quarta-feira, 15 de maio de 2013

A alienação parental no Direito brasileiro

Antes de enfrentar o tema, propriamente dito, cabe tecer algumas considerações acerca do conceito de alienação parental.
A SAP - Síndrome da Alienação Parental foi um termo proposto pelo psicólogo americano, Richard Gardner, conhecido por seu trabalho de pesquisa e clínica na área de abuso sexual contra meninos e suas consequências para eles como homens, e um dos fundadores da Organização Nacional de Vitimização Sexual.
Em 1985, Gartner a definiu como sendo:
"um distúrbio da infância que aparece quase exclusivamente no contexto de disputas de custódia de crianças. Sua manifestação preliminar é a campanha denegritória contra um dos genitores, uma campanha feita pela própria criança e que não tenha nenhuma justificação. Resulta da combinação das instruções de um genitor (o que faz a "lavagem cerebral, programação, doutrinação") e contribuições da própria criança para caluniar o genitor-alvo. Quando o abuso e/ou negligencia parentais verdadeiros estão presentes, a animosidade da criança pode ser justificada, e assim a explicação de Síndrome de Alienação Parental para a hostilidade da criança não é aplicável". (GARDNER, 1985, p.2).
No Brasil, o assunto ganhou força em decorrência da promulgação da lei 12.318, de 26 de agosto de 2010.
O art. 2º do supracitado dispositivo legal estabelece que:
"Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou o adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ou estabelecimento ou à manutenção de vínculo com este".
Essa lei surgiu da necessidade, urgente, de se conferir maiores poderes, aos juízes, a fim de se preservar direitos fundamentais da criança e do adolescente, vítimas de abusos causados por seus responsáveis, punindo ou inibindo eventuais descumprimentos dos deveres inerentes à autoridade parental ou decorrentes da tutela ou da guarda do menor.
Mais adiante, em seu parágrafo único, encontramos algumas formas exemplificativas de alienação parental:
"I – realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade;
II – dificultar o exercício da autoridade parental;
III – dificultar o contato da criança ou adolescente com genitor;
IV – dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar;
V – omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço;
VI – apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou o adolescente;
VII – mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós."
Vale ressaltar que não se trata de rol taxativo, havendo a possibilidade, ainda, de atos diversos declarados pelo Juiz ou constatados por perícia.
As consequências da SAP são gravíssimas: suas vítimas são mais propensas a:
a) Apresentar distúrbios psicológicos como depressão, ansiedade e pânico;
b) Utilizar drogas e álcool como forma de aliviar a dor e a culpa;
c) Cometer suicídio;
d) Não conseguir uma relação estável quando adulta;
e) Possuir problemas de gênero, em função da desqualificação do genitor atacado; e
f) Repetir o mesmo comportamento quando tiver filhos.
Apesar do assunto já ter chegado aos nossos Tribunais Superiores, a lei 12.318, ainda, é pouco aplicada, perante o Judiciário.
Isso decorre da falta de conhecimento específico, dessa Síndrome, e abrange não só advogados, como juízes, promotores, psicólogos e assistentes sociais.
Todavia, constatada a alienação, caberá ao Juiz:
a) Fazer com que o processo tramite prioritariamente;
b) Determinar medidas que preservem a integridade psicológica da criança ou adolescente;
c) Determinar a elaboração, urgente, de laudo pericial;
d) Advertir o alienador;
e) Ampliar a convivência da vítima com o genitor prejudicado, podendo-se até determinar eventual alteração da guarda para compartilhada ou, ainda, invertê-la;
f) Estipular multa ao alienador;
g) Determinar acompanhamento psicológico e/ou biopsicossocial.
No tocante a essas medidas repressivas, nota-se que a lei não trouxe nenhuma inovação significativa, valendo-se de mecanismos, já, existentes nos art. 129, incisos III, VII, X c/c art. 213, parágrafo 2º do ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente.
Nota-se que essas medidas, analisando-se caso a caso, poderão ser tomadas, independentemente, de eventual responsabilização civil ou criminal do alienador, levando-se em conta o grau de evolução da Síndrome de Alienação Parental e sua natureza punitiva.
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* Yves A. R. Zamataro é advogado do escritório Angélico Advogados
http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI178383,21048-A+alienacao+parental+no+Direito+brasileiro

A desconsideração inversa da personalidade jurídica

Apesar de a lei não regular expressamente o assunto, doutrina e jurisprudência, já há algum tempo, admitem a existência do instituto que se convencionou denominar de "desconsideração inversa da personalidade jurídica".
A conveniência do instituto surge se o devedor esvazia o seu patrimônio, transferindo os seus bens para a titularidade da pessoa jurídica da qual é sócio. É artimanha comum, por exemplo, aos cônjuges ardilosos que, antecipando-se ao divórcio, retiram do patrimônio do casal bens que deveriam ser objeto de partilha, alocando-os na pessoa jurídica da qual é sócio, pulverizando assim os bens deslocados.

Em tais circunstâncias, pode o juiz desconsiderar a autonomia patrimonial da pessoa jurídica, alcançando bens que estão em seu próprio nome, entretanto, para responder por dívidas que não são suas e sim de um ou mais de seus sócios.

O anteprojeto do novo Código de Processo Civil, em sua versão original, não se omitiu em relação ao assunto ao prever expressamente tal possibilidade no art. 63, parágrafo único: "o procedimento desta Seção é aplicável também nos casos em que a desconsideração é requerida em virtude de abuso de direito por parte do sócio".

Apesar de não haver norma vigente tratando expressamente do tema, como se disse, jurisprudência e doutrina já admitem tal espécie de "desconsideração" em situações excepcionais. A 3ª Turma do STJ, no REsp 948.117-MS, julgado em 22.06.2010, por meio da Ministra Nancy Andrighi ponderou: "considerando-se que a finalidade da disregard doctrine é combater a utilização indevida do ente societário por seus sócios, o que pode ocorrer também nos casos em que o sócio controlador esvazia o seu patrimônio pessoal e o integraliza na pessoa jurídica, conclui-se, de uma interpretação teleológica do art. 50 do CC/02, ser possível a desconsideração inversa da personalidade jurídica, de modo a atingir bens da sociedade em razão de dívidas contraídas pelo sócio controlador, conquanto preenchidos os requisitos previstos na norma".

Embora já sedimentada a denominação, tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência, não parece adequado o nome atribuído: desconsideração inversa da personalidade jurídica.

Não há propriamente desconsideração nessas situações e sim transferência fraudulenta de bens por parte do devedor a terceiro. Tais casos devem ser tratados como fraude (contra credores ou de execução, conforme o caso) ou como simulação. O fato de o terceiro ser uma pessoa jurídica da qual é sócio o devedor não descaracteriza o ato de transferência como fraude ou simulação. E a fraude contra credores tem requisitos próprios para a sua configuração, variáveis conforme a alienação seja gratuita ou onerosa. Ademais conforme o caso, os efeitos também são variáveis. A fraude contra credores tem como efeito a anulação, enquanto a fraude de execução a ineficácia e a simulação a nulidade.

Por isso, parece conveniente que haja uma reflexão sobre o impacto teórico e prático que decorre da aceitação do instituto. Um negócio jurídico praticado em fraude contra credores, por exemplo, exige ação pauliana para ser anulado. Somente assim as partes retornam ao status quo ante. O reconhecimento da desconsideração inversa, num cenário como esse, não seria o mesmo que legitimar um atalho para a ação
pauliana, ferindo com isso o princípio do contraditório e do devido processo legal?

http://www.migalhas.com.br/Civilizalhas/94,MI178414,21048-A+desconsideracao+inversa+da+personalidade+juridica

CNJ determina que cartórios terão de reconhecer união de pessoas do mesmo sexo

Os cartórios estão proibidos de recusar o reconhecimento de união de pessoas do mesmo sexo. O Plenário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou, por maioria, proposta de resolução apresentada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do CNJ, ministro Joaquim Barbosa, que veda aos responsáveis pelos cartórios recusar a “habilitação, celebração de casamento civil ou de conversão de união estável em casamento entre pessoas do mesmo sexo”.

A decisão foi tomada na manhã desta terça-feira (14/5), durante a 169ª Sessão do Conselho. O CNJ se baseou no julgamento do STF que considerou inconstitucional a distinção do tratamento legal às uniões estáveis homoafetivas. Também levou em conta decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que julgou não haver obstáculos legais à celebração entre pessoas do mesmo sexo.

O ministro Joaquim Barbosa classificou de “compreensões injustificáveis” a recusa de Cartórios de Registro Civil em converter uniões em casamento civil ou expedir habilitações para essas uniões. “O STF afirmou que a expressão da sexualidade e do afeto homossexual não pode servir de fundamento a um tratamento discriminatório, que não encontra suporte no texto da Constituição Federal de 1988. O passo já dado pelo STF não pode ser desconsiderado por este Conselho Nacional de Justiça”, afirmou.

Após o debate no plenário, o texto da proposta foi modificado para determinar que todo descumprimento da resolução seja comunicado imediatamente ao juiz corregedor responsável pelos cartórios no respectivo Tribunal de Justiça.

Visita íntima ao adolescente em conflito com a lei (Conceição Cinti)

A garantia do direito à visita íntima ao adolescente em cumprimento de medida socioeducativa privativa de liberdade com certeza será motivo de muitas especulações e polêmicas por parte da mídia populista, dos leigos e dos desinformados sobre as necessidades básicas inerentes a cada ser humano desde seu desenvolvimento intrauterino.

A reflexão sobre a importância da ‘concessão’ da visita íntima, prestes a ser estendida a esses adolescentes, conforme princípio do atendimento integral previsto na constituição específica para infância e adolescência, deve ser feita levando-se em consideração que o afeto e o toque são condições imprescindíveis para o pleno desenvolvimento do ser humano. E que ao serem negadas, principalmente na fase da adolescência, podem trazer conseqüências negativas que precisam ser levadas a sério no momento da elaboração de medidas protetivas e socioeducativas. 

Sabendo que a afetividade faz parte do processo de desenvolvimento estrutural e psicológico do ser humano, sem ela não é possível construir de forma plena a base da personalidade nos primeiros anos de vida, correndo o risco, inclusive, de que aquilo que acontece ao indivíduo neste período seja refletido na adolescência e na fase adulta. Os registros no inconsciente ou a ausência das relações entre pais e filhos podem causar graves transtornos afetivos e emocionais, portanto, a afetividade é a gênese de todo relacionamento humano e talvez a nossa primeira forma de se inserir no mundo e interagir com ele. 

Diante de comprovações científicas de que a afetividade é primordial na formação psíquica do indivíduo e que sem ela há um desvio na conduta da personalidade do ser humano (apenas variando em intensidade por causa do princípio da unicidade de cada pessoa), é imprescindível a existência de um vínculo afetivo saudável, de uma referência que dê suporte na formação da criança, que pode ser os pais ou uma pessoa que desempenhe um papel importante nos seus primeiros anos de vida. Assim sendo, os carinhos da mamãe serão a base e o porto seguro para uma adolescência mais saudável. Por outro lado, a privação do afeto por parte dos pais ou responsáveis, assim como a ausência de uma estrutura familiar adequada durante os primeiros anos de vida, comprometerão o amadurecimento emocional do adolescente e futuramente do adulto. 

Entretanto, na prática, sentimentos e emoções são banalizados, subestimados e em geral estão presentes na base dos conflitos existenciais e quase sempre são os responsáveis pelos crimes, principalmente os hediondos, salvo algumas patologias mentais. Segundo Biddulph (apud James Prescott p.122), estudos feitos em diferentes sociedades constataram que nas sociedades onde as crianças recebem menos toque físico e pouco afeto há mais violência por parte dos adultos. Através desse fenômeno cientifico se comprova de forma irrefutável que quanto mais harmônica e amorosa for a vida da criança, mais serena e afetuosa ela vai ser na fase adulta. Pesquisas têm revelado ainda que pessoas que cometem crimes quase sempre estão envolvidas numa história de rejeição, humilhação e tiveram uma infância permeada por desajustes de toda ordem. 

Ao pensarmos nos adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas constatamos que a privação que eles passam não é medida apenas pela presença de altos muros que os separam do mundo lá fora, mas há também uma privação de afeto. Essa falta de afetividade é um reflexo da omissão do Estado, que através das suas políticas públicas inadequadas em nada têm contribuído para a efetiva reinserção desses meninos e meninas na sociedade. Ao invés de garantir o afeto e o acompanhamento dos pais e familiares durante todo o processo de cumprimento das medidas privativas de liberdade, o Estado e seus representantes insistem em políticas repressivas, de maus tratos e torturas.

E porque os pais e familiares, peças fundamentais para a recuperação dos adolescentes em conflito com a lei, são impedidos e têm suas presenças dificultadas nesse acompanhamento? Porque as unidades de cumprimento de medidas socioeducativas funcionam em flagrante desrespeito à Constituição e ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que na teoria são efusivamente defendidos, mas na prática funcionam para ‘Inglês ver’. Uma prova disso é a distância entre a unidade onde o adolescente cumpre medida e a comunidade onde ele morava, dificultando a visita dos pais e familiares e, consequentemente, enfraquecendo o vínculo e a convivência familiar e comunitária. É nesse momento que o Conselho Nacional de Justiça deve ser acionado para que seja determinado que o adolescente cumpra a medida socioeducativa na comarca em que reside.

Constituindo-se a afetividade como um conjunto de reações psíquicas do indivíduo frente ao mundo exterior que se traduz através das emoções e sentimentos e cuja manifestação se polariza entre os extremos, como a dor e o prazer; a satisfação e a insatisfação; o agrado e o desagrado, a alegria e a tristeza, conforme diz Ferreira (1999.p.62); sua presença ou ausência é capaz de alterar o modo como cada pessoa se relacionará consigo mesmo e com o mundo exterior. Diante disso, cuidar adequadamente das emoções e sentimentos é imperioso como uma forma de evitar tragédias.

O histórico de vida de uma pessoa privada de liberdade, seja ela adolescente ou adulta, deveria ser a peça mais importante dentro do contexto de um programa restaurativo e de ressocialização, sendo imprescindível a análise sistemática do comportamento humano para a aplicação da metodologia mais adequada, afinal, sabemos que os problemas emocionais têm raízes no início da vida e por essa razão os hábitos de comportamentos adquiridos nessa fase são reversíveis, mas extremamente difíceis de serem modificados na vida adulta, necessitando de espaço físico adequado e muita persistência por parte da equipe multidisciplinar técnica e científica. Essa transposição é possível, conforme podemos constatar através dos argumentos de alguns especialistas na área, dentre eles o médico Augusto Cury, através de sua Teoria Multifocal. 

A permissão da visita íntima aos reeducandos é uma oportunidade ímpar que as autoridades têm para abrir espaço para uma discussão mais ampla a fim de informar e capacitar esses adolescentes não apenas para extravasarem sua virilidade, mas orientá-los sobre as conseqüências decorrentes dos seus comportamentos, a exemplo da paternidade, gravidez precoce e doenças sexualmente transmissíveis, enquanto questões complexas e delicadas. Portanto, muito mais que reservar um espaço físico para que os adolescentes pratiquem sexo precisamos aproveitar essa chance e ensiná-los a importância do afeto, trabalhando os sentimentos e emoções. Uma tentativa como essa foi desenvolvida com pessoas com Síndrome de Down e obteve êxito, demonstrando que a garantia de todos os direitos concernentes as pessoas, sem distinção, conforme está previsto na nossa Carta Magna, não é nenhum favor que o Estado nos faz, muito pelo contrário, é dever e princípio constitucional que o ser humano seja atendido integralmente.

Convém lembrar que a fase da adolescência é o momento áureo, o ápice da ebulição dos hormônios e precisa ser levado em conta em virtude das situações que têm ocorrido envolvendo questões sexuais de adolescentes. Sabemos que o afeto e o toque são significativos para a vida desses meninos e meninas, portanto, são direitos desses adolescentes não apenas a visita íntima, mas um maior contato possível com os pais ou familiares. A falta do toque e de carinho dos pais e outros familiares somados aos duros tratamentos usados pelas unidades de meninas socioeducativas acarreta prejuízos emocionais, distorcendo de forma perversa e irremediável a personalidade desses adolescentes ainda em fase de formação. E é exatamente isso que temos assistido dia após dia através da mídia. 

Negar o direito à visita íntima, atendendo aos pré-requisitos de respeito, é permitir a continuidade de uma prática que desde sempre ocorre veladamente dentro das unidades de medidas socioeducativas: a lei do mais forte sobre o mais fraco, onde os mais fortes fisicamente (ou apadrinhados) subjugam o mais fraco e submete-o aos seus desejos sexuais. Fatos humilhantes e perversos se constituem em gravíssimas violações aos direitos humanos impedindo, inclusive, que a livre orientação sexual deixe de ser natural e seja resultado da opressão contra os fragilizados, fato que já ocorre dentro das unidades masculinas e femininas. Essa realidade precisa ser banida para que seja assegurada a opção natural de relacionamentos entre homens e mulheres ou, a quem preferir, a liberdade de orientação sexual como prática civilizatória.

* Advogada e educadora. Precursora da Educação Restaurativa, com experiência de mais de três décadas em Tratamento de Dependentes de Substâncias Psicoativas e Delinquência Juvenil. Palestrante e colunistas de alguns sites renomados. Autora do www.educacaorestaurativa.org.

http://atualidadesdodireito.com.br/conceicaocinti/2013/05/14/visita-intima-ao-adolescente-em-conflito-com-a-lei-2/