sábado, 5 de outubro de 2013

O art. 200 do Código Civil e a interpretação do STJ



No dia 07 de agosto de 2012, o site do STJ veiculou notícia sobre um interessante julgado envolvendo a aplicação do art. 200 do Código Civil em vigor (disponível em: http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=106561).
Em suma, tratava-se de ação de reparação de danos em que a parte autora requereu compensação por danos morais e estéticos, decorrentes de acidente de trânsito, em agosto/2002, tendo o autor ajuizado a ação somente em fevereiro/2006, portanto quase quatro anos após o fato, pelo que, em primeira instância, o órgão julgador reconheceu a ocorrência de prescrição, aplicando ao caso o 206, parágrafo 3º, inciso V, do CC. A decisão foi reformada em segunda instância pelo TJMT, que entendeu aplicável à espécie o art. 200 do CC, o qual dipõe sobre causa impeditiva da prescrição. Sobreveio o Recurso Especial em comento, pelo que a Terceira turma, por unanimidade, acolheu a tese da recorrente, ao argumento de que o art. 200 do CC, para que seja aplicado, requer ao menos a tramitação de Inquérito Policial para que se impeça o início do prazo prescricional.
Sobre o tema, o Professor Pablo Stolze Gagliano nos chama à reflexão, em seu editorial n. 38, intitulado O STJ e o Art. 200 do Código Civil: Um Julgado que Quase me Escapou, publicado em seu site (http://pablostolze.ning.com/). Após breve relatório do caso, e transcrição da ementa do julgamento, o eminente civilista arremata:
“Trata-se de um respeitável entendimento, que, todavia, convida-nos a uma reflexão acadêmica mais detida, pois, a rigor, a paralisação ou não do prazo prescricional dependeria de providências do próprio Estado (instauração de inquérito policial ou ajuizamento de ação penal), e não da vítima (caso prevaleça este entendimento inclusive para ações penais em geral).
Ademais, cuida-se de um alcance interpretativo que dá, ao art. 200, uma amplitude peculiar, na medida em que o dispositivo não faz expressa menção a tais providências de cunho administrativo (inquérito policial) ou judicial (ação penal).
Vale dizer, temos aí um erudito entendimento pretoriano que não pode ser ignorado, pela sua peculiaridade, e, ainda, por emanar de um Tribunal superior.
Retornando, pois, à hipótese levantada por aquele aflito amigo, na linha deste recente entendimento, caso não houvesse inquérito ou ação penal, a prescrição, há muito, já poderia ter se consumado…
E a vítima não teria mais pretensão indenizatória a deduzir em juízo.
Por tudo isso, fica aqui a exortação de sempre: o estudo e a pesquisa constante devem fazer parte da vida de todo bacharel, pois o Direito muda velozmente, e, como visto acima, mudanças há que, pelos seus relevantes reflexos práticos, podem causar profundo impacto na vida das pessoas.
Comungo da opinião do insígne professor, pois a reflexão é mesmo pertinente, cabendo-nos reforçá-la, e investigar se o eg. órgão julgador agiu da melhor forma, até mesmo em virtude de o dispositivo ser uma inovação em nosso sistema, sem correspondência na codificação anterior.
Diz o art. 200 do Código Civil:
“Art. 200. Quando a ação se originar de fato que deva ser apurado no juízo criminal, não correrá a prescrição antes da respectiva sentença definitiva“.
Numa análise perfunctória, nota-se que o dispositivo estatui uma condição para que a prescrição comece a correr, qual seja, o dever de se apurar o fato danoso na esfera criminal. Nesse sentido, data maxima venia, a regra não diz, absolutamente, que deva efetivamente haver providência em âmbito criminal instaurada para que seja aplicada (Inquérito Policial ou Ação Penal). O preceptivo, a nosso ver, preocupa-se com o fato (grifei). Ou seja, ocorrendo o fato, deve-se indagar se ele é definido como crime ou contravenção. Se positivo, isso, por si só, já é o bastante para a incidência do art. 200 do CC.
Sobre o tema, Flávio Tartuce ensina que “há certo conflito entre o comando ora estudado e o art. 935 do mesmo Código, eis que esse dispositivo enuncia que a responsabilidade civil independe da criminal. Consigne-se que a referida independência não é total, pois o curso do prazo prescricional civil depende da apuração dos fatos no âmbito criminal, pelo que consta da inovação ora visualizada” (TARTUCE, Flávio. Direito Civil 1: Lei de Introdução e Parte Geral. 8a. ed., São Paulo: Método, 2012, p. 439 ).
Ao que parece, a interpretação levada a efeito pela Turma julgadora ancora-se na parte final do art. 200 (… antes da respectiva sentença definitiva), a qual é capaz de levar o intérprete a concluir que, para que a prescrição não corra, deverá haveração penal em curso, pois, logicamente, para que haja sentença, deve haver um processo.
No entanto, a regra civil comporta interpretação diversa, pois, segundo sua redação, é perfeitamente possivel entender que, para que seja aplicada, basta que o fato seja previsto como crime ou contravenção, independentemente de efetiva existência de providência junto às autoridades responsáveis por sua apuraçào na esfera criminal. A apuração do fato, segundo a regra, é uma imposição legal ao Estado – titular do direito de punir. Ademais, o dispositivo fala em “juízo criminal”. Penso que essa expressão delimita, expressamente,  o campo de aplicação do dispositivo, não havendo se falar em Inquérito Policial, como fez constar o insígne relator do julgado, pois o juízo criminal é exercido por autoridade legalmente incumbida e dotada de competência para tanto, ou seja, o juiz.
Ademais, ao contrário do que restou consolidado no julgamento em questão, é de se indagar se haveria a imprescritibilidade da pretensão, caso o fato não chegue a ser apurado na esfera criminal? Pergunto porque, além dos casos envolvendo a ausência de representação do ofendido, o Direito Penal convive com a chamada “cifra negra”, que alberga aqueles casos em que, dentre outros motivos, o delito sequer chega ao conhecimento do Estado para a devida apuração e respectiva sanção. Seria um argumento a mais para afastar a necessidade de efetiva existência de apuraçào do fato na esfera criminal como condicão para a aplicação do art. 200 do CC.
Por outro lado, por questões de pacificação social e segurança jurídica, é certo que a ação não poderá ficar imprescritível, eis que o exercício de um direito não pode ficar pendente indefinidamente. Sendo assim, quais seriam as possíveis soluções? É algo que, de fato, merece reflexão.
Faço minhas as palavas do Professor Pablo Stolze, no sentido de que a decisão merece o devido respeito, mormente por tratar de matéria que comporta interpretações conflitantes, como ocorreu no caso, mas, sem embargo, parece-nos que a decisão do STJ veio a agravar ainda mais a situação da vítima – já vulnerada pelos efeitos nefastos do acidente no qual se envolveu.


GUGLINSKI, Vitor. O art. 200 do Código Civil e a interpretação do STJ. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3747, 4 out. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/25340>. Acesso em: 5 out. 2013.

Do compromisso de compra e venda de imóvel



Do compromisso de compra e venda de imóvel
Sem a pretensão de esgotar o tema, cumpre ao menos gizar os seus contornos básicos.
Sílvio de Salvo Venosa[2] leciona que:
“Pelo compromisso de compra e venda de imóvel (...) os poderes inerentes ao domínio, ius utendi, fruendi et abutendi, são transferidos ao compromissário comprador. O promitente vendedor conserva tão-somente a nua-propriedade, até que todo o preço seja pago. Nessa situação, o ius abutendi, direito de dispor, não é transferido de todo, mas esmaece para o vendedor à medida que o preço é pago. Embora a função de garantia nesse contrato não seja sua característica principal, é elemento marcante do instituto”.
Diversas razões concorreram para a larga utilização do compromisso de compra e venda no Brasil. Uma delas está implícita na doutrina acima. A saber, tratando-se de bens imóveis, geralmente de elevada monta, convém que suas transações se façam mediante parcelamento do preço. Nesse contexto o compromisso de compra e venda assume relevante papel ao propiciar que o promitente vendedor adie a transferência do direito real de propriedade até o pagamento integral do preço[3].
Assim, enquanto não adimplido todo o preço o compromissário comprador conserva mero vínculo obrigacional em face do promitente vendedor, cujo direito é proporcional ao montante amortizado.
Posteriormente, abusos perpetrados pelo promitente vendedor, lesivos ao interesse do comprador, revelaram a necessidade de se introduzir um direito real (inferior ao de propriedade) oponível erga omnes desde que registrado o contrato.
A saber, no início do século passado o compromisso de compra e venda favoreceu a especulação imobiliária. Para não perderem expressiva valorização experimentada pelo bem[4], promitentes vendedores valiam-se do direito de arrependimento previsto no artigo 1.088 do Código Civil anterior[5]. Dessa forma muitos compromissos de compra e venda foram desfeitos em prejuízo de pessoas humildes que se viam despojadas de seu único imóvel e sem receberem justa indenização.
Para combater essa prática adveio o Decreto-lei 58/37 (aplicável inicialmente apenas a terrenos loteados), que ao atribuir ao compromissário comprador direito real oponível a terceiro (se registrado o contrato[6]), subtraiu do promitente vendedor o direito de arrependimento. O artigo 15 do mesmo diploma confere ao comprador, pago todo o preço, direito de exigir a outorga da escritura.
Posteriormente o regime do Decreto 58/37 foi estendido a terrenos não loteados por força da Lei 649/49, sendo ambos derrogados pela Lei 6.766/79 que passou a regular os compromissos de compra e venda de imóveis urbanos.
Superado esse brevíssimo delineamento do contrato de compromisso de compra e venda, cuida enfatizar que os contratos particulares sem registro situam-se na contramão do que preconizou todos esses diplomas legais: robustecer a posição do compromissário comprador, conferindo-lhe, desde que registrado o contrato, direito real oponível a terceiro[7]. O atual Código Civil também encampou esse direito real (artigos 1.417 e 1.418) [8].
Entretanto, hodiernamente nota-se indiscriminado desvirtuamento do instituto. Deliberadamente celebra-se compromisso de compra e venda sem a intenção de registrá-lo ou outorgar subsequente escritura pública. Essa prática, premida pelo desejo de economizar emolumentos cartorários (escritura pública, registro de imóveis) e imposto sobre a transmissão de bens imóveis - ITBI, acarreta grave insegurança jurídica e faz pulular lides envolvendo compromissários compradores e credores que muitas vezes têm o imóvel transacionado como única garantia disponível no patrimônio do devedor alienante (art. 591, CPC).


4. Do alcance da Súmula 84 do Colendo Superior Tribunal de Justiça
Desde já cumpre demonstrar que o presente estudo em nada conflita com o entendimento contido na Súmula 84 do STJ, cuja correção e justeza devem ser prestigiadas.
O Colendo Superior Tribunal de Justiça reconheceu que o compromissário comprador possui legitimidade ad causam para defender a sua posse sobre imóvel penhorado em execução movida contra o promitente vendedor. Sua legitimidade subsiste mesmo que inexistente registro público do contrato. Nesse sentido a mencionada súmula: “É admissível a oposição de embargos de terceiro fundados em alegação de posse advinda de compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que desprovido do registro”.
Incensurável esse entendimento, tanto que a Advocacia-Geral da União aprovou a Súmula n.º 52, de 3 de setembro de 2010 (Publicada no DOU Seção I, de 09/09/2010): "É cabível a utilização de embargos de terceiros fundados na posse decorrente do compromisso de compra e venda, mesmo que desprovido de registros."
Com efeito, embora a transferência do direito de propriedade apenas se aperfeiçoe mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis (artigo 1.245, Código Civil), negociações imobiliárias multiplicaram-se a partir de simples contratos particulares, muitas vezes de forma bastante singela, mediante emissão de recibos, sinal de arras ou “termo de transferência de posse”.
Tamanho pragmatismo nem sempre evidencia má-fé do alienante ou conluio com o adquirente para lesar terceiro. Muitas vezes a desinformação e o alto custo dos emolumentos cartorários concorrem para que as negociações ocorram nesses moldes.
Assim, atento à realidade brasileira andou bem o Superior Tribunal de Justiça ao reconhecer, com esteio no 1.046, § 1.º, do Código de Processo Civil, legitimidade ad causam ao compromissário comprador, titular de direito obrigacional em face do promitente vendedor.
Esse posicionamento jurisprudencial teve o mérito de divergir da Súmula 621 do Supremo Tribunal Federal, que, muito rigoroso com a realidade nacional, impedia a defesa judicial da posse quando inexistente o registro imobiliário do contrato: “Não enseja embargos de terceiro à penhora a promessa de compra e venda não inscrita no registro de imóveis”.
Com efeito, preocupado com a segurança jurídica, o Supremo Tribunal Federal prestigiava o sistema legal que governa a propriedade imobiliária, segundo o qual é dono aquele que figura como tal no fólio real. Assim, ausente o direito real oponível a terceiro, decorrente do registro do contrato (art. 5.º, Decreto-lei 58/37), subsistiria mero vínculo obrigacional entre os contraentes. Consumada a perda do imóvel em favor do credor penhorante, ao compromissário comprador restaria reclamar perdas e danos junto ao devedor alienante.
Felizmente o Colendo Superior Tribunal de Justiça inaugurou novo entendimento mais consentâneo com a realidade nacional e na esteira do que sinalizava prestigiosa corrente jurisprudencial nos Tribunais inferiores, zelosa em não tolher o direito de ação apenas por que não inscrito o contrato no Registro de Imóveis.
Delineado esse panorama confirma-se a assertiva inicial no sentido de que a Súmula 84 do STJ assegura ao compromissário comprador apenas o direito de ação aos embargos de terceiro, não sendo defeso, contudo, discutir se a data da compra e venda é seguramente comprovada a partir de instrumento particular não registrado e sem qualquer nota de publicidade (reconhecimento de firma, p. ex.). É o que se pretende abordar nesse ensaio.
Em suma, a Súmula 84 é nitidamente processual. Estende ao compromissário comprador a ação de embargos de terceiro; não garante, de per se, a proteção possessória deduzida naquela ação. Este direito será concedido apenas se provado que a compra e venda é pré-existente à ação movida pelo credor e capaz de reduzir o devedor alienante à insolvência (art. 593, II, CPC).
A fim de corroborar essa posição colaciona-se precedente daquela súmula resumido no seguinte trecho do voto vencedor proferido pelo eminente Ministro Bueno de Souza da 4.ª Turma do Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial n.º 188/PR (processo 89.0008421-6), julgado em 08/08/89 e publicado no DOU de 31/10/89:
“Penso, por conseguinte, que não se aconselha a peremptória recusa liminar da ação de embargos de terceiro, fundada em compromisso de compra e venda destituído, embora, de registro imobiliário, como recomenda a Súmula 621: ao cerceamento do direito de ação, somar-se-ia, no caso, o drástico enfraquecimento da própria posse, que, em casos tais, transcende a mera realidade de fato para invocar a qualificação de posse legítima, as interdicta (fundada em contrato), oponível ao esbulho perpetrado por sujeitos da ordem privada e, portanto, a fortiori, ao esbulho judicial que porventura seja praticado através da penhora ou de outro ato de apreensão.
O que se recomenda, assim, é, data vênia, que os embargos de terceiro, em casos tais, não sejam só por isso liminarmente recusados, mas devidamente processados, decididos como de direito, às instâncias locais incumbindo conhecer e apreciar as alegações e provas deduzidas em juízo”.
Portanto, consoante recomendação final da decisão supra, cabe à instância ordinária sopesar as provas quanto à data do negócio de compra e venda, aquilatando-as e cotejando-as com a ação executiva manejada pelo credor que disputa o mesmo bem.
Assim, conclui-se que o presente estudo, mais situado no terreno probatório, harmoniza-se inteiramente com a Súmula 84 do STJ. Ao compromissário comprador, tenha registrado o contrato ou não, confere-se o direito de ação - autônomo e abstrato[9] - de provocar a atividade jurisdicional, direito este que independe da efetiva existência do direito material invocado (a proteção possessória do imóvel). Cumpre-lhe, pois, na ação de embargos de terceiro, à luz de provas e contraprovas, disputar com o credor penhorante a primazia sobre o bem.


5. Crítica à negociação imobiliária em absoluta clandestinidade. denotação de má-fé
Embora a ausência de registro do contrato no Registro de Imóveis não denote por si só má-fé dos contraentes, tanto que ao compromissário comprador não se nega o direito aos embargos de terceiro (Súmula 84 do STJ), por certo que nos dias de hoje um negócio jurídico sério não pode permanecer em total clandestinidade.
Com efeito, beira a temeridade negociar um imóvel mediante contrato particular sem o menor resquício de publicidade. De fato, se levado em conta que o direito real de propriedade apenas é transmitido com o registro do título translativo no Registro de Imóveis (art. 1.245, Código Civil), nada justifica uma negociação imobiliária sem qualquer traço de publicidade, a exemplo do reconhecimento de firma das partes. Por que se admitir tamanha clandestinidade se a aquisição da propriedade requer máxima publicidade?
Necessário, pois, à luz do sistema processual vigente, endereçar sensata crítica ao fetichismo que por vezes pretendem emprestar ao contrato particular de compra e venda sem registro, concebendo-o suficiente, por si só, para preterir legítima pretensão creditória sobre o mesmo imóvel.
Assim, transparece pouca credibilidade um contrato de compra e venda de imóvel que, além de não registrado, não ostenta sequer o reconhecimento de firma das partes. Decisivamente um negócio sério, cujos efeitos deverão ser sentidos apenas entre as partes envolvidas[10], não se compraz com tamanha falta de zelo.
Embora a boa-fé do compromissário comprador também mereça tutela do Direito, tal proteção não pode ser levada às últimas consequências a ponto de se proteger pretensa posse estribada em singelíssimo contrato particular isolado, sem outra evidência de que a imissão na posse, pelo adquirente, de fato ocorreu na data aposta no instrumento particular (compensação de cheque, à época do contrato, dado em pagamento pelo imóvel; contas de luz e carnês de IPTU expedidos em nome do adquirente e anteriores à execução judicial movida contra o devedor alienante; ata de assembleia de condomínio com participação do adquirente antes daquela execução etc.).
Nesse contexto importa não descurar que o Direito, igualmente, não tutela a torpeza. Enfim, não se pode considerar de boa-fé quem deliberadamente opta por um negócio realizado em absoluta clandestinidade.
Outrossim, importante não olvidar que todos podem se prevenir contra a celebração de negócios lesivos a terceiros. A saber, vivemos numa sociedade ágil e receptiva a novos meios de comunicação. Nota-se evidente maximização da informação, o que contribui para que distâncias sejam encurtadas e tempos abreviados[11]. Esse progresso tecnológico inaugurou novo paradigma sociocultural, próprio de uma sociedade mais bem informada e consciente.
Por corolário descabe render exagerado prestígio à pretensa boa-fé de adquirentes de imóveis quando o negócio sucedeu-se mediante contratos clandestinos (de gaveta), circunstância que além de denotar temeridade, explicita o propósito de se fraudar a execução do credor.
Portanto, concessa venia, merece reservas o posicionamento jurisprudencial que indiscriminadamente prestigia compromisso particular de compra e venda de imóvel despido de mínima publicidade, ignorando as regras processuais de valoração da prova documental que enfim passa-se a analisar.

BATTAUS, José Eduardo. A força probante do compromisso de compra e venda de imóvel sem registro. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3746, 3 out. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/25458>. Acesso em: 4 out. 2013.

Surdez unilateral não caracteriza deficiência auditiva em concurso público



Por seis votos a quatro, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concluiu que a surdez unilateral não se enquadra nas situações descritas no artigo do Decreto 3.298/99, que apenas indica como deficiente auditiva a pessoa com perda bilateral superior a 41 decibéis. O julgamento, iniciado em sessões anteriores, foi concluído na última quarta-feira (2).

No caso julgado, uma candidata ao cargo de analista judiciário ingressou com mandado de segurança contra ato do presidente do STJ e do diretor-geral do Centro de Seleção e de Promoção de Eventos da Universidade de Brasília (Cespe/UNB), que lhe negou a condição de deficiente no concurso público realizado em 2012.

Portadora de surdez unilateral de grau profundo (anacusia) no ouvido esquerdo, ela alegou que sua deficiência foi comprovada por três laudos médicos particulares e pela própria junta médica do concurso. Sustentou que seria ilegal a norma prevista no artigo , II, do Decreto 3.298, que restringe o conceito de deficiência à perda auditiva bilateral.

Sem risco imediato

No mandado de segurança, a candidata citou a existência de jurisprudência a seu favor e requereu, liminarmente, que lhe fosse reservada vaga no cargo pleiteado, observada a nova ordem de classificação dos aprovados. O pedido de liminar foi negado em decisão monocrática do relator, ministro Castro Meira (recentemente aposentado), que não reconheceu o risco iminente de dano irreparável para a candidata.

Ao indeferir a liminar, o ministro ressaltou que, sem prejuízo de posterior análise minuciosa da legislação que rege a matéria e do confronto com os precedentes jurisprudenciais arrolados, em juízo de cognição primária, não vislumbro a pronta necessidade do deferimento da medida acauteladora, precisamente porque o resultado do concurso já foi homologado e a impetrante não alcançou pontuação que lhe assegurasse o chamamento imediato.

O julgamento do mérito foi levado à Corte Especial. Citando vários precedentes do STJ que aceitam a surdez unilateral como espécie de deficiência, Castro Meira sustentou que o Decreto 3.298, com a redação dada pelo Decreto 5.296/04, ampara a interpretação de que a candidata deve ser alocada na lista classificatória de deficientes.

No entender do relator, os artigos 3º e 4º, II, precisam ser lidos em interpretação sistemática que se sobreporia ao entendimento da junta médica e à disposição do edital, que transcreve a nova redação do artigo , II, do Decreto 3.298. Seu entendimento pela concessão da segurança foi acompanhado pelos ministros Arnaldo Esteves Lima, Luis Felipe Salomão e Laurita Vaz.

Divergência

Ao abrir a divergência, o ministro Humberto Martins iniciou seu voto informando que, ao contrário do afirmado pela candidata, o laudo da junta médica do concurso descaracterizou sua situação como deficiência.

Ele explicou que divergia do relator com base em precedente do Supremo Tribunal Federal, por três argumentos: a nova redação do Decreto 3.298, que prevê apenas a surdez bilateral como deficiência auditiva; o estrito cumprimento do edital, que reproduz o decreto; e a necessidade de dilação probatória.

Sobre o primeiro argumento, Humberto Martins sustentou que o Decreto 3.298 foi alterado pelo Decreto 5.296 para restringir o conceito de deficiente auditivo, tornando impossível menosprezar o fato normativo para realizar interpretação sistemática que objetive negar a alteração legal.

No cerne, a nova redação consignou que não poderia ser considerado deficiente aquele que tivesse perda auditiva entre 15 e 40 decibéis, como ocorria antes, enfatizou.

Quanto ao segundo argumento, o ministro ressaltou que o edital incorporou estritamente a nova redação do decreto, restringindo o conceito de deficiência auditiva. Para ele, a junta médica, após a realização do exame de audiometria, apenas aplicou o dispositivo do edital, idêntico à norma jurídica do decreto.

O terceiro argumento consignado por Humberto Martins para denegar a segurança foi a exigência de dilação probatória, pois o mandado de segurança atacou entendimento fundado em laudo lastreado em exames médicos. Seu voto foi seguido por mais cinco ministros: Mauro Campbell Marques, Herman Benjamin, Sidnei Beneti, João Otávio de Noronha e Raul Araújo.

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