quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

A barriga de aluguel no ordenamento jurídico brasileiro


Devido a crescente procura e ao avanço das técnicas de reprodução humana assistida –RA, aumentou também a urgência de normas legais que a regulem no Ordenamento Jurídico brasileiro. Atualmente esses procedimentos são geridos somente pela resolução CFM Nº 2.013/2013. Publicada no D.O.U. de 09 de maio de 2013, Seção I, p. 119[13].
Obrigatoriamente aplicada nos casos de reprodução humana medicamente assistida, tal resolução prevê que nos casos de gestação com útero de substituição ou “barriga de aluguel”, só será permitida onde exista um problema médico que impeça ou contraindique a gestação na doadora genética, bem como limitam a idade da candidata à gestação em 50 anos e obriga a produção do termo de consentimento informado[14] em todos os casos.
As doadoras temporárias do útero devem pertencer à família da doadora genética ou de seu parceiro, num parentesco até o quarto grau, sendo os demais casos sujeitos à autorização do Conselho Regional de Medicina[15], com precedentes apenas no Estado de São Paulo e Minas Gerais. Há de ressaltar que a doação temporária do útero não poderá ter caráter lucrativo ou comercial.
A resolução também já permite a utilização da técnica de reprodução assistida para pessoa solteiras e para casais homoafetivos, por força das decisões do Superior Tribunal Federal, que reconheceu e qualificou como entidade familiar a união estável homoafetiva[16].
Tal resolução não possui poder de Lei, sendo apenas um parâmetro a ser seguido, o que permite a prática ilegal da barriga de aluguel nas suas mais variadas formas. No âmbito do direito penal, encaixa-se a barriga de aluguel na Lei n° 9.434/97[17] que estabelece em seu art. 15 que comprar ou vender tecidos, órgãos ou partes do corpo humano é crime punido com a pena de reclusão de três a oito anos, e multa, de 200 a 360 dias, e, ainda incorre na mesma pena quem promove, intermedia, facilita ou aufere qualquer vantagem na transação.
Sobre a legislação que regula a R.A., é valido destacar que existe o projeto de Lei n° 90, de 1999, de autoria do Senador Lucio Alcântra, que dispõe sobre a procriação medicamente assistida, regulando tanto clínicas, qualificação do profissional médico, do consentimento prévio e todos os demais atos necessários para que aconteça a reprodução humana assistida[18].
O projeto citado além de regulamentar a prática da R.A., trás a tipificação de atos relacionados com essa prática, por exemplo, em seu artigo 26, determina que é proibido participar da prática de útero ou barriga de aluguel, na condição de beneficiário, intermediário ou executor da técnica, concedendo a pena de reclusão de um a três anos, e multa.
O art. 37 do mesmo projeto determina que realizar a procriação medicamente assistida em pessoas que não sejam casadas ou não vivam em união estável, é crime e deve ser punido com pena de detenção de seis meses a dois anos, ou multa. Incorrendo na mesma, homem ou mulher que solicitar o emprego da técnica para dela usufruir individualmente ou com outrem que não o seu cônjuge ou companheiro.
As disposições acima citadas foram feitas em 2001, quando o então projeto sofreu algumas modificações. Mesmo assim, devido a crescente evolução cientifica e a mutação social, tal projeto de Lei, arquivado na câmara dos deputados desde 2007, necessitará de muitas modificações até sua eventual aprovação.
Dessa forma ainda continuará o Brasil, sabe-se lá até quando, sem regulamentação legal para as mais diferentes formas de reprodução humana assistida. Todavia, mesmo em países que já regulamentaram a reprodução assistida e a “barriga de aluguel”, ainda persiste infindáveis discussões sobre o assunto.

MENDES, Marisa Schmitt Siqueira; QUEIROZ, Yury Augusto dos Santos. Barriga de aluguel: legalizar?. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3807, 3 dez. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/26030>. Acesso em: 4 dez. 2013.

Barriga de aluguel: legalizar?

Popularmente conhecida como barriga de aluguel, devido ao seu caráter remunerado em alguns países pioneiros, a reprodução humanamente assistida através de um útero de substituição, segundo o médico Arnaldo Schizzi Cambiaghi[2], consiste em uma “[…]doação temporária de um útero para uma mulher que não possa engravidar”.
 Tal procedimento é permitido nos casos em que a mulher, não pode engravidar sem que ocorra risco à sua vida, ou nas situações onde não consegue engravidar por algum problema clínico, sendo primordial em ambos os casos um parecer médico.
Com a chegada deste procedimento ao Brasil em 1984[3], muitas mulheres puderam realizar o sonho de ser mãe, como é o caso da funcionária pública Fernanda Medeiros, de 34 anos, que teve suas filhas gêmeas geradas no útero da avó materna, pois aos 13 anos Fernanda teve de retirar o útero, devido a problemas médicos, e, aos 20 anos quando casou-se teve frustrada a tentativa de adotar uma criança[4].
Assim como no caso da servidora, muitas mulheres passam a vida toda acalentando o sonho de ser mãe, pois “[…]antropologicamente, a filiação está na ordem da transmissão. Transmite-se algo a alguém; em geral, ao filho comunicam-se posses, direitos, tradição, status. A vontade de transmitir é o motor do desejo do filho[5]”.
 São conhecidas várias técnicas de fecundação assistida, baseadas fundamentalmente na possibilidade de introduzir espermatozóides, óvulos ou embriões (óvulos já fecundados in vitro) no útero da futura mãe. As mais comuns são: fecundação homóloga[6] e a fecundação heteróloga[7] onde o material genético masculino pode pertencer ao marido ou não. Além dessas, existem outras técnicas conhecidas pela medicina, embora pouco utilizadas, a exemplo da inseminação intrauterina, transferência de ovócitos para a trompa proximal e transferência intratubária do zigoto[8], podendo todas elas serem utilizadas para a realização da barriga de aluguel[9], como será analisada mais adiante.
Esses procedimentos devem ser feitos sempre em clínicas autorizadas pelos respectivos conselhos regionais de medicina. O site da Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida conta com o cadastro de 22 clínicas em todo Brasil, todavia já existiam 170 centros brasileiros de medicina reprodutiva desde 2008[10], esse número com certeza cresce a cada ano, impossibilitando a quantificação exata hoje. Todavia, também em 2008, 10% desses laboratórios já contavam com cadastro de mulheres dispostas a locar o útero, e receber por isso.
Para comunidade leiga, é justamente a questão financeira entre as “mães”, que desdobra-se em inúmeras críticas a barriga de aluguel, como bem demonstra a reportagem publicada no jornal americano The New York Times, pela escritora e jornalista Alex Kuczynski, na qual a escritora deixa nítido tanto as diferenças estruturais entre a mulher com útero de substituição e a mãe autora[11].
Para Leocir Pessini, na visão da bioética[12], esta prática além de imoral é ilícita, pois leva à “coisificação” dos ser humano. Contudo, antes de decidir se a “barriga de aluguel” é certo ou errado, ou se é algo ético ou não, precisa-se conhecer a legislação nacional sobre o assunto e como este procedimento é regulado.

MENDES, Marisa Schmitt Siqueira; QUEIROZ, Yury Augusto dos Santos. Barriga de aluguel: legalizar?. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3807, 3 dez. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/26030>. Acesso em: 4 dez. 2013.