patrimônio pelo casal, problema recorrente nos dias de hoje, não era considerado por muitos juízes como justificativa para autorizar a alteração do regime de bens.

Através de recente decisão, o STJ votou pela possibilidade de alteração de regime de bens no caso de divergência conjugal atinente à vida financeira da família.

Os autos contemplavam a seguinte hipótese: "Os cônjuges se casaram em comunhão parcial de bens. O marido iniciou atividade societária no ramo de industrialização, comercialização, importação e exportação de gêneros alimentícios, o que, na visão da esposa, constitui grave risco para o patrimônio do casal." (Fonte: IBDFAM, boletim eletrônico 284)

Tal hipótese inequivocamente se assemelha a situações vividas por muitos casais, que agora, por razões financeiras, podem se socorrer do judiciário para alterar o regime de bens.

Com isso aumentam as chances de manutenção do afeto e da família.
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*Andréa Angélico Massa é advogada do escritório Angélico Advogados
http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI174554,21048-Motivos+que+Autorizam+a+Alteracao+do+Regime+de+Bens

Alimentos entre cônjuges e companheiros (Maria Luiza Póvoa Cruz)

O Código Civil de 1916, nascido sob a influência da Revolução Francesa, adotava os valores do "Estado Liberal".

O marido era o chefe da sociedade conjugal, função que exercia com a colaboração da mulher. No exercício dessa atividade, cabia ao marido prover a manutenção da família. A obrigação de sustentar a mulher, cessava para o marido, quando ela abandonava a habitação conjugal, e a este recusava voltar.

Até a entrada da Constituição Federal de 1988, no nosso ordenamento jurídico, esses valores citados, estavam definidos no Código Civil de 1916.

Porém a chegada do Estado Social, Democrático de Direito, agrega novos valores, ao nosso ordenamento jurídico. A dignidade da pessoa humana, como valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida; também a igualdade entre homens e mulheres.

A idéia de dignidade da pessoa humana encontra no novo texto constitucional total aplicabilidade em relação ao planejamento familiar, considerada a família célula da sociedade.

O princípio da igualdade constitucional (artigo 5 da CF), assegura a todos os cidadãos o direito de tratamento idêntico pela lei.

A igualdade se configura como uma eficácia transcendente, de modo que toda situação de desigualdade persistente à entrada em vigor da norma constitucional deve ser considerada não recepcionada, se não demonstrar compatibilidade com os valores que a Constituição Proclama. Portanto, cabe ao intérprete, aplicar a lei, de maneira igualitária, sem estabelecimento de diferenciações em razão de sexo, religião, convicções filosóficas ou políticas, raça, classe social.

"O princípio isonômico revela a impossibilidade de desequiparações fortuitas ou injustificadas". (STF - 2ª. T. Ag.207.130-1/SP - rel. Min Marcos Aurélio.

Afirma o artigo 5, I, da CF, que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição.

A interpretação desse dispositivo torna inaceitável a discriminação em razão do sexo, sempre que o mesmo seja eleito com o propósito de desnivelar materialmente o homem e a mulher, aceitando-o, porém, para atenuar os desníveis.

A CF nos arts. 7, inciso XVIII e XIX; 143, parágrafo 1 e 2, 202, I e II, prevê tratamentos diferenciados, de igual forma o legislador infraconstitucional poderá atenuar os desníveis no tratamento em razão do sexo; porém, jamais beneficiando um deles.

Em virtude da ótica constitucional, o atual Código Civil, em vários dispositivos estabelece: o casamento, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges, (art.1.511), que homem e mulher são responsáveis pelos encargos da família (art. 1.565), que a sociedade conjugal será exercida em colaboração, pelo marido e pela mulher (art.1.567), que os cônjuges são obrigados a concorrer, na proporção de seus bens e rendimentos do trabalho, para o sustento da família e educação dos filhos (art.1.568), enfim a igualdade entre o homem e a mulher presente na legislação infraconstitucional.

Obviamente todos os dispositivos citados se aplicam a união estável, que também é uma forma de constituir família.

Portanto, não mais possível atribuir somente ao marido ou companheiro, o sustento da família. Os cônjuges e companheiros, na proporção de seus bens e dos rendimentos, assumem mutuamente os encargos da família.

No caso de dissolução da sociedade conjugal ou da união estável, a regra para estabelecer alimentos entre o casal, obviamente deverá atender o princípio constitucional da igualdade, entre homens e mulheres, artigo 5, inciso I, da CF.

Os alimentos entre cônjuges e companheiros, fundamenta na mútua assistência, e entre parentes na solidariedade. Destarte, não se exaurindo o vínculo entre parentes, os alimentos são permanentes, irrenunciáveis.

Entre cônjuges e companheiros a situação se modifica. Marido e mulher, ou mesmo companheiros, não são parentes, são consortes companheiros, enquanto durar a comunhão de vida. Daí que, quando do fim da comunhão de vida, os alimentos poderão ser determinados entre o casal de forma consensual ou pelo juiz condutor do feito.

Importante consideração: o direito de pleitear alimentos é devido ao homem e a mulher.

A mulher que desfruta de condições físicas e mentais para o trabalho, deve concorrer para o seu sustento e da prole. De igual forma o homem.

Exercício de profissão determina condições próprias de subsistência.

Porém, atenuando os desníveis que a igualdade constitucional pode ensejar, exemplificaria a situação da mulher, que sempre exerceu a função "do lar", que manteve um vínculo de dependência com o marido ou companheiro, não se profissionalizando. Em situações dessa natureza, os alimentos devem ser fixados e mantidos, pois estão inseridos no direito à vida, o mais fundamental de todos os direitos. Cabe ao Estado assegurar o direito à vida em sua dupla acepção: o direito de continuar vivo e a segunda de se ter vida digna quanto à subsistência.

Outro fato importante: vale a dispensa dos alimentos, ou renúncia, quando da dissolução da sociedade conjugal? A minha resposta é afirmativa. Na interpretação civil-constitucional, o artigo 1.707, do Código Civil, veda a renúncia ao direito a alimentos, somente entre parentes. Essa ilação é fruto das seguintes premissas: os alimentos fixados entre parentes se fundamenta na solidariedade, e via de regra não se exaure. Já os alimentos entre cônjuges e companheiros se alicerça na mútua assistência; e terminada a união, cessa o fundamento para os alimentos. O ex-cônjuge, ou ex-companheiro, necessitando de alimentos deverá pleitear de seus parentes, os quais sejam: ascendentes, descendentes e colaterais, de 2. grau,( artigos 1.696 e 1.697, do Código Civil).

Portanto, alimentos após a dissolução da sociedade conjugal, somente na hipótese de já estar avençado pelas partes ou fixado pelo Juízo da Família, quando da separação judicial, extrajudicial ou divórcio.

De igual forma, alimentos uma vez pactuado pelo casal, ou mesmo fixado pelo Juízo, quando da separação ou divórcio, ocorrendo a exoneração dos mesmos,( artigo 1.699 do Código Civil), não podem ser restabelecidos à pretexto de hipossuficiência econômica, ou mesmo doença. Mais uma vez insisto, aos parentes é que deve o ex-cônjuge ou ex-companheiro, buscar alimentos.

O STJ entendeu:

"Ser válida e eficaz a cláusula de renúncia a alimentos constante da separação judicial, não permitindo ao ex-cônjuge que renunciou, a pretensão de ser pensionado ou voltar a pleitear o encargo, porém, se quando da dissolução da separação judicial, as partes pactuaram pela renúncia aos alimentos, não mais ocorrerá a possibilidade de obtê-los, por ilegitimidade ativa. (REsp. 701.902/SP, Rela. Mina. Nancy Andrighi, 3ª, Turma, 15.09.2005).

Há dois projetos no Congresso Nacional, no sentido de inserir no artigo 1.707 do CC, que "os alimentos são renunciáveis na separação judicial, divórcio e dissolução da união estável". Portanto, a "irrenunciabilidade"somente terá aplicabilidade nos casos que envolvam o "parentesco".

Assim, a interpretação do Direito Civil sob a ótica da Lei Maior e dos princípios que norteiam o atual Código Civil, socialidade, eticidade e a operabilidade, devem ser aplicados para todo o ordenamento jurídico civil.

Termino ressaltando, há de ser acolhida a autonomia da vontade privada das partes com os padrões mínimos, socialmente reconhecidos, de lealdade e lisura para a proteção de ambas as partes.

A segurança jurídica estruturada pela boa-fé objetiva e a função social deverão ser delimitadores da autonomia das partes.

Bibiliografia:
Alexandre de Moraes, Direitos Humanos Fundamentais, 6ª. Edição, editora Atlas, 2005 - São Paulo - SP.
Maria Luiza Povoa Cruz, Separação Divórcio e Inventário Por Via Administrativa, 2ª. Edição, Editora Del Rey, 2007, Belo Horizonte - MG.


Maria Luiza Póvoa Cruz é juíza da 2ª Vara de Família e Sucessões de Goiânia e presidente do IBDFAM-GO.
Fonte: http://www.anoreg.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=10802:imported_10792&catid=32:artigos&Itemid=12

Conflitos na separação de fato na sucessão legítima

O presente artigo tem como escopo, propor algumas reflexões sobre a separação de fato na sucessão legitima. O ponto crucial de tal reflexão é a concorrência entre o cônjuge separado de fato e do convivente da união estável nessa espécie de sucessão.
Isto porque, se quando o marido falece, o casal estava separado de fato há menos de dois anos, haverá uma situação interessante: a esposa e a companheira serão consideradas herdeiras em concorrência. Assim, ambas serão chamadas a suceder em razão do disposto no artigo 1830, do Código Civil Brasileiro, que assim se expressa: “Somente é reconhecido direito sucessório ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estavam separados judicialmente, nem separados de fato há mais de dois anos, salvo prova, neste caso, de que essa convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente”.
Essa situação estranha se deve ao fato de o artigo 1830 do Código Civil admitir a participação do cônjuge na sucessão do falecido nas hipóteses de separação de fato, há menos de dois anos. Por outro lado, ocorrendo união estável, tem o (a) companheiro (a) também direito de participar da sucessão do (a) falecido (a), nos termos do artigo 1790 do Código Civil, que assim se expressa: “A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes: I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho; II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles; III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança; IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança”.
Conjugando-se as disposições dos artigos 1830 e 1790, pode-se concluir que o cônjuge e o (a) companheiro (a) serão chamados a dividir a herança do (a) falecido (a). Resta saber como se dará tal divisão.
O Novo Código Civil criou controvérsias quando dispôs em seu artigo 1.830 os requisitos para a sucessão legitima. Há uma clara desconexão entre os dispositivos existentes na legislação civil quanto à pessoa que será legitimada a receber a herança deixada pelo de cujus. Temos aqui uma primeira reflexão, seria legitimado a receber a herança, o cônjuge separado de fato ou convivente?
Pelo Código Civil anterior, o cônjuge separado de fato não era excluído da sucessão legítima. Isso porque se falava em dissolução da sociedade conjugal para que houvesse a exclusão do mesmo. Não bastava a mera separação fática, nem tampouco, a medida judicial preparatória da separação de corpos. Tal exclusão apenas ocorria com a sentença de separação ou de divórcio, com o trânsito em julgado. Separação de fato, ainda que por tempo razoável, não bastava para que o cônjuge fosse excluído da linha sucessória. Porém, a existência de união estável no sistema do Código Civil anterior, não transformava o companheiro ou companheira em herdeiro. Podia a união estável ou o concubinato gerar efeitos patrimoniais em seu desfazimento, mas não a título de herança. (1)
De acordo com Stella Ramos (2), “por definição, a separação de fato se situa à margem do direito, que impõe aos esposos uma comunidade de vida. Sob este ponto de vista, o princípio aparece cristalino: a separação de fato não altera, em nada, o direito, pois os cônjuges separados de fato permanecem sempre na situação de pessoas casadas”.
Em seu artigo 1.830, o atual Código Civil, prescreve: “Somente é reconhecido direito sucessório ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estavam separadas judicialmente, nem separados de fato há mais de dois anos, salvo prova, neste caso, de que essa convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente”.
Vê-se, assim, o conflito e as divergências que o artigo supracitado causará no ordenamento jurídico brasileiro, pois se há separação de fato do casal, a união estável pode ser admitida. Assim, as regras da união estável seriam aplicadas, inclusive no tocante à sucessão.
Essa inovação trazida pelo nosso Código Civil nos mostra a possibilidade que se tem do cônjuge separado de fato, constituir uma união estável. Ou seja, a pessoa que se separa de fato pode se unir a outra pessoa sem qualquer problema ou empecilho. Preleciona o artigo 1.723, “é reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura estabelecida com o objetivo de constituição de família”.
O dispositivo acima permite a constituição de união estável de pessoa casada, desde que separada judicialmente ou de fato, sem determinar prazo de duração da união para ser considerada estável, nem o tempo da separação de fato que justificaria a cessação dos deveres matrimoniais ou o momento a partir de quando se permitiria a pessoa casada assumir uma união estável, de modo a diferenciá-la do instituto do concubinato. Apenas fala-se em união duradoura, pública e contínua, sem precisar o tempo necessário para sua caracterização.
Assim, desde que constituída a união estável, nos termos do artigo 1.723, a companheira ou convivente tem direito a herança deixada pelo de cujus. De acordo com o artigo 1.790 do Código Civil, “a companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável”.
Com isso há o surgimento de um imenso conflito, se a morte do de cujus se der em menos de dois anos da separação de fato, ambas, (o) a atual companheira (o) e a (o) ex-cônjuge herdarão conjuntamente a herança. Fica evidente, portanto, o antagonismo entre o artigo 1.830 e o artigo 1.790 do Código Civil.
Surge, assim, uma regra de difícil harmonização com o direito sucessório do (a) companheiro (a) que simultaneamente venha a concorrer com cônjuge nestas condições.

Natália Cristina Marques Pimenta é membro do escritório Dalmar Pimenta Advogados Associados

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil – Direito das Sucessões. 7ª Ed., São Paulo: Editora Altas, 2007.
Lago, L. S. R. do. Separação de Fato Entre Cônjuges. Efeitos Pessoais. São Paulo: Editora Saraiva, 1989. P. 3

Fonte: http://www.anoreg.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=13532:imported_13522&catid=32:artigos&Itemid=12

Enteado com sobrenome do padrasto (Euclides de Oliveira)

O nome da pessoa constitui fator de sua identificação no meio familiar e social. Vem com o registro de nascimento e prevalece para sempre, uma vez que subsiste mesmo depois do desaparecimento da pessoa.

Mas essa não é uma regra absoluta. São diversas as causas da alteração do nome, seja por erros de grafia, exposição ao ridículo, apelido de uso, casamento, descasamento, mudança de sexo, e outras, que serão adiante analisadas.

Agora se acrescenta a hipótese de alteração do nome por razões de afinidade e afetividade, conforme prevê a Lei n. 11.924, de 17/4/2007, que modifica a Lei n° 6,105, de 31/12/1973, acrescentando o seguinte parágrafo ao seu artigo 57: § 8o O enteado ou a enteada, havendo motivo ponderável e na forma dos §§ 2o e 7o deste artigo, poderá requerer ao juiz competente que, no registro de nascimento, seja averbado o nome de família de seu padrasto ou de sua madrasta, desde que haja expressa concordância destes, sem prejuízo de seus apelidos de família."

A razão do dispositivo está na socioafetividade que se estabelece na família ampliada ou extensa, em face dos vínculos de afinidade do filho com o cônjuge ou o companheiro de um dos seus pais. Dá-se, na hipótese, a equiparação de um estado de posse de filho com relação ao padrasto ou à madrasta, em vista dos laços afetivos de seu relacionamento. Em muitas situações, fica até superada a posição do pai biológico, por afastamento ou abandono do filho, que passa a ser verdadeiramente criado pelo outro, que assume o lugar de pai estepe.

Embora não constitua uma forma de estabelecer filiação, a adoção do nome do afim na linha reta é meio caminho para o eventual futuro pleito judicial de reconhecimento de uma filiação socio-afetiva. Haverá sinal maior do que o afeto que se configura nesse relacionamento de aparência paterno/filial? Algumas observações de cunho procedimental, exigências da lei para que se obtenha a ordem judicial de averbação do registro: a) o pedido deve ser bilateral e consensual, ou seja, formulado pelo enteado, com a concordância do padrasto ou da madrasta; b) o pedido deve ser justificado por "motivo ponderável", com a prova do vínculo de afinidade e a demonstração da boa convivência e do relacionamento afetivo entre os interessados; c) a petição é judicial, por isso exigindo representação processual por advogado; d) juiz competente é o da vara de registros públicos, ou, não havendo vara especializada, do juiz Cível que acumular essa função; não se trata de competência do juízo de Família, uma vez que não há alteração do vínculo de paternidade, mas a ordem de acréscimo aos apelidos de família do requerente; d) intervém no processo o órgão do Ministério Público, como fiscal da lei em vista da natureza da causa; e) sendo menor, o enteado faz-se representar por seus pais registrários; se um deles se opuser, o juiz poderá suprimir seu consentimento, salvo se houver comprovação de justa recusa; f) sendo maior, o enteado poderá formular o pedido independente-mente de anuência dos pais registrários; f) o patronímico a acrescentar-se ao nome do enteado não altera nem substitui os seus apelidos de família; por acréscimo, entenda-se a inclusão do novo patronímico, que pode ser anteposto ao patronímico de origem ou posto em sequência a ele; g) não haverá alteração nos patronímicos dos avós do requerente, porquanto a medida se restringe ao acréscimo do sobrenome do padrasto e da madrasta.Será definitiva essa inclusão de nome afetivo, ou poderá ser novamente modificado ou alterado no caso de dissolução do casamento ou da união que lhe deu origem, por novo casamento do pai ou da mãe, ou por outra situação de mudança no quadro circunstancial que motivou o acréscimo do patronímico? A resposta só pode ser positiva. Uma futura nova mudança somente poderá ocorrer por força de decisão judicial, em ação própria, se houver concordância dos interessados e ressalvados direitos de terceiros, pelas consequências advindas da mutabilidade do registro civil da pessoa.

Outra hipótese a considerar é de, uma vez acrescido o nome do padrasto, vir a ocorrer separação da mãe e um novo casamento que origine outro vínculo de afinidade com novo padrasto. Poderá o enteado, nesse quadro, requerer em juízo o direito a um novo acréscimo de patronímico, sempre sob o crivo da consensualidade e da motivação ponderável exposta ao juiz competente.

Cumpre observar que o nome assim conquistado pela pessoa não lhe traz efeitos de ordem jurídico-patrimonial, nos campos da assistência alimentar, direito sucessório, direito previdenciário e outros. Continuam sujeitos a tais conseqüências os pais biológicos e registrários, não os parentes por afinidade que apenas deram seus nomes ao enteado. Da mesma forma, mantém-se com os pais o direito-dever inerente ao exercício do poder familiar. Mas o que resta não é pouco. Significa muito o nome do padrasto, como um signo de conquista para a integração do enteado na comunidade familiar que lhe dê reconhecimento como partícipe do grupo familiar, mediante a exibição e o uso do seu desejado nome afetivo.

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O novo divórcio (Frederico Alberto Blaauw)

Com o advento da Emenda Constitucional 66/10, a mudança constitucional, em relação ao divórcio, não foi apenas uma simplificação processual ou procedimental, de tal magnitude que não interessa apenas ao cotidiano do profissional do direito, mas principalmente à sociedade brasileira, a permitir aos cônjuges plena autonomia, para constituir, desconstituir e reconstituir seu projeto de vida familiar.

 A Emenda concretiza o princípio republicano da laicidade, nas relações familiares, perpassando pela precedência do "desquite" e da "separação", desjudicializando procedimentos.

 Com a promulgação da "PEC do Divórcio", de 13/07/10, a separação judicial deixou de ser contemplada na Constituição, desaparecendo qualquer requisito temporal para o divórcio, que passou a ser direto, seja por mútuo consentimento dos cônjuges, seja litigioso. O divórcio passou a ser simples exercício de um direito potestativo.

 O parágrafo sexto do artigo 226 da C.F., com a PEC do Divórcio, passou a ter a seguinte singela redação: "§ 6º -
O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio".

 Quais as conseqüências normativas dessa modificação constitucional?

 1. A única medida juridicamente possível, atualmente, para o descasamento, é o divórcio.
 2. Não mais existe prazo mínimo para a dissolução do vínculo matrimonial. Casa-se hoje e pode-se divorciar amanhã.
 3. Não mais existe a separação judicial. Quem se encontrava separado judicialmente, assim continua, até que promova o divórcio direto.
 4. Com o divórcio, a sociedade conjugal é desfeita e desaparece o vínculo matrimonial e consectários.
 5. Divorciados que se reconciliam podem casar-se novamente.
 6. O divórcio pode ser judicial ou extrajudicial.
 7. O divórcio extrajudicial é obtido administrativamente, nos Cartórios de Notas, desde que, por consenso, se chegou a acordo quanto à partilha de bens, pensão alimentícia, não existindo filhos menores ou incapazes. É necessária a presença de advogado.
 8. Os bens podem permanecer em comum, sem ocorrer a partilha, em havendo consenso.
 9. No divórcio judicial não mais se discute se houve ou não culpa de um dos divorciandos, basta a falência afetiva da relação. Se o afeto acabou, esse motivo, por si só, é suficiente para o divórcio.
 10. Havendo motivos graves, ainda é possível ao cônjuge prejudicado intentar pedido de separação de corpos.
 11. Deixou a culpa de ser referência, no âmbito da fixação da guarda dos filhos e alimentos.
 12. Na seara do direito aos alimentos, a fixação deverá ser feita com amparo na necessidade ou vulnerabilidade do credor, na justa medida das condições econômico-financeiras do devedor e não mais na aferição da culpa.
 13. Sob o prisma procedimental, o divórcio consensual segue as regras do art.1103 e seguintes do C.P.C.; se litigioso, observa as regras do procedimento ordinário ( art. 282) .
 14. A atuação judicial, em divórcio litigioso, cabe nas hipóteses em que os divorciandos não se acertam quanto à guarda dos filhos, alimentos, uso do nome, divisão do patrimônio familiar.
 15. Não há sigilo na escritura pública de divórcio, devendo o traslado ser averbado, no registro civil do assento de casamento.

Frederico Alberto Blaauw - advogado, mestre em Direito Comercial, professor de Direito Empresarial, consultor de empresas.

Fonte: 
Gazeta de Piracicaba/SP

Efeitos do registro

Com o registro do memorial de incorporação no cartório de imóveis, a empresa construtora ou incorporadora pode passar, de imediato, a promover a oferta e comercialização das unidades autônomas ainda durante a fase de construção do edifício (Lei 4.591/64, art. 32). O memorial de incorporação representa, exatamente, a garantia que a obra será concluída de acordo com as especificações de arquitetura e engenharia constantes do projeto de construção, o que confere segurança aos adquirentes, porque estes podem atestar a regularidade jurídica do empreendimento.

Para a empresa incorporadora, a oferta de imóveis com certificação de regularidade jurídica não se resume ao mero cumprimento de uma obrigação legal, mas torna o seu produto mais atrativo no mercado, reduzindo ou mesmo eliminando a sua margem de risco perante os adquirentes, porque estes estarão plenamente cientes, mesmo que não tenham lido em detalhes o memorial de incorporação, das condições precisas de execução da obra. O registro do memorial no cartório de imóveis publica o empreendimento perante terceiros, para todos os efeitos legais, afastando qualquer possibilidade de alegação de ignorância ou desconhecimento das características e especificações do empreendimento.

De acordo com o § 2º do art. 32 da Lei 4.591/64,  Os contratos de compra e venda, promessa de venda, cessão ou promessa de cessão de unidades autônomas são irretratáveis e, uma vez registrados, conferem direito real oponível a terceiros, atribuindo direito a adjudicação compulsória perante o incorporador ou a quem o suceder, inclusive na hipótese de insolvência posterior ao término da obra .

Assim, a partir do registro do memorial de incorporação, os adquirentes das unidades autônomas podem levar para registro no cartório de imóveis os seus contratos de promessa de compra e venda, ou mesmo a compra e venda definitiva, se houver pago integralmente o preço. Essa é a garantia maior para o comprador, porque torna-se ele titular de um direito real, e não de um direito obrigacional, cuja garantia de cumprimento limita-se à idoneidade e solvência da empresa incorporadora. A ausência do memorial de incorporação, todavia, não importa na anulação dos contratos de alienação efetuados pela empresa construtora, como assim decidiu o Superior Tribunal de Justiça: 

A jurisprudência desta Corte afasta a nulidade ou a anulabilidade (nulidade relativa) do contrato de promessa de compra e venda por descumprimento do art. 32 da Lei 4.591/64, que exige o registro do memorial da incorporação no Cartório de Imóveis. Todavia, se não sanada a irregularidade, pode o promissário comprador postular a resolução do contrato de promessa de compra e venda, em face do inadimplemento da obrigação por parte da incorporadora  (STJ, 4ª turma, RESP 192.315-MG, Relator Min. Salvio de Figueiredo Teixeira, DJ 18/02/2002).

» Ivanildo Figueiredo,  Professor da Faculdade de Direito do Recife/UFPE e Tabelião do 8º Ofício de Notas da Capital  ( ivanildo@tabelionatofigueiredo.com.br )

Fonte: Jornal do Commercio PE

"A promessa de permuta e o registro de imóveis" - Des. Marcelo Guimarães

Os cartórios, quase sempre incompreendidos e muitas vezes sujeitos a paradigmas negativos, são uma necessidade social. Previnem litígios e servem de memória autorizada dos fatos sócio-jurídicos mais importantes. Desempenham funções essenciais aos objetivos fundamentais do Estado.

É por meio da publicidade oponível a todos os terceiros, que os registros públicos podem afirmar a boa-fé dos que praticam atos jurídicos, amparados na presunção de certeza irradiada a partir de tais registros. Publicidade é elemento essencial dos registros públicos, diante de certos atos ou fatos da vida civil jurídica.

O outro lado da mesma moeda, implicando a inação do credor, gera a inoponibilidade de sua pretensão, dado que a presunção de boa-fé será deslocada em prol do terceiro, forrando sua aquisição, suportando assim o exeqüente o ônus de sua negligência traduzido no dever de provar a má-fé do terceiro adquirente do imóvel. Neste sentido, a regra é clara: Os fatos sujeitos a registro e não registrados são inoponíveis a terceiros, atribuindo-lhes lei a presunção de boa-fé, princípio curial do direito.

Além disso, proporcionar segurança às relações jurídicas é um dos objetivos dos registros públicos, a partir do aprimoramento de seus sistemas de controle, especialmente com a obrigatoriedade das remissões recíprocas, criando uma rede fina, atualizada e completa de dados e informações.

De forma que existe uma burocracia saneadora do mercado imobiliário e ela atende pelos nomes de Registro de Imóveis e Tabelionatos de Notas.

Neste contexto, tem-se verificado com freqüência cada vez maior, notadamente em época de vigoroso incremento das negociações imobiliárias, nova modalidade de negociação jurídica denominada de promessa de permuta de imóveis.

No exemplo citado, o proprietário do terreno vende parte ideal de seu imóvel para a construtora e reserva-se de uma fração ideal, surgindo assim, um condomínio civil. Sob o escopo de pagamento do terreno, a construtora se compromete em construir algumas unidades autônomas, convencionadas previamente e consignadas na escritura pública que materializa tal negócio jurídico. Efetuada a construção, considera-se cumprida a obrigação assumida pela construtora e o vendedor (proprietário do terreno), passa a ser titular das unidades autônomas construídas por acessão, sem nenhuma formalidade, já que a legislação civil admite esta modalidade de aquisição imobiliária.

Trata-se de tema muito importante para o avanço do mercado imobiliário, que vem procurando, nos últimos anos, em especial pela busca do uso racional do espaço, cada vez mais exíguo nos grandes centros urbanos, uma nova modalidade de negócio jurídico, qual seja a alienação do imóvel pelo proprietário a terceiro, para receber deste, em contrapartida, área construída no próprio local, e não dinheiro. Encontrou-se a solução, com reflexo nas áreas notarial e de registros, no instrumento adequado para formalizar o negócio jurídico – promessa de permuta -, definindo-se qual o contrato apropriado para a espécie, e que melhor reflita a realidade da relação pactuada pelas partes.

Ocorre que alguns registradores (ainda) entendem que o fato dos negociantes identificarem as unidades autônomas no momento da negociação do terreno, configura a necessidade de prévio registro da incorporação imobiliária.

Não obstante, em que pese respeitáveis entendimentos em contrário, entendo a recusa de registro deste tipo de negócio jurídico como considerável entrave econômico ao pleno desenvolvimento do mercado imobiliário e ofensa a um dos maiores pilares do desenvolvimento econômico do país, o Princípio da Propriedade Privada, princípio este reconhecido como verdadeiro direito que, além de fundamental, é tido por natural.

A questão reside na circunstância de a Lei dos Registros Públicos (6.015) ter sido elaborada em 1973, época na qual não era comum – para dizer o menos -, no Brasil, a sistemática da permuta com torna de lote de terreno por imóvel a ser erguido nele. Ao passo que a incorporação imobiliária é regida por outra Lei - 4.591 – de 1964.

Inicialmente, em relação ao contrato - seja de promessa, seja definitivo -, de permuta, nada há no sistema jurídico nacional que impeça sua confecção. Entre nós, vigora o princípio da liberdade de contratar (art. 421 CC 2002), cláusula geral aberta cujo norte é a utilidade, a dimensão social do contrato, vale dizer, sua função social.

Atendendo o contrato a uma finalidade útil e necessária à realização dos fins sociais, implementa-se a  possibilidade jurídica de sua formação. Em complemento, a mesma lei civil (art. 1.228 CC 2002) assegura ao proprietário ‘a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa (caput), ‘em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais’ (§ 1º), sendo, no entanto, ‘defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem’ (§ 2º).

Notadamente em relação à promessa de permuta, tem-se por necessário enquadrá-la na categoria de contratos atípicos, consoante visualiza o art. 425 também do Código Civil de 2002, para cuja formação exige-se apenas obediência às normas gerais do direito, aplicáveis aos contratos em geral para sua existência, validade e eficácia.

Além disso, a compra e venda e a troca, por se cuidarem de institutos semelhantes, submetem-se ao mesmo regime legal (art. 553 CC 02 = art.1.164 CC 16), com exceção de algumas regras específicas e que não autorizam a regulamentação da permuta em capítulo próprio (Orlando Gomes, ‘Contratos’, p. 325). Dentre essas regras específicas não se incluem qualquer vedação a que se formule promessa de permuta, aplicando-se, dessa forma, a regra geral dos contratos preliminares e, em particular, das promessas de venda e compra.

Aliás, nesse sentido já decidiu o STF confirmando premissa constante de acórdão de Tribunal do Rio de Janeiro no sentido de que ‘os mesmos princípios que regem a execução das promessas de compra e venda de imóveis aplicam-se ao negócio jurídico caracterizado como promessa de permuta’. Apenas ressalvou que ‘a inscrição no Registro de Imóveis é condição essencial à adjudicação compulsória de imóvel prometido à permuta por instrumento particular’ (RE n. 89.501-9, citado na ‘Revista de Direito Imobiliário’, vol. 6, p.134-135), em face da aplicabilidade do Decreto-lei 58, 1937 e não do artigo 639 do Código de Processo Civil.

Vale dizer, determinando a lei o acesso da promessa de venda e compra ao Registro de Imóveis, automaticamente permitiu também o da promessa de permuta. Com segurança, pode-se afirmar que inexiste motivo para, distinguindo-se um contrato do outro, deixar a promessa de permuta fora do registro imobiliário. Neste norte, conclui José Osório de Azevedo Júnior, não encontrar obstáculo ao registro da promessa de permuta (Compromisso de Compra e Venda, São Paulo: Saraiva, 2ª. ed., 1983, pág. 251).

De fato, o Código Civil de 2002 prevê que ‘a compra e venda pode ter objeto coisa atual ou futura’ (art. 483), acrescentando que ‘aplica-se à troca as disposições referentes à compra e venda’ (art. 533 = art. 1.164 CC 16).

Infere-se que a permuta de imóvel por unidade autônoma futura não fere o conceito segundo o qual por permuta entende-se a troca de coisa por coisa, ou, mais propriamente, de bem por bem. Como diz Caio Mário da Silva Pereira, ‘é fora de dúvida a viabilidade do contrato incidente em ‘coisa futura’, o qual fica perfeitamente definido como condicional – ‘emptio rei speratae’, que se resolve se a coisa não vier a ter existência, mas que se reputa perfeito desde a data da celebração, como implemento da ‘conditio’ (...) Lembra ainda o festejado jurista que ‘ademais, permuta imobiliária não precisa ser de imóvel por imóvel – pode ser de imóvel por direito, por ação’ (...). Prosseguindo, acentua que ‘em virtude de sua extensão econômica é da maior amplitude.

Tematicamente, todas as coisas ‘in commercio’, isto é, que não sofrem indisponibilidade natural, legal ou voluntária, podem ser permutadas: imóvel por imóvel, imóvel por móvel, bem corpóreo por bem corpóreo, bem corpóreo por bem incorpóreo
’ (grifos do original).

A propósito, o Código de Comércio de 1850, não por acaso, já previa que tudo o que pode ser vendido pode ser trocado (art. 221).

Lado outro, no plano do registro imobiliário, prevê o art. 167 da Lei dos Registros Públicos que ‘ No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos: I – o registro; [...] 30) da permuta’.

É certo que a lei instrumental não refere à promessa de permuta, todavia a lacuna legislativa não constitui, por si só, empecilho jurídico à recepção de tal título no fólio real.

Ora, considerando-se que ‘aplica-se à troca as disposições referentes à compra e venda’ (art. 533 CC 02) e a existência de expressa previsão do ingresso da promessa de compra e venda (art. 167, I, 18 LRP), mostra-se desarrazoado entendimento inverso.

Além disso, a redação do referido art. 167 da LRP não é taxativa, pois não esgota todas as hipóteses possíveis. Várias outras situações, quando praticadas, são admitidas a registro em sentindo amplo (abarcando a matrícula, o registro propriamente dito ou inscrição, e a averbação), inclusive encontradas dentro da própria Lei 6.015 (vide, por exemplo, as situações elencadas no seu art. 246 e parágrafos). Fora dela, sem esforço podem ser mencionadas as hipóteses de renúncia (art. 1.275,II e seu § único CC 2002 = art. 589, § único CC 16), a perpetuidade de florestas (art. 21 Lei 9.985, 2000), novas averbações de cancelamento (art. 23 do Estatuto da Cidade – Lei 10.257, 2001), a averbação da reserva legal (art. 16, §2º do Código Florestal – Lei 4.771, de 1965, com a redação da Lei 7.803, de 1989), etc. 

Em verdade, a permuta ou troca é ato em que predomina o interesse obrigacional. Todavia, a circunstância de não se tratar de direito real também não é óbice ao registro da promessa de permuta, pois a lei textualmente admite o ingresso de atos e títulos considerados atípicos, na medida em que representam direitos de natureza diversa, que não a real - a que a lei confere atributo de ‘realidade’ em circunstâncias especiais. Neste sentido, no elenco do art. 167 encontram-se atos de natureza tipicamente processual (arresto, seqüestro, penhora, citações, etc.); outros em que predominam o interesse obrigacional (alienação de coisa locada, dação em pagamento, doação entre vivos, etc.); registros de atos relacionados a realização do casamento (bens de família, convenções antenupciais, dote), etc. 

O que é evidente, no sentido do ingresso do título, é que atenda às regras de forma estabelecidas e que digam respeito a imóvel matriculado (art. 222 LRP),sempre que praticado o ato ou negócio jurídico previsto na legislação civil, que por sua repercussão e interesse deva ser dado a conhecimento de terceiros interessados (art. 167, c.c. art. 169 LRP).

Ainda assim, inexiste óbice a que se admita ingresso do título como espelhando promessa de permuta, afastando praxe de se rotular o negócio como ‘compra e venda com promessa de dação em pagamento ou compra e venda com preço convertido em obrigação de fazer, ou como dupla compra e venda com compensação de preço’ (Marcelo Terra, Temas Jurídicos nos Negócios Imobiliários, pág. 178).

Por sua vez, a regra do artigo 39 da Lei n.4.591, de 1964 cuida apenas de entrega de área construída no próprio terreno negociado, não se referindo, à promessa de troca de terreno em que o permutante recebe algumas unidades autônomas futuras a se construírem em terreno distinto e de propriedade do co-permutante.

Forçoso concluir, nestes termos, pela inexistência de qualquer óbice, seja à confecção do contrato de promessa de permuta de imóveis, seja a que ingresse no álbum imobiliário, providência que visa, a constituir eficácia do negócio jurídico, irradiar publicidade a terceiros e, sobretudo, a resguardar a segurança jurídica.

Marcelo Guimarães Rodrigues
Desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais

Fonte: SERJUS-ANOREG/MG - 24/05/2011.

Para constituinte originário, família é aquela que gera descendendes para sociedade (Ives Gandra da S. Martins)

O Supremo Tribunal Federal decidiu, em 5 de maio de 2011, que a união entre dois homens ou duas mulheres de natureza afetiva gozará do mesmo “status” da união estável entre um homem e uma mulher, a qual, pela Constituição, artigo 256, parágrafo 3º, é considerada entidade familiar.

Nada obstante os constituintes não terem elevado a união homossexual a tal nível, nada obstante o direito privado dar-lhes garantias próprias de uma união de fato, a Suprema Corte outorgou-se o direito de substituir o Congresso Nacional e a Constituinte, legislando sobre a matéria e acrescentando ao texto da Lei Maior que também a união "estável" entre um homem e um homem ou uma mulher e uma mulher conformam entidade familiar.

Apesar de ser esta a posição atual do Pretório Excelso, inúmeros juristas têm tecido considerações de natureza jurídico-constitucional discordando de tal interpretação, entre elas destacando-se a do eminente professor de Direito Constitucional, Lenio Streck que, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo publicada em 6 de maio de 2011, declarou: "isso é espaço para discussão do legislador, como se fez na Espanha e em Portugal. Lá, esse assunto foi discutido pelo Parlamento. O Judiciário, nesse ponto, não pode substituir o legislador".

Neste artigo pretendo exclusivamente ofertar a minha interpretação da Constituição Federal, para que o leitor possa conhecer os argumentos daqueles que entendem que a união homossexual não constitui uma família, por ter sido esta a vontade do constituinte, ao promulgar a Constituição em 5 de outubro de 1988.

Entendo que a corrente dos constitucionalistas, que se opõe ao ativismo judicial (o Judiciário substituindo por auto-outorga de poderes o Legislativo), à qual me filio, está com a razão, pois apenas o Congresso Nacional, com poderes constituintes derivados (duas votações com 3/5 de senadores e deputados decidindo a favor) pode introduzir qualquer modificação na lei suprema.

Alegou-se, em tese hospedada por alguns ministros dessa Corte, que a não concessão dos mesmos direitos às uniões de pessoas do mesmo sexo em relação àqueles que têm os de sexo oposto feriria a dignidade humana (artigo 1º, inciso III, da CF), a igualdade de cidadania (artigo 5º, caput), a segurança jurídica (artigo 5º, caput) e a liberdade (artigo 5º, caput) [1].

Vejamos se tais princípios foram feridos à luz da Constituição Federal.

Claramente, o princípio da dignidade humana não se encontra ferido pelo tratamento que até o presente vem sendo dado à união entre dois homens e duas mulheres, que, por opção sexual, podem se unir, celebrar um contrato à luz do Direito Civil com previsão de obrigações e direitos mútuos, inclusive de natureza patrimonial, o que a Constituição não proíbe. Não há mácula, pois, à dignidade humana neste caso, por todos reconhecida, como própria do ser humano e que independe de sua opção sexual.

Nem se tisna, por outro lado, o princípio da liberdade, já que o próprio reconhecimento de que poderão contrair obrigações e deveres, viver juntos, participar socialmente de qualquer reunião, cursar qualquer universidade ou ter qualquer emprego, mostra que sua liberdade de escolha homossexual em nada é manchada pela lei civil, genericamente considerada, nem pela lei suprema.

E, em relação à segurança jurídica, têm os pares de homens com homens e mulheres com mulheres a mesma segurança de qualquer cidadão e de qualquer casal.
O outro argumento mencionado é que merecerá maiores considerações, pois é aquele que merece reflexão mais aprofundada.

O respeito à dignidade humana e a liberdade de união dos pares de homens e homens ou mulheres e mulheres é que não justifica que se considere que tais uniões sejam iguais àquelas constituídas por um homem e uma mulher.

São diferentes, jurídica e faticamente, sem que esta diferença represente qualquer "capitis diminutio" na dignidade dos seres humanos, que optaram por uma união entre iguais.

A diferença reside em que são pares que, biologicamente, não podem gerar filhos, o que não ocorre com os casais constituídos por um homem e uma mulher. A união sexual de dois homens é impossível de gerar prole, como também a união sexual de duas mulheres. Podem externar nesta união afeto, mas a grande diferença é que não podem gerar filhos de sua relação sexual.

Ora, dizer que, perante a Constituição, são iguais uniões que são biologicamente diferentes, tendo em vista que somente a que ocorre entre um homem e uma mulher é capaz de garantir a perpetuação da espécie, constitui, de rigor, uma falácia. Se todos os homens se unissem com outros homens e todas as mulheres se unissem com outras mulheres, sem utilização de qualquer artifício (inseminação artificial), a humanidade se extinguiria!

Há, pois, nítida diferença biológica e jurídica entre os casais de homens e mulheres e aquelas uniões entre homens e homens e mulheres e mulheres. E a diferença — capacidade de gerar prole pelos meios naturais — é tão essencial e de tal magnitude que impede a equiparação.

E, neste aspecto, é que reside, a meu ver, a razão de ser do capítulo da família na Constituição, já agora passando a desvendar a questão referente ao artigo 1.723 do Código Civil, assim redigido:

Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.

Tenho entendido, em vários escritos, que o mais relevante princípio da Constituição, depois do direito à vida, é a proteção à família.

Assim não fosse, não teria o constituinte com particular ênfase, declarado, no "caput" do artigo 226, que a família é a base da sociedade:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado (grifos meus).

Do dispositivo, duas considerações essenciais podem ser tiradas, ou seja, que:

a) sem família, não há Estado e, por esta razão, o Estado deve dar

b) especial proteção à família.

A proteção é de tal ordem, que o casamento passa a ser o ideal maior do Estado, não só ao permitir sua celebração gratuita — "§ 1º - O casamento é civil e gratuita a celebração" - como também ao dar ao casamento religioso efeito civil - "§ 2º - O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei".

Como se vê, os dois parágrafos acima deixam nítido que, para dar maior estabilidade à "base da sociedade", o casamento é o desiderato maior do Estado. Pretendeu o constituinte - e a maioria esmagadora entende que constituinte originário - dar o máximo de estabilidade possível à constituição da família e à prole nela gerada pela segurança do casamento, nivelando o casamento religioso ao civil, nos termos da lei.

Compreende-se tal escopo. É de se lembrar que, hoje, na maioria dos países europeus, todos os governos estão a incentivar o aumento das proles familiares, com benefícios de toda a natureza. Ora, tal não é possível, sem métodos artificiais, pela união de um homem com um homem ou de uma mulher com uma mulher.

Simone Veil, quando presidiu o Parlamento Europeu, em célebre frase, afirmou que "os europeus tinham aprendido a fabricar tudo, mas esqueceram de 'fabricar' europeus".

Esta é a razão pela qual o casamento religioso tem o mesmo "status" do casamento civil e, nas grandes religiões, aquelas que mudaram a história do mundo, segundo Toynbee, no livro Um estudo da História, o casamento religioso só pode ocorrer entre um homem e uma mulher.

A família, pois, decorrente da união de um homem com uma mulher, que biologicamente pode gerar proles que dão continuidade à sociedade, no tempo, é que o constituinte pretendeu proteger, a meu ver, sendo todos os dispositivos referentes à entidade familiar, cláusulas pétreas, pois dizem respeito aos direitos individuais mais relevantes, ou seja, de perpetuação da espécie e de preservação do Estado.

Sensível, todavia, à realidade moderna de que muitas uniões entre casais (homens e mulheres) não ganham o patamar de casamento, houve por bem, o constituinte, reconhecer tal união — sempre entre homem e mulher — como "entidade familiar", mas, demonstrando, mais uma vez a relevância do matrimônio, declarou que o Estado tudo faria para transformar aquela “união estável" em “casamento", como se lê no artigo 226, parágrafo 3º:

"§ 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento" (grifos meus).

Ainda aqui se percebe nitidamente os dois objetivos primordiais de preservar a família como base do Estado, capaz de dar perpetuidade ao Estado e à sociedade, garantindo a união estável entre um homem e uma mulher, como entidade familiar.
E a prova mais inequívoca de que foi esta a intenção do constituinte — e este o princípio constitucional — está em que, na sequência, o parágrafo 4º declara:

"§ 4º - Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes." (grifos meus).

Ora, qual é o descendente naturalmente gerado pela união entre um homem e um homem e uma mulher e uma mulher? Sem artificialismos genéticos ou técnicas médicas utilizando espermatozóides ou óvulos de terceiros, são incapazes de gerar descendentes.

Compreende-se, também, o intuito do parágrafo 4º do artigo 226, ou seja, reconhecer outra realidade: pela morte ou separação conjugal, pode um dos cônjuges ter que sustentar sozinho seus descendentes, não deixando de ser, portanto, uma entidade familiar, o cônjuge remanescente e seus filhos.

Parece-me que o parágrafo 4º unido ao parágrafo 3º do artigo 226 demonstra, claramente, a impossibilidade de se considerar unidade familiar a união entre homens e homens e mulheres e mulheres, que não podem “Motu Proprio” gerar descendentes e que mantêm, biologicamente, um relacionamento sexual diferente daquele que caracteriza a união entre um homem e uma mulher.

O próprio parágrafo 5º, assim redigido:

§ 5º - Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher reforça a inteligência que tenho do dispositivo.

Ainda aqui só se fala em homem e mulher, em meridiana demonstração de que homens e mulheres são iguais na condução da própria família.

Da união de pessoas de sexo diferente — e exclusivamente dela — cuidou o constituinte, deixando às uniões homossexuais — é diferente a união, por opção sexual, não geradora de prole — o direito a outras alternativas para alcançar a segurança jurídica, mas não a de ter "status" de unidade familiar.

Tanto é diferente que o governo, por sua Secretaria dedicada aos Direitos da Mulher, entende não ser aplicável a lei "Maria da Penha" à agressão de um homem a um outro homem, numa união homossexual.

E, à união surgida desta forma de opção sexual — que não é a opção natural da maioria esmagadora das pessoas, em que a atração física é capaz de gerar prole —, o Estado pode garantir direitos e obrigações. Pode dar-lhe “status” de uma união civil, de obrigações mútuas, mas não de família, aquela que constitui a base da sociedade capaz de gerar sua perpetuação.

Ora, o artigo 1.723 do Código Civil, reproduz, claramente, o que está na lei suprema e sua dicção, em nada difere daquela exposta na lei suprema.

Nem há que se falar de interpretação conforme, visto que o que decidiu o STF foi um acréscimo ao texto para nele abrigar situação nele não prevista, o que difere, a meu ver, do que se entende por interpretação conforme. Essa modalidade de controle concentrado implica retirar de um texto abrangente situação que, se por ele fosse abrigada, representaria uma inconstitucionalidade. É que, levando em conta a pretendida distinção entre “inconstitucionalidade sem redução de texto” e “a interpretação conforme”, se se admitisse nesta, o acréscimo de hipóteses ao texto legal não produzidas pela lei, estar-se-ia, de rigor, transformando o Poder Judiciário em Poder Legislativo.

Mesmo para os constitucionalistas que consideram a interpretação conforme como desventradora de situação implícita, contida na norma — por isso distinguem-na daquela sem redução do texto —, não se pode admitir que esta revelação do “não expresso” represente alargamento da hipótese legal sem autorização legislativa.
Para mim, na interpretação conforme, o texto contém mais do que deveria conter. Por esta razão o que está a mais é retirado sem alteração do texto, a fim de que o Judiciário não se transforme em legislador positivo.

Em conclusão, o texto constitucional contém rigorosamente o que deveria conter, e o que o Supremo Tribunal Federal fez foi acrescentar ao texto situação não prevista nem pelo constituinte, nem pelo legislador, transformando o Pretório Excelso em autêntico constituinte derivado, ou seja, acrescentando disposição constitucional que o constituinte originário não produziu. Em outras palavras, sem o processo das duas votações nas duas Casas, com 3/5 de todos os segmentos do povo, a Suprema Corte, criou norma constitucional inexistente, acrescentando situações e palavras ao texto supremo, que, como acabo de mostrar, jamais foi intenção do constituinte acrescentar.

Ainda em outros termos, o Congresso Nacional eleito por 130 milhões de brasileiros e com poder de alterar a Constituição pelo voto de 3/5 de sua composição, em dois escrutínios, foi substituído por um colegiado de 11 pessoas eleitas por um homem só!

Nada obstante, a decisão do Supremo Tribunal Federal, que impõe a todo o Judiciário que seja seguida, considero que a correta interpretação é aquela aqui exposta e que representa também a inteligência de inúmeros juristas. Dizia, com o respeito devido, Santa Catarina de Sena aos Cardeais de sua época, quando erravam “Vossas Eminências cometem eminentíssimos erros”. Infelizmente, sou obrigado a dizer dos ministros da Suprema Corte: “Vossas Excelências cometem excelentíssimos erros”.

Concluo, finalmente, transcrevendo parte de recentíssima decisão do Conselho Cosntitucional da França de 27 de janeiro de 2011, em linha, a meu ver corretíssima e em franca oposição à do órgão máximo da Justiça Brasileira:
9. Considerando de outra parte que o artigo 6 da Declaração de 1789 dispõe que a lei deve ser a mesma para todos, seja quando ela protege, seja quando ela pune: que o princípio da igualdade não se opõe a que o legislador que regule de maneira diferentes situações diferentes, nem a que se derrogue a legalidade por razões de interesse geral, visto que, em um ou outro caso, a diferença de tratamento de que daí resulta seja vinculado diretamente ao objeto da lei que o estabelece; que, no momento, o princípio segundo o qual o casamento é a união entre um homem e uma mulher, o legislador tem, no exercício da competência que lhe atribui o art. 34 da Constituição, considerando que a diferença de situação entre casais do mesmo sexo e casais compostos de um homem e de uma mulher podem justificar uma diferença de tratamento quanto às regras do direito de família; que não cabe ao Conselho Constitucional de substituir sua apreciação àquela do legislador, sob o prisma, nesta matéria, desta diferença de situação; que, por consequência, a pretendida maculação do artigo 6 da Declaração de 1789 deve ser descartada;

10. Assim sendo, pois, que disto resultou de que no que concerne a limitação que atenta contra a liberdade de casamento deve ser afastada;

11. Concluindo que as disposições constantes são contrárias a nenhum direito ou liberdade que a Constituição garante;

Decide:

1) A letra última do artigo 75 e o artigo 144 do Código Civil (união entre homem e mulher) estão conformes a Constituição;
2) A decisão será publicada no jornal oficial da República Francesa” (grifos meus).

São Paulo, Maio de 2011.
IGSM/mos/a2011-041-1 A CF e o HOMOSSEX – ADAP PAR CNBB
________________________________________
[1] Os artigos citados estão assim redigidos:
“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: ...........
III - a dignidade da pessoa humana;
....
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: ....”.

Autor: IVES GANDRA DA SILVA MARTINS é advogado tributarista, professor emérito das Universidades Mackenzie e UniFMU e da Escola de Comando e Estado Maior do Exército, é presidente do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo, do Centro de Extensão Universitária e da Academia Paulista de Letras.


Fonte: Site da Arpen SP

Usucapião Especial Urbano Por Abandono de Lar

Foi criada mais uma espécie de usucapião no Brasil através da Lei 12.424/2011. A rigor, passamos a ter seis espécies de usucapião entre nós, quais sejam, o usucapião extraordinário, ordinário, especial urbano, especial rural, coletivo e, agora, o “usucapião especial urbano por abandono de lar”. A terminologia foi sugerida por Flávio Tartuce que, já em discussão sobre o tema, entende que se trata de um caso de usucapião especial.

Como se sabe, o usucapião ou a usucapião – de fato tanto se pode referir no masculino quanto no feminino – é um dos modos de aquisição da propriedade previsto no Código Civil, dividindo espaço com a “aquisição pelo registro do título” e a “aquisição por acessão”.

A lei exige alguns requisitos relevantes para que a pessoa adquira a propriedade por usucapião, considerando que se trata de um modo originário de aquisição da propriedade, vale dizer, sem que haja a transmissão da propriedade de um anterior para um novo proprietário. Ademais disso, é sempre importante considerar que, na mesma medida em que há aquisição da propriedade em razão da prescrição aquisitiva, há também, por parte daquele que sofre a ação de usucapião, perda da propriedade. Daí o legislador se preocupar em criar requisitos rígidos para a aquisição por usucapião adotando a lógica de que, quanto mais tempo de posse exigir, menos requisitos adicionais exigirá.

Tanto é assim que no caso do usucapião extraordinário em que se exige 15 anos, a lei dispensa a prova do justo título e da boa-fé, presumindo-os. No caso em comento, a lei exigiu, como se verá mais adiante, apenas dois anos de posse e, por isso, diz-se que os demais requisitos são mais rígidos.

Quanto aos referidos requisitos legais, considerando as regras gerais sobre o usucapião, a lei exige que haja posse por parte do requerente, durante um determinado período de tempo, que, agora, com a nova modalidade poderá variar de 2 a 15 anos, embora não se possa olvidar que, como ainda estamos sob os efeitos das regras transitórias do Código Civil de 1916, esse prazo máximo pode, ainda, em casos determinados, ser de 20 anos.

Além da posse “ad usucapionem” e do tempo, a lei exige uma decisão judicial que é, exatamente, o título hábil que autorizará o registrador de imóveis, claro, no caso do usucapião imobiliário, a proceder o registro da propriedade em nome do usucapiente, portanto, daquele que requer a aquisição da propriedade por usucapião.

Visto isso, vamos passar para uma rápida análise sobre a nova espécie de usucapião que passamos a ter no Brasil. O “usucapião especial urbano por abandono de lar” está previsto no Código Civil no novo artigo 1.240A, acrescentado pela lei 12.424/11.

O mencionado dispositivo prevê o seguinte: “Art. 1.240-A. Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural”.

A hipótese prevista na lei, portanto, é a que envolve a separação de fato de um casal e um do membros desse casal abandona o lar sem fazer a regular partilha do bem, quando é o caso. Nessa hipótese, se o ex-cônjuge ou ex-companheiro permanecer no imóvel de até 250 m² durante dois anos, sem oposição daquele que abandonou o lar e, ainda, não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural, adquire a propriedade do bem. Deve-se observar que, considerando o regime de comunhão de bens (seja parcial ou universal), a aquisição é da meação do cônjuge que abandonou o lar, embora seja possível se falar em aquisição do todo, nos casos em que há o regime de separação.

O espírito da lei foi o de regularizar a propriedade de imóveis em nome de apenas um dos cônjuges ou companheiros quando o outro simplesmente deixa o lar sem deixar notícias ao longo de alguns anos, quedando-se instável a situação daquele que ficou na posse do imóvel, sem que haja a regularização da propriedade.

É interessante observar que, em um primeiro momento somos levados a pensar que a discussão sobre culpa ganhou força novamente na separação do casal em razão dessa nova modalidade de usucapião. Apesar disso, não nos parece que isso seja correto afirmar. É que, para que um dos ex-cônjuges venha a perder a propriedade para o outro, necessário se faz que, aquele que fica na posse a exerça sem oposição, portanto, a questão é de natureza possessória. Ou seja, não basta que o ex-cônjuge ou ex-companheiro abandone o lar, esse é apenas um dos requisitos da lei, é necessário que a posse exercida pelo ex-cônjuge ou ex-companheiro que fica no imóvel seja mansa, pacífica e sem oposição, não importando se houve culpa ou não na dissolução do casamento ou da união estável. Desse modo, mesmo aquele que abandona o lar pode reivindicar a propriedade da sua cota parte no imóvel, de acordo com o regime de bens adotado, seja relativo ao casamento, seja à união estável. Nesse caso, a oposição do cônjuge ou companheiro que abandona o lar em face daquele que fica no imóvel será suficiente para que não se estabeleçam todos os requisitos exigidos pela lei, o que implica dizer que a discussão sobre culpa não tem efetiva relevância quanto à aquisição da propriedade, como também pensa Zeno Veloso.

Assim sendo, se o cônjuge ou companheiro que abandona o lar notificar, judicial ou extrajudicialmente, o cônjuge que fica, no sentido de que tem interesse em manter a propriedade do imóvel, seja em uma cota parte, seja integralmente, se for o caso de acordo com o regime de bens adotado, isso será suficiente para que não haja a presença de todos os requisitos legais para a aquisição da propriedade por usucapião.

Não há se negar que as usuais ações cautelares de separação de corpos que, mesmo após o divórcio direto, com a emenda 66/2010, continuaram mantendo sua relevância e, a rigor, ganharam ainda mais importância, porque passaram a ser meio efetivo de prova de quando houve o abandono do lar por parte do cônjuge ou companheiro, o que implica em facilitação do início da contagem do tempo, portanto, os dois anos.

Quanto ao aspecto relativo ao tamanho do imóvel, é importante realçar que a lei, da forma como está exposta, abarca não só a hipótese de terreno ou área urbana de até 250 m², como também apartamentos que tenham até esse tamanho. É que a dicção do art. 1.240A, do Código Civil, parece clara ao dizer que a posse deverá se dar “sobre imóvel urbano de até 250m²”, diferentemente do que diz, por exemplo, o art. 1.240 do Código Civil, que trata sobre o usucapião especial urbano, ao dizer que a posse deve ser exercida sobre “área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados”. Ao que nos parece, em um, ou em outro caso, seja se referindo a “área” seja se referindo a “imóvel”, a lei prevê que os apartamentos possam ser objeto de usucapião. Mas, resta claro que, se no caso do art. 1.240 possa se sustentar que existe dúvida sobre a intenção do legislador sobre o objeto do usucapião, ao que nos parece, essa dúvida não existe no caso do art. 1.240A.

Por último, no parágrafo primeiro do art. 1.240A, a lei criou uma limitação quanto à espécie de usucapião aqui mencionada ao dizer que “o direito previsto no caput não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez”.

São essas, portanto, as impressões iniciais a respeito do tema. Ao longo da aplicação prática do novo instituto, outras questões surgirão e não faltará oportunidade para discutirmos novamente a temática aqui mencionada.

RODRIGO TOSCANO DE BRITO
Doutor e Mestre em Direito Civil Comparado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP. Professor de Direito Civil da UFPB e do UNIPÊ nos cursos de graduação e pós-graduação. Professor de Direito Civil da Escola Superior da Magistratura e da Escola Superior da Magistratura Trabalhista da Paraíba. Membro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do IBDFAM-PB. Advogado.

Fonte: http://www.anoreg.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=17828:artigo-usucapiao-especial-urbano-por-abandono-de-lar&catid=32:artigos&Itemid=12