sexta-feira, 20 de setembro de 2013

É absoluta a afirmação de que havendo testamento não pode o inventário ser realizado em cartório?

Como meio facilitador da realização de divórcios consensuais e de inventários foi promulgada em 4/1/07 a lei 11.441/07, possibilitando a utilização da via administrativa para realização dos atos acima mencionados.
Em linhas gerais, é fator limitador da utilização dessa eficaz via extrajudicial a existência de incapazes e a não concordância entre as partes.
Notadamente no que diz respeito ao inventário por escritura pública há de ser verificado se os requisitos contidos no art. 982 do CPC estão presentes.
Com efeito, assim está redigido o aludido artigo da lei processual:

"Art. 982. Havendo testamento ou interessado incapaz, proceder-se-á ao inventário judicial; se todos forem capazes e concordes, poderá fazer-se o inventário e a partilha por escritura pública, a qual constituirá título hábil para o registro imobiliário.
Parágrafo único. O tabelião somente lavrará a escritura pública se todas as partes interessadas estiverem assistidas por advogado comum ou advogados de cada uma delas, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial."
Dessa forma, para validade do ato notarial, os herdeiros e interessados na sucessão devem ser capazes, assim como devem estar concordes em relação ao inventário e à partilha de bens.
Mas não é só. Pelo texto de lei, para se valer da forma extrajudicial do inventário, não pode o falecido ter deixado testamento. Assim, a inexistência de testamento está entre os requisitos que devem ser observados quando da pretensão da utilização dessa via administrativa.
Esse requisito, não de hoje, gerou algumas polêmicas que certamente serão dirimidas ao longo dos anos, conforme os casos forem ocorrendo e as dúvidas forem concretamente surgindo.
Mas de qualquer forma não podemos mais considerar como sendo absoluta a afirmação de que havendo testamento não pode o inventário ser realizado em cartório.
Isso porque, nos termos do art. 129 do provimento CG 40/121, que alterou a redação do capítulo XIV das normas de serviço da egrégia corregedoria Geral da Justiça do Estado de SP, é permitida a lavratura do ato notarial no caso de o testamento deixado pelo de cujus incorrer nas seguintes hipóteses: (1) ter sido revogado; (2) ter se tornado caduco ou,(3) por decisão judicial transitada em julgado, ter sido declarado inválido.
Assim, em tais hipóteses, a existência de testamento não pode ser considerada como motivo impeditivo da realização de inventário por escritura pública, o que certamente acarretará significativo aumento na adoção por essa ágil e eficiente forma de realização do inventário.
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1 129. É possível a lavratura de escritura de inventário e partilha nos casos de testamento revogado ou caduco ou quando houver decisão judicial, com trânsito em julgado, declarando a invalidade do testamento.
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* Renato de Mello Almada é advogado do escritório Almeida Alvarenga e Advogados Associados e membro do IBDFAM - Instituto Brasileiro de Direito de Família.

Pai que posterga reconhecimento deve indenizar filho

Acórdão da 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo analisou, em ação de reparação civil, comportamento desidioso de genitor que diante de ação de investigação de paternidade ajuizada por sua filha, recalcitrante não contribuiu para a regular tramitação do processo, subtraindo-se ao exame de DNA. A demanda tramitou, em primeiro grau, por nove anos (1998/2007), apurando-se a responsabilidade, mesmo cessado o poder familiar, para fins indenizatórios.
No processo, colimaram-se reunidas, a um tempo instante, situações de extrema relevância jurídica a saber que a paternidade protraída ou postergada implicou, de forma iniludível (i) à subtração de uma paternidade alimentar, para fins educacionais, mesmo quando cessada a menoridade, firme a jurisprudência nesse sentido; (ii) a perda de uma chance de melhoria existencial de vida da investigante, quando inacessível tornou-se a ela obter, de logo, a paternidade, com os benefícios advenientes de um imediato e inadiável amparo material e afetivo; e (iii) “os notórios prejuízos de toda ordem sofridos pela filha em razão do descaso do pai no seu dever de cuidado.”
Pois bem. Em perfeito diálogo do direito com a situação dos fatos, na busca de empreender a solução adequada diante de proposição de uma regra jurídica, a decisão judicial proferida pelo tribunal paulista apurou a devida reparação civil, com atenção às peculiaridades do caso.
Na hipótese, ante a especial circunstância de prévia ação de investigação de paternidade, onde o pai, subtraindo-se de realizar exame genético de DNA postergou a demanda de sua filha, agora já adulta, deixando de prestar-lhe o apoio necessário, não apenas resultou reconhecida a obrigação de indenizar.
Para além disso, apurou-se, efetivamente, o fato jurídico de uma melhoria existencial negada à filha, quando em toda a adolescência faltou-lhe o pai, diante de sua resistência ao controle judicial da existência do vínculo biológico.
É nesse cenário que a ilicitude civil ganha imediata materialidade, a saber do axioma bem traçado pelo relator, desembargador Galdino Toledo Júnior.
Ele asseverou, com precisão, a estilete:
“(...) obteve o apelante noticia de que a autora estava lhe imputando a condição de pai e, nesse momento, sem dúvida alguma tomou conhecimento da possibilidade de existência da suposta descendente. Nesse passo, como pessoa responsável, cabia-lhe o quanto antes, realizar o exame pericial (DNA), a fim de ter a certeza sobre a paternidade ou não, demonstrando, inclusive, sua boa-fé em relação aos fatos narrados”.
Ora. A paternidade investigada resultou durante algum tempo frustrada, em níveis de um proveito adverso arbitrário, rendendo ensejo, portanto, à indenizabilidade, apurada na ação indenizatória a circunstancia lesante ao princípio da boa-fé, cuja presença é exigida nas relações comportamentais, produtoras de efeitos jurígenos próprios.
No ponto, a resistência injustificada à demanda, esquivando-se o investigado, por inúmeras vezes, de realizar o exame genético, configurou, como admitido no julgado, conduta bastante reprovável e mais que isso, de lesa-jurisdição, à falta da devida contribuição com a justiça. Eximiu-se o demandado da paternidade que lhe era posta à prova, com o poder-dever de exercê-la perante a filha, em todos os níveis que a relação paterno-filial vem exigir e proclamar.
Precisamente, tem-se em conta que a imputação da paternidade estava a exigir do imputado pai contribuir ele com a busca da verdade, abreviando a solução do litígio, com a razoável duração do processo (garantia constitucional).
Em ações de tal natureza, a verdade material tem sido paradigma moderno do processo civil.
Aliás, o fenômeno jurídico do processo, tomado como ciência processual, em face da verdade, defronta-se com o mesmo problema da filosofia do direito, segundo o axioma de André Comte-Sponville: “Filosofar é pensar mais longe do que se sabe. É do que se esquece o cientista, que toma as ciências por uma filosofia, e é o que recusa o positivista, para o qual as ciências bastam.” Parece claro, atualmente, que o conceito de verdade é o do desate necessário a dar funcionalidade à própria segurança jurídica do fato em si mesmo, na juridicidade que ele produz.
Em ações como as de investigação de paternidade, o direito da identificação genética da origem de quem demanda, obriga o magistrado a um amplo poder de iniciativa probatória para a determinação do fato imputado.
De tal efeito, “tem o julgador iniciativa probatória quando presentes razões de ordem pública e igualitária”, principalmente quando “na fase atual da evolução do Direito de Família não se justifica inacolher a produção de prova genética pelo DNA, que a ciência tem proclamado idônea e eficaz.” (STJ – 4ª Turma, REsp. 222.445-PR). Ou, lado outro, deixar a mesma perícia de ser realizada.
Assim, a jurisprudência vem orientando “no sentido de que o magistrado deve perseguir, especialmente nas ações que tenham por objeto direito indisponível, como nas ações de estado, o estabelecimento da verdade real” (STJ – 3ª Turma, Resp. 348007/GO).
Nessa perspectiva, a inação do investigado em permitir fosse obtida a verdade real, de interesse de todos, como valor social, somada a circunstancia de vir a ser, ao fim e ao cabo da lide personalíssima, declarada a sua paternidade, bem demonstram o acerto da obrigação de indenizar, fixada na ação própria.
Não se trata, no particular, referir ao “contempt of court”, mas sobremodo, ao fato decisivo da paternidade protraída, quando importa considerar, com especificidade, a privação de convivência e de incumprimento aos deveres paternais.
Assim, malgrado se entenda que antes do reconhecimento judicial do vínculo, inexistem deveres decorrentes do poder familiar, caso é pensar que, formada a relação do processo, a resistência do investigado à lide, postergando a mais não poder, a declaração judicial da paternidade, afinal reconhecida, implica inexoravelmente em graves prejuízos ao regular e obrigatório exercício dos deveres paternais, sacrificados tão somente por embaraços procrastinatórios do investigado.
É nessa modelagem, que a omissão de cuidado, o abandono afetivo, a desídia, refletem uma circunstancia mediata, a intolerância abusiva com os fatos da vida, inclusive com a própria responsabilidade parental que se pretende assentada na ação investigatória.
Mais que isso, quando se posterga, adredemente, o reconhecimento da paternidade (voluntário ou judicial), nega-se ao filho uma melhoria existencial de vida, potencializada pela identidade genética e pelo poder parental desempenhado em coesão, o que pode reclamar, sim, efeitos retrooperantes de responsabilidade civil.
Jones Figueirêdo Alves é desembargador decano do Tribunal de Justiça de Pernambuco, diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) e coordenador da Comissão de Magistratura de Família. Autor de obras jurídicas de direito civil e processo civil. Integra a Academia Pernambucana de Letras Jurídicas (APLJ).
Revista Consultor Jurídico, 19 de setembro de 2013
http://www.conjur.com.br/2013-set-19/jones-figueiredo-pai-posterga-reconhecimento-indenizar-filho

Reconhecimento de paternidade obriga incluir sobrenome

A procedência da Ação de Investigação de Paternidade leva, automaticamente, à inclusão do sobrenome do pai na certidão de nascimento da criança. Esse sobrenome só poderá ser alterado na maioridade, se houver algum motivo justificável para o Judiciário.
O entendimento levou a 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul a manter sentença que negou a uma mãe o direito de suprimir o sobrenome do pai de sua filha, em processo que tramita na Comarca de Pelotas. O acórdão foi lavrado na sessão do dia 29 de agosto.
Como representante da filha, a mãe ingressou em juízo contestando a sentença que homologou o acordo que definiu guarda, visitação e alimentos, assim como a retificação no assento de nascimento da menor. A decisão ordena que a certidão de nascimento deve fazer constar o nome de família do pai, assim como o nome dos avós paternos.
A mãe argumentou que se sente, moral e psicologicamente, ferida com a inclusão do sobrenome, uma vez que o pai nunca se importou com a filha, tão-somente cumprindo com sua obrigação alimentar. E de que nada adianta assinar a alcunha familiar, se a filha não tem, e possivelmente não terá, o seu afeto.
Princípio da imutabilidade
O relator da Apelação, desembargador Luiz Felipe Brasil Santos, citou os artigos 54 e 55 da Lei dos Registros Públicos (6.015/1973), destacando a obrigatoriedade de fazer constar o patronímico paterno em caso de procedência da investigatória, como forma de identificar a ancestralidade pelo lado do pai.
Além disso, segundo o julgador, o nome da pessoa se constitui direito personalíssimo, nos termos no artigo 16 do Código Civil: toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome.
‘‘Nessa perspectiva e à luz do princípio da imutabilidade do nome, somente em situações extremamente excepcionais é que se tem admitido a supressão do patronímico paterno, quando devidamente comprovada que tal circunstância atinge sua dignidade, ferindo-a de tal modo a autorizar a relativização do aludido princípio da imutabilidade do nome’’, complementou.
Por fim, o desembargador-relator ponderou que a menor apelante conta com apenas um ano de idade. Assim, o pedido de supressão do patronímico paterno traduz, em verdade, a vontade de sua mãe, que é sua representante legal — e não a sua vontade.

Clique aqui para ler o acórdão. 
Jomar Martins é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio Grande do Sul.
Revista Consultor Jurídico, 19 de setembro de 2013
http://www.conjur.com.br/2013-set-19/procedencia-acao-paternidade-obriga-crianca-sobrenome-pai

Servidão de passagem: Vizinho deve deixar que acompanhante de idosa transite por seu imóvel

A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça confirmou decisão judicial que obriga um homem a deixar transitar por sua propriedade os acompanhantes de sua vizinha, uma senhora idosa e portadora de hérnia. Para a relatora do processo, ministra Nancy Andrighi, o problema dos autos não é jurídico, mas uma questão de solidariedade, de colaboração entre pessoas próximas, fundada na dignidade da pessoa humana.
“Em situações excepcionais, o julgador deve mesmo se desgarrar das amarras estreitas do formalismo jurídico, não para se utilizar de arbitrariedade, mas para dar humanismo à letra fria da lei”, explica a ministra.
A ministra entendeu que, como o direito de uso da passagem à idosa já fora garantido em decisão transitada em julgado, sua extensão ao companheiro não justificaria indenização. Para a relatora, a compensação prevista na lei tem o objetivo de recompor perdas financeiras pela imposição de limitações permanentes à propriedade do imóvel que fornece a passagem, o que não ocorreu no caso.
O autor do recurso, proprietário do imóvel onde fora estabelecida a servidão de passagem, pretendia ser indenizado pelo trânsito de qualquer outra pessoa no local, ainda que estivesse acompanhando a idosa.
Em seu voto, a ministra lamentou que causas como essa, de “vendeta pessoal, completamente desgarrada de proveito jurídico, ou quiçá econômico”, não só existam como cheguem ao STJ. Ela afirmou perplexidade diante do caso. A ministra disse que é esperado que uma pessoa adoentada como esta idosa não ande desacompanhada. “E é absolutamente irracional a pretensão de que ela transite sozinha pela passagem judicialmente garantida para facilitar-lhe o acesso e a locomoção, enquanto seu cônjuge ou qualquer outra pessoa que a acompanhe deva utilizar o caminho regular”, afirmou.
A ministra ainda criticou a resistência do proprietário do imóvel. Segundo Nancy Andrighi, isso demonstra “inaceitável desconsideração com os mais comezinhos princípios que regem as relações sociais, dos quais se deveria extrair a sobriedade necessária para a composição e, porventura, para a mera aquiescência do pleito inicial de trânsito, por reconhecido motivo de doença, pela propriedade do recorrente”.
Citando o filósofo Jean-Paul Sartre , a relatora afirmou que há no caso ausência de humanidade. “Não se compraz o Direito com o exercício desarrazoado das prerrogativas legais enfeixadas pela propriedade, mormente quando brandidos sem uma consistente razão jurídica, devendo os operadores do Direito se acautelarem do uso indevido dos preceitos legais pois, citando novamente Jean-Paul Sartre (1987), ‘a nossa responsabilidade é muito maior do que poderíamos supor, pois ela engaja a humanidade inteira’”, argumentou. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

REsp 1.370.210
Revista Consultor Jurídico, 19 de setembro de 2013
http://www.conjur.com.br/2013-set-19/vizinho-deixar-acompanhante-idosa-transite-imovel