sábado, 1 de junho de 2013

Separação dos poderes: CNJ legisla com resolução sobre casamento gay

Embora integremos uma república instituída em 1889, regimes políticos, que ao longo do tempo a compuseram, a enxovalharam de tal modo que a sua plenitude só se garantiu, verdadeiramente, com as Constituições de 1946 e a atual, de 1988. E a república é importante e fundamental, porque nela a coisa pública, no seu sentido mais amplo, deve ser respeitada, preservada e protegida, o que usualmente se faz dividindo a gestão estatal em funções primordiais, que se interpenetram e se submetem a controles, o que em Direito Constitucional se convencionou chamar de sistemas de freios e contrapesos.

No nosso modelo de Estado, que repete tantos outros consolidados no mundo democrático, idealizado por Montesquieu em 1748, temos estas funções exercidas pelos Poderes Executivo, Judiciário e Legislativo. Para uma convivência pacífica e organizada da sociedade, a subordinação legal dos cidadãos, de forma geral e impessoal, limita-se, como regra, ao que advém do trabalho do Poder Legislativo e da interpretação das leis pelo Poder Judiciário. Notadamente quando são manejados mecanismos constitucionais que, excepcionalmente, admitem que determinadas decisões produzam efeito assemelhado ao das leis em sentido estrito, como ocorre com as ações de controle de constitucionalidade.

É certo que há hipóteses, também excepcionais, nas quais a Constituição Republicana defere a outros entes públicos a edição de atos com efeitos gerais e abstratos, exemplificando-se com as Medidas Provisórias. Mas, insista-se, estas hipóteses são realmente excepcionais, daí porque não serão aqui levadas em conta.
Com essas considerações iniciais merece algum comentário a recente Resolução 175 do Conselho Nacional de Justiça, na qual o referido órgão veda às autoridades competentes – e aqui só se pode ler os magistrados e delegatários de serviços extrajudiciais – a recusa de habilitação, celebração de casamento civil ou de conversão de união estável em casamento entre pessoas do mesmo sexo. A matéria não está legislada nem pacificada pelos Tribunais.

Destaque-se que nos considerandos do referido ato há menção à ADPF 132/RJ, na qual o Supremo Tribunal Federal, enfrentando tão somente o conteúdo do artigo 1.723 do Código Civil, decidiu, com efeito vinculante, afastar qualquer interpretação discriminatória da união estável entre parceiros do mesmo sexo, removendo o obstáculo da literalidade da norma legal para permitir a constituição familiar homoafetiva, não tratando de qualquer outra forma de família que não a decorrente da união estável e não reconhecendo o casamento homoafetivo de forma automática.

Há, ainda, na Resolução do CNJ, menção ao Recurso Especial 1.183378/RS, no qual o Superior Tribunal de Justiça entendeu pelo afastamento do óbice relativo à diversidade de sexos para determinar o prosseguimento do processo de habilitação de casamento. Todavia, o Recurso Especial produz efeito apenas entre as partes que participaram da ação judicial, não podendo sequer ser utilizado para legitimar ato dotado de generalidade e abstração. A resolução do CNJ, portanto, disse mais do que o decidido pelo STF, sendo conveniente apontar que a união estável se caracteriza, em regra, como uma relação informal, surgida de situação de fato, independente do elemento volitivo para sua caracterização, enquanto o casamento é negócio jurídico solene, dependente de inequívoca manifestação ou declaração da vontade para a celebração, embora tenham, ambos, o fim de formação de família.  O STF tratou apenas de uma das controvérsias que o tema encerra, de modo que o ato do CNJ está, em verdade, criando norma de efeito abstrato e geral, o que não se inclui entre as suas funções, segundo se lê do artigo 103-B da Constituição Federal.

Não se discute aqui o mérito do ato, até porque, posso adiantar, sou inteiramente favorável ao conteúdo material do que ali se defende. A questão está na inobservância de princípios tão caros à República, como o da separação dos poderes, protegido pelo artigo 60 da Carta Política, que lhe dá status de cláusula pétrea.  Não se discute, também, a importância do papel desempenhado pelo CNJ.

Todavia, a sua natureza de órgão administrativo é inegável e já foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 3.367/DF. Assim, a competência advinda de sua natureza precípua não o legitima a assumir o papel de legislador, regulamentando a orientação de cartórios em matéria que, por lei, se sujeita a processo de dúvida a ser solucionado pelos magistrados, nem pode dar interpretação conforme à Constituição, por ser atribuição do Supremo Tribunal Federal.

O poder regulamentador do CNJ, por conseguinte, restringe-se a interpretar as leis em sentido formal com o objetivo de aplicação administrativa, nunca intervindo na atividade legislativa ou jurisdicional. Sobre o tema principal aqui tratado andou bem a Corregedoria Geral de Justiça do Rio de Janeiro ao editar o Provimento CGJ 25/2013, estabelecendo que se trata de matéria jurisdicional a apreciação de eventual impedimento legal para casamento homoafetivo, não podendo ato normativo interno do tribunal sobrepor-se ao entendimento do juízo competente.

Nunca é demais lembrar que o poder emana do povo, como dispõe o parágrafo único do artigo 1º da Constituição e o seu exercício se dá através da divisão tripartite acima mencionada, na qual as atividades legislativas são exercidas primordialmente pelos parlamentares e as jurisdicionais pelos juízes.

O tema de fundo está realmente a merecer um tratamento legislativo e o Congresso já o vem discutindo por um longo tempo. Mas a obediência republicana recomenda que aguardemos este debate, que está se dando no foro próprio. Ou, se a espera se alongar por muito tempo, que busquemos os mecanismos judiciais possíveis, assegurando, assim, a segurança jurídica, fundamental para a consolidação do Estado Democrático de Direito.
Cezar Augusto Rodrigues da Costa é desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Revista Consultor Jurídico, 30 de maio de 2013
http://www.conjur.com.br/2013-mai-30/cezar-augusto-resolucao-cnj-casamento-gay-tentativa-legislar

Justiça Federal proíbe o uso de animais nas aulas de Medicina da UFSC

Se a jurisprudência assentada nos tribunais superiores é pacífica em reconhecer que a rinha de galos e o uso de animais em circos são atos cruéis, que violam sua dignidade, o mesmo entendimento pode ser aplicado quando se constata o emprego destes para fins terapêuticos nas aulas da Faculdade de Medicina.

Com essa argumentação, o juiz Marcelo Krás Borges, da Vara Federal Ambiental de Florianópolis, concedeu liminar para proibir a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) de usar animais nas aulas práticas do curso de Medicina. Em cada caso de descumprimento da determinação judicial, o juiz arbitrou multa no valor de R$ 100 mil. A decisão atende pedido, feito em Ação Civil Pública, do Instituto Abolicionista Animal.

Nos autos da ação, a Universidade alegou que não dispõe de dotação orçamentária para substituir os animais utilizados nas aulas terapêuticas por equipamentos ou investir em meios alternativos. Ou seja, acenou com a reserva do possível, princípio que reconhece a limitação do Estado em razão de suas condições socioeconômicas e estruturais.

Citando duas decisões superiores, o juiz afirmou que a retaliação de animais para fins cirúrgicos constitui tratamento ainda mais cruel do que a utilização de animais em circos. Numa delas, o ministro Humberto Martins, do Superior Tribunal de Justiça, relator do Recurso Especial 1.115.916, diz na ementa: ‘‘A condenação dos atos cruéis não possui origem na necessidade de equilíbrio ambiental, mas sim no reconhecimento de que são dotados de estrutura orgânica que lhes permite sofrer e sentir dor’’.

Nesse sentido — destacou Krás Borges —, não existe justificativa plausível para que a Universidade continue a dar tratamento cruel aos animais. Cabe ao ente público, frisou, reservar uma parte do orçamento para a compra de equipamentos necessários aos experimentos científicos e cirurgias médicas experimentais e terapêuticas, tais como acontece nos países desenvolvidos, como Estados Unidos e Inglaterra.

‘‘O Princípio da Reserva do Possível somente pode ser aplicado quando existente um bem jurídico a ser preservado. No caso concreto, a Universidade está a economizar seus recursos para, em troca, dar tratamento cruel aos animais, utilizando-os em experiências científicas ou terapêuticas’’, diz a decisão. A antecipação de tutela foi concedida na segunda-feira (27/5). Cabe recurso ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

Clique aqui para ler a sentença.
Jomar Martins é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio Grande do Sul.
Revista Consultor Jurídico, 30 de maio de 2013
http://www.conjur.com.br/2013-mai-30/justica-federal-proibe-uso-animais-aulas-medicina-ufsc

Marido traído não pode desfazer registro de filha não biológica, diz TJ-RS

A relação socioafetiva de quase 20 anos entre pai registral e filha não pode ser desconstituída ante à descoberta que esta foi concebida por outro homem durante o casamento. Foi o que decidiu a 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, ao manter sentença que julgou improcedente pedido de negatória de paternidade, ajuizado pelo pai que fez o registro da criança. O acórdão foi lavrado na sessão do dia 8 de maio.

Após perder a ação na primeira instância, o autor entrou com recurso de Apelação no TJ-RS. Alegou que a prova técnica confirma a negatória de paternidade e, portanto, reforça o argumento de que o registro da menina foi feito com vício de consentimento, já que era casado à época da concepção. Ou seja, foi induzido a erro pela esposa.

A relatora da Apelação, desembargadora Sandra Brisolara Medeiros, afirmou no acórdão que a alteração do registro de nascimento só é admitida como exceção. E, para isso, é necessário prova substancial de que o ato tenha sido concretizado por erro, dolo, coação, fraude etc., nos termos dos artigos 138 a 165 do Código Civil — que dispõem sobre a anulação e revogação dos atos jurídicos.

Por outro lado, destacou a decisão, as relações socioafetivas devem prevalecer sobre os liames biológicos ou formais, na medida em que a vida em família extrapola esses limites. No âmbito familiar, as relações são construídas dia após dia; ou seja, desenvolvidas emocional e psicologicamente pelo convívio, e jamais por imposição legal ou genética.

Relação consumada
A relatora observou que, nos quase 20 anos de convivência, o autor desenvolveu uma relação parental com a filha não-natural, cumprindo com os deveres inerentes do poder familiar e nutrindo afeto por ela. O afeto mútuo, inclusive, foi comprovado no Estudo Social, anexado aos autos.

‘‘A meu juízo, portanto, o interesse manifestado pelo autor, de ver declarado judicialmente o reconhecimento negativo biológico de sua paternidade, imprimindo eficácia a todos os efeitos daí decorrentes, inclusive alteração do assento de nascimento da ré, está desprovido de razoabilidade, considerando que a situação de fato já estabelecida não seria alterada em nada além do aspecto formal’’, ponderou a desembargadora.

Clique aqui para ler a decisão.
Jomar Martins é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio Grande do Sul.
Revista Consultor Jurídico, 31 de maio de 2013
http://www.conjur.com.br/2013-mai-31/marido-traido-nao-desfazer-registro-filha-nao-biologica-tj-rs