quarta-feira, 29 de maio de 2013

É possível a alienação, por procuração, de bem imóvel não especificado previamente?

O art. 661, caput, do Código Civil diz que o mandato em termos gerais só confere poderes de administração. 

A venda não é considerada ato de mera administração, mas sim de alienação.
O parágrafo primeiro do mesmo artigo, por sua vez, diz que "para alienar, hipotecar, transigir, ou praticar outros quaisquer atos que exorbitem da administração ordinária, depende a procuração de poderes especiais e expressos".

Resta perguntar: o que são poderes especiais e expressos? Resposta: são especiais os poderes que extravasam os atos de mera administração. São expressos os poderes que nascem de uma declaração. No referido texto de lei, a palavra expressos significa o contrário de implícito. Ou seja, não se pode conceber um poder subentendido de alienação. Precisa haver a manifestação expressa do mandante nesse sentido.

No entanto, parte significativa da jurisprudência tem entendido que não basta o poder especial contido na procuração para viabilizar a venda de bem imóvel. Seria também necessária a descrição precisa do imóvel que se pretende alienar. O Superior Tribunal de Justiça (Resp. 262.777-SP) já decidiu, em 2009, nesse sentido: "Para realização de negócio jurídico que transcende a administração ordinária, tal qual a alienação de bens imóveis, exige-se a outorga de poderes especiais e expressos, com a respectiva descrição do objeto a ser negociado" (Relator: Ministro Luis Felipe Salomão).

Em outras palavras, a interpretação majoritária ordena a imprescindibilidade da individualização dos poderes e também a precisa identificação dos bens a serem negociados. Não é preciso encarecer a quantidade e a importância das consequências práticas advindas desse entendimento. Basta lembrar que o cartório de registro de imóveis pode não registrar a compra e venda de um imóvel alienado nessas condições. E se não há registro do título aquisitivo, tecnicamente não há transferência da propriedade.

Tal compreensão não nos parece a mais acertada. Claramente, o adjetivo "expressos" qualifica o substantivo "poderes". Logo, os poderes devem ser expressos. Não há na lei absolutamente nenhuma menção à necessidade de identificação precisa dos bens a serem negociados por procurador. Nem se pode extrair tal conclusão do texto legal. O legislador assim se pronunciou ("poderes expressos") porque no caput do mesmo artigo 661 do CC, não há necessidade de especificar expressamente os poderes que decorrem da mera administração. Ex: para locar, não é necessário poder expresso, pois estaria compreendido na ideia de administração. Diferentemente, o poder para a alienação em nenhuma circunstância pode ser presumido. Deve resultar, expressa e inequivocamente, da procuração.

Além disso, a leitura do art. 661 do CC sob tal perspectiva cria limitação muito significativa à vontade das partes. As pessoas, pelas mais variadas razões, podem julgar conveniente a outorga de procuração com maior amplitude, principalmente para amparar ausências de duração mais prolongada por parte do mandante. 

Muitas vezes, o objetivo pode ser o de vender bens futuros, que ainda não podem por essa razão ser identificados porque ainda não integram o patrimônio do mandante. A interpretação ora comentada simplesmente aniquila tal possibilidade.

Extrair da lei o que ela não contém é inadequado, ainda que o objetivo seja o de aumentar a segurança das relações negociais e evitar simulações. Ninguém pode ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (art. 5o, II, da CF).

Adriano Ferriani é professor de Direito Civil e chefe do departamento de Direito Civil, Direito Processual Civil e Direito do Trabalho da PUC/SP.
http://www.migalhas.com.br/Civilizalhas/94,MI179501,51045-E+possivel+a+alienacao++por+procuracao++de+bem+imovel+nao 

TJGO: Pai é condenado a indenizar filho por abandono afetivo

Um homem que não contribuiu com a criação de seu filho foi condenado a indenizar o menor por abandono afetivo. O valor fixado é de R$ 22.420,00, além do pagamento de alimentos ao adolescente, no valor mensal que corresponde a 50% do salário mínimo, mais 50% das despesas médicas, farmacêuticas, odontológicas e com materiais escolares. A decisão é do juiz de Direito Danilo Luiz Meireles dos Santos, da 2ª Vara de Família e Sucessões de Anápolis/GO.

Segundo os autos, o menor afirma que, o requerido efetuou seu registro de nascimento, porém nunca lhe forneceu qualquer ajuda financeira, tampouco contribuiu com sua criação. Argumenta que o abandono afetivo causou sérios danos em sua formação psicológica e na sua inserção social. Assevera ainda que não possui meios próprios para manter a sua subsistência. 

O pai apresentou contestações que foram impugnadas e ainda alegou não ter condições de arcar com os alimentos em quantia superior a 30% do salário mínimo, pois um valor maior comprometeria à sua subsistência.

Para o magistrado, a família passou a ser reconhecida como base da sociedade. "Resguardar a pessoa dos filhos torna-se matéria de interesse social, razão pela qual a legislação prevê normas que devem ser observadas", afirma. 

De acordo com a decisão, o art. 227, da CF/88, "É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária". 

O magistrado também cita o art. 19, do ECA (lei n° 8.069/90), que fala sobre a importância da convivência familiar. "Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes.” 

Segundo o magistrado, a indenização tem, além do caráter punitivo e compensatório, função pedagógica, porque visa combater as atitudes que afrontam os princípios constitucionais de proteção e garantia da dignidade humana. No caso específico, as consequências psicológicas são consideradas irreversíveis e permanentes, pois nenhuma conduta do pai poderá amenizar os danos do abandono.

O juiz ainda afirma em sua decisão que "a afetividade se trata de um dever familiar, fundamental na formação do menor. Assim, se conclui que não se trata de mensurar os sentimentos, no caso, o amor paterno, mas sim, analisar se houve o descumprimento de uma obrigação legal", concluiu. 

O número do processo não é divulgado porque corre em segredo de justiça.
http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI179506,51045-Pai+e+condenado+a+indenizar+filho+por+abandono+afetivo