domingo, 8 de setembro de 2013

Hipoteca x alienação fiduciária

A hipoteca é um direito real constituído em favor do credor. Este goza do direito de buscar e de reaver a coisa contra quem a possua injustamente. Não tem, entretanto, a posse do imóvel, nem mesmo indireta. Não pode usar, gozar e muito menos dispor da coisa.
Em verdade, como foi dito acima, o credor hipotecário tem um direito a um certo crédito ou ao cumprimento de uma obrigação. Não tem direito ou expectativa de vir a possuir a coisa, ao menos de forma direta. Isto porque o bem objeto da garantia é substituível, desde que concorde o credor hipotecário. Vai-se o bem, fica a garantia.
Na alienação fiduciária o vínculo do credor com o bem dado em garantia é explícito e forte. O credor fiduciário se torna proprietário do bem, mesmo que de forma resolúvel. Há uma efetiva transferência de direitos e poderes do devedor para o credor.
A propriedade fiduciária investe o credor na posição de coproprietário do bem, visto que, de modo superficial, o devedor será terá o domínio útil ou direto e o credor possuirá a nua-propriedade.
Percebe-se, neste ponto, a nítida vantagem do credor na alienação fiduciária.
Há quem afirme, para reforçar, que a propriedade fiduciária importa em transferência efetiva da propriedade ao credor, como afirmou NamemChalhub, citado na página 20 deste trabalho. Em verdade, discordo deste entendimento, na medida em que seria contraditório afirmar que a propriedade fiduciária é direito real de garantia ao mesmo tempo em que transfere ao credor a propriedade sob condição suspensiva. Não é possível constituir direito real de garantia sobre coisa própria.
O regime jurídico instituído pela Lei nº 9.514/97 visou facilitar o acesso ao crédito imobiliário. O sistema de garantias instituído até então era incapaz de atender satisfatoriamente a demanda da população. E isso ocorria porque a hipoteca não tem uma grande desvantagem para o credor: a exequibilidade e a liquidez do crédito eram inseguras. Com o vencimento da obrigação e o seu inadimplemento, o credor tinha uma saída: iniciar processo de execução da hipoteca.
Outro fator importantíssimo para o credor é a forma de reintegrar a posse do imóvel. O credor pode requerer, judicialmente, e via liminar, a concessão da reintegração na posse direta do imóvel. A desocupação deverá ocorrer em 60 (sessenta) dias, desde que já tenha havido a consolidação da propriedade em nome do credor. O art. 30 da Lei nº 9.514/97 é expresso nesse sentido.
Em regra, para buscar a posse dos imóveis oferecidos em hipoteca, o credor deve propor ação de execução, segundo as normas processuais vigentes. O crédito hipotecário deve ser cobrado judicialmente conforme o processo de execução previsto no Código de Processo Civil.
Já o § 2º, do art. 4º da Lei nº 5.741, que instituiu uma forma de cobrança dos créditos imobiliários concedidos dentro do Sistema Financeiro da Habitação, estatui que o credor pode ser imitido na posse do imóvel objeto do financiamento. Se o devedor não provar que depositou, por inteiro a importância reclamada na inicial, ou que pagou a dívida, apresentando desde logo a prova da quitação, o juiz determinará que seja desocupado o imóvel, em 10 (dez) dias, e entregue ao credor, desde que o devedor esteja na posse do imóvel.
Aparentemente a medida parece ser mais célere do que a prevista na Lei nº 9.517/97. Entretanto, devemos ter em mente que a prática processual não é a mesma prevista friamente nas leis. Ser imitido na posse do imóvel pode demorar muito mais. A cobrança do credito hipotecário pela via judicial pode demorar anos, em virtude dos inúmeros recursos existentes e das artimanhas processuais. Não há como negar isso.
Além disso, o regime de cobrança da Lei nº 5.741/71 parece ter gerado controvérsias quanto a legalidade do procedimento que, em tese, pode estar eivado de inconstitucionalidade, por prever a “disparidade de armas”. Vejamos o que expõe Sílvio Venosa sobre isso:
“A Lei nº 5.741/71 introduziu outra possibilidade de cobrança dos débitos hipotecários vinculados ao Sistema Financeiro da Habitação. Permitiu ao credor promover execução de acordo com o malfadado Decreto-lei nº 70/66 ou conforme procedimento estipulado nessa lei. Essa execução é judicial, porém de forma simplificada. Exige que na inicial sejam discriminados os valores as prestações e encargos, bem como o saldo devedor. A citação será feita na pessoa do réu e de seu cônjuge ou de seus representantes legas. Se estes se encontrarem fora da jurisdição da situação do imóvel, expedir-se-á edital pelo prazo de 10 dias (art. 3º). Deve ser assegurada ao executado a oposição de embargos (art. 5º), e a praça será judicial. Os embargos, porém, somente terão o condão de suspender a execução, se o devedor alegar que depositou a importância ou que resgatou a dívida. As demais matérias eventualmente alegadas, como abuso na cobrança, índices legais etc. não suspendem a execução. Discutível também a legalidade dessa norma, podendo o juiz declarar sua inconstitucionalidade, suspendendo a execução perante a oposição de embargos no caso concreto. Subordinada a suspensão da execução ao pagamento da dívida unilateralmente afirmada, transgride-se o art. 5º, LV, da Constituição. De qualquer forma, estará garantido o direito de defesa. Outra situação iníqua dessa lei é a dispensa de avaliação para a praça, permitindo que o preço seja fixado pelo saldo devedor (art. 6º). Evidente que nesse caso a arrematação ou adjudicação pode ocorrer por valor mínimo, vil ou ridículo. Temos de entender como imprescindível a avaliação. Há julgados que sufragam esse entendimento (RT 578/148, JTACRSP 87/35). As sucessivas e emaranhadas leis, decretos, portarias disciplinadoras dos financiamentos da casa própria no país têm sido casuísticas e desastrosas”. (VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direitos reais. – 11. ed. – São Paulo : Atlas, 2011. Volume 5, páginas 613 e 614).
Entretanto, o ponto crucial para deixar a alienação fiduciária em vantagem frente a hipoteca é a forma pela qual o credor é consolidado na propriedade plena da coisa e, por consequência, a forma pela qual a dívida é solvida.
E toda a evolução ocorrida no sistema de garantias reais com o advento da Lei nº 9.514/97 está contida nos artigos 26 e 27. Vejamos:
Art. 26. Vencida e não paga, no todo ou em parte, a dívida e constituído em mora o fiduciante, consolidar-se-á, nos termos deste artigo, a propriedade do imóvel em nome do fiduciário.
§ 1º Para os fins do disposto neste artigo, o fiduciante, ou seu representante legal ou procurador regularmente constituído, será intimado, a requerimento do fiduciário, pelo oficial do competente Registro de Imóveis, a satisfazer, no prazo de quinze dias, a prestação vencida e as que se vencerem até a data do pagamento, os juros convencionais, as penalidades e os demais encargos contratuais, os encargos legais, inclusive tributos, as contribuições condominiais imputáveis ao imóvel, além das despesas de cobrança e de intimação.
§ 2º O contrato definirá o prazo de carência após o qual será expedida a intimação.
§ 3º A intimação far-se-á pessoalmente ao fiduciante, ou ao seu representante legal ou ao procurador regularmente constituído, podendo ser promovida, por solicitação do oficial do Registro de Imóveis, por oficial de Registro de Títulos e Documentos da comarca da situação do imóvel ou do domicílio de quem deva recebê-la, ou pelo correio, com aviso de recebimento.
§ 4º Quando o fiduciante, ou seu representante legal ou procurador regularmente constituído se encontrar em outro local, incerto e não sabido, o oficial certificará o fato, cabendo, então, ao oficial do competente Registro de Imóveis promover a intimação por edital, publicado por três dias, pelo menos, em um dos jornais de maior circulação local ou noutro de comarca de fácil acesso, se no local não houver imprensa diária.
§ 5º Purgada a mora no Registro de Imóveis, convalescerá o contrato de alienação fiduciária.
§ 6º O oficial do Registro de Imóveis, nos três dias seguintes à purgação da mora, entregará ao fiduciário as importâncias recebidas, deduzidas as despesas de cobrança e de intimação.
§ 7º Decorrido o prazo de que trata o § 1º sem a purgação da mora, o oficial do competente Registro de Imóveis, certificando esse fato, promoverá a averbação, na matrícula do imóvel, da consolidação da propriedade em nome do fiduciário, à vista da prova do pagamento por este, do imposto de transmissão inter vivos e, se for o caso, do laudêmio.
§ 8º O fiduciante pode, com a anuência do fiduciário, dar seu direito eventual ao imóvel em pagamento da dívida, dispensados os procedimentos previstos no art. 27.
Art. 27. Uma vez consolidada a propriedade em seu nome, o fiduciário, no prazo de trinta dias, contados da data do registro de que trata o § 7º do artigo anterior, promoverá público leilão para a alienação do imóvel.
§ 1º Se, no primeiro público leilão, o maior lance oferecido for inferior ao valor do imóvel, estipulado na forma do inciso VI do art. 24, será realizado o segundo leilão, nos quinze dias seguintes.
§ 2º No segundo leilão, será aceito o maior lance oferecido, desde que igual ou superior ao valor da dívida, das despesas, dos prêmios de seguro, dos encargos legais, inclusive tributos, e das contribuições condominiais.
§ 3º Para os fins do disposto neste artigo, entende-se por:
I - dívida: o saldo devedor da operação de alienação fiduciária, na data do leilão, nele incluídos os juros convencionais, as penalidades e os demais encargos contratuais;
II - despesas: a soma das importâncias correspondentes aos encargos e custas de intimação e as necessárias à realização do público leilão, nestas compreendidas as relativas aos anúncios e à comissão do leiloeiro.
§ 4º Nos cinco dias que se seguirem à venda do imóvel no leilão, o credor entregará ao devedor a importância que sobejar, considerando-se nela compreendido o valor da indenização de benfeitorias, depois de deduzidos os valores da dívida e das despesas e encargos de que tratam os §§ 2º e 3º, fato esse que importará em recíproca quitação, não se aplicando o disposto na parte final do art. 516 do Código Civil.
§ 5º Se, no segundo leilão, o maior lance oferecido não for igual ou superior ao valor referido no § 2º, considerar-se-á extinta a dívida e exonerado o credor da obrigação de que trata o § 4º.
§ 6º Na hipótese de que trata o parágrafo anterior, o credor, no prazo de cinco dias a contar da data do segundo leilão, dará ao devedor quitação da dívida, mediante termo próprio.
§ 7º Se o imóvel estiver locado, a locação poderá ser denunciada com o prazo de trinta dias para desocupação, salvo se tiver havido aquiescência por escrito do fiduciário, devendo a denúncia ser realizada no prazo de noventa dias a contar da data da consolidação da propriedade no fiduciário, devendo essa condição constar expressamente em cláusula contratual específica, destacando-se das demais por sua apresentação gráfica.
§ 8º Responde o fiduciante pelo pagamento dos impostos, taxas, contribuições condominiais e quaisquer outros encargos que recaiam ou venham a recair sobre o imóvel, cuja posse tenha sido transferida para o fiduciário, nos termos deste artigo, até a data em que o fiduciário vier a ser imitido na posse.
O inadimplemento da obrigação de pagar gera o início do procedimento extrajudicial de consolidação da propriedade. Intima-se o devedor para pagar a dívida e demais despesas em 15 (quinze) dias. Persistindo a inadimplência, o credor solicitará ao Oficial do Registro de Imóveis que proceda a averbação da consolidação da propriedade em seu nome. Essa é a primeira etapa para a satisfação do crédito, e o encerramento do primeiro procedimento voltado a tal fim.
Consolidada a propriedade, e pago o Imposto de Transmissão de Bens Imóveis intervivus por ato oneroso, inicia-se o procedimento de liquidação do bem. O credor não poderá ficar com a coisa, por ser vedado o pacto comissório, conforme art. 1.428 do Código Civil. Deverá, assim, levar o bem a leilão.
Em primeiro leilão será aceito o lance igual ou superior ao valor do imóvel. Em não havendo interessados ou havendo lances inferiores ao valor do imóvel, ocorrerá um segundo leilão, em que será aceito o lance de maior valor, desde que superior ao valor da dívida e das demais despesas.
Caso sobre algum valor depois de descontados a dívida e outras despesas, o credor entregará ao devedor o saldo. Haverá, assim, quitação recíproca.
Nos leilões, o devedor e o credor podem oferecer lances. O lance oferecido pelo devedor terá o mesmo efeito da remição da hipoteca. O credor pode oferecer lance a fim de ficar com a coisa.
O procedimento é encerrado com o registro da arrematação pelo terceiro adquirente. Assim, solvida a dívida, o credor restará satisfeito, mesmo que com alguns aborrecimentos naturais a um tramite do gênero.
No entanto, com o procedimento extrajudicial de cobrança do crédito, tornou-se muito mais célere o retorno do valor concedido a título de financiamento. Aguardar o final do processo de execução da hipoteca pode levar anos, ficando sujeito a situações que podem transcender à própria relação jurídica entre o fiduciário e o fiduciante, como, por exemplo, a demora do Poder Judiciário.
As serventias extrajudiciais, em razão da natureza público-privada de execução, estão mais preparadas para realizar serviços em que não há, ao menos aparentemente, conflito. Essa tendência, chamada de desjudicialização, vem ocorrendo no direito pátrio, sem que se tenha notícias de que haja motivos para freá-la. Um dos exemplos de maior magnitude foi a Lei nº 11.441/2007, que possibilitou a lavratura de escrituras públicas de inventário, partilha, adjudicação, divórcio e separação perante os serviços extrajudiciais, desde que as partes sejam maiores, capazes, concordes, e que não possuam filhos menores ou incapazes.
 Sobre a tendência desjudicializadora, Paulo Roberto Gaiger Ferreira disserta:
“O Poder Judiciário está no banco dos réus. A imprensa publica acusações de letargia, burocracia, nepotismo, altos salários e ineficiência. A imprensa vive de manchetes, recepciona alguns maus exemplos e pouco divulga os esforços e as melhorias.
Dentre as providências da Nação para melhorar o Judiciário está a Reforma: um conjunto de projetos de lei que pretende corrigir algumas mazelas sistêmicas, seja do processo, seja da administração”. (FERREIRA, Paulo Roberto. Princípios geras da atividade notarial in Escrituras públicas : separação, divórcio, inventário e partilha consensuais : análise civil, processual civil, tributária e notarial; apresentação José Flávio Bueno Fischer. – 2 ed. rev., atual. e ampl. 2. Tir. – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2009, página 17).
A alienação fiduciária também tem vantagens para a pessoa que pleiteia o financiamento. Com a maior segurança conferida ao credor em reaver o valor entregue ao devedor, os juros, ou seja, os custos do financiamento tendem a reduzir. Isso porque os juros bancários variam conforme a maior liquidez e exequibilidade do crédito. Quanto maior for a insegurança, maior serão os juros, maior será o custo do financiamento. Ao menos, essa deveria ser a tendência.
Confirmando a teórica vantagem da alienação fiduciária, PauloCesárHack, em trabalho monográfico apresentado no curso especialização em Direito Imobiliário da Escola Superior de Administração, Direito e Economia, assim comenta:
“A Lei nº 9.514/97, que dispõe sobre o Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI), foi criado com a finalidade de reformular o financiamento habitacional no Brasil, cujos principais fundamentos foram as securitizações dos créditos imobiliários e a maior segurança jurídica dos contratos, visando estimular agentes financeiros a amplicar o crédito imobiliário em geral, legitimando a alienação fiduciária de bem imóvel em garantia.
Com a garantia da alienação fiduciária de bens imóveis, o legislador possibilitou maior credibilidade e segurana jurídica ao sistema financeiro e, desta forma, a expansão do financiamento imobiliário pelas instituições financeiras ao disporem de mais agilidade e celeridade nos procedimentos de cobrança do crédito.
A combinação de juros em queda com segurança dos contratos é a maior responsável pelo alongamento dos prazos de financiamento, mecanismo clássico para incorporar milhões de famílias ao mercado brasileiro”.
(http://www.biblioteca.esade.edu.br/TCC_Paulo_Hack_2010.pdfacessado em 19 de maio de 2012, às 15:01)
Sobre a disparidade entre os institutos mais utilizados na política de garantias reais para financiamentos habitacionais, Sílvio Venosa discorre:
“Durante essas décadas de vigência dessa lei, o instituto vem servindo para dinamizar o crédito direto ao consumidor de coisas móveis. A orientação legal não admitia o instituto para os imóveis. Procurando estender as mesmas vantagens para os imóveis, a Lei nº 9.514/97, de 20-11-97, que dispõe sobre o Sistema de Financiamento Imobiliário, instituiu a alienação fiduciária de imóveis, além de outras disposições, conforme examinaremos neste capítulo”. (VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direitos reais. – 11. ed. – São Paulo : Atlas, 2011. Volume 5, página 415).
E continua:
“A citada Medida Provisória, ainda, foi mais além, dando nova redação ao art. 38 da Lei nº 9.514/97, deixando aberta a possibildade, ainda que em redação confusa, de ser utilizada a alienação fiduciária em reação a contratos que visem a constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis, podendo ser celebrados por escritura pública ou instrumento particular. Criou-se com isso, na realidade, uma nova modalidade de direito real de garantia que paulatinamente deverá tomar lugar das hipotecas”. (VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direitos reais. – 11. ed. – São Paulo : Atlas, 2011. Volume 5, página 415).
Francisco Eduardo Loureiro confirma a vantagem da alienação fiduciária frente a hipoteca:
“Esse forte instituto, agora franqueado a todos os contratantes, que implica a transferência de propriedade resolúvel ao credor, pondo-o a salvo do concurso de outros credores, somado à rápida execução no caso de inadimplemento, certamente se tornará a mais popular das garantias reais, pondo de lado o penhor e a hipoteca”. (LOUREIRO, Francisco Eduardo. Código Civil Comentado: doutrina e jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.01.2002: contém o Código Civil de 1916 / coordenador Cezar Peluso. – 5. ed. rev. e atual. – Barueri, SP: Manole, 2011,página 1424).
Nicolau Balbino Filho, sob a visão registral do instituto, disserta:
“Uma grande vantagem que oferece o instituto da alienação fiduciária é que não impõe limite quantitativo, pois qualquer um pode recorrer ao sistema, independentemente do número de imóveis de que seja proprietário”. (BALBINO FILHO, Nicolau. Registro de imóveis : doutrina, prática e jurisprudência. – 15 ed. rev. e atual. – São Paulo : Saraiva, 2010, página 170).
Dessa forma, o instituto da alienação fiduciária possui diversas vantagens sobre a hipoteca. Podemos, enfim, adentrar na parte derradeira deste trabalho, concatenando o que já foi dito acima.

Alienação fiduciária sobre bens imóveis

A Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997, inovou o ordenamento jurídico nacional ao introduzir a possibilidade de se constituir propriedade fiduciária sobre bens imóveis. E ainda estendeu essa faculdade a todos os particulares, afastando a utilização exclusiva pelas instituições financeiras.
O instituto da alienação fiduciária é, e sempre foi, muito utilizado no financiamento de veículos. Com a referida lei, os bens imóveis foram inseridos neste contexto de propriedade resolúvel. Permitiu-se, ainda, como dito, que particulares contratassem entre si a alienação fiduciária. Tanto pessoas físicas quanto jurídicas podem contratar segundo as regras da mencionada lei.
A Lei nº 9.514/97 criou o Sistema de Financiamento Imobiliário, visando estimular a concessão de financiamentos imobiliários financeiramente mais acessíveis à população. Nesse iter, criou o mecanismo da alienação fiduciária aplicável aos bens imóveis.
As autorizadas a operar no Sistema de Financiamento Imobiliário as “caixas econômicas, os bancos comerciais, os bancos de investimento, os bancos com carteira de crédito imobiliário, as sociedades de crédito imobiliário, as associações de poupança e empréstimo, as companhias hipotecárias e, a critério do Conselho Monetário Nacional - CMN, outras entidades”, conforme art. 2º da Lei nº 9.514/97.
 O art. 17 da mencionada lei elenca quais são os institutos aceitos pelo Sistema de Financiamento Imobiliário como hábeis a garantir a operação imobiliária. Vejamos:
“Art. 17. As operações de financiamento imobiliário em geral poderão ser garantidas por:
I - hipoteca;
II - cessão fiduciária de direitos creditórios decorrentes de contratos de alienação de imóveis;
III - caução de direitos creditórios ou aquisitivos decorrentes de contratos de venda ou promessa de venda de imóveis;
IV - alienação fiduciária de coisa imóvel.
§ 1º As garantias a que se referem os incisos II, III e IV deste artigo constituem direito real sobre os respectivos objetos.
§ 2º Aplicam-se à caução dos direitos creditórios a que se refere o inciso III deste artigo as disposições dos arts. 789 a 795 do Código Civil.
§ 3º As operações do SFI que envolvam locação poderão ser garantidas suplementarmente por anticrese”.
Vislumbra-se que a própria lei disponibiliza às operadoras do SFI os institutos da hipoteca e da alienação fudiciária. Cabe à operadora a escolha que melhor lhe convier. Daí insurge a importância do presente trabalho, que elucidará as vantagens e desvantagens da hipoteca e da alienação fiduciária, tanto para o credor quanto para o devedor.
A contratação da alienação fiduciária não é privativa das entidades integrantes do SFI, podendo ser manejado por pessoas físicas e jurídicas (art. 22, § 1º).
O conceito legal da alienação fiduciária está contido no caput do art. 22: “a alienação fiduciária regulada por esta Lei é o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel”.
Explícita a distinção, de início, entre o negócio jurídico alienação fiduciária e o direito real de garantia propriedade fiduciária. Ainda, importante aqui lembrar que considero a propriedade fiduciária uma espécie de direito real em que existe a transferência da propriedade resolúvel sobre a coisa. O credor não pode utilizar da coisa como se proprietário fosse. Falta-se o domínio pleno, que só é computado àqueles titulares portadores dos poderes contidos no art. 1.228 do Código Civil, quais sejam, usar, gozar, dispor, e reaver a coisa.
A própria Lei nº 9.514/97, no art. 22, § 1º, elenca o que pode ser objeto da garantia real fiduciária:
§ 1º  A alienação fiduciária poderá ser contratada por pessoa física ou jurídica, não sendo privativa das entidades que operam no SFI, podendo ter como objeto, além da propriedade plena:
I - bens enfitêuticos, hipótese em que será exigível o pagamento do laudêmio, se houver a consolidação do domínio útil no fiduciário;
II - o direito de uso especial para fins de moradia;
III - o direito real de uso, desde que suscetível de alienação;
IV - a propriedade superficiária.
O regime jurídico da alienação fiduciária de bens imóveis instituído em 1997 prevê taxativamente o que pode ser objeto da propriedade fiduciária. A opção de incluir outros direitos além da propriedade plena é a de reconhecer a existência de situações jurídicas em que não é possível exigir a propriedade plena como garantia. Isto em vista da realidade fundiária no Brasil. Em determinados locais como, por exemplo, municípios litorâneos, o financiamento imobiliário pelo SFI restaria inviabilizado caso fosse exigida, como condicionante da operação de crédito, a propriedade plena.

3.3.1Requisitos

A alienação fiduciária, como negócio jurídico, exige para a sua válida celebração um agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável, e forma prescrita ou não defesa em lei (art. 104).
Os direitos que podem ser objeto da propriedade fiduciária dentro do SFI estão elencados no já colacionado § 1º do art. 22 da Lei nº 9.514/97. Inicialmente, com a publicação desta lei, discutiu-se acerca da possibilidade ou não da utilização da propriedade fiduciária instituição nesta lei para garantir outras espécies de negócios jurídicos.
Parece-me que o art. 38 elucida a questão, indicando a possibilidade de utilizar o instrumento criado na Lei nº 9.514/97 em outros negócios jurídicos.
É o que ensina Sílvio Venosa:
“Dúvida era saber se essa modalidade de negócio pode garantir qualquer negócio jurídico, uma vez que a lei não faz restrição. Em princípio, embora o instituto tenha sido criado com a finalidade de aquisição de imóveis, nada impedirá que a garantia fiduciária seja utilizada para outros negócios paralelos, pois não existe proibição na lei. Parece que a situação fica agora esclarecida com a redação atual do art. 38 da Lei nº 9.514/97, com a alteração dada pelo MP nº 221/2004, conforme apontamos de início”. (VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direitos reais. – 11. ed. – São Paulo : Atlas, 2011. Volume 5. Página 425).
Os artigos 23, 24 e 38 explicitam os requisitos formais da alienação fiduciária:
 Art. 23. Constitui-se a propriedade fiduciária de coisa imóvel mediante registro, no competente Registro de Imóveis, do contrato que lhe serve de título.
Parágrafo único. Com a constituição da propriedade fiduciária, dá-se o desdobramento da posse, tornando-se o fiduciante possuidor direto e o fiduciário possuidor indireto da coisa imóvel.
Art. 24. O contrato que serve de título ao negócio fiduciário conterá:
I - o valor do principal da dívida;
II - o prazo e as condições de reposição do empréstimo ou do crédito do fiduciário;
III - a taxa de juros e os encargos incidentes;
IV - a cláusula de constituição da propriedade fiduciária, com a descrição do imóvel objeto da alienação fiduciária e a indicação do título e modo de aquisição;
V - a cláusula assegurando ao fiduciante, enquanto adimplente, a livre utilização, por sua conta e risco, do imóvel objeto da alienação fiduciária;
VI - a indicação, para efeito de venda em público leilão, do valor do imóvel e dos critérios para a respectiva revisão;
VII - a cláusula dispondo sobre os procedimentos de que trata o art. 27.
Art. 38. Os atos e contratos referidos nesta Lei ou resultantes da sua aplicação, mesmo aqueles que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis, poderão ser celebrados por escritura pública ou por instrumento particular com efeitos de escritura pública.
Seguindo a tradição jurídica latina, o registro do título aquisitivo no Serviço de Registro de Imóveis constituí a propriedade fiduciária como direito real de garantia. Cumpriu-se a regra estatuída no art. 1.227 do Código Civil, a qual estabelece que “os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis dos referidos títulos (arts. 1.245 a 1.247), salvo os casos expressos neste Código”.
Neste momento, importante fazer uma breve colocação sobre o sistema de aquisição de propriedade existente no Brasil.
Luiz Egon Richter nos ensina:
“A publicidade registral imobiliário varia de acordo com o sistema adotado por cada Estado. A doutrina, de uma forma geral, apresenta três sistemas principais de publicidade, com as variáveis eficaciais peculiares de cada País.
Sistema privatista ou francês – atribui à publicidade o efeito de aviso oponível a terceiros de atos que se perfazem por meio do contrato. O direito real se constitui pelo contrato e não pela publicidade. Não há o que se falar de publicidade constitutiva no Registro Imobiliário, neste sistema.
Sistema publicista ou alemão – confere à publicidade o efeito constitutivo do direito. Neste, a publicidade é parte integrante do direito, daí porque se chama de publicidade necessária.
(...)
Sistema eclético – conjuga de certa forma os dois sistemas anteriores, cominando o título com a publicidade”. (RICHTER, Luiz Egon. Da qualificação notarial e registral e seus dilemas. In Introdução ao direito notarial e registral; coordenação Ricardo Dip. – Porto Alegre : IRIB : Fabris, 2004, página 199 e 200).
O sistema adotado no Brasil é o eclético, em que o título causal e o registro são vinculados. E a aquisição do direito real depende de ambos. Existem exceções: as aquisições originárias de propriedade. Nestas, a transmissão do direito, ou a constituição do direito real ocorre com a ocorrência do fato hipoteticamente previsto na norma. O evento morte, por exemplo, é o fato gerador da transmissão do acervo patrimonial do autor da herança, em respeito à regra do direito francês conhecida como saisine. O registro tem a função publicizadora da ocorrência do fato. O mesmo ocorre com a desapropriação e o usucapião.
Francisco Loureiro expõe com didática o sistema adotado no Brasil:
“O terceiro sistema, denominado misto ou eclético, foi acolhido em nossos Códigos de 1916 e atual. Para nós, o registro é constitutivo de direito real sobre coisa imóvel. É ele que converte o título, gerador de simples direito de crédito, em direito real, irradiando seus efeitos contra todos. Nesse ponto, aproxima-se do sistema alemão. A diferença, porém, está no fato do registro em nosso sistema ter a natureza de ato jurídico causal, pois permanece vinculado ao título que lhe deu origem. Invalidado o título, invalida-se o registro. O registro tem efeito constitutivo, mas não saneador do título causal. Disso decorre que viciado o título, contaminado estará o registro, que será, então, cancelado. Presume-se ser o imóvel daquele que tem o título registrado no sistema imobiliário, mas tal presunção é relativa no direito brasileiro (juris tantum), segundo se extrai dos arts. 1.245, § 2º, e 1.247 do Código civil, adiante examinados”.(LOUREIRO, Francisco Eduardo. Código Civil Comentado: doutrina e jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.01.2002: contém o Código Civil de 1916 / coordenador Cezar Peluso. – 5. ed. rev. e atual. – Barueri, SP: Manole, 2011,página 1424).
E a natureza formal do título a ser levado ao Registro de Imóveis pode ser pública ou particular, desde que com efeitos de escritura pública. Trata-se de exceção à regra do art. 108 do Código Civil, que estabelece a obrigatoriedade da escritura pública para a validade “dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País”.
O final do art. 38 limita o permissivo. Somente os títulos particulares com efeitos de escritura pública é que serão aceitos como hábeis à celebração da alienação fiduciária e à constituição da propriedade fiduciária perante o Oficial do Registro de Imóveis. Os que não gozem da prerrogativa de possuir os efeitos de escritura pública deverão enquadrar-se na regra civil do art. 108.
Os requisitos objetivos do contrato de alienação fiduciária estão dispostos no art. 24, acima colacionado.

Conceito e natureza jurídica da alienação fiduciária

A alienação fiduciária é a espécie de propriedade resolúvel que o devedor, com fito de garantir uma dívida, transfere ao credor. A posse indireta da coisa pertence ao credor. O devedor, apesar de ser o possuidor direto do bem, fica desnudo do domínio, ao menos provisoriamente. Após, adimplida a obrigação assumida, o devedor fiduciante, como é chamado, terá a propriedade re-transferida para si, visto que a mesma será resolvida em seu favor.
A própria propriedade é transferida ao credor, mesmo que de forma precária ou resolúvel. A fidúcia, que significa confiança, reside na natureza do instituto. O credor confia que o devedor honrará a obrigação assumida, e o devedor confia que o credor não imporá dificuldades à resolução da propriedade.
Francisco Loureiro expõe de forma incisiva as implicações jurídicas do instituto:
“A propriedade fiduciária constitui patrimônio de afetação, porque despida de dois dos poderes federados do domínio – jus utendi e fruendi -, que se encontram nas mãos do devedor fiduciante. O credor fiduciário tem apenas o jus abutendi e, mesmo assim, sujeito à condição resolutiva, destinado, afetado somente a servir de garantia ao cumprimento de uma obrigação. O direito de dispor, na verdade, está atrelado à cessão do crédito garantido. A propriedade-garantia é acessória à obrigação e segue sua sorte. A peculiaridade é que, ao contrário das demais garantias reais, incide não sobre coisa alheia, mas sobre coisa própria transferida ao credor, embora sob condição resolutiva”. (LOUREIRO, Francisco Eduardo. Código Civil Comentado: doutrina e jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.01.2002: contém o Código Civil de 1916 / coordenador Cezar Peluso. – 5. ed. rev. e atual. – Barueri, SP: Manole, 2011,página 1425).
Importante, neste momento, deixar claro que há distinção entre propriedade fiduciária e a alienação fiduciária. Esta é o contrato, o acordo de vontades voltado a constituir uma coisa em garantia. Propriedade fiduciária é a garantia real do negocio jurídico celebrado.
Novamente, Francisco Loureiro afirma:
“Não se confunde com a alienação fiduciária em garantia, o contrato que serve de título para a constituição da propriedade fiduciária. A alienação fiduciária é o negócio jurídico, enquanto a propriedade fiduciária é direito real com escopo de garantia”. (LOUREIRO, Francisco Eduardo. Código Civil Comentado: doutrina e jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.01.2002: contém o Código Civil de 1916 / coordenador Cezar Peluso. – 5. ed. rev. e atual. – Barueri, SP: Manole, 2011,página 1424).
Interessante discussão insurge na doutrina: se a propriedade fiduciária é direito real ou não. Tanto o Código Civil de 1916 e quanto o atual não trataram diretamente sobre isso. A Lei nº 9.514/97, em seu art. 17, § 1º, impõe a natureza jurídica de direito real à propriedade fiduciária sobre bem imóvel (a Lei menciona, inapropriadamente, que a alienação fiduciária, e não a propriedade fiduciária, é direito real).
No entanto, o Código Civil, no art .1.225, exclui a propriedade fiduciária dessa condição de direito real. A exclusão não é explícita. Deriva da taxatividade do mencionado artigo.
E a questão mais importante é a de definir se a propriedade fiduciária é capaz de transferir a propriedade de forma plena ao credor. Isso é crucial para classificá-la como direito real, justamente porque não é possível a constituição de direito real sobre coisa própria.
Vejamos a opinião de NamemChalub:
“Ao ser contratada a alienação fiduciária, o devedor-fiduciante transmite a propriedade ao credor-fiduciário e, por esse meio, demite-se do seu direito de propriedade; em decorrência dessa contratação, constitui-se em favor do credor-fiduciário uma propriedade resolúvel; por força dessa estruturação, o devedor-fiduciante é investido na qualidade de proprietário sob condição suspensiva, e pode tornar-se novamente titular da propriedade plena ao implementar a condição de pagamento da dívida que constitui objeto do contrato principal. (CHALHUB, MelhimNamem. Negócio Fiduciário. Rio de Janeiro - São Paulo: Renovar, 2000, 2ª ed, página 222)”.
Namem defende a idéia de que não é possível considerar a propriedade fiduciária como direito real. Entende que neste instituto o devedor transfere a propriedade ao credor, fugindo do feixe de incidência dos poderes inerentes ao proprietário, com exceção do uso e o gozo.
Já Ubirayr Vaz diverge:
Ressalta do contexto da Lei 9.514 que a transmissão da propriedade resolúvel, como parte integrante do contrato de alienação fiduciária, não significa a perda da propriedade pelo fiduciante, nem seu ingresso no patrimônio do fiduciário. A perda da propriedade, com o caráter que lhe empresta o Código Civil, somente ocorrerá quando, não pagas as prestações e seus encargos, consolidar-se a propriedade fiduciária, e, ainda, se for ela alienada no primeiro leilão, pelo valor estipulado no contrato; se for ela alienada no segundo leilão, pelo valor igual ou superior ao valor da dívida, das despesas, dos prêmios de seguro, dos encargos legais, inclusive tributos, e das contribuições condominiais; com a extinção da dívida e respectiva quitação, caso no primeiro e no segundo leilões os maiores lances não alcancem os valores mínimos supra mencionados. Trata-se, pois, de transmissão e aquisição, a que não se podem aplicar, de forma intransigente e dogmática, os conceitos tradicionais da propriedade e da própria alienação." (VAZ, Ubirayr Ferreira. Alienação Fiduciária de coisa imóvel – Reflexos da lei nº 9.514/97 no Registro de Imóveis. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1998, página 55)”.
Filio-me a esta segunda corrente. Em verdade, a constituição da propriedade fiduciária ocorre como garantia da exequibilidade de certa obrigação. O direito real que existe é sobre os direitos que ainda persistem sobre o devedor. Adimplida a obrigação, o direito real se desfaz, e o devedor receberá o que havia transferido de forma resolúvel ao credor. O desdobro da propriedade ocorre com o único fito de garantia.
Clóvis Bevilaqua leciona didaticamente a natureza da propriedade resolúvel, afirmando que “propriedade resolúvel, ou revogável, é a que, no próprio título de sua constituição encerra o princípio, que a tem de extinguir, realizada a condição resolutória, ou advindo o termo, seja por força de declaração, seja por determinação da lei” (BEVILAQUA, Clóvis. Direito das coisas. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1951, p. 243).
A classificação como sendo propriedade revogável indica a natureza do instituto e a sua condição temporária.
Em verdade, não há transferência total da propriedade. Os poderes inerentes ao direito de propriedade são transferidos em parte. O uso e o gozo remanescem com o devedor. Ao credor, nem mesmo o direito de disposição lhe cabe. Pode, no entanto, reivindicar a coisa contra quem a injustamente possua. A alienação do direito real da propriedade depende da concordância expressa do credor e do devedor. Tanto que a transferência da posição de credor fiduciário se faz por cessão e não por outro título causal translativo (v.g. compra e venda, doação, permuta, etc).

Espécies de hipoteca

Existem três tipos de hipotecas: convencional, legal e a judiciária. O regramento jurídico de cada espécie altera conforme as leis especiais incidentes. As Cédulas Rurais Hipotecárias impõe uma legislação especial sobre a hipoteca, mas não a desnatura como hipoteca convencional.

2.5.1. Hipoteca convencional

Deriva da autonomia da vontade das partes. As partes, desde que gozem de capacidade para hipotecar, como foi acima dito, podem celebrar contratos válidos, e gravar os imóveis (ou outros bens legalmente admitidos) com hipoteca.
A hipoteca convencional é a forma mais tradicional de hipoteca. A raiz deste direito real denota a sua característica de garantia real como forma de cumprimento de obrigações pecuniárias (na maioria das vezes) assumida.
Merece aqui ressaltar, fora do que foi acima dito, que a relação jurídica entre o credor e o devedor pode continuar existindo sem a garantia real, ou o objeto da garantia. E isso acontece de forma recorrente. A acessoriedade da hipoteca é uma demonstração nítida disso. Pode ser alterada a forma de garantir a obrigação principal, seja constituindo penhor, seja apenas oferendo garantias pessoais. Vai-se a hipoteca, e fica a relação jurídica.
A relação de sujeição que há entre o proprietário e a coisa inexiste perante o credor hipotecário. Nas hipotecas cedulares pode existir, no entanto, o direcionamento do uso da coisa a certos fins. Mas a coisa continua tendo relação direta com o seu possuidor e o seu proprietário. A relação que se estabelece é entre o devedor e o credor.

2.5.2. Hipoteca legal

Como o próprio nome indica, a hipoteca legal existe pela vontade do legislador. A ocorrência da situação jurídica elencada na lei faz constituir a hipoteca. Poder-se-ia dizer que é o fato gerador da hipoteca legal são aquelas condutas descritas em lei, especialmente aquelas contidas no art. 1.489 do Código Civil.
Luiz Guilherme Loureiro afirma ser taxativo o rol do citado artigo, quando assim comenta:
“A lei confere hipoteca em cinco hipóteses expressamente previstas no art. 1.489 do CC. Portanto, o direito real de garantia, nos casos que serão citados a seguir, decorre de disposição expressa da lei e não da vontade das partes.
O rol previsto no art. 1.489 do CC é taxativo, não mais existindo em nosso ordenamento jurídico a hipoteca legal os bens do tutor ou curador. Portanto, com a entrada em vigor do novo Código, a hipoteca legal do tutor ou curador, prevista no art. 827, IV, do Código de 1916, pode ser cancelada por mero requerimento dos interessados ao oficial do registro de imóveis”.(LOUREIRO, Luiz Guilherme. Curso Completo de Direito Civil. – 3. Ed. – Rio de Janeiro : Forense ; São Paulo : Método, 2010, página 976)
A fonte de existência da hipoteca legal é conjunção entre a lei e a ocorrência da situação hipoteticamente prevista. E o título que instrumentaliza esse direito real é o mandado judicial, que é liberado pela autoridade judiciária ao final do processo, após o trânsito em julgado da sentença.
Gilberto Valente nos ensina:
“Hipoteca legal é aquela estabelecida em Lei, independentemente da vontade das partes, seja para garantir certas obrigações, seja para acautelar-se de determinadas situações jurídicas.
Ela surge com o fato previsto em Lei e se aperfeiçoa com a especialização, isto é, com a determinação do imóvel da garantia e o registro imobiliário.
A especialização dessas hipotecas, necessária à sua inscrição no RI, será requerida pelo próprio responsável, que declarará o valor de sua responsabilidade e indicará os imóveis sobre que incidirá o ônus, mediante petição à autoridade judiciária competente, instruído com a prova do domínio, livre de ônus, dos imóveis oferecidos em garantia (artigo 1.205 do CPC).Iniciado por essa forma, o processo de especialização, continuará ele, segundo o rito estabelecido no artigo 1.206 e ss., do CPC, até a expedição de mandado para sua inscrição, no RI, da hipoteca especializada, com todas as indicações necessárias ao registro.
O título para a inscrição da hipoteca legal será, assim, o mandado judicial, expedido depois de concluído o procedimento.A especialização de hipoteca legal é feita em Juízo, com observância dos artigos 1.205/1.210 do CPC, culminando com a decisão discriminativa do bem gravado.
O título constitutivo é a sentença de especialização, que deve ter o seu trânsito em julgado, pois, a inscrição só se efetuará após o trânsito em julgado da sentença, visto que ela está sujeita a recurso de apelação, com efeito suspensivo.
Com a especialização, individualiza-se a coisa dada em garantia real”. (http://grupogilbertovalente.blogspot.com.br/2009/11/registro-de-hipoteca-legal.html acessado em 19 de maio de 2012, às 11:35)
A hipoteca legal exige dois momentos: o primeiro, em que o fato previsto na norma ocorre; e o segundo, no qual ocorre a especialização da hipoteca.
Assim ensina Silvio Venosa:
“Na hipoteca legal, existem dois momentos bem definidos. Em primeiro lugar, há um fato jurígeno do vínculo. No entanto, o simples fato típico não instrumentaliza a hipoteca. Há necessidade de um segundo momento, quando então são individualizados, especializados os bens garantidores, culminando com sua inscrição como objeto da hipoteca e tornando-se efetivamente garantia real”. (VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil – Vol. V. Direitos Reais. – 11ª ed. São Paulo : Atlas, 2011, página 592)

2.5.3. Hipoteca judicial

Na verdade, a hipoteca judicial é uma hipótese legalmente prevista para garantia da exequibilidade de um direito judicialmente reconhecido. Não goza da direito de preferência, mas sim o de sequela. Pode, então, reaver a coisa contra quem a possua. Depende de registro para conferir conhecimento a terceiros, a chamada oponibilidade erga omnes.
Discute-se sobre a utilidade de tal instituto no Direito brasileiro, principalmente considerando que ao credor é assegurado o instituto da fraude aos credores e da fraude à execução.
Vejamos o que expõe Sílvio Venosa:
“A disposição perde utilidade perante os princípios da fraude de execução Presume-se fraudulenta, de forma absoluta, qualquer alienação ou oneração de bens do devedor quando “ao tempo da alienação ou oneração, corria contra o devedor demanda capaz de reduzí-lo à insolvência” (art. 593, II, do CPC).
(...)
Ademais, o art. 824 excluía o direito de preferência nessa hipoteca judicial, subtraindo-lhe a principal vantagem. Temos que considerar atualmente inútil o dispositivo. Ademais, para exercer o direito garantido pelos princípios da fraude de execução, o exequente não necessita de inscrição imobiliária, condição essencial para a hipoteca judicial. Está, porém, presente no ordenamento para quem nela encontrar serventia”. (VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil : direitos reais. – 11. ed. – São Paulo : Atlas, 2011, volume 5, página 596).
César Fiuza contra-argumenta:
“Supondo eu a execução da sentença condenatória contra o devedor seja demorada, o credor pode querer se garantir contra qualquer ato fraudulento do devedor. O devedor pode, por exemplo, vender seus bens; e até que se prove ter ocorrido fraude de execução, a fim de se anular a venda, pode transcorrer muito tempo e ser gasto muito dinheiro. A hipoteca judiciaria vem, então, a calhar.
Vendo o credor que o processo de execução pode se delongar, requer seja destacado um imóvel do patrimônio do devedor para lhe servir de garantia de que, findas as controvérsias judiciais, haverá o que penhorar. O Juiz manda, então, que se apresente imóvel do devedor. Procede-se, em seguida, à especialização e à inscrição, como se fosse hipoteca comum Inscrita a hipoteca, o credor terá direito real de garantia sobre o dito imóvel, podendo penhorá-lo, ainda que seja alienado a terceiros, sem precisar provar ter havido fraude de execução”. (FIUZA, César. Direito civil: curso completo. – 15. ed. revista, atualizada e ampliada – Belo Horizonte: Del Rey 2011, página 1024).
Ambos entendimentos merecem atenção. A hipoteca judicial pouco é utilizada no direito nacional. Temos a própria averbação premonitória que, apesar de ser instituto totalmente diverso da hipoteca judicial, também tem o condão de publicizar a informação da distribuição de ação executiva, conforme art. 615-A do CPC, considerando em fraude à execução a alienação de bem após a dita averbação. Entretanto, como salientado por Fiuza, há ainda uma função muito importante: a de garantir eficácia (ou sucesso) ao processo de execução.
Após discorrer sobre o instituto da hipoteca, seu histórico, conceito, natureza jurídica, e demais peculiaridades, devemos agora tecer considerações sobre o instituto da Alienação Fiduciária. Vários assuntos importantes sobre a hipoteca foram deixados de lado, especialmente quanto à remição e à extinção. Considerando o objetivo deste trabalho, apena os tópicos essenciais de cada instituto serão abordados.

Requisitos da hipoteca

Requisitos subjetivos

Fala-se aqui em capacidade de dar em hipoteca, como acima exposto. Somente pode gravar o imóvel quem goza do poder de dispor. Isso pode ser relativizado se analisarmos que o compromissário comprador também pode hipotecar o respectivo direito real.
É o que defende Francisco Eduardo Loureiro:
“Embora negue a doutrina tradicional, não se vê razão para que o direito real de promitente comprador, decorrente de contrato de compromisso de compra e venda sem cláusula de arrependimento e levado ao registro imobiliário, não possa ser dado em garantia hipotecária. É bem imóvel por definição legal e passível de cessão por simples trespasse. Como vimos anteriormente, nos comentários aos arts. 1.417 e 1.418,é o compromisso de compra e venda contrato preliminar impróprio que concentra toda a carga negocial da compra e venda. Pago o preço, todos os poderes federados do domínio estão concentrados nas mãos do promitente comprador, nada mais restando ao promitente vendedor do que o dever de outorgar a escritura definitiva. Na lição de José Osório de Azevedo Júnior, “considerando que o compromisso já é hoje reconhecido, para inúmeros efeitos, como uma forma de alienação, ficando o compromissário com amplíssimo poder de disposição da coisa, cremos que, após o pagamento do preço, lhe devia ser permitido hipotecar o imóvel, ou pelo menos hipotecar seus direitos reais, que também são imóveis” (Compromisso de compra e venda, 2. ed. São Paulo, Saraiva, 1983, p. 100)”. (LOUREIRO, Francisco Eduardo. Código Civil Comentado: doutrina e jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.01.2002: contém o Código Civil de 1916 / coordenador Cezar Peluso. – 5. ed. rev. e atual. – Barueri, SP: Manole, 2011, página 1593).
A hipoteca pode ser constituída sobre bens imóveis. O art. 80 do Código Civil, como dito pelo citado doutrinador, classifica como bem imóvel o direito real sobre coisa imóvel. Assim, o usufruto, o uso e a servidão poderiam ser hipotecados. Só não podem ser hipotecados porque são inalienáveis.
Essa é a visão de Francisco Loureiro:
“O art. 80 do Código Civil dispõe serem imóveis os direitos reais que tem por objeto coisas imóveis. Assim, os direitos reais de usufruto, uso, habitação e servidão são bens imóveis por definição legal, mas não podem ser hipotecados, porque são inalienáveis. Já o direito real de hipoteca, embora imóvel e passível de alienação, pode apenas ser dado em penhor, por força de disposição legal (Decreto n. 22.778/34)”. (LOUREIRO, Francisco Eduardo. Código Civil Comentado: doutrina e jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.01.2002: contém o Código Civil de 1916 / coordenador Cezar Peluso. – 5. ed. rev. e atual. – Barueri, SP: Manole, 2011, página 1593).
César Fiuza discorda quanto a possibilidade de gravar com hipoteca o usufruto. Assim discorre:
“Mais atrás, estudamos o usufruto, vendo que se trata do direito de usar coisa alheia, gratuitamente, por certo tempo. Ao usufrutuário pertence o chamado domínio útil e ao proprietário, o domínio direto. Tanto um quanto outro, ou seja, tanto o domínio útil quanto o direito podem ser hipotecados”. (FIUZA, César. Direito civil: curso completo. – 15. ed. revista, atualizada e ampliada – Belo Horizonte: Del Rey 2011, página 1020).
Exceção à regra de que somente ao titular do domínio é possível gravar com hipoteca um imóvel, o direito do promitente comprador é discutível. Isso por dois motivos: primeiro, o rol de direitos hipotecáveis é taxativo; e segundo, o promitente comprador, apesar de possuir o direito real à aquisição da coisa, ou à coisa propriamente, de fato e de direito não a possui, mesmo que de modo passageiro. Somente pode ser considerado detentor de todos os poderes inerentes à propriedade o proprietário. Ao promitente comprador falta o poder de dispor, mesmo que de fato, algumas vezes, já o detenha.
As pessoas casadas não podem hipotecar sem a autorização formal do outro, exceto se casados forem sob o regime da separação absoluta de bens, ou se no regime da participação final nos aquestos houverem pactuado de forma diversa.
Da mesma forma ocorre nos condomínios de proprietários. Como no casamento, a natureza da relação jurídica exige que todos oponham a anuência quando a gravação da coisa. Isso porque a consequência sofre todos recairá. A solidariedade impõe que assim seja. Caso um dos condôminos ofereça o bem comum em garantia, a mesma seja anulável. Nada impede que todos os demais compareçam concordando posteriormente (art. 1420, § 1º do Código Civil). Obviamente, o título que deu origem a hipoteca não terá acesso enquanto todos os proprietários não houverem manifestado concordância.
Entretanto, quando a hipoteca recair sobre parte ideal do imóvel, poderá ter acesso ao Registro de Imóveis. É o que dispõe o art. 1420, § 2º do Código Civil. O condômino pode hipotecar a sua parte do imóvel. A discussão iniciada deste ponto é interessante. O condômino pode hipotecar somente a sua parte ideal, o seu quinhão, ou pode também dar em hipoteca uma parte certa e localizada sobre o imóvel?
Sobre isso discorre Gilberto Valente:
“Muita discussão sobre a indivisibilidade, se material (tem sua substância alterada), ou jurídica (em decorrência de Lei) já ocorreu no passado, envolvendo grandes civilistas (Ver Boletim do Irib nº 61).
Contudo, hoje é pacífico que é admissível o registro da hipoteca de parte ideal de imóvel em condomínio (divisível ou não), mesmo sem a anuência dos demais condôminos (artigo 1.420, caput e parágrafo 2º do NCC). (Ver também RDI nº 7 – Professor Afrânio de Carvalho).
Também é pacífico que se a hipoteca recair sobre parte certa e determinada, há necessidade de que primeiro seja feito o desmembramento do imóvel.
Como o imóvel não foi dividido (desmembrado) para abrigar o registro da hipoteca sobre parte certa e determinada, poderia sê-lo, agora, separando a parte hipotecada da não hipotecada, entretanto, nesse caso, parece de toda conveniência a anuência do credor hipotecário, porque o quinhão atribuído ao devedor hipotecante pode não representar o valor do crédito, ou, ainda, ter sido feita a divisão para prejudicar o credor.Há entendimentos de que a hipoteca constituída poderia descrever (dentro do todo) uma parte certa e determinada, recaindo sobre parte ideal, delimitada geodesicamente, na medida em que a descrição da área objeto do gravame viesse descrita no título (cédula), mas existe decisão em sentido contrário, determinando que nesse caso a hipoteca não pode incidir sobre parte localizada no todo sem o prévio desmembramento (nesse sentido ver AC 021223-0/1 – Palmital)”.(http://grupogilbertovalente.blogspot.com.br/2010/01/hipoteca-parte-ideal.html acessado em 16 de maio de 2012, às 09:47)
Certo é que o Código Civil permite a hipoteca sobre parte individualmente considerada. A amplitude registral deve ser estudada com mais cuidado pela doutrina. O que se tem com certeza é que o Registro de Imóveis está sob o manto da continuidade. Todos os atos devem guardar relação lógica de concatenação. O desmembramento de imóvel condominial exige que o mesmo já esteja assim definido.

2.4.2. Requisitos objetivos

Primeiro, a hipoteca deve recair sobre bens imóveis por natureza, ou por autorização legal. Direitos reais são considerados bens imóveis por suposição legal, conforme o já citado art. 80 do Código Civil. Navios e aeronaves por ser objeto de hipoteca, como discorrido anteriormente.
As estradas de ferro também podem ser objeto de hipoteca, por permissão legal. E o registro da hipoteca, neste caso, deve ser efetuado no Cartório de Registro de Imóveis da circunscrição da sede da estação inicial da linha férrea, conforme art. 171 da Lei de Registros Públicos, Lei nº 6015/73. A opção legislativa foi por evidente conveniência, visto que é tarefa desarrazoada exigir que o devedor leve a registro o título causal em todas as circunscrições imobiliárias existentes em todo o percurso da linha férrea. O valor despendido com o registro poderia levar a tornar inócua a operação de credito garantida.
Interessante salientar ainda que as minas podem ser objeto de hipoteca, mas estão sujeitas a regime jurídico especial. E a própria concessão de lavra, ou direito de lavra é direito hipotecável.

2.4.3. Requisitos formais

 A estruturação formal da hipoteca merece especial atenção neste trabalho, especialmente considerado o foco registral imobiliário.
A hipoteca, como já sedimentado, é direito real. Mas somente se fala em direito real constituído após o registro do titulo causal no fólio real, ou seja, na matrícula do imóvel. As informações essenciais da hipoteca devem constar do registro de constituição do direito real. A especialização, desse modo, é requisito formal da hipoteca, conforme expõe o art. 1.724 do Código Civil. Vejamos:
Art. 1.424. Os contratos de penhor, anticrese ou hipoteca declararão, sob pena de não terem eficácia:
I - o valor do crédito, sua estimação, ou valor máximo;
II - o prazo fixado para pagamento;
III - a taxa dos juros, se houver;
IV - o bem dado em garantia com as suas especificações.
As informações devem ser publicizadas, não se permitindo a hipoteca geral ou abstrata. O art. 176, § 1º, III, 5, da Lei de Registros Públicos garante a especialização da hipoteca no registro. As referidas informações devem constar na matrícula do imóvel para fins de publicidade e de eficácia perante terceiros. O adquirente não poderá alegar desconhecimento da existência da hipoteca. A obtenção de certidão perante o Ofício de Registro de Imóveis é o mínimo que se exige a título de prudência negocial. 
Sobre a falta de especialização da hipoteca, Gladston Mamede assim discorre:
“A falta de especialização pode levar à invalidade da garantia, se houver absoluta ausência de dados de identificação do bem. Se forem os dados incompletos, de modo a gerar dúvidas e incertezas, a garantia será ineficaz perante terceiros, mas valerá entre as partes, se forem encontrados bens correspondentes à descrição genérica feita no título”. (MAMEDE, Gladston. Código Civil comentado. São Paulo, Atlas, 2003, v. XIV, p. 86).
No entanto, a ideia de invalidade da hipoteca por falta de especialização não é uníssona na doutrina. Francisco Loureiro afirma:
“A principal alteração está na parte final do caput, não mais referindo a falta de especialização acarretar “pena de não valerem contra terceiros”, como dizia o velho Código Civil, mas a ineficácia da garantia real. A falta de especialização não afeta a garantia no plano da validade, mas no da eficácia perante terceiros. Vale entre as partes, consoante a prova resultante do título, mas é inoponível frente a terceiros; o que, na prática, retira as consequências de sequela e preferência”.(LOUREIRO, Francisco Eduardo. Código Civil Comentado: doutrina e jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.01.2002: contém o Código Civil de 1916 / coordenador Cezar Peluso. – 5. ed. rev. e atual. – Barueri, SP: Manole, 2011, página 1537).
A hipoteca pode ser contratada por instrumento público ou particular. O que definirá a natureza formal do título é o valor do negócio, conforme prevê o art. 108 do Código Civil. A hipoteca legal depende de titulo judicial para a sua constituição perante o Registro de Imóveis. Já a hipoteca judiciaria se constituirá perante a autoridade judiciária, por ato judicial. O registro servirá como meio publicizador da constrição, garantindo a oponibilidade perante terceiros, ou erga omnes.
Nos contratos em que seja parte instituição integrante do Sistema Financeiro da Habitação, os contratos podem ser celebrados por instrumento particular, mesmo se excedentes a 30 (trinta) salários-mínimos. A Lei nº 4.380/64 assim prevê:
Art. 61. Para plena consecução do disposto no artigo anterior, as escrituras deverão consignar exclusivamente as cláusulas, têrmos ou condições variáveis ou específicas.
§ 5º Os contratos de que forem parte o Banco Nacional de Habitação ou entidades que integrem o Sistema Financeiro da Habitação, bem como as operações efetuadas por determinação da presente Lei, poderão ser celebrados por instrumento particular, os quais poderão ser impressos, não se aplicando aos mesmos as disposições do art. 134, II, do Código Civil, atribuindo-se o caráter de escritura pública, para todos os fins de direito, aos contratos particulares firmados pelas entidades acima citados até a data da publicação desta Lei.
A hipoteca judiciária é prevista dentro do sistema processual civil. O art. 466 dispõe que “a sentença que condenar o réu no pagamento de uma prestação, consistente em dinheiro ou em coisa, valerá como título constitutivo de hipoteca judiciária, cuja inscrição será ordenada pelo juiz na forma prescrita na Lei de Registros Públicos”.
Neste momento, apenas merece destaque a indicação que a natureza formal do título dá existência à hipoteca judiciária é a sentença. A sentença constitui a hipoteca judiciária, servindo como exceção à regra de que os direitos reais se constituem perante o Cartório de Registro de Imóveis.
E o Registrador Imobiliário deverá proceder a qualificação registraria sobre o título judicial. É o que defende Luiz Guilherme Loureiro:
“Hipoteca judiciária é aquela que decorre de sentença. De fato, a sentença condenatória, ainda que não transitada em julgado, serve como título constitutivo de hipoteca judiciária cuja inscrição será determinada pelo juiz na forma prescrita na Lei de Registros Públicos.O título judicial constitutivo da hipoteca judiciária deverá ser qualificado, portanto, pelo Oficial do Registro de Imóveis e, caso não atenda aos princípios registrários, como o da especialização, não deverá ingressar no fólio real. Não há necessidade de que a sentença seja líquida. A sentença condenatória produzirá a hipoteca judiciária, embora a condenação seja genérica ou ilíquida. Aqui temos uma exceção ao princípio da especialidade que exige que também o valor da obrigação seja expressamente mencionado no título, juntamente da exata descrição do imóvel objeto da garantia”. (LOUREIRO, Luiz Guilherme. Curso Completo de Direito Civil. – 3. Ed. – Rio de Janeiro : Forense ; São Paulo : Método, 2010, página 976)
As hipotecas legais podem ser formalizadas por instrumento público. É uma exceção à previsão de que elas devem ser reconhecidas judicialmente. O art. 1.210 do Código de Processo Civil dispõe que “não dependerá de intervenção judicial a especialização de hipoteca legal sempre que o interessado, capaz de contratar, a convencionar, por escritura pública, com o responsável”.A composição extrajudicial de interesses é a tendência do direito brasileiro. Sendo as partes capazes e consentes, não há motivos para impor a passagem pelo Judiciário.
Luiz Guilherme Loureiro discorre:
“Observa-se, entretanto, que a hipoteca legal, que decorre da lei e não da vontade das partes, pode ser reconhecida extrajudicialmente. O art. 1.210 do CPC permite que a hipoteca seja constituída sem a intervenção judicial, desde que o interessado seja capaz de contratar e que seja celebrada com o responsável pela escritura pública. Repita-se, entretanto, que a hipoteca apenas é constituída com o registro do título. Este é o suporte para a constituição do direito real ou, em outras palavras, é o primeiro passa para a constituição da garantia real, que se efetiva com a inscrição”. (LOUREIRO, Luiz Guiherme. Curso Completo de Direito Civil. – 3. Ed. – Rio de Janeiro : Forense ; São Paulo : Método, 2010, página 981)
Passaremos agora a analisar as espécies de hipoteca.

Conceito, natureza jurídica e caracterísitcas da hipoteca

A hipoteca é um direito real de garantia sobre coisa alheia. Como todo direito real, constitui-se com o registro do instrumento do contrato na matrícula do imóvel dado em garantia.
Instituto de direito civil por essência, também possui regramento na Lei de Registros Públicos, a qual disciplina a parte instrumental da hipoteca. E o tratamento legal dado aos procedimentos legais ligados à hipoteca também podem ser encontrados no Código de Processo Civil.
Segundo Caio Mário da Silva Pereira, “hipoteca é o direito real de natureza civil, incidente em coisa imóvel do devedor ou de terceiro, sem transmissão da posse ao credor” (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: direitos reais. 18ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. Vol. 4. p. 368).
O ilustre doutrinador expõe, assim, que a hipoteca tem natureza civil. A diferenciação entre hipoteca civil e comercial existia no Código Civil de 1916, visto que o art. 809 expunha tal distinção, o que não ocorre mais no Código atual.
Ainda, convém lembrar que não apenas os bens imóveis podem ser objetos de hipoteca. Os navios e as aeronaves, apesar da sua patente natureza móvel, podem ser objeto de hipoteca, consoante o art. 1.473, VI do Código Civil. Em razão do alto valor necessário para financiar tais bens, é da tradição jurídica nacional, e em vários países, de considerá-los bens imóveis para efeitos de hipoteca.
Paulo Henrique Gonçalves Pires afirma que a “hipoteca é um direito real de garantia incidente sobre bem imóvel (ou outro bem ou direito expressamente admitido em lei) do devedor ou de terceiro vinculado ao pagamento de dívida ou ao cumprimento de obrigação. É a afetação de um ou vários bens ao pagamento do credor.” (PIRES, Paulo Henrique Gonçalves. InREVISTA DE DIREITO IMOBILIÁRIO, Ano 33, nº 69, jul. – dez./2010, Revista dos Tribunais, página 164).
A hipoteca tem natureza acessória. Significa dizer que ela está diretamente ligada a obrigação que lhe deu origem. A hipoteca segue a sorte da obrigação principal. Caso esta seja declarada nula ou inexistente, pela relação de dependência, o direito real não subsistirá também. Da mesma forma, extinta a obrigação principal, extinta restará a hipoteca.
Como direito real de garantia, a hipoteca goza do direito de sequela. O bem responde por si pela dívida ou pelo adimplemento da obrigação. Pouco importa quem esteja na posse, ou se houve mudança na titularidade do bem. O credor hipotecário pode buscar a coisa contra qualquer possuidor ou proprietário, desde a hipoteca esteja regularmente registrada no fólio real (pressuposto da sua existência como direito real, art. 1227 do Código Civil).
Sob o prisma subjetivo, só quem tem o poder de dispor sobre a coisa por dar em hipoteca. É que o inadimplemento da hipoteca pode gerar a transferência do bem a terceiros, o que implica em atos de alienação. Hipoteca depende da possibilidade de alienar o bem, para garantir-lhe o objetivo de assegurar um crédito ou o cumprimento de uma obrigação. Fala-se assim em capacidade para hipotecar, que se confunde com a capacidade para alienar. O locatário, por exemplo, não pode dar em hipoteca o imóvel locado, por lhe faltar o poder ou atributo da disposição sobre a coisa.
Podem ser objeto de hipoteca os bens passíveis de alienação. Os bens inalienáveis sofrem restrição na possibilidade de excussão, em eventual ação de execução. 
De outro modo, o bem hipotecado não importa em inalienabilidade. O Código Civil de 2002, no art. 1.475, é expresso em vedar qualquer forma de proibição de alienação do bem gravado. Isso não impede que as partes estabeleçam que a alienação importe em vencimento antecipado da dívida. O adquirente terá pleno conhecimento, pela publicidade (outro atributo da hipoteca), da dita cláusula. Adquire ciente da obrigação de pagar o valor expresso da dívida.
Por isso que Caio Mário da Silva Pereira afirma que “a hipoteca é um direito sobre o valor da coisa e não à sua substância” (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: direitos reais. 18ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. Vol. 4. p. 324).
O que é garantia é a dívida. O bem objeto é apenas uma forma de se dar força à liquidez do crédito. E os bens imóveis fornecem um atributo essencial para a circulação de riquezas: segurança. Aí reside o papel do Registro de Imóveis. Um feixe de poderes estatais direcionado a fornecer segurança, autenticidade, publicidade e eficácia aos atos jurídicos.
O credor não tem direito sobre a coisa. Enquanto não descumprida a obrigação que deu origem à hipoteca, o credor apenas possui um direito real em relação ao bem. E ainda, mesmo após vencida a obrigação, e ocorrido o inadimplemento, o credor continua não tendo um direito sobre o bem. O fito da hipoteca é de restabelecimento da situação financeira do credor. O que se busca então é o valor da dívida. O bem é apenas um meio para a solvência do crédito.
Diferentemente das garantias fidejussórias, os direitos reais de garantia são fundadas, por óbvio, em bens imóveis. A garantia pessoal é frágil, quando comparado a uma garantia real. A exequibilidade do crédito é um fator muito importante nas trocas comerciais. A busca do crédito inadimplido diretamente do devedor é tarefa muitas vezes árdua.
A especialização da hipoteca é outra característica. A dívida e o bem devem estar descritos no título. O art. 1.724 do Código Civil informa o necessário para se especializar a hipoteca. Guarda relação com a inscrição da hipoteca no Registro de Imóveis, posto que nas hipotecas legais não basta a existência do direito material, precisa ser reconhecido judicialmente, e levado a registro, para que tenha oponibilidade perante terceiros. Isso também vale para as hipotecas judiciais.  Trata-se de um requisito formal da hipoteca, que será estudado mais adiante.
A hipoteca tem como característica histórica a indivisibilidade. O direito real não pode ser fracionado. O pagamento parcial da dívida não importa em parcial redução da hipoteca. A obrigação principal foi adimplida parcialmente. Isso não permite que o direito real seja reduzido, a despeito da relação de acessoriedade entre as obrigações. O contrato e o documento de quitação podem prever de outro modo, estipulando a exoneração parcial da hipoteca, conforme art. 1.421. Isso ocorre, normalmente, quando forem dados em garantia mais de um imóvel.
A hipoteca deve ser sempre inscrita no Registro de Imóveis. A garantia é a da publicidade. Além de constituir requisito formal para a sua própria constituição como direito real, o registro confere a publicidade ficta de que todos conhecem a situação jurídica do bem. A publicidade conferida pelo Registro de Imóveis é a mais eficiente, no que diz respeito ao bem imóvel especifico da hipoteca. A certeza do conhecimento da existência da hipoteca por terceiros é praticamente impossível. O Registro de Imóveis possibilita a ciência de todos aqueles que até ele se direcionem. E a legislação federal impõe a obtenção de informações perante o Ofício registral competente. A Lei nº 7.433/85 impõe a necessidade de apresentação ao Tabelionato de Notas da certidão da matrícula do imóvel, a qual deverá estar atualizada. É o reconhecimento de que a publicidade registral é eficaz.