sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Dever de colação na sucessão legítima (Paulo Lôbo)

1. DEVER DE COLAÇÃO

            Colação é o dever imposto aos descendentes e ao cônjuge de levarem à herança os valores das doações que receberam do de cujus, em vida deste, para que possam compor o valor total da legítima dos herdeiros necessários. Tem por fito a equalização das partes de todos os herdeiros necessários sucessíveis, em relação ao valor da legítima. A palavra colação tem a sua origem etimológica em collatum, que quer dizer transportar; o beneficiário da doação transfere para a herança do de cujus a liberalidade dele recebida. O descumprimento do dever de colação tem como consequência a pena de sonegação, explicitamente referida no Código Civil de 2002. “A colação é figura típica da sucessão legítima, até, melhor dizendo, da sucessão necessária ou legitimária, pois tem o objetivo de igualar os quinhões dos herdeiros necessário” [2].
            Os valores das doações são deduzidos da parte que cada um teria a receber, em relação ao montante da legítima. Exemplificando: se são três os filhos do de cujus e um deles recebeu doação em vida no valor de 100, sendo o valor total da parte legítima de 500, soma-se este àquele, resultando em 600; cabe a cada filho o valor de 200, devendo receber o donatário apenas o acréscimo de 100. Por isso é que a solução da lei é considerar a doação a herdeiro necessário como adiantamento da legítima, sendo a colação o meio que permite a verificação se o valor da liberalidade não ultrapassou a sua quota da legítima e também a integração desse valor nessa quota. A colação permite discriminar o que foi e o que não foi adiantamento da legítima.
            O Código Civil (art. 2002) tornou claro que o que vai à colação é o valor da doação. Não é objeto da colação a doação em si ou o bem doado. Na redação anterior, no Código Civil de 1916, havia dúvidas, refletidas na doutrina, se a colação era em espécie ou em valor, porque aludia-se a “conferir as doações”, enquanto a norma atual estabelece o dever de “conferir o valor das doações”. Pontes de Miranda era preciso, interpretando a regra anterior, quanto a ser objeto da colação o valor da doação e não o bem doado. A orientação antes majoritária dos autores, dentre eles Carlos Maximiliano, da colação em natura, não mais prevalece.
            Esse valor é nominal e histórico, não sendo suscetível de atualização monetária, porque a verificação do limite das legítimas dos futuros herdeiros necessários leva em conta o valor do patrimônio do doador, no momento da doação e não posteriormente. Todavia, a jurisprudência dos tribunais controverte sobre a atualização do valor objeto da colação, havendo entendimento do STJ, anterior ao Código Civil de 2002, no sentido de ser exigível a correção monetária (REsp 10428) relativa ao período da data da liberalidade até a abertura da sucessão. Essa orientação não mais se sustenta, pois o valor da doação, tanto para a colação quanto para a redução do excesso, apenas pode considerar o que foi fixado no contrato, na data deste, não sendo passível de atualização no ajuizamento da ação de redução do excesso ou na abertura da sucessão, porque faria incerta a proporção com o patrimônio existente na data da doação. O Código Civil de 2002 fez opção clara por essa orientação, revogando-se a disposição em contrário do Código de Processo Civil, cujo art. 1.014 dispunha que a colação deveria considerar o valor que os bens teriam na abertura da sucessão. Também é esse o entendimento que se firmou no STJ (REsp 1284828), ratificando decisão de segunda instância, para a qual o momento da doação é aquele em que deve ser feito o exame da disponibilidade patrimonial, porquanto a colação não serve para conferir essa disponibilidade patrimonial, mas, sim, para igualar os quinhões dos herdeiros necessários.
            O que exceder à quota do herdeiro necessário, beneficiário da doação, terá de ser reduzido. A colação não significa restituição; o dever de colação não é dever de restituição. Apenas há restituição do excesso da metade disponível, mas este dever não se inclui no conceito de colação, uma vez que também existe dever de redução e restituição do que exceder da parte disponível, em relação a terceiros donatários. Dever de colação e dever de redução do excesso são dois conceitos distintos.
            As doações aos futuros herdeiros são permitidas; o que não se permite é o excesso do valor correspondente às legítimas dos herdeiros necessários. Denomina-se doação inoficiosa a que excede esse limite, o que conduz à nulidade do excedente. Como previam as Ordenações Filipinas o fundamento é o de evitar-se “enganos e demandas” entre ascendentes e descendentes. Teixeira de Freitas, em nota ao art. 1.206 da sua Consolidação das Leis Civis, disse, em lição atual, que a obrigação de trazer à colação, “não depende de nenhuma declaração do ascendente doador”, positiva ou negativa. O doador não pode fazer declaração em contrário, que afaste a incidência da colação, em qualquer circunstância, salvo sua dispensa, dentro dos limites legais.
            A colação tem fundamento no respeito que se tornou predominante, em nosso direito, à sucessão legítima, notadamente em relação aos herdeiros legítimos necessários. O dever de colação evita que haja fraude à lei, o que ocorreria se o de cujus, em vida, pudesse livremente promover doação de seus bens para beneficiar determinados herdeiros necessários, com risco de, na abertura de sua sucessão, nada mais ter para compor a herança dos demais herdeiros necessários. Por isso, a doação a futuro herdeiro necessário importa adiantamento de sua legítima, devendo o respectivo valor integrar o quinhão que lhe caberá, quando morrer o doador. Não importa se a doação tem por objeto direito real, ou posse, ou crédito, ou perdão de dívida do donatário, ou renúncia a direito que o doador tenha em relação ao donatário, ou de qualquer outra liberalidade que diminuiu o patrimônio do doador em favor do donatário.
            A doação deve ser interpretada, no seu conjunto ou em cada uma de suas cláusulas, de modo restritivo. Na dúvida, não se pode estender a certos atos, mesmo que de liberalidades, a qualidade de doação. Ou seja, nem toda liberalidade é doação. Por exemplo, o capital estipulado no seguro de vida ou de acidentes pessoais não se considera doação ou herança (CC, art. 794), não se lhe aplicando o dever de colação. Aplica-se à doação a regra geral de interpretação, nas hipóteses de liberalidades, prevista no art. 114 do Código Civil: “Os negócios jurídicos benéficos e a renúncia interpretam-se restritivamente”. Se a doação se fez a outros parentes, ou a pessoas físicas e jurídicas, estranhas à sucessão, não se pode cogitar de colação.
            Para o STJ há distinção entre colação e imputação. O direito de exigir a colação é privativo dos herdeiros necessários, com o fito de resguardar a igualdade das legítimas. A exigência de imputação no processo de inventário desses bens doados também é direito privativo dos herdeiros necessários, pois sua função é permitir a redução das liberalidades feitas pelo inventariado que invadam as legítimas (REsp 167421).

2. ADIANTAMENTO DA LEGÍTIMA DOS HERDEIROS NECESSÁRIOS

            A colação não resulta de infração à lei, mas de limitação e conformação de legítimos exercícios de direitos (doar e aceitar a doação), pois não há impedimento a que o doador doe seus bens aos futuros herdeiros necessários. A colação resulta da qualificação de determinadas doações como adiantamento da legítima, estabelecendo liame entre negócio jurídico entre vivos (doação) e a sucessão a causa da morte.
            O futuro herdeiro necessário nenhum direito à herança tem, antes da morte do de cujus. Assim, a colação apenas pode ser exigível quando houver a abertura da sucessão. A doação é ato entre vivos e a sucessão da titularidade do bem doado entre doador e donatário é sucessão entre vivos e não sucessão hereditária. Não depende para seus efeitos jurídicos da abertura da sucessão: o bem doado passa a ser do futuro herdeiro, mas não como sucessor a causa da morte. Porém, deu-se o adiantamento da legítima, o que ensejará, quando da abertura da sucessão, o direito à colação. A doação, que estiver dentro do limite a que faria jus o futuro herdeiro, integrar-se-á à sua quota hereditária, com a abertura da sucessão. O que exceder ao limite que deveria ser observado pelo doador, sujeita-se à sanção de nulidade, ou seja, invalida-se a doação do excedente quando houver a abertura da sucessão.
            O Código Civil (art. 544), ampliou a restrição à liberdade de doação, alcançando todos os descendentes e o cônjuge. O Código Civil de 1916 apenas aludia à doação de pais aos filhos; a doação feita aos demais descendentes, inclusive netos que representassem filho falecido, e ao cônjuge não importava adiantamento da legítima. A relação de ascendente a descendente é infinita, em tese, enquanto vivos estiverem esses parentes em linha reta.
            Não se trata de impedimento legal a essas doações, pois elas podem ser feitas, mas a lei as inibe, na medida em que obriga os donatários à colação, reduzindo-se proporcionalmente o que lhes caberão como herança quando da abertura da sucessão do doador. A doação de ascendente a descendente, ou do cônjuge a outro, não é nula, devendo ser conferida mediante colação, quando da abertura da sucessão.
            A referência a descendentes deve ser entendida como relativa à ordem da vocação hereditária, da sucessão legítima. Se o avô doa um bem a um neto, esta doação não importa adiantamento da legítima, quando apenas concorrerem os descendentes de grau superior ao do donatário, ou seja, os filhos do doador, inclusive o pai do donatário. O neto apenas estará alcançado pela obrigatoriedade da colação se suceder por representação, no lugar do pai.
            Os efeitos de adiantamento da legítima são exclusivamente decorrentes de doação de ascendentes para descendentes ou de cônjuge para cônjuge. Os ascendentes são também herdeiros necessários dos descendentes, mas as doações destes para aqueles não estão alcançadas pela obrigatoriedade de colação. Entendeu o legislador que, na hipótese de doação a ascendente, não se apresentam os riscos de conflitos tão comuns entre os descendentes, pois é da natureza humana que as pessoas esperem, principalmente de seus pais, tratamento igualitário, nos planos afetivo e patrimonial. Por outro lado, não é tão frequente a iniciativa de doação a ascendentes, dado a que o senso comum indica que se espera destes que cuidem e ajudem sua descendência, prioritariamente.
            A legítima dos herdeiros necessários, ou metade indisponível, enquanto vivo o doador, não pode ser atingida por nenhuma hipótese de liberalidade. Além das doações regulares, estão sujeitas à colação, porquanto também importam adiantamento da legítima, as falsas transferências onerosas, como ocorre com as doações disfarçadas em contratos de compra e venda ou em cessões de direitos.
            Quando se abre a sucessão, a legítima dos herdeiros necessários deixa de corresponder a cinquenta por cento do patrimônio do de cujus, pois o direito brasileiro estabelece que os valores da liberalidade são acrescidos à metade indisponível. Os valores colacionados somam-se ao que seria a metade necessária, elevando-se necessariamente esta.

3. DOAÇÃO ENTRE CÔNJUGES E ENTRE COMPANHEIROS

            Incluiu-se na incidência do adiantamento da legítima a doação entre cônjuges, apesar da omissão do art. 2002, pois este deve ser interpretado sistematicamente com o art. 544, que alude expressamente ao cônjuge, porque um está relacionado ao outro. A doação, nessa hipótese, depende do regime matrimonial de bens, para que sejam identificáveis os bens particulares ou fora da comunhão, que podem ser individualmente disponíveis.
            Apenas considera-se adiantamento da legítima se o cônjuge estiver na ordem da vocação hereditária, quando da abertura da sucessão, isto é, se não houver descendentes ou descendentes do outro cônjuge. Todavia, considerar-se-á adiantamento quando concorrer com os descendentes ou ascendentes, porque investe-se em peculiar posição de herdeiro necessário. Em relação aos ascendentes, só há colação se o cônjuge sobrevivente tiver recebido bens em doação do outro e concorrer com os ascendentes.
            O Código Civil não se refere ao companheiro em união estável, entre os que estão obrigados à colação. Todavia, o princípio da igualdade impõe tratamento idêntico ao do cônjuge. O companheiro é herdeiro necessário, tanto sobre o ponto de vista da constitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil, quanto o de sua inconstitucionalidade, como sustentamos. Herdeiro por sucessão concorrente, quer pela aplicação do art. 1.790, quer pela aplicação analógica do art. 1.829, em seu lugar, é espécie do gênero herdeiro necessário. Sendo assim, qualquer doação que o outro companheiro lhe faça é adiantamento da legítima e, consequentemente, dever de colação.

4. DOAÇÕES EXCLUÍDAS DA COLAÇÃO

            As doações remuneratórias como recompensa de serviços feitos ao ascendente-doador não importam adiantamento, estando excluídas do dever de colação. Exemplifique-se com a doação feita pelo pai a um filho, por determinados trabalhos que este realizou em favor daquele, sem nada cobrar. Além da doação pura, onde a liberalidade é integral sem qualquer restrição, o Código Civil admite outros tipos, nos quais a liberalidade é contida (doação meritória, doação remuneratória, doação com encargo ou modal), mas seu art. 2.011 apenas alude às doações remuneratórias, como as não sujeitas a colação. A doação remuneratória conjuga liberalidade e remuneração por serviços prestados pelo donatário ao doador. Tem o propósito de recompensar serviços gratuitos recebidos. A doação remuneratória não se confunde com adimplemento de obrigação nem com dação em pagamento, que é a substituição da coisa devida por outra. O pagamento ou adimplemento de obrigação é incompatível com a causa donandi; em outras palavras, se há negócio jurídico, não se pode solver a obrigação mediante doação. Se, na doação remuneratória houver excesso da remuneração, em relação aos serviços, que ponha em dúvida o elemento de gratidão e generosidade que caracteriza essa doação, o excesso deve ir à colação, pois é doação dissimulada.
            Também não estão sujeitos à colação os gastos na educação, vestuário, sustento do descendente menor, as despesas com casamento do descendente e as feitas no interesse de sua defesa criminal (CC, art. 2.010), segundo as condições sociais e econômicas do ascendente e os costumes.
            Entendem-se como despesas com o casamento, que escapam da colação, a dação de móveis e utensílios para a casa onde morará o descendente. Porém, se o de cujus vendeu imóvel ou outro bem valioso para empregar o valor decorrente na festa suntuosa de casamento do descendente, esse valor deve ir à colação, porque é despesa manifestamente excessiva que deslizou para doação inoficiosa, dadas as condições do de cujus.
            Excluem-se da colação os gastos do “descendente menor”, cuja menoridade, literalmente (CC, art. 5º) cessa aos dezoito anos, mas a doutrina e a jurisprudência tem admitido a extensão da idade até vinte quatro anos, quando se presume que um brasileiro possa concluir o curso universitário, para fins de alimentos; a razão de ser dessa extensão é a mesma que deve orientar a aplicação da norma que exclui da colação as despesas educacionais do menor, por sua natureza protetiva. Os gastos com educação incluem a compra de livros, materiais escolares, roupas, equipamentos eletrônicos, instrumentos para pesquisa.
            As despesas feitas pelo de cujus com herdeiro necessário, excluídas da colação, não se esgotam no elenco da lei, que são meramente exemplificativas. Não constituem, portanto, numerus clausus. Contrariamente, amplia-se o sentido de doação indireta ou dissimulada, as quais, se configuradas assim, dever ser levadas à colação.
            Pontes de Miranda exclui também da colação[3] os gastos com montagem de locais de trabalho profissional, como escritórios, consultórios, oficinas, lojas, salvo se houver excesso. O ônus de provar de que tais despesas estiveram dentro dos limites do razoável é do herdeiro necessário beneficiário.
          

5. CONSIDERAM-SE OS VALORES ATRIBUÍDOS NAS DOAÇÕES

            Para a colação vão os valores das doações, não necessariamente os bens doados. Daí que os valores para fins da colação têm natureza contábil, porque consiste em operação matemática; a colação é adimplemento de dever contábil. O que interessa para se saber o valor a ser colacionado é o preço que foi atribuído na escritura pública ou em outro ato de liberalidade; esse valor é matematicamente utilizado para a composição da parte indisponível, para cálculo da quota do herdeiro donatário e para cálculo do excesso de sua quota. Só o excesso da parte disponível é que tem de voltar em dinheiro, ou bem imóvel ou móvel, à parte legítima.
            O direito brasileiro não exige que a colação consista em devolução em natura dos bens recebidos em doação. O valor que vai à colação é o do tempo da liberalidade e que nesta tenha sido determinado ou estimado, pouco importando se houve valorização ou desvalorização até o momento da abertura da sucessão. Os lucros, as valorizações, as perdas, as depreciações que correrem entre a data da liberalidade e a data da abertura da sucessão ficam por conta do donatário, sem refletirem no que deva ser levado por colação.
            Se os bens já tiverem sido alienados pelo donatário, quando da abertura da sucessão, esse fato não altera o dever de colação, pois o valor atribuído na liberalidade é o que interessa, justamente por não ser exigível a devolução em natura. Essa característica do direito brasileiro foi reforçada com o advento do Código Civil de 2002, especialmente pela interpolação da expressão “conferir o valor das doações”, na redação do art. 2.002. Já o art. 2.004 enfatiza que o valor da colação é o que lhe atribuir o ato de liberalidade.
            Diz João Baptista Villela[4] que é mais justo estabelecer como referência o tempo da liberalidade, que foi aquele, de fato e de direito, em que o bem migrou do patrimônio do doador e, portanto, aquele em que a sua perda se verificou.
            Fez-se clara opção pelo valor atribuído ao bem recebido em doação (colação por estimação), no lugar da restituição ao espólio do próprio bem (colação em substância). A opção brasileira importa inviolabilidade da doação, em respeito à autonomia do doador morto, que decidiu por beneficiar seu descendente (ou o outro cônjuge). O que vai à colação não é o bem doado, mas o valor que foi estimado no contrato de doação. Opera-se idealmente mediante a imputação do valor da doação na quota do herdeiro a ela obrigado. Não há a restituição efetiva dos bens doados, “mas uma simples operação aritmética” [5]. A única exceção a essa regra é quando não houver outros bens no acervo hereditário, em valor suficiente para assegurar a igualdade das legítimas dos descendentes e do cônjuge (quando este concorrer com aqueles), o que, logicamente, implica que o donatário tenha de restituir em espécie o correspondente ao que excedeu.
            As leis refletem seus momentos e as circunstâncias vividas pelos legisladores, ainda que tenham que regular as condutas futuras. Esse fator é mais agudo quando intentam definir o cálculo de valores patrimoniais. O Código Civil de 1916 foi editado em momento de estabilidade econômica, que determinou sua opção, no seu art. 1.792, para que os bens doados fossem conferidos pelo valor que o doador lhes atribuiu “na data da doação”. Quando, décadas depois, a inflação ficou incontrolável, a jurisprudência dos tribunais entendeu que o valor deveria ser corrigido monetariamente até à data da abertura da sucessão. O ambiente de instabilidade econômica e de consenso em torno das virtudes da correção monetária foram as circunstâncias presentes na edição do Código de Processo Civil, de 1973, cujo parágrafo único do art. 1.014, mudando radicalmente o critério da colação, optou “pelo valor que tiverem ao tempo da abertura da sucessão”. Quando o Código Civil de 2002 foi editado, o país tinha retomado a estabilidade econômica e a correção monetária caíra em desuso, ou fora expressamente proibida em algumas leis; justifica-se, portanto, seu retorno ao modelo anterior de cálculo do valor dos bens, e cujo art. 2004 determina que o valor da colação é o “que lhes atribuir o ato de liberalidade”.
            Em sentido diferente e sem razão, o enunciado 119 da I Jornada de Direito Civil, patrocinada pelo CJF-STJ, para o qual a colação se fará com base no valor do bem na época da abertura da sucessão. O enunciado entende que o disposto no caput do art. 2.004 deve ser aplicado apenas na hipótese em que o bem doado não mais pertença ao patrimônio do donatário; se o bem integrar seu patrimônio, deve ser considerada a data da abertura da sucessão, de acordo com o parágrafo único do art. 1.014 do CPC. Mas, essa é uma distinção que a lei não faz. Por outro lado, imprime uma interpretação corretiva ao art. 2.004, que resulta em negar aplicação ao critério que a norma adotou expressamente, além de considerar vigente a norma revogada do CPC. Não se pode argumentar, igualmente, com o princípio da vedação do enriquecimento sem causa que o art. 2004 poderia provocar, pois haveria o inverso, segundo o modelo revogado: o herdeiro donatário teria sua quota na herança reduzida não apenas pelo valor da doação, mas também de um plus de valor arbitrado de acordo com variáveis de mercado, o que igualmente limitaria o quantum da liberalidade fixado pelo doador e, o que não é razoável, penalizaria o donatário operoso, que, ao invés de usufruir e desgastar a coisa, agregou valor com melhoramentos.
            Se o ato de liberalidade não contiver a atribuição do valor, os bens correspondentes terão os valores estimados não segundo a data da abertura da sucessão ou da partilha, mas segundo o valor de mercado da época da liberalidade; a avaliação é retrospectiva, segundo os elementos que possam ser colhidos da época. Se o valor atribuído ao bem doado, ao tempo da liberalidade, tiver sido falso ou irreal, pode ser impugnado pelos interessados. A impugnação em juízo tem por objeto a avaliação do preço, na época da liberalidade, mas não a anulação desta, porque não se trata de defeito do negócio jurídico. Na hipótese de promessa de doação, frequente em acordos de divórcio para beneficiar futuramente os filhos dos divorciados, o valor a ser considerado é o do momento da doação quando esta se consumar e não o do momento em que se prometeu.
            As benfeitorias realizadas posteriormente à doação são do donatário e não podem ser consideradas para efeito do valor da liberalidade; da mesma forma, os danos ou perdas que sofrer, qualquer que seja a origem. Além das benfeitorias, não se incluem na colação os valores das acessões feitas pelos donatários nos bens doados, nem os rendimentos e lucros auferidos com esses bens, desde a data da doação. Sobre as acessões, benfeitorias e rendimentos não têm os demais ascendentes ou o cônjuge sobrevivente (quando concorrer com os descendentes do doador) qualquer direito. Não se incluem em colação os valores dos bens adquiridos originalmente pelos descendentes, com os rendimentos dos bens auferidos pela administração e locação dos bens recebidos em doação.

6. HIPÓTESES DE DEVOLUÇÃO EM ESPÉCIE

            Respondendo se o direito brasileiro faculta ao herdeiro a entrega do bem no lugar da colação do respectivo valor, que lhe compete comunicar, Pontes de Miranda deu resposta negativa: “Não há no direito brasileiro, quanto aos bens que cabem no quinhão legítimo necessário, colação em natura ou pelo valor, a líbito do herdeiro colacionante. O herdeiro colacionante não pode fazer volver ao acervo o que recebera, nem, sequer, à quota necessária” [6]. Com efeito, a doação já produziu seus efeitos jurídicos no momento da celebração do contrato (e do registro, quando necessário), incluindo a transferência da posse e da propriedade do bem; o adiantamento da legítima diz respeito a seu valor, como se este tivesse continuado na titularidade do de cujus. O bem doado não volta à titularidade do de cujus, como se fosse transmissão sujeita à condição resolutiva. O herdeiro é constrangido à entrega em natura apenas do que exceder ao seu quinhão da legítima, porque essa parcela da doação é nula, ou (CC, art. 2.003) se não houver no acervo hereditário bens e valores suficientes para equalização das legítimas dos demais herdeiros necessários, nesta hipótese se não tiverem sido alienados.
            Considerando-se que a colação leva em conta o valor da liberalidade, na data desta, segundo sua natureza contábil, o Código Civil estabelece que se na data da abertura da sucessão não houver no acervo hereditário bens suficientes (imóveis, móveis, créditos etc) que permitam a equalização das quotas das legítimas dos herdeiros necessários, nos limites da parte indisponível, os bens doados deverão ser devolvidos em espécie, até alcançar esse montante, ou em dinheiro, se já não existirem esses bens, neste caso mantendo-se sempre o valor da data da liberalidade e não a da alienação.
            O valor dos bens que são devolvidos em espécie, nessa circunstância, não é o da data da morte do de cujus, mas sim o da data da liberalidade. O objetivo da regra é assegurar que os demais herdeiros necessários recebam efetivamente o valor de sua quota da legítima. Imagine-se que o valor total da legítima dos quatro herdeiros necessários do de cujus seja de 800, incluindo o valor dos bens doados (estimado em 300), o que resulta em quota individual de 200, mas o valor dos bens existentes no acervo hereditário seja de 400; há necessidade de devolução de 200, em espécie, dos bens doados, se ainda existirem ou no seu valor, para que os três outros herdeiros necessários possam receber seus quinhões, que totalizariam 600 (3 x 200 = 600), se não houver sucessão concorrente do cônjuge do de cujus. Essa regra de devolução em espécie não altera a regra da apuração do valor das doações, com base no preço atribuído na data da liberalidade.

7. CÁLCULO DO VALOR DO ADIANTAMENTO DA LEGÍTIMA

            Os valores da doação são condicionados por dois momentos distintos, para fins de aferição do adiantamento da legítima. O primeiro é o momento da doação ou liberalidade, que determina o valor que deve ser considerado para fins de verificação se o doador poderia ou não fazê-lo até esse montante, tendo em vista o limite de cinquenta por cento de seu patrimônio, nesse momento. O segundo é o da abertura da sucessão, cujo valor da doação, mediante a colação, deve ser verificado se está no limite da quota hereditária do herdeiro necessário donatário, considerando os valores da legítima de todos os herdeiros necessários e do patrimônio, nesse momento. Somente na abertura da sucessão é que se pode saber qual a parte indisponível (legítima), porque esta leva em conta o valor da metade do patrimônio deixado pelo de cujus, notadamente seu ativo, nesse momento, ao qual se somam os valores das doações feitas em vida por ele. Só se pode calcular a quota legítima de cada herdeiro necessário com a avaliação dos bens encontrados na herança, somando-se os valores dos bens doados em vida, objetos de colação. O herdeiro necessário donatário tem de prestar aos demais herdeiros necessários a diferença, em dinheiro, entre o valor de seu quinhão e o que recebeu a mais em liberalidade.
            Para fins da colação, têm-se três espécies de valores e bens: a) os valores dos bens doados, que devem ir à colação; b) os valores dos bens doados, com dispensa de colação, que devem compor a parte disponível; c) os valores dos bens doados, dispensados da colação, que devem ser devolvidos à herança, porque excederam o valor geral da parte disponível do patrimônio do de cujus. A colação diz respeito, por exclusão, apenas aos valores da alínea (a), que devem ser apontados pelo herdeiro necessário donatário, para que sejam computados. Não apenas relacionados aos bens doados, mas também os valores resultantes de vantagens e rendimentos auferidos pelo herdeiro de bens do de cujus, e por este a ele cedidos, como aluguéis de imóveis, aplicações financeiras; ou valores de dívidas do herdeiro, pagas pelo de cujus; ou valores de pagamentos de seguros e planos de saúde e previdência, sendo deles usuário ou beneficiário o herdeiro necessário; os valores das liberalidades indiretas ou dissimuladas, como empréstimos a juros excessivamente baixos, a compra de bem em nome do herdeiro, a participação em sociedade empresária, sem que o herdeiro disponha de recursos para tal. Mas a indenização de seguro de vida não vai a colação, quando o de cujus designar o herdeiro necessário como beneficiário, pois a este pertence totalmente, por não integrar o patrimônio daquele. Tampouco vão à colação os ônus e encargos impostos pelo doador à doação, que devem ser deduzidos do valor da doação.
            Como consequência do modelo brasileiro de colação por valor e não em espécie, tem-se que a perda, destruição ou desaparecimento da coisa doada são sem relevância para a colação. Extinta a coisa antes da abertura da sucessão, vai à colação o valor atribuído na doação. Ao direito brasileiro não se aplica a regra do art. 744 do Código Civil italiano, que estabelece não ser sujeita à colação a coisa perdida por causa não imputável ao donatário, pois nosso Código (art. 2.003) determina que se o donatário não dispuser da coisa doada na abertura da sucessão a colação é de “seu valor ao tempo da liberalidade”. O valor da indenização eventualmente recebido, em virtude de contrato de seguro, não altera essa regra.
            Na hipótese de regime matrimonial de comunhão (parcial ou universal) de bens, se um dos cônjuges doa bem comum a um dos filhos, só deve ir à colação o valor da doação que corresponder à metade dos bens conjugais e relacionado à meação do doador. Na hipótese de direitos reais imobiliários, a ocorrência dessa situação é reduzida, pois sua transferência, inclusive a doação, exige escritura pública e outorga do outro cônjuge. Se os dois cônjuges, sob regime de comunhão parcial ou universal, fizerem a doação de bem comum há o dever de colação em relação à meação de cada um, nos respectivos inventários; a meação dos bens comuns e mais os valores dos bens particulares, se houver, constituem o valor do patrimônio de cada um, para fins de apuração da parte indisponível.

8. LEGITIMADOS ATIVOS E PASSIVOS DA COLAÇÃO

            Legitimado passivo é o donatário descendente ou cônjuge, ou quem a lei pôs em seu lugar. Se o descendente foi julgado indigno assumem sua posição seus filhos ou outros descendentes dele, por direito de representação. Tem o sucessor do descendente indigno o dever de colação dos bens que o indigno recebera por herança do de cujus. O mesmo ocorre com o herdeiro necessário donatário, que vem a morrer antes do de cujus, em virtude do direito de representação dos herdeiros daquele. Os coerdeiros não podem ser prejudicados pelo fato de os descendentes do donatário o representarem.  Há norma expressa (CC, art. 2.009) que prevê o dever dos netos, representando os pais mortos antes do avô (de cujus), que sucederem este, de trazerem à colação o que os pais receberam em doação do avô; pais estão aí em lugar de ascendentes e os netos no lugar de descendentes. Essa norma reafirma a natureza contábil da colação, pois o valor do bem doado pelo de cujus ao filho deve ser conferido pelo neto. O neto tem o dever de colação, ainda que não tenha recebido em herança o bem que o avô tenha doado a seu pai; colaciona o valor e não o bem em natura.
            Se o donatário falecer, sem deixar descendentes, antes do de cujus, os demais herdeiros necessários deste não têm direito à colação; os bens que recebeu como donatário do de cujus irão para a sucessão dele e não deste.
            O herdeiro necessário que renunciou à herança não é mais herdeiro, mas o que tiver recebido por doação em vida do de cujus deve ser levado à colação, porque o efeito do adiantamento da legítima já lhe alcançou, por força de lei, e não pode ser fraudado por renúncia posterior, ao constatar, por exemplo, que houve diminuição do patrimônio do doador e ser-lhe-á mais vantajoso renunciar à herança, mantendo a doação; ainda que ele não mais tenha direito à herança, é necessário, considerando o valor do patrimônio, na abertura da sucessão, verificar se o valor da doação não ultrapassará a parte disponível, nesse momento apurada, devendo “repor o que exceder o disponível” (CC, art. 2.008). Tendo em vista que o art. 2.008 do CC-2002 manteve a redação do CC-1916, permanece a advertência de Pontes de Miranda de que sua interpretação literal pode levar à fraude à lei, pelo indevido aproveitamento de “vantagem tal que mais aproveita a ele renunciar que aceitar” [7] a herança, para escapar do efeito legal de adiantamento da legítima. A diferença do dever de redução do herdeiro necessário renunciante e o do donatário que não seja herdeiro é que o valor do patrimônio a ser considerado para fins da parte disponível, para aquele, é o da abertura da sucessão, e, para este, o da data da liberalidade. Se todos os herdeiros necessários renunciarem a herança desaparece o dever de colação, porque o direito à legítima também desaparece. Mas se apenas um dos herdeiros necessários não renunciar, permanecerá o dever de colação.
            Todos os herdeiros necessários são legitimados ativos para exigi-la do herdeiro necessário que tenha recebido, por doação em vida, bens do de cujus. Esse direito corresponde ao dever de colação do donatário. A legitimidade ativa é atribuída aos herdeiros necessários que sejam beneficiários diretos ou imediatos, por exemplo, descendentes de mesmo grau. Os netos, salvo se no exercício do direito de representação, não são legitimados ativos se os filhos do de cujus não exigirem a colação do coerdeiro donatário.
            Outros interessados na herança, como os demais herdeiros legítimos (ascendentes e colaterais), não têm legitimação ativa para exigir a colação, porque a doação não lhes afeta diretamente. O cônjuge é legitimado ativo quando concorrer com os descendentes do de cujus (CC, art. 1.829, I). Os credores da herança não têm tal legitimação ativa, ainda que o passivo seja superior ao ativo; têm pretensão e ação contra a herança, mas não para fins de colação, ainda que esta importe acréscimo patrimonial. Os credores, mesmo após a morte do de cujus, têm ação pauliana ou de fraude contra os credores, para o fim de anulação da doação. Porém, o credor do herdeiro necessário, que aceitou a herança no lugar dele, tem o dever de levar à colação o que o herdeiro recebeu. Segundo o STJ não têm legitimação ativa o testamenteiro (REsp 170037), a viúva, em relação às liberalidades recebidas pelas filhas do inventariado (REsp 167421) e o herdeiro testamentário (REsp 400948).
            Comete sonegação o herdeiro necessário (descendente ou cônjuge) que não cumpre o dever de colação, não mencionando no inventário o valor dos bens que lhe foram doados, ou dados em outros atos de liberalidade. Não há sonegação se o herdeiro necessário não sabia da doação: por exemplo, o pai comprou em seu nome ações e não lhe comunicou; ou depositou joias ou outros recursos no cofre da filha e esta não teve conhecimento disso.
            Os herdeiros testamentários, assim instituídos pelo de cujus em testamento, isto é, quando são destinatários de partes indeterminadas da herança, só recebem suas quotas hereditárias depois que for deduzida do total da herança líquida a parte indisponível, incluindo o que a ela foi como adiantamento da legítima, para assim saber-se qual a parte disponível, pois nesta suas quotas são computadas. Se os herdeiros necessários tiverem recebido doações cujos valores avancem na quase totalidade do patrimônio, os herdeiros testamentários ou legatários terão reduzidas suas quotas se o que sobrar para a parte disponível não for suficiente para cobri-las. Apenas o que sobrar como parte disponível, após a computação dos adiantamentos das legítimas, é que se divide proporcionalmente entre os herdeiros testamentários.

9. COLAÇÃO VOLUNTÁRIA

            A doutrina cogita da possibilidade de colação voluntária, que pode ser inserida como cláusula especial em contrato de doação ou em cláusula testamentária, quando o donatário ou beneficiário não se qualificar como futuro herdeiro necessário, inexistindo legítima a preservar.
            É ato de autonomia privada que condiciona ou restringe a doação ou a disposição testamentária. Difere da colação, propriamente dita, porque esta é determinada por força de lei, para garantia da legítima.
            O direito brasileiro apenas prevê a colação por força de lei. A instituição voluntária, ainda que utilize tal denominação, assemelha-se à colação, mas não é espécie desta, por lhe faltar o requisito essencial que é a legítima dos herdeiros necessários. A restrição à doação, por esse meio, pode ofender o direito legítimo do donatário, que só deve ser atingido dentro dos princípios gerais e especiais, como sua ingratidão ou reversão ao doador, se este sobreviver ao donatário; a cláusula, se for inserida em disposição testamentária, pode ser entendida como revogação total ou parcial da doação.

10. DISPENSA DA COLAÇÃO

            Não integrará a quota hereditária do herdeiro necessário o que tiver recebido em doação do de cujus, se este tiver determinado expressamente que o valor respectivo ficará dispensado da colação (CC, art. 2.006); nesta hipótese, o valor correspondente não se soma à legítima dos herdeiros necessários, passando a compor a parte disponível.
            Basta inserir declaração expressa no contrato de doação, seja dispensando o donatário da colação, seja afirmando que o objeto doado não importará adiantamento do que lhe caberá por herança. A dispensa da colação, por ato de vontade do doador, afasta a norma jurídica que estabelece o efeito de adiantamento da legítima à doação a determinados herdeiros necessários (descendentes e cônjuge). A dispensa pode ser feita no próprio contrato da doação, ou ser inserida depois no testamento, com remissão à doação feita anteriormente; se o doador não declarou na doação que dispensava a colação, pode fazê-lo posteriormente em testamento. No testamento pode declarar expressamente a dispensa da colação do bem antes doado ou deixá-lo como legado ao próprio herdeiro necessário, o que produz o mesmo efeito. A dispensa da colação desfaz o efeito de adiantamento da legítima e produz o efeito distinto de inserir o valor do bem doado na parte disponível. Não pode, todavia, ultrapassar o valor da parte disponível, o que levaria à nulidade do excesso.
            O dever de colação não resulta de norma jurídica cogente, mas sim de norma jurídica dispositiva, uma vez que pode ser afastado por declaração de vontade do doador, no ato da doação. O dever de colação não é presunção juris tantum, mas dever jurídico decorrente de norma não cogente. A norma jurídica sobre o dever de colação é dispositiva, mas limitada, porque deve observar o limite da metade disponível, isto é, o doador pode dispensar a colação para o descendente ou o cônjuge donatário, desde que a doação não exceda cinquenta por cento do seu patrimônio; o limite para a dispensa da colação é norma jurídica cogente, cuja infração leva à nulidade do que exceder.
            A regra é que o doador pode dispensar da colação os bens e valores que doar a descendentes e ao cônjuge, mas não pode ferir a parte legítima dos herdeiros necessários (incluindo os donatários). O respeito da legítima dos herdeiros necessários resulta de norma cogente. Para Pontes de Miranda, em verdade, não se dispensaria a colação, não se pré-excluiria o dever de colacionar. O que se permite é que se explicite ter-se posto na metade disponível aquilo que excede a quota do herdeiro necessário, ou que lhe foi doado em vida pelo de cujus. Não haveria dispensa; haveria inclusão no quanto disponível do que teria de ser colacionado[8]. Essa sutil explicitação não prejudica, todavia, o que o uso linguístico e as leis consagraram como dispensa da colação.
            A legitimidade da dispensa da colação reside no fato de ser direito de qualquer pessoa dispor de metade do seu patrimônio, como entender, doando bens dentro desse limite, inclusive para terceiros. Se há esse direito de disposição, não faria sentido que a pessoa ficasse impedida de dispensar a colação de bens doados a seus futuros herdeiros necessários, dentro dos limites da parte disponível. Há pontos de equivalência com o direito que o testador tem de, respeitando a metade indisponível, deixar a metade disponível para qualquer herdeiro necessário, beneficiando-o desse modo, sem prejuízo da legítima deste e dos demais. Assim, é legalmente possível que o doador doe metade de seu patrimônio a um de seus três filhos, dispensando-o da colação, o qual, na abertura da sucessão, também fará jus a um terço da outra metade (legítima); igual resultado haverá se o testador deixar toda sua parte disponível para um dos três filhos, o qual será contemplado com 66,66 % da herança (1/3 da metade legítima - 16% do total - e a totalidade da metade disponível – 50% do total -).
            O Código Civil (art. 2.006) estabelece que a dispensa da colação pode ser feita no “próprio título de liberalidade” ou em testamento do doador. Mas a liberalidade pode estar contida em atos que não a revelem expressamente, como o pagamento que o de cujus fez de dívida de seu filho; é uma liberalidade indireta, distinta da doação formal. Para esse ato de liberalidade também é possível a declaração, nele ou em testamento, de que o pagamento da dívida tem a natureza de doação com dispensa de colação do respectivo valor. Esse deve ser o sentido amplo da expressão empregada pela lei de título de liberalidade, que não se resume à doação formal. A forma da dispensa da colação deve seguir a forma exigível para a liberalidade; se a lei determinar a forma pública (exemplo, bens imóveis), a dispensa da colação entre vivos deve observar esta forma. Como a forma testamentária, dentre as previstas em lei, é de livre escolha do testador, ela não se vincula à forma da doação, para fins de disposição testamentária da dispensa da colação.
            Admitindo-se que a dispensa da colação possa ser feita em ato posterior à doação, discute-se se, nesta hipótese, haveria necessidade de consentimento do donatário. Entendemos que não, porque a dispensa da colação é negócio jurídico unilateral, inserido em negócio jurídico bilateral (doação), ou em outro negócio jurídico unilateral (testamento), ou em ato isolado autônomo. O negócio jurídico unilateral caracteriza-se justamente por ingressar no mundo jurídico a partir da vontade unilateral de quem o declara, sem necessidade de manifestação de outra pessoa, que o aceite.
            A dispensa da colação, inserida na doação, é irrevogável. A doação é negócio jurídico bilateral, que depende da manifestação de vontade do proponente doador e da manifestação de vontade do aceitante donatário. O doador vinculou-se, em negócio jurídico bilateral, não lhe sendo dado romper unilateralmente a relação jurídica que se estabeleceu. A única exceção admitida em lei é a revogação por ingratidão do donatário, nas hipóteses previstas. A dispensa da colação é negócio jurídico unilateral, mas sua inserção na doação torna-a acessória desta; a sorte da doação é a sorte da dispensa da colação. Se inserida em testamento, segue a sorte deste: revogado o testamento, revogada estará a dispensa da colação.

 LÔBO, Paulo. Dever de colação na sucessão legítima. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3751, 8 out. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/25360>. Acesso em: 11 out. 2013.

Enunciado e Gabarito da 2a fase civil do XI Exame OAB - Direito Civil - Família 2

Enunciado
Álvaro e Lia se casaram no dia 10.05.2011, sob o regime de comunhão parcial de bens. Após dois anos de união e sem filhos em comum, resolveram se divorciar. Na constância do casamento, o casal adquiriu um apartamento avaliado em R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) onde residem. Considerando o caso narrado e as normas de direito, responda aos itens a seguir.
A) Quais os requisitos legais para que Álvaro e Lia possam se divorciar administrativamente? Fundamente. (Valor: 0,60)
B) Considerando que Álvaro tenha adquirido um tapete persa Tabriz Mahi de lã e seda sobre algodão, avaliado em R$ 45.000,00 (quarenta e cinco mil reais), mas não reste demonstrada a data em que Álvaro efetuou a referida compra,será presumido como adquirido na constância do casamento? Fundamente. (Valor: 0,65)
A simples menção ou transcrição do dispositivo legal não pontua.

Gabarito comentado
A) Os requisitos para a realização do divórcio administrativo são: a) consenso sobre todas as questões que envolvem o divórcio; b) inexistência de filhos menores ou incapazes; c) disposição na escritura pública sobre a partilha dos bens comuns, a pensão alimentícia, bem como a retomada do nome usado anteriormente ao advento do casamento; d) lavratura da escritura pública por tabelião de notas; e e) assistência de advogado ou defensor público, nos termos do Art. 1124-A, caput e § 2º, ambos do Código de Processo Civil.

B) Como Álvaro e Lia se casaram sob o regime de comunhão parcial de bens e não houve comprovação da data da aquisição do tapete persa (bem móvel), haverá presunção de que o bem foi adquirido na constância do casamento, nos termos do Art. 1.662, do CC.

Fonte: http://img-oab.fgv.br/336/20131006095316-Padrao_Civil.pdf

Enunciado e Gabarito da 2a fase civil do XI Exame OAB - Direito Civil - Consumidor



Enunciado
Dr. João, médico clínico geral, atende em seu consultório há vinte anos, sem ter constituído qualquer empresa, atuando, portanto, como profissional liberal.Levando-se em conta a responsabilização civil dos profissionais liberais, responda, de forma justificada, aos itens a seguir.
A) A relação de Dr. João com seus pacientes ostenta a natureza jurídica de relação de consumo? (Valor: 0,65)
B) Neste caso, a responsabilidade civil do Dr. João deve ser subjetiva ou objetiva? (Valor: 0,25)
C) Em eventual demanda envolvendo Dr. João e um paciente seu, poderia ser aplicada a inversão do ônus da prova fundada na teoria da carga dinâmica da prova? (Valor: 0,35)

Gabarito comentado
A) O examinando deve responder positivamente à indagação. Pode ser tida com o relação de consumo, pois Dr. João é uma pessoa física que presta serviços médicos, enquadrando-se no conceito de fornecedor do Art. 3º, da Lei n. 8.078/90 (CDC), e os seus pacientes são destinatários finais dos serviços prestados por Dr. João, ostentando a natureza jurídica de consumidores, nos termos do Art. 2º, da Lei n. 8.078/90 (CDC).
B) O examinando deve destacar que apesar de se tratar de relação de consumo, o próprio Art. 14, § 4º, da Lei n. 8.078/90 (CDC) estabelece que a responsabilização civil dos profissionais liberais é subjetiva, ou seja, impõe a comprovação do elemento culpa.
C) O examinando deve responder positivamente à indagação, desde que presentes os requisitos legais estabelecidos no Art. 6º, VIII, da Lei n. 8.078/90 (CDC), já que se trata de relação de consumo e este é um direito básico do consumidor que não pode ser afastado pela responsabilidade subjetiva dos profissionais liberais previstas no Art. 14, § 4º, do CDC.

Fonte: http://img-oab.fgv.br/336/20131006095316-Padrao_Civil.pdf

Enunciado e Gabarito da 2a fase civil do XI Exame OAB - Direito Civil - Contratos



Enunciado
Humberto celebrou contrato de corretagem com Renata, inserindo cláusula
de exclusividade pelo prazo de 6 (seis) meses, a fim de que esta mediasse a venda de seu imóvel. Passados três meses, Renata, embora diligente, não conseguiu o resultado pretendido. Por sua vez, Humberto, caminhando pela praia, encontrou um velho amigo, Álvaro, que se interessou pelo imóvel, vindo a efetivar a compra do bem. Renata, ao saber do negócio jurídico celebrado,
ajuizou ação indenizatória em face de Humberto, cobrando-lhe o percentual ajustado sobre o valor da venda do imóvel a título de corretagem. Nessa situação, indaga-se:
A) Tem Humberto o dever jurídico de indenizar Renata por inadimplemento de obrigação contratual? Fundamente. (Valor: 0,65)
B) Na hipótese de Renata ter aproximado as partes e o negócio não ter se realizado por arrependimento de Humberto, seria devida a corretagem? (Valor: 0,60)
A simples menção ou transcrição do dispositivo legal não pontua.

Gabarito comentado
A) A resposta é afirmativa. Humberto deve pagar a Renata o percentual ajustado a título de corretagem. Tendo sido ajustada a cláusula de exclusividade, ainda que concluído o negócio diretamente entre as partes sem a intermediação da corretora, Renata terá direito à remuneração integral pela sua corretagem, salvo se comprovada sua inércia ou ociosidade, nos termos do Art. 726, do Código Civil.
B) A resposta também é afirmativa, pois mesmo que o negócio não fosse concluído por arrependimento de qualquer das partes, a remuneração seria devida, conforme dispõe o Art. 725, do Código Civil.

Fonte: http://img-oab.fgv.br/336/20131006095316-Padrao_Civil.pdf