sábado, 20 de abril de 2013

Provocação ao tema: Adolescentes Infratores (Neemias Moretti Prudente)

Os adolescentes infratores são demonizados depois que atos violentos de grande repercussão acontecem, levando diversos segmentos da sociedade a uma enxurrada de opiniões, especialmente por punições mais severas, entre elas, a redução da maioridade penal, maior tempo de internação, penitenciária para menores, prisão perpétua e chegando até a pena de morte[1]. Mas, do total de crimes, qual parte pertence aos adolescentes? na grande maioria, quais são estes atos infracionais? O que os leva a prática destes atos infracionais? O que esta sendo aplicado a adolescentes infratores? existe solução para esta criminalidade? O presente trabalho se dirige para essas e outras questões, com o propósito de indicar as bases e as linhas gerais acerca do tema, sem pretender resolver ou esgotar a problemática implicada. Centenas de artigos, editoriais, cartas aos jornais e entrevistas, as pessoas têm exercido sua liberdade de pensar e querer coisas diferentes uma das outras. Não há formulas únicas para agradar a todos. Mas agora, como crítico humanitário, coloco algumas opiniões e verdades.
A população de adolescentes (com idade entre 12 e 18 anos) no país representa 15% (aproximadamente 25 milhões) do total da população nacional[2]. Do total de adolescentes no país, menos de 0,2% são responsáveis pela prática de atos infracionais, ou seja, aproximadamente 39.578 adolescentes cumprem algum tipo de medida sócio-educativa no Brasil[3].
 Em 2006, havia 15.426 internos no sistema sócio-educativo de meio fechado no país[4]. A maioria estava em regime de internação (10.446), seguidos da internação provisória (3.746) e da semiliberdade (1.234)[5].
A título de comparação, em 2006, o sistema prisional contava com 401.236 pessoas adultas – entre presos provisórios e condenados[6] - em face de 15.426 jovens internados no meio fechado. Isto representa que, dos crimes praticados e apurados, 96,3% são cometidos por adulto e 3,7% são cometidos por adolescentes.
Fica demonstrado que o adolescente não é o principal agente infrator no Brasil. São os adultos, maiores de 18 anos de idade, aqueles que praticam o maior número de crimes.
Em São Paulo, o roubo e o tráfico de drogas são as infrações mais cometidas – 66% das internações. No Brasil, mais de 64% dos adolescentes estão internados por crimes contra o patrimônio e tráfico de drogas[7].
No Brasil, atualmente, cerca de 80% dos jovens que estão em conflito com a justiça vêm de casas onde a renda familiar não chega a 2 salários mínimos[8]. No Estado do Paraná, de acordo com o Instituto de Assistência Social do Paraná (Iasp), a maior parte do adolescentes infratores (mais de 90%) se encaixa nas classes de menor poder aquisitivo, tendo a dificuldade financeira da família muitas vezes como motivo para o envolvimento com o ato infracional[9].
O tráfico de drogas, em breves palavras, ocorre, na maioria dos casos, quando a falta de infra-estrutura e oportunidades, assim como os jovens não conseguem emprego na indústria ou no comércio (hoje temos 1/5 dos jovens desempregados), recorrem ao tráfico de drogas, que esta sempre de portas abertas para eles[10].
Isto mostra que a maioria dos atos infracionais cometidos pelos adolescentes são atos envolvendo o patrimônio e tráfico de drogas ilícitas. Os adolescentes infratores são provenientes em sua maior parte das classes pobres, dos excluídos sociais, que, sem condição mínima de sobrevivência, não restando quase alternativa, recorrem ao ilícito, em busca de recursos para a sobrevivência, ou seja, a prática de ato infracional é conduta normal do adolescente, que devido a devido a condições sociais adversas, e freqüentemente insuportáveis, se torna necessária.
Também, num país impregnado pelo capitalismo, o que mais poderia se esperar[11]!
Nada mais assertivo do que as ilustres palavras do grande Jurista e Criminólogo, Juarez Cirino dos Santos, de que “na sociedade capitalista a imensa maioria dos crimes é contra o patrimônio, de que mesmo a violência pessoal está ligada à busca de recursos materiais e o próprio crime patrimonial constituí tentativa normal e consciente dos deserdados sociais para suprir carências econômicas”[12].
Certa vez, ouvi um jovem dizer “boa parte dos jovens não entra na criminalidade por opção, mas por falta de oportunidades”. Concordo.
Mas, em face destes atos infracionais, o que esta sendo aplicado aos adolescentes infratores?
Revela a história que a preocupação oficial sobre a questão do menor, como sujeito de um direito diferenciado, encontra precedente histórico apenas em 1896, em Nova Iorque, quando foi registrado o primeiro processo judicial efetivo tendo como causa maus-tratos causados a uma menina de nove anos de idade pelos seus próprios pais. A parte que propôs a ação foi a Sociedade para a Proteção dos Animais, de Nova Iorque, de onde se originou a primeira liga de proteção.
Atualmente, no Brasil, temos uma lei especifica que protege as crianças e adolescentes, o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8069/90), que é o instrumento jurídico que visa a garantir proteção integral à criança e ao adolescente e os deveres de e para com estes jovens, levando em conta suas potencialidades e suas necessidades fundamentais, tanto a nível familiar quanto na sociedade como um todo.
O estatuto faz parte de um sistema global que é o ordenamento jurídico do país, com regras, mandamentos, ferramentas e meios de intervenção humana em busca de fins sociais.
O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê dois grupos distintos de medidas sócio-educativas. O grupo das medidas sócio-educativas em meio aberto, não privativas de liberdade (Advertência, Reparação de Danos, Prestação de Serviços à Comunidade e Liberdade Assistida) e o grupo das medidas sócio-educativas privativas de liberdade (Semiliberdade e Internação).
As medidas privativas de liberdade são norteadas pelos princípios de brevidade e excepcionalidade consagrados no art. 121 do ECA. Assim o fez porque, como regra, prisão não corrige, não educa, não melhora indivíduos. São aplicadas especialmente para os casos de ato infracional praticado com violência à pessoa ou grave reiteração de atos infracionais graves.
Ocorre que, em 2006, do total de jovens envolvidos com o sistema penal no Brasil – aproximadamente 40 mil -, havia 15.426 internos no sistema sócio-educativo de meio fechado no país. A maioria estava em regime de internação (10.446), seguidos da internação provisória (3.746) e da semiliberdade (1.234)[13].
Isto significa as medidas privativas de liberdade são aplicadas em quase 50% dos casos, casos estes, em sua maioria, que deveriam ser aplicadas medidas sócio-educativas em meio aberto, não privativas de liberdade.
As medidas não-privativas de liberdade são verdadeiras reações sócio-educativas contra a prática de ato infracional, mas não são aplicadas pelo judiciário: A advertência pode ser ineficaz para problemas sociais, não obstante, advertir é sempre melhor do que punir; a reparação do dano pode ser incerta por causa da pobreza do adolescente criminalizado, mas reparar o dano é melhor do que restringir direitos; a prestação de serviços à comunidade pode esbarrar na falta de programas ou de entidades de prestação de serviços – não importa, a prestação de serviços deve ser aplicada e a comunidade que crie os programas e as entidades necessárias; a liberdade assistida pode ser prejudicada pela falta de orientadores, mas a medida deve ser aplicada ainda que como liberdade desassistida e os adolescentes se limitem a bater o ponto uma vez por mês nas entidades[14].
A medida de semiliberdade seria um mal menor, ou, pelo menos, evitaria o mal maior, mas não é aplicada porque não existem entidades suficientes e as entidades existentes não têm vagas ou são distantes da família, do trabalho e da escola, mesmo assim, a semiliberdade deve ser aplicada, porque é melhor do que a privação de liberdade, e o poder público que crie as entidades e as vagas necessárias[15].
Quanto a medida de internação, o que é senão o instituto da prisão para os adolescentes infratores, já que milhares de adolescentes entre 12 e 18 anos (podendo ir até 21 anos) são encarcerados em instituições totais até 3 anos, com todas as conseqüências da prisionalização das penitenciárias comuns.
O ECA impõe um sistema de proteção integral à criança e ao adolescente que implica, conseqüentemente, em um sistema integral de políticas públicas. Por esta razão, a política repressiva, de responsabilização do adolescente infrator com as denominadas medidas sócio-educativas, não é suficiente para redução da criminalidade. Ela depende, portanto, de políticas públicas preventivas de inclusão social do adolescente, não adianta se levantar depois que aconteceu o crime, é preciso chegar antes, evitando que tenhamos vítimas.
Quem entende que a rigidez seria a resposta eficaz, solução mágica, remédio para todos os males, esta esquecendo que esse problema – a criminalidade – tem raízes outras, de caráter eminentemente social.
Não estou a defender a irresponsabilidade pessoal ou social. A inimputabilidade – causa da exclusão da responsabilidade penal – não retira do adolescente a responsabilidade sobre seus atos criminosos. Não é verdadeiro o ditado popular de que “o menor não pega nada”, pois o ECA, além das medidas sócio-educativas, reconhece a possibilidade de privação provisória de liberdade ao infrator, não sentenciado e oferece muitas alternativas de responsabilização, cuja mais grave impõe o internamento sem atividades externas.
Segundo dados da Secretaria dos Direitos Humanos, o numero de menores infratores que cumprem pena no país saltou de 4.245, em 1996, para 15.426, no ano passado – um aumento de mais de 364% em dez anos. Na media há nove adolescentes em regime de internação para cada um que está em regime de semi-liberdade. O déficit de vagas para menores infratores é de 3.396[16]. Devido a este déficit, os adolescentes infratores estão indo parar nas cadeias comuns, junto com adultos[17].
O índice de reincidência, no caso dos adolescentes infratores, gira em torno de 20%, já que quando deixam as instituições de internação voltam para a antiga realidade. Que muitas vezes, além da pobreza, da falta de oportunidades e do acesso a serviços básicos, envolve violência doméstica, alcoolismo e outros problemas familiares. O ambiente também deve ser levado em conta. Pontos de drogas permanecem na vizinhança, assim como as antigas amizades. Muitos carregam dívidas do tráfico ou rixas antigas. Quando o jovem volta, não encontra mais espaço na família, é discriminado, sofre cobranças e cai em descrédito. Tem dificuldade de encontrar vaga na escola. Muitos tem parentes envolvidos com a criminalidade ou mesmo no bairro. De alguma forma, ele compactua com a violência no entorno. Muitos são acolhidos pelo PCC, que teoricamente dá proteção, recolhimento, acolhimento, status etc.
Isto mostra o estigma posto nesses adolescentes de “menores”, cujo objetivo é rotular para marginalizar.
Adolescentes carentes de comida, saúde e afeto e legião de jovens lançados no mercado do desemprego (atualmente são 4,4 milhões de jovens desempregados) são, de fato, a pólvora do barril anti-social. É ilógico exigir um comportamento civilizado aos órfãos da dignidade humana. Antes de o adolescente ser autor de crime, em geral, ele foi vítima.
Está errado, não conhece a verdade real, quem acredita que reduzir a idade penal, alterar o Estatuto da Criança e do Adolescente, aplicar penas mais rigorosas ou estigmatizar o “delinqüente juvenil” irá reduzir ou eliminar o crime no país. Agora, claro, se o que se quer é vingança, se o que se deseja é o sofrimento dosificado, aplicado em doses proporcionais à gravidade do ato praticado, então o melhor mesmo e o sistema penitenciário, a pena de morte, a redução da maioridade penal, a prisão perpetua etc.
Não há que mudar a lei, neste momento e nestas matérias (redução da maioridade penal, maior tempo de internação etc.). Há, sim, com humildade e perseverança, aprender a enxergar o que se vê, a realidade. O combate ao crime exige realismo, investimento e muito trabalho. Os adolescentes devem ter um direito a um tratamento digno e a um honesto esforço de ressocialização. A recuperação, de alguns, embora difícil, é possível. Trata-se de um objetivo que deve ser escrupulosamente perseguido pelo Estado e por todos nós.
As pessoas tornam-se violentas quando deixam de ter opções e, quando a sociedade deixa de ter opções para lidar com a violência, recorre a repressão, ao controle e ao aprisionamento. A criminalidade não é fruto do acaso. É o resultado de uma equação complexa, mas precisa. Temos certeza que a solução seja o ataque as causas profundas da criminalidade, tal como a exclusão social, desemprego, família dilacerada, violência transmitida pela mídia, falta de educação, fome, uso de drogas, criminalidade dos detentores do poder e do capital, ou seja, a problemática deita suas raízes no social e não no penal.

Fonte: http://atualidadesdodireito.com.br/neemiasprudente/2013/04/19/provocacao-ao-tema-adolescentes-infratores/