Os
princípios sociais dos contratos ingressaram no novo Código Civil uma década
após o advento do Código de Defesa do Consumidor e quase um século de concepção
e vigência do anterior Código Civil, cuja ideologia liberal e oitocentista
tornou-se incompatível com a ideologia constitucionalmente estabelecida desde a
Carta de 1934, quando se inicia o Estado social brasileiro. Ao longo do século
XX a convivência da Constituição social com o Código liberal gerou impasses e
contradições, cujo fosso foi aprofundado com o Código de Defesa do Consumidor,
com a distinção que se impôs entre contratos comuns civis e mercantis e
contratos de consumo (a grande maioria). Aos primeiros, a difícil aplicação dos
princípios sociais dos contratos deveu-se ao esforço argumentativo de parte da
doutrina voltada à constitucionalização do direito civil, cujo principal postulado
reside na eficácia imediata e prevalecente das regras e princípios
constitucionais sobre o direito infraconstitucional, que melhor reproduzem os
valores existentes na sociedade no seu momento histórico.
A
introdução explícita dos princípios sociais do contrato no novo Código Civil
chega com atraso de várias décadas e, por ironia da história, quando se fala em
crise do Estado social. Parece, contudo, que a regulação da atividade
econômica, para conter ou controlar os abusos dos poderes privados, é uma conquista
que as sociedades organizadas não pretendem abrir mão. Sobretudo quando se
assiste ao crescimento da concentração empresarial e de capital e da
vulnerabilidade das pessoas que não detêm poder negocial, principalmente ante a
utilização massiva de contratos de adesão a condições gerais unilateralmente
predispostas.
Os
princípios individuais ou liberais do contrato (liberdade de contratar, pacta
sunt servanda e relatividade subjetiva) afirmaram a liberdade individual,
contribuindo para o controle dos poderes públicos, mas foram insuficientes para
controlar os abusos dos poderes privados.
Por essa
razão, assumiu de importância no Estado social a consideração da
vulnerabilidade em que se encontram as pessoas em certas situações negociais. A
vulnerabilidade jurídica vai além da debilidade econômica da parte contratante,
pois interessa o poder negocial dominante, ou seja, aquela que se presume em
posição de impor sua vontade e seu interesse à outra. A presunção é definida em
lei, como se dá com o consumidor, no CDC, e com o aderente, no novo é Código
Civil. A presunção é absoluta e não pode ser contrariada pela consideração do
caso concreto. O consumidor e o aderente, ricos ou pobres, são juridicamente
vulneráveis, pois submetidos ao poder negocial da outra parte.
Os três
princípios sociais dos contratos (função social, equivalência material e boa-fé
objetiva) são comuns a todos os contratos, ainda quando não se configure o
poder negocial dominante. Porém, nas hipóteses em que há presunção legal de sua
ocorrência, alguns princípios complementares adquirem autonomia e com eles se
equiparam. Tal se dá com os princípios da vulnerabilidade e da informação, nas
relações de consumo, os quais, no plano geral, desdobram os princípios da
equivalência material e da boa-fé. No direito do consumidor ainda se cogita do
princípio da razoabilidade que atuaria como condição e limite dos princípios da
equivalência material e da vulnerabilidade; a defesa do consumidor e a
interpretação favorável vão até os limites da razoabilidade.
A
compreensão que se tem hoje dos princípios sociais do contrato não é mais de
antagonismo radical aos princípios individuais, pois estes como aqueles
refletiram etapas da evolução do direito e do Estado moderno. No Estado social
os princípios individuais são compatíveis quando estão limitados e orientados
pelos princípios sociais, cuja prevalência se dá quando não são harmonizáveis.