sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

O bem de família e seu reconhecimento na Justiça do Trabalho


Tem sido cada vez mais recorrente, no âmbito da Justiça do Trabalho, excessos e até ilegalidade nos processos de execução.

Com efeito, predomina uma mentalidade, em parte de nossos magistrados, no sentido de que a execução deve prosseguir contra bens de sócios e ex-sócios sem que sejam atendidos os requisitos para a desconsideração da personalidade jurídica.

No entanto, muitas vezes, sequer o imóvel que tem natureza jurídica de bem de família tem sido respeitado. Conforme dispõe a lei 8.009/90, que regula e protege o bem imóvel destinado à moradia do casal ou da entidade familiar:


"Artigo 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.

Parágrafo único. A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados".

Importante lembrar que a impenhorabilidade do bem de família pode ser alegada em qualquer processo de execução, seja civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de qualquer outra natureza, inteligência do artigo 3º, "caput", da mesma lei.

Não se pode afirmar, como muitas vezes se vê, que a ausência do registro em cartório da condição de bem de família do imóvel seja um óbice para o reconhecimento de sua natureza jurídica. Deve-se destacar que, na linha da jurisprudência já pacificada, é totalmente desnecessário o registro em cartório para que haja a configuração do bem de família.

O direito à moradia, reconhecido como direito fundamental no artigo 6º da CF/88, deve ser conjugado com o direito a créditos de natureza alimentícia. Aliás, diversos precedentes da Justiça do Trabalho já esclarecem que a natureza alimentar dos créditos trabalhistas não constitui uma exceção à impenhorabilidade do bem de família.

A proteção ao bem de família é tão valorizada em nosso ordenamento constitucional que até mesmo quando o único imóvel não esteja sendo ocupado por razões alegadas e comprovadas, como uma reforma, as garantias legais permanecem vigentes e a impenhorabilidade se impõe.

No que se refere aos documentos e demais tipos de provas necessários para atestar a natureza jurídica de um bem de família, além da certidão de cartórios de registro de imóveis e da declaração de imposto de renda, fundamental é a apresentação de declarações de zelador, vizinhos e outras pessoas que possam indicar que o bem é utilizado como moradia do núcleo familiar. Nessa linha, são importantes contas e correspondências em nome de todos os moradores do apartamento.

Assim, os magistrados precisam começar a ter maior cautela e atenção nos casos em que está envolvida a alegação de bem de família. Sem dúvida, é louvável a persistente tentativa de realização de Justiça no nas diversas outras reclamações trabalhistas que permanecem emperradas na fase da execução. No entanto, é um contrassenso efetivar um direito violando outros de mesma importância e de estatuto constitucional.
 
Marcelo Mascaro Nascimento é advogado do escritório Mascaro Nascimento Advocacia Trabalhista.
 
http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI196368,11049-O+bem+de+familia+e+seu+reconhecimento+na+Justica+do+Trabalho 

Regime de separação de bens e suas peculiaridades


Com frequência somos questionados sobre as peculiaridades do regime de separação de bens, o que ocorre, na maioria das vezes, em razão da separação obrigatória de bens, cujas regras são impostas pelo artigo 1.641 do CC, que tornou obrigatório o regime de separação de bens no casamento de pessoa maior de setenta anos, bem como para todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial, entendendo neste caso, aquelas pessoas não emancipadas e menores de 18 anos, observando exclusivamente, neste último caso, que quando os cônjuges ou cônjuge atingir a maioridade, pode alterar o regime de separação obrigatória de bens.

Além da separação obrigatória, prevê o mesmo ordenamento jurídico, a separação convencional, ou seja, a possibilidade do casal escolher o regime de separação total de bens no momento do casamento, mediante a realização de um pacto antenupcial optando por esse regime, sendo que o pacto deverá ser feito em cartório, onde os nubentes devem estabelecer que os bens são incomunicáveis, além de outras tratativas consideradas importantes para o casal com referência aos seus respectivos bens e suas aquisições futuras.

Em ambos os casos, ou seja, na separação obrigatória de bens e na separação convencional de bens, a maior dúvida surge com referência à divisão de bens nos casos de divórcio e sucessão.

No regime de separação obrigatória de bens, também chamada de separação legal de bens, em caso de divórcio, deve ser levado em consideração a regra pacificada pela Súmula 377 do STF, que diz: "No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento", ou seja, os bens adquiridos durante a união devem ser divididos pelos cônjuges em caso de divórcio, aqueles adquiridos antes da união, pertencem exclusivamente àquele que o adquiriu. Há outros julgados, no entanto, que entendem que para que ocorra a divisão, deve ser provado o esforço comum, caso que deve ser proposta ação judicial para provar e requerer a divisão, cuja decisão final depende exclusivamente do Judiciário, e pelo que se vê, depende também da realidade de cada caso concreto.

No caso de falecimento de qualquer um dos cônjuges, em regime de separação obrigatória de bens, caso haja descendentes, o cônjuge sobrevivente não será considerado herdeiro. Porém, caso o falecido deixe apenas ascendentes, o cônjuge sobrevivente terá direito à herança, na mesma proporção que os ascendentes. Caso o falecido não deixe nem descendentes e ascendentes, o cônjuge sobrevivente receberá a herança em sua totalidade. Tais regras, contudo, também são objeto de discussões judiciais, inclusive considerando o posicionamento da citada súmula 377 do STF, que embora destinada a casos de divórcio, também está sendo interpretada para discussões sobre sucessão.

Já no regime de separação convencional de bens, em caso de divórcio, não há divisão de bens, cada um dos cônjuges permanece com os seus respectivos bens. No falecimento de qualquer um dos cônjuges, caso tenham descendentes, o cônjuge sobrevivente concorrerá com esses ao seu quinhão na herança. (artigo 1829 do CC). Caso não tenham descendentes, o cônjuge sobrevivente, concorrerá com os ascendentes, conforme determinam os artigos 1.836 e 1.837 do CC, e caso não hajam descendentes ou ascendentes, o cônjuge sobrevivente herdará a totalidade da herança, independente do regime estabelecido.

É importante que se lembre da existência de uma corrente jurisprudencial entendendo que em razão da existência do pacto antenupcial, que declara a vontade das partes com referência a separação total de bens, o cônjuge não seria herdeiro em hipótese alguma, sendo essa uma discussão que também dependeria de discussão judicial, caso a parte interessada recorra ao Judiciário.

Também não se pode esquecer, e nesse caso não há muito o que se discutir judicialmente, que é garantido ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, e sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar, conforme preceitua o artigo 1.831 do CC.

Diante das peculiaridades acima levantadas, verificamos que apesar da clareza dos artigos de lei que tratam da matéria, não há ainda uma posição pacífica com referência ao real direito do cônjuge em caso de divórcio ou de falecimento do seu consorte, em ambos os regimes de separação de bens, pois o Judiciário, caso buscado pelas partes interessadas, acabará aplicando a lei de acordo com a interpretação que tiver de cada caso concreto.
 
Por: Jane Resina F. de Oliveira é advogada do escritório Resina & Marcon Advogados Associados e mestre pela UnB – Universidade de Brasília. Possui MBA em Gestão Empresarial/FGV-RJ e MBA Internacional em Gestão Empresarial na Ohio University.
 
Fonte: http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI196355,81042-Regime+de+separacao+de+bens+e+suas+peculiaridades 

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Direito de convivência com filho não se limita a mera visita


A visitação de filho menor, pelo pai separado e não guardião, apta a contribuir na atividade do poder parental e a aperfeiçoar os vínculos afetivos, instala, a seu tempo próprio, desenvolvimento saudável do infante no espaço íntimo da convivência familiar.

O direito de convivência, previsto no artigo 1.589 do Código Civil, a instrumentar uma dinâmica relacional de modo a permitir ao pai intervir, com eficiência, na formação do filho, não se limita, convenhamos, a um mero direito de visita que põe em hipossuficiência o próprio exercício das responsabilidades parentais.

Nesse sentido, a doutrina sustentada na cátedra de Giselle Câmara Groeninga (2011), tem instituído maiores discussões a proclamar que o direito à convivência familiar, como principio básico do direito de família, extraído da tutela integral à criança e ao adolescente alinhada pelo artigo 227 da Constituição Federal, carece de uma nova configuração, a se constituir como “principio do direito ao relacionamento familiar”. Nele estarão incluídas a convivência, a companhia, as visitas, o contato permanente, as garantias de efetividade, como formas de atingi-lo em sua plenitude.

Nada obstante induvidosa a responsabilização comum dos pais separados por suas obrigações parentais, merece destaque o fato de que, “quando o casal conjugal entra em colapso, é de suma importância que a dupla parental permaneça firme em prol da integridade dos filhos” (Fernanda Tartuce, 2012).

Ocorre, todavia, que sem a relevância dos consensos, os regimes de relacionamentos perdem as suas qualificações, ao extremo de as condutas erosivas de exclusão de um pai ou de outro, importarem na alienação parental, exigindo as intervenções judiciais cabíveis.
Esta alienação é unilateral, de costume, à partida de ser promovida pelo cônjuge guardião, mas também pode ser recíproca, por aquele que não detendo a guarda, trabalha por minorar os vínculos do outro, em versões postas de antagonismos de desafetos.

Nesse panorama, situações-limite apontam mais das vezes, imputações de dano convivencial ao menor, sejam por assertivas graves do genitor alienante, sejam pelas próprias condições pessoais do outro, que rendem ensejo, no caso, às visitas monitoradas.

Não há negar que elementos justificadores de cautela, no interesse do menor posto em risco ou a supostos riscos, são determinantes às visitas assistidas por familiares, nomeadamente (i) avós, (ii) pessoas da confiança de ambos os pais ou (iii) por assistentes sociais forenses, no efeito prático de uma profilaxia de convivência, sobremodo a tornar incólume o bom convívio da relação.
(...)
Leia a íntegra em:  http://www.conjur.com.br/2014-fev-26/jones-figueiredo-direito-convivencia-filho-nao-limita-mera-visita

Emenda Constitucional 75, de 15.10.13 (PEC da Música)


A Câmara dos Deputados aprovou no dia 13.12.11 o Projeto de Emenda à Constituição 98/07, de autoria do Dep. Otávio Leite (PSDB-RJ).
Encaminhada ao Senado, foi aprovada no dia 24.09.13, pelo Plenário dessa Casa, o Projeto de Emenda Constitucional nº 123 de 2011, a chamada ‘PEC da Música’.
A PEC 123, agora a EC nº 75 de 2013, promulgada pelo Congresso Nacional em 15.10.13, inclui a alínea ‘e’ no inciso VI do artigo 150, texto in  verbis:
Art. 1º. O inciso VI do art. 150 da Constituição Federal passa a vigorar acrescido da seguinte alínea e:
“Art. 150. ...................................
VI – ............................................
e) fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil contendo obras musicais ou literomusicais de autores brasileiros e/ou obras em geral interpretadas por artistas brasileiros bem como os suportes materiais ou arquivos digitais que os contenham, salvo na etapa de replicação industrial de mídias ópticas de leitura a laser.
O texto inclui na Carta Política vigente mais um tipo de Imunidade Tributária, qual seja, sobre CD e DVD de músicas de autores brasileiros ou, mesmo que músicas estrangeiras, desde sejam interpretadas por artistas brasileiros, e ainda os suportes materiais ou arquivos digitais que os contenham.
A palavra imunidade é originária do latim immunitas, que significa dispensa, isenção, liberdade. Tem como base jurídica a manutenção dos valores sociais, que transcedem a pessoa do beneficiado, em que estes ficam fora do alcance de algumas imposições tributárias. (MADEIRA, p. 150).
Ricardo Lobo Torres ensina que ‘As imunidades consistem na intributabilidade absoluta ditada pelas liberdades preexistentes. A imunidade fiscal erige o status negativus libertatis, tornando intocáveis pelo tributo ou pelo imposto certas pessoas e coisas...’ (2005, p. 65)
Caio de Azevedo Trindade diz que ‘Registre-se, apenas, que não se trata de simples garantia individual de quem não deve ser contribuinte. As imunidades tributárias têm por fim não apenas proteger as pessoas, os fatos e as coisas que são declaradas imunes, mas sim direitos humanos que são fomentados por estas pessoas, fatos e coisas, que pertencem a todos os membros da sociedade, e não apenas aos contribuintes. Cuida-se de proteger determinados direitos (liberdade religiosa, por exemplo), para que a tributação não possa ser usada de forma de inibir a fruição desses direitos humanos, destas liberdades públicas, por toda a sociedade’ (2007, pp. 96 e 97).
Trata-se de Imunidade Fiscal Objetiva Fonográfica, ou seja, ratione materiae, uma vez que é sobre o objeto de discos musicais. A Constituição da República, única capaz de conceder tal vedação (por isso que a criação deu-se por Emenda Constitucional), passa a impedir apenas a exação de impostos incidentes diretamente na produção e na comercialização dos discos, como o IPI, o ICMS e o ISS. Dessa forma, deverá a gravadora pagar todos os demais tributos como imposto de renda, IPVA, IPTU, taxas, contribuições, etc. Não se trata de isenção, como diz a mídia, já que essa tem como base a lei e não o texto constitucional.
Por analogia tecnológica, e mais propriamente pela intenção finalística, pode-se concluir que vídeo tapes, LPs, fitas cassete e quaisquer outros meios de reprodução musical também estão sob a custódia da nova benesse. Por outro lado, segundo a nova regra, pode-se afirmar que o artista estrangeiro não terá seu trabalho imune, mesmo se versar sobre música brasileira, bem como as reproduções industriais de mídias ópticas de leitura a laser. Isso, inclusive, nos leva a refletir se a imunidade em pauta não seria ‘subjetiva’, ou seja, sobre a pessoa do artista brasileiro e não objetiva (como cremos até então) sobre o disco, uma vez que, se sobre o disco, não importaria de quem seria a voz, se de nacional ou estrangeiro.
Os suportes materiais ou arquivos digitais que os contenham, verdadeiros insumos do disco, também estão imunes. Acreditamos que tal previsão deu-se pela lembrança do que fora julgado pelo Pretório Excelso, com relação aos livros, através da Súmula 657: A imunidade prevista no art. 150, VI, d, da CF abrange os filmes e papéis fotográficos necessários à publicação de jornais e periódicos. (DJ 09.10.2003)

O Governo do Estado do Amazonas entrou a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5058, no Supremo Tribunal Federal, com pedido de liminar para suspensão dos efeitos da EC 75, visando, em seu pedido final, derrubar esse novo mandamento. A relatoria é do Min. Teori Zavascki e até o presente momento não há decisões proferidas.
Alega o Estado que a não incidência de impostos na produção de discos de músicas, em qualquer lugar da Federação brasileira, iria ampliar os benefícios fiscais até então exclusivos da Zona Franca de Manaus (com vigência até 2023), o que iria comprometer a permanência de empresas do setor audiovisual, e mesmo dificultar a abertura de novas empresas naquele polo industrial, violando o artigo 151, I da CRFB/88 e os artigos 40 e 92 do ADCT. A expressão ‘suporte material’ prevista na EC 75 é um dos pontos de maior preocupação do autor, uma vez que, se for interpretado como qualquer equipamento eletrônico, computadores, leitores de mídia e outros, também poderão ser produzidos e comercializados sem a incidência dos impostos, o que iria reduzir significadamente a produção da ZFM. Com isso, um equipamento de gravação de cd, que não paga impostos se produzido na Zona Franca, com a EC 75, se produzido no Rio de Janeiro, ou qualquer outro Estado federado, também não pagará.
 O STF deverá se pronunciar acerca do alcance da nova imunidade, se apenas sobre os discos e/ou sobre quais suportes. Cremos que a benesse deve-se limitar apenas aos discos e não ao ‘maquinário’ usado na sua feitura.
Insta ressaltar que as imunidades são cláusulas pétreas intimamente voltadas aos direitos humanos e ao pacto federativo, como ocorre, de forma explícita, nas alienas ‘a’ (Imunidade Fiscal Recíproca), ‘b’ (Imunidade Fiscal Subjetiva - Religiosa), ‘c’ (Imunidade Fiscal Subjetiva Condicionada – Partidária, Filantrópica e Assistencialista) e ‘d’ (Imunidade Fiscal Objetiva - Cultura), todas do mesmo inciso VI do artigo 150 do texto constitucional.
A nova imunidade fiscal, a objetiva fonográfica, liga-se aos direitos humanos ao facilitar o acesso à cultura por aqueles que não tenham condições financeiras. Tem-se a ideia de não excluir os que possuem menor poder aquisitivo e que, com isso, não podem dispor de quantias para custear aquisições desses discos musicais. Há também, com essa nova vedação de incidência fiscal, a intenção de se combater diretamente a pirataria dos discos musicais, tão presente e danoso ao sistema fonográfico e à arrecadação de tributos. Não se pode também esquecer da internet (download ilegal), que tanto facilitou o acesso às obras musicais. O alto custo dos discos levou a população menos privilegiada à busca desses meios de acesso.
Nesse quesito, temos que a PEC 123 é muito bem instruída, pois irá reduzir os custos dos discos, ao ponto de torná-lo mais acessível e, ainda, considerando que a qualidade dos discos originais é indiscutivelmente melhor do que os discos piratas. Definitivamente, a pirataria é a única opção do acesso para muitos, não pela qualidade, mas sim pelo preço.
Destarte, com a devida vênia, não podemos deixar de apontar nossa discordância com relação à vedação do texto aos artistas estrangeiros. O acesso à cultura deve ser o mais amplo possível, pois esta é definitivamente multinacional. Permitir e aceitar que o acesso à cultura estrangeira deva ser dificultado pela cobrança de impostos (IPI, ICMS e ISS) é ir de contra os próprios conceitos de dignidade da pessoa humana, da liberdade e da felicidade. Como aceitar que o livro de autor estrangeiro teria imunidade e o disco musical dele não? O acesso à cultura faz-se presente em ambos os momentos, bem como os direitos humanos. A própria exposição de motivos da PEC faz menção à Imunidade Fiscal Objetiva (alínea ‘d’) que comportam os livros. Como conceber uma regra restritiva que tem por base numa outra, autorizativa, e com a mesma essência finalística? Não e não. Assim consta em seu texto:
d) livros jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.
Essa benesse não permite que os livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão incidam no pagamento de impostos, independentemente do livro ser estrangeiro ou nacional, não importando sua nacionalidade ou local de produção. Esta regra surgiu na Constituição de 1946, por conta das restrições impostas pelo governo Vargas à importação de papéis. Trata-se de verdadeira efetivação dos direitos humanos de primeira geração, das liberdades públicas, como a liberdade de pensamento e de expressão. Neste caso, a CRFB tenta facilitar a circulação de informações, de cultura e da educação; são as liberdades de ensinar e de aprender, através da desoneração de impostos que possam incidir sobre essa atividade. Esta é ratione materiae, ou seja, em relação ao objeto.  (MADEIRA, p. 153) O saudoso mestre Aliomar Baleeiro (p. 354) ensina que ‘Livros, jornais e periódicos são todos os impressos ou gravados, por quaisquer processos tecnológicos, que transmitem aquelas ideias, informações, comentários, narrações, reais ou fictícias, sobre todos os interesses humanos, por meios de caracteres alfabéticos ou por imagens e, ainda por signos de Braille destinados a cegos’.
Outro revés da nova alínea ‘e’ é com relação aos discos feitos por artistas brasileiros e estrangeiros conjuntamente. Deve prosperar a nacionalidade interna ou a externa? Por derradeiro, devemos reconhecer a imunidade, não apenas pela participação do nacional, mas pelo livre acesso a cultura que todo brasileiro deve ter. São os direitos humanos de primeira geração. Nessa trilha, o próprio texto constitucional garante a irrestritibilidade da criação e do pensamento, ex vi dos artigo 5º, XIV e artigo 220. Insta ainda ressaltar que, evidente, que os maiores beneficiários dessa nova imunidade serão as grandes gravadoras, uma vez que a maior parte dos lucros de um disco fica com elas e não com os artistas.
O Ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, na oportunidade do julgamento dos Embargos Declaratórios no Agravo de Instrumento nº 832.366 (DJe 01.08.2013), de sua relatoria, assim sentenciou:
Esse acesso à informação, para mim, não se limita àquele que consta de um certo banco de dados; ele é abrangente e assim devemos enfocar o texto constitucional, retirando dele a maior eficácia possível.
...
Ora, quando o legislador consignou na alínea ‘d’ a imunidade, fê-lo buscando viabilizar, a mais não poder, o acesso a informações. Esse dado é confirmado pela norma do artigo 220:
Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
Ora, vemos a imunidade em tela não como um benefício objetivando o maior sucesso deste ou daquele empreendimento comercial, mas almejando proporcionar um campo próprio à eficácia maior dos dois dispositivos constitucionais a que me referi, ou seja, o acesso menos oneroso aos veículos de comunicação.
No que diz respeito à temática dos direitos humanos, trata-se de fato comum a utilização pelos doutrinadores e legisladores (engloba-se nesse contexto nossa constituição, legislação interna infraconstitucional, bem como tratados, convenções e pactos internacionais) das mais variadas expressões, tais como: direitos do homem, liberdades públicas, direitos públicos subjetivos, direitos individuais, direitos humanos fundamentais, direitos fundamentais, dentre outros.
Essa falta de clareza na definição torna ainda mais difícil qualquer tentativa de estudo desses direitos, já que os termos às vezes são sinônimos.
Entretanto, apesar do equivoco terminológico, é possível entendimento de doutrinadores que se encarregaram da tarefa árdua de compreender o rico e complexo sistema que envolve os direitos humanos e fundamentais, e trouxeram uma solução classificatória.
Ingo Wolfgang Sarlet (1998, pp. 31/32) apresenta uma classificação entre direitos do homem, direitos humanos e direitos fundamentais, definindo os primeiros como sendo direitos naturais que não são ou ainda não foram positivados. No que se refere aos direitos humanos, diz respeito aos direitos “positivados na seara do direito internacional”, tem que observar com as “posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com certa ordem constitucional, e que, no entanto, aspiram à validade universal, para todos os povos e tempos, de tal sorte que evidenciam um inequívoco caráter supranacional (internacional)”, enquanto os direitos fundamentais seriam os direitos reconhecidos ou outorgados e tutelado pelos direitos constitucional interno de cada Estado.
John Rawls (2011, p. 120) ao apontar a corrente sobre a justiça como equidade formula uma definição de justiça para uma estrutura básica de sociedade, compreendida como um sistema fechado, sendo sua concepção genérica e abstrata. Contudo, para assegurar uma posição de igualdade entre indivíduos, traz a concepção de véu da ignorância que, em poucas palavras, exprime o total desconhecimento que os homens teriam sobre as posições que ocupariam na sociedade, bem como de quem seriam racionais, mas mutuamente desinteressadas, o que não implicaria, necessariamente em egoísmo. A concepção de véu da ignorância, muito bem explicada por John Rawls (p. 123), casa-se perfeitamente com a essência egocêntrica do ser humano, afinal, não sabendo que posição ocuparia na sociedade, tem que assegurar o mínimo, para não ficar prejudicado.
A noção de que todos os seres humanos devem ser tratados de modo isonômico ganhou força com o advento da lei escrita, inicialmente, esta igualdade só se dava no plano espiritual. No período medieval deu origem a elaboração do princípio da igualdade de essência, pois se estudava o ser humano em sua substância. Segundo Fábio Konder Comparato (p.20):
 [...] é essa igualdade de essência da pessoa que forma o núcleo do conceito universal de direitos humanos. A expressão não é pleonástica, pois que se trata de direitos comuns a toda a espécie humana, a todo o homem enquanto homem, os quais, portanto, resultam da sua própria natureza, não sendo meras criações políticas.
Conforme o raciocínio de Kant, o ser racional tem vontade, sendo a razão prática, a qual lhe possibilita viver de modo autônomo, conforme leis que edita. O ser humano é em fim em si mesmo, tendo dignidade e não preço, como as coisas. Segundo ele, o fim natural de todo ser humano é a realização de sua própria felicidade, nas sendo o suficiente agir de forma a não causar danos ou prejuízos a ninguém. Isto seria uma máxima meramente negativa. Tratar a humanidade como um fim em si envolve o dever de beneficiar, tanto quanto possível, o fim de outrem. Pois, sendo o sujeito um fim em si mesmo é necessário que os fins de outrem sejam por mim considerados também como meus (KANT apud COMPARATO, p. 23).
Luís Roberto Barroso (2013, p. 61) diz que ‘A dignidade humana tem seu berço secular na filosofia, onde pensadores inovadores como Cícero, Pico della Mirandola e Immanuel Kant construíram ideias como antropocentrismo (uma visão do mundo que reserva ao ser humano um lugar e um papel centrais no universo), o valor intrínseco de cada pessoa e a capacidade individual de ter acesso à razão, de fazer escolhas morais e determinar seu próprio destino. Tendo em suas raízes na ética, na filosofia moral, a dignidade humana é, em primeiro lugar, um valor, um conceito vinculado à moralidade, ao bem, à conduta correta e à vida boa’.
Dentre várias contribuições teóricas apresentadas por Ricardo Lobo Torres ao aprimoramento e à humanização do Direito Tributário no Brasil, se destaca a que vincula os direitos humanos à tributação, pois o autor deixa de lado os aspectos formais sobre a imunidade tributária, e as vincula aos direitos humanos. E, ao tratar do tema, em sua obra “Direitos Humanos e Tributação”, o ilustre mestre apresenta uma distinção de maneira lapidar ao dizer que:
[...] os juristas de índole positivista é que não encontram dificuldade maior para oferecer a definição pronta e acabada dos direitos fundamentais, até porque a reduzem aos aspectos periféricos e superficiais, o que acontece também com as imunidades tributárias (2005, p. 41).
Embora o autor trate, na citação acima transcrita, da imunidade tributária, não há dúvidas que preconiza a necessidade de se reconhecer a ingerência dos direitos humanos no sistema tributário, deixando de lado a letra fria e abstrata da lei, para promover, efetivamente, os direitos humanos fundamentais. Urge salientar que o Judiciário, em vários casos, vem privilegiando os direitos humanos na tributação, dando a entender um início de uma nova era de primazia por esses sagrados direitos, em especial, dentre inúmeros outros julgados, a edição das súmulas 364, 419, 430, 486 e 498 pelo Superior Tribunal de Justiça, e pelas súmulas vinculantes 21, 25 e 28 pelo Supremo Tribunal Federal.

CONCLUSÃO

A Imunidade Fiscal Objetiva (ratione materiae) sobre os discos musicais, a qual também chamamos de Imunidade Fiscal Objetiva Fonográfica, bem como os suportes materiais ou arquivos digitais que os contenham, salvo na etapa de replicação industrial de mídias ópticas de leitura a laser, indubitavelmente, trará um maior acesso aos discos por parte da população menos privilegiada, uma vez que, sem os impostos que incidem sobre a produção e a circulação de tais bens, o preço em muito se reduzirá.
Essa nova imunidade, bom frisar, é muito bem-vinda. Noutro giro, a respectiva Emenda deixou de ser mais eficaz, não alcançando a todos os fins que se idealizou, no momento em que excluiu artistas e obras estrangeiras dessa benesse. Até porque, se o combate à pirataria foi o grande foco dessa inovação, é cediço que ela não se limita aos artistas brasileiros, mas sim a todos. E ainda, o acesso à cultura e à informação são pilares clássicos dos direitos humanos, e não há fronteiras, não se podendo apenas valorar tal acesso às obras e artistas brasileiros e não reconhecer a importância, a colaboração do material do exterior na cultura do cidadão nacional, sob pena de violar as próprias regras da Carta Magna, especialmente aos textos do artigo 5º, XIV e artigo 220. De mais a mais, o Brasil é signatário do Pacto de São José da Costa Rica (Convenção Americana de Direitos Humanos), o que corrobora a necessidade de uma maior extensão, para se chegar a real finalidade de acesso à cultura (dignidade da pessoa humana), da não incidência qualificada prevista pela recém incluída alínea ‘e’ do inciso VI do artigo 150.
Com isso espera-se que, com a efetiva frustração legislativa, o Poder Judiciário, cujo controle constitucional direto cabe ao Supremo Tribunal Federal, reconheça a extensão da benesse também aos discos de autores estrangeiros, uma vez que a imunidade é uma exclusão da incidência de impostos com o objetivo, verdadeiro e principal, de garantir a todos o acesso à cultura e à informação, como já ocorre com os livros de autores estrangeiros, e nas palavras do Min. Marco Aurélio ‘O Tribunal não pode se furtar a abarcar situações novas, consequências concretas do mundo real, com base em premissas jurídicas que não são mais totalmente corretas. O apego a tais diretrizes jurídicas acaba por enfraquecer o texto constitucional, pois não permite que a abertura dos dispositivos da Constituição possa se adaptar aos novos tempos, antes imprevisíveis’. Porém, como dito em linhas mais acima, não deve a nova benesse ser extensiva aos equipamentos usados na gravação dos discos, mas tão somente a esses.

MADEIRA, Anderson Soares. Emenda Constitucional 75, de 15.10.13 (PEC da Música). Jus Navigandi, Teresina, ano 19, n. 3892, 26 fev. 2014. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/26792>. Acesso em: 26 fev. 2014.

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Brasil consome 14 agrotóxicos proibidos no mundo

Especialista indica que pelo menos 30% de 20 alimentos analisados não poderiam estar na mesa do brasileiro 

National Geographic
Foto mostra a diferena entre um solo cultivado organicamente esquerda e outro que recebeu a adio de adubos qumicos ou agrotxicos
Foto mostra a diferença entre um solo cultivado organicamente (esquerda) e outro que recebeu a adição de adubos químicos ou agrotóxicos ( National Geographic)
Os indicadores que apontam o pujante agronegócio como a galinha dos ovos de ouro da economia não incluem um dado relevante para a saúde: o Brasil é maior importador de agrotóxicos do planeta. Consome pelo menos 14 tipos de venenos proibidos no mundo, dos quais quatro, pelos riscos à saúde humana, foram banidos no ano passado, embora pesquisadores suspeitem que ainda estejam em uso na agricultura.
Em 2013 foram consumidos um bilhão de litros de agrotóxicos no País – uma cota per capita de 5 litros por habitante e movimento de cerca de R$ 8 bilhões no ascendente mercado dos venenos.
Dos agrotóxicos banidos, pelo menos um, o Endosulfan, prejudicial aos sistemas reprodutivo e endócrino, aparece em 44% das 62 amostras de leite materno analisadas por um grupo de pesquisadores da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) no município de Lucas do Rio Verde, cidade que vive o paradoxo de ícone do agronegócio e campeã nacional das contaminações por agrotóxicos. Lá se despeja anualmente, em média, 136 litros de venenos por habitante.
Na pesquisa coordenada pelo médico professor da UFMT Wanderlei Pignati, os agrotóxicos aparecem em todas as 62 amostras do leite materno de mães que pariram entre 2007 e 2010, onde se destacam, além do Endosulfan, outros dois venenos ainda não banidos, o Deltametrina, com 37%, e o DDE, versão modificada do potente DDT, com 100% dos casos. Em Lucas do Rio Verde, aparecem ainda pelo menos outros três produtos banidos, o Paraquat, que provocou um surto de intoxicação aguda em crianças e idosos na cidade, em 2007, o Metamidofóis, e o Glifosato, este, presente em 70 das 79 amostras de sangue e urina de professores da área rural junto com outro veneno ainda não proibido, o Piretroides.
Na lista dos proibidos em outros países estão ainda em uso no Brasil estão o Tricolfon, Cihexatina, Abamectina, Acefato, Carbofuran, Forato, Fosmete, Lactofen, Parationa Metílica e Thiram.
Chuva de lixo tóxico
“São lixos tóxicos na União Europeia e nos Estados Unidos. O Brasil lamentavelmente os aceita”, diz a toxicologista Márcia Sarpa de Campos Mello, da Unidade Técnica de Exposição Ocupacional e Ambiental do Instituto Nacional do Câncer (Inca), vinculado ao Ministério da Saúde. Conforme aponta a pesquisa feita em Lucas do Rio Verde, os agrotóxicos cancerígenos aparecem no corpo humano pela ingestão de água, pelo ar, pelo manuseio dos produtos e até pelos alimentos contaminados.
Venenos como o Glifosato são despejados por pulverização aérea ou com o uso de trator, contaminam solo, lençóis freáticos, hortas, áreas urbanas e depois sobem para atmosfera. Com as precipitações pluviométricas, retornam em forma de “chuva de agrotóxico”, fenômeno que ocorre em todas as regiões agrícolas mato-grossenses estudadas. Os efeitos no organismo humano são confirmados por pesquisas também em outros municípios e regiões do país.
O Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (Para), da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), segundo a pesquisadora do Inca, mostrou níveis fortes de contaminação em produtos como o arroz, alface, mamão, pepino, uva e pimentão, este, o vilão, em 90% das amostras coletadas. Mas estão também em praticamente toda a cadeia alimentar, como soja, leite e carne, que ainda não foram incluídas nas análises.
O professor Pignati diz que os resultados preliminares apontam que pelo menos 30% dos 20 alimentos até agora analisados não poderiam sequer estar na mesa do brasileiro. Experiências de laboratórios feitas em animais demonstram que os agrotóxicos proibidos na União Europeia e Estados Unidos são associados ao câncer e a outras doenças de fundo neurológico, hepático, respiratórios, renais e má formação genética.
Câncer em alta
A pesquisadora do Inca lembra que os agrotóxicos podem não ser o vilão, mas fazem parte do conjunto de fatores que implicam no aumento de câncer no Brasil cuja estimativa, que era de 518 mil novos casos no período 2012/2013, foi elevada para 576 mil casos em 2014 e 2015. Entre os tipos de câncer, os mais suscetíveis aos efeitos de agrotóxicos no sistema hormonal são os de mama e de próstata. No mesmo período, segundo Márcia, o Inca avaliou que o câncer de mama aumentou de 52.680 casos para 57.129.
Na mesma pesquisa sobre o leite materno, a equipe de Pignati chegou a um dado alarmante, discrepante de qualquer padrão: num espaço de dez anos, os casos de câncer por 10 mil habitantes, em Lucas do Rio Verde, saltaram de três para 40. Os problemas de malformação por mil nascidos saltaram de cinco para 20. Os dados, naturalmente, reforçam as suspeitas sobre o papel dos agrotóxicos.
Pingati afirma que os grandes produtores desdenham da proibição dos venenos aqui usados largamente, com uma irresponsável ironia: “Eles dizem que não exportam seus produtos para a União Europeia ou Estados Unidos, e sim para mercados africanos e asiáticos.”
Apesar dos resultados alarmantes das pesquisas em Lucas do Rio Verde, o governo mato-grossense deu um passo atrás na prevenção, flexibilizando por decreto, no ano passado, a legislação que limitava a pulverização por trator a 300 metros de rios, nascentes, córregos e residências. “O novo decreto é um retrocesso. O limite agora é de 90 metros”, lamenta o professor.
“Não há um único brasileiro que não esteja consumindo agrotóxico. Viramos mercado de escoamento do veneno recusado pelo resto do mundo”, diz o médico Guilherme Franco Netto, assessor de saúde ambiental da Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz). Na sexta-feira, diante da probabilidade de agravamento do cenário com o afrouxamento legal, a Fiocruz emitiu um documento chamado de “carta aberta”, em que convoca outras instituições de pesquisa e os movimentos sociais do campo ligados à agricultura familiar para uma ofensiva contra o poder (econômico e político) do agronegócio e seu forte lobby em toda a estrutura do governo federal.
Reação da Ciência
A primeira trincheira dessa batalha mira justamente o Palácio do Planalto e um decreto assinado, no final do ano passado, pela presidente Dilma Rousseff. Regulamentado por portaria, a medida é inspirada numa lei específica e dá exclusividade ao Ministério da Agricultura _ histórico reduto da influente bancada ruralista no Congresso _ para declarar estado de emergência fitossanitária ou zoossanitária diante do surgimento de doenças ou pragas que possam afetar a agropecuária e sua economia.
Essa decisão, até então era tripartite, com a participação do Ministério da Saúde, através da Anvisa, e do Ministério do Meio Ambiente, pelo Ibama. O decreto foi publicado em 28 de outubro. Três dias depois, o Ministério da Agricultura editou portaria declarando estado de emergência diante do surgimento de uma lagarta nas plantações, a Helicoverpa armigera, permitindo, então, para o combate, a importação de Benzoato de Emamectina, agrotóxico que a multinacional Syngenta havia tentado, sem sucesso, registrar em 2007, mas que foi proibido pela Anvisa por conter substâncias tóxicas ao sistema neurológico.
Na carta, assinada por todo o conselho deliberativo, a Fiocruz denuncia “a tendência de supressão da função reguladora do Estado”, a pressão dos conglomerados que produzem os agroquímicos, alerta para os inequívocos “riscos, perigos e danos provocados à saúde pelas exposições agudas e crônicas aos agrotóxicos” e diz que com prerrogativa exclusiva à Agricultura, a população está desprotegida.
A entidade denunciou também os constantes ataques diretos dos representantes do agronegócio às instituições e seus pesquisadores, mas afirma que com continuará zelando pela prevenção e proteção da saúde da população. A entidade pede a “revogação imediata” da lei e do decreto presidencial e, depois de colocar-se à disposição do governo para discutir um março regulatório para os agrotóxicos, fez um alerta dramático:
“A Fiocruz convoca a sociedade brasileira a tomar conhecimento sobre essas inaceitáveis mudanças na lei dos agrotóxicos e suas repercussões para a saúde e a vida.”
Para colocar um contraponto às alegações da bancada ruralista no Congresso, que foca seu lobby sob o argumento de que não há nexo comprovado de contaminação humana pelo uso de veneno nos alimentos e no ambiente, a Fiocruz anunciou, em entrevista ao iG, a criação de um grupo de trabalho que, ao longo dos próximos dois anos e meio, deverá desenvolver a mais profunda pesquisa já realizada no país sobre os efeitos dos agrotóxicos – e de suas inseparáveis parceiras, as sementes transgênicas – na saúde pública.
O cenário que se desenha no coração do poder, em Brasília, deve ampliar o abismo entre os ministérios da Agricultura, da Fazenda e do Planejamento, de um lado, e da Saúde, do Meio Ambiente e do Desenvolvimento Agrário, de outro. Reflexo da heterogênea coalizão de governo, esta será também uma guerra ideológica em torno do modelo agropecuário. “Não se trata de esquerdismo desvairado e nem de implicância com o agronegócio. Defendemos sua importância para o país, mas não podemos apenas assistir à expansão aguda do consumo de agrotóxicos e seus riscos com a exponencial curva ascendente nos últimos seis anos”, diz Guilherme Franco Netto. A queda de braços é, na verdade, para reduzir danos do modelo agrícola de exportação e aumentar o plantio sem agrotóxicos.
Caso de Polícia
“A ciência coloca os parâmetros que já foram seguidos em outros países. O problema é que a regulação dos agrotóxicos está subordinada a um conjunto de interesses políticos e econômicos. A saúde e o ambiente perderam suas prerrogativas”, afirma o pesquisador Luiz Cláudio Meirelles, da Fiocruz. Até novembro de 2012, durante 11 anos, ele foi o organizador gerente de toxicologia da Anvisa, setor responsável por analisar e validar os agrotóxicos que podem ser usados no mercado.
Meirelles foi exonerado uma semana depois de denunciar complexas falcatruas, com fraude, falsificação e suspeitas de corrupção em processos para liberação de seis agrotóxicos. Num deles, um funcionário do mesmo setor, afastado por ele no mesmo instante em que o caso foi comunicado ao Ministério Público Federal, chegou a falsificar sua assinatura.
“Meirelles tinha a função de banir os agrotóxicos nocivos à saúde e acabou sendo banido do setor de toxicologia”, diz sua colega do Inca, Márcia Sarpa de Campos Mello. A denúncia resultou em dois inquéritos, um na Polícia Federal, que apura suposto favorecimento a empresas e suspeitas de corrupção, e outro cível, no MPF. Nesse, uma das linhas a serem esclarecidas são as razões que levaram o órgão a afastar Meirelles.
As investigações estão longe de terminar, mas forçaram já a Anvisa – pressionada pelas suspeitas –, a executar a maior devassa já feita em seu setor de toxicologia, passando um pente fino em 796 processos de liberação avaliados desde 2008. A PF e o MPF, por sua vez, estão debruçados no órgão regulador que funciona como o coração do agronegócio e do mercado de venenos.

Fonte: http://www.alagoas24horas.com.br/conteudo/?vCod=191109

 

Entenda a responsabilidade do fornecedor de produtos e serviços

Em muitas ocasiões, os direitos dos consumidores são atingidos por práticas abusivas por parte das empresas.
Há situações em que o próprio consumidor tem dúvidas em relação aos seus direitos e entende que naquele caso específico não há reparação a ser efetuada pelos prestadores de serviços.
Este artigo visa demonstrar, de forma simples e objetiva, a sistemática do Código de Defesa do Consumidor (CDC) na proteção dos usuários dos serviços e adquirentes de produtos.
Por óbvio, não há intenção de esgotar o assunto. Apenas colocaremos noções básicas para a defesa de seus direitos, apresentando alguns conceitos.
Este artigo faz parte da série “Conheça seus Direitos”, divulgado em nosso Facebook.

Definição de consumidor e fornecedor

Com efeito, preceituam os arts. e do CDC, in verbis:
Art. 2º Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.
Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.
Art. 3º Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
Em apertada síntese e de forma menos técnica, porém útil ao entendimento, podemos resumidor o acima exposto da seguinte maneira: toda vez que adquirimos um bem/serviço para uso somos consumidores. Aquele que forneceu o serviço ou vendeu/fabricou o produto, é fornecedor.

O que significa responsabilidade objetiva?

Rezam os arts. 12 e 14 do CDC:
Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.
Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
Observamos que em ambos os artigos supramencionados aparece a expressão independentemente da existência de culpa. É justamente nesta parte que verificamos a responsabilidade objetiva.
Em linhas gerais, definimos a responsabilidade objetiva como o dever que tem o fornecedor de responder pelos danos causados ao consumidor ainda que não o tenha causado diretamente.
Exemplo: Se adquirimos um produto no supermercado que está mofado, ainda que dentro da validade, a responsabilidade é de quem fabricou, mesmo que o “problema” tenha ocorrido no estabelecimento que estava comercializando o produto.
O comerciante somente terá responsabilidade se o fabricante, o construtor, o produtor ou o importador não puderem ser identificados; o produto for fornecido sem identificação clara do seu fabricante, produtor, construtor ou importador ou se o comerciante não conservar adequadamente os produtos perecíveis (art. 13, I a III, CDC).
Ressalte-se que neste caso a responsabilidade é solidária, ou seja, podem responder conjuntamente o fornecedor e o comerciante.

Em quais casos a empresa se exime da responsabilidade?

A Lei é clara. Somente em três situações o fornecedor não responderá pelos dano sofridos pelo consumidor. São elas:
Art. 14, § 3º. § 3º O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:
I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;
II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

A inversão do ônus probatório

Em se tratando de relações de consumo, o CDC concede a inversão do ônus probatório, ou seja, compete ao fornecedor do serviço provar que o alegado pelo consumidor não é verdade.
Para tanto, basta que o juízo entenda que os fatos são verossímeis (tem aparência de verdade) ou que seja constatada a hipossuficiência do consumidor (art. 6º, VIII, CDC)

A tentativa de solução administrativa e o valor dos “protocolos de atendimento”

É importante, toda vez que estivermos diante de uma situação em que entendamos que a empresa desrespeitou um direito assegurado pela Lei Consumerista, entrarmos em contato com a empresa de todas as formas por ela disponibilizadas. Sempre devemos os respectivos protocolos.
Em caso de eventual ação judicial, o protocolo serve como meio fundamental de prova.

Abrahão Nascimento dos Santos
Advogado. Inscrito na OAB/RJ nº. 174565. Bacharel em Direito pela Faculdade Brasileira de Ciências Jurídicas. Atuante nas áreas de Direito do Trabalho, Cível, Consumidor.
http://abrahaonascimento.jusbrasil.com.br/artigos/113686596/entenda-a-responsabilidade-do-fornecedor-de-produtos-e-servicos?utm_campaign=newsletter&utm_medium=email&utm_source=newsletter

sábado, 22 de fevereiro de 2014

O exercício da advocacia pelos policiais civis

O STF entendeu pela vedação do exercício da advocacia por policiais civil, o que merece ser analisado com cautela.

A quem tem a tarefa de julgar, certamente, nada pode parecer mais incoerente do que, à sombra de legislação opaca, negar direitos siameses a uns e permiti-los a outros. Ao considerar improcedente a ADI (3541) ajuizada contra dispositivo legal que proíbe o exercício da advocacia aos policiais civis, o Supremo Tribunal Federal tratou de forma diferente situações iguais. Explica-se.
Salientou-se que a vedação do exercício da atividade de advocacia por aqueles que desempenham, direta ou indiretamente, atividade policial “não se presta a fazer distinção qualitativa entre a atividade da Polícia e da advocacia”. Afirma o Ministro, ainda, que o legislador vedou o exercício simultâneo das duas atividades, por considerá-lo prejudicial ao exercício das funções. Aqui o equívoco.
De fato, as funções, tanto policiais, quanto da advocacia, são fundamentais para o seio social, porém, nada impede que sejam exercidas pela mesma pessoa, desde que evidentemente esteja habilitada para tanto e sua ação não gere nenhum conflito de interesse. Essa é a lente pela qual se deveria enxergar a questão.
É com base nessa visão, inclusive, que o próprio Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906/94) permite o exercício da função aos servidores da administração direta, indireta e fundacional, desde que não advoguem contra a Fazenda Pública que os remunera (art. 30, I).
Veja-se outro exemplo, ainda mais cabal. A Constituição Federal dispõe em seu artigo 132 que os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal “exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas unidades federadas”. Nada obstante tal função eminentemente ligada à Administração Pública, nada há que impeça os procuradores de exercer a advocacia, desde que não labutem contra a Fazenda Pública a que se encontrem subordinados.
Ora, de se perguntar: teria a função exercida pelos procuradores, de índole constitucional, a propósito, efeitos menos danosos que a atividade policial, em casos de conflitos de interesses? Noutras palavras, em razão do argumento do Ministro Toffoli, seria prejudicial uma mesma pessoa exercer as funções de representante judicial do Estado e de advocacia particular?
Quer-se crer que a resposta a tal indagação há de ser negativa, uma vez não comprovado qualquer conflito de interesse. Essa é, inclusive, a intenção do citado Estatuto da Advocacia. De fato, a atividade policial deveria ser considerada com certos impedimentos para o exercício da advocacia e não peremptoriamente com ela incompatível.
Veja-se o exemplo de um policial civil no Distrito Federal que, hipoteticamente, exercesse a advocacia privada em Minas Gerais, no ramo previdenciário. Quais prejuízos poderiam advir desse exercício concomitante? Note-se que os conflitos de ordem subjetiva, tais como a coação ou a ameaça, independem da figura do policial civil. Afinal, não teria um Procurador do Estado também tal possibilidade coativa?
Nunca é demais repisar que tanto policiais civis quanto procuradores ou os demais servidores públicos têm disciplina jurídica assentada na própria Carta Constitucional. Logo, sobre eles deveriam impor-se os mesmos deveres e garantias, respeitadas, evidentemente, as peculiaridades de cada função.
Ademais, o exercício da advocacia pelos policiais teria uma vantagem pragmática, principalmente na área penal, pois detém conhecimentos singulares dos procedimentos do inquérito e, desse modo, poderiam contribuir para que a investigação policial fosse um instrumento de elucidação verdadeira dos fatos e não, simplesmente, de imputação de culpa a alguém.
No Brasil atual, deve-se descartar a visão preconcebida da má-fé ou de interesses mesquinhos das pessoas, com a finalidade de proibir tudo. Ao contrário, as pessoas são presumidamente boas e honestas.
Pensa-se ser essa a tradução mais congruente do Princípio da Igualdade Constitucional, sobre o qual, inclusive, a Ministra Cármem Lúcia[1] já advertiu ser “mais que uma expressão de Direito; é um modo justo de se viver em sociedade”.

Notas

[1] ROCHA, Cármem Lúcia Antunes. O Princípio constitucional da igualdade. Belo Horizonte: Jurídicos Lê, 1990, p. 118. 

REOLON, Jaques. O exercício da advocacia pelos policiais civis. Jus Navigandi, Teresina, ano 19, n. 3887, 21 fev. 2014. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/26764>. Acesso em: 21 fev. 2014.

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Empresa de semente deverá indenizar por baixa produtividade

A Bayer Seeds foi condenada a pagar R$ 70 mil de indenização por danos morais e materiais a um agricultor em função dos prejuízos que ele teve por comprar sementes com produtividade abaixo do prometido pela empresa. A decisão, unânime, é da 11ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.
De acordo com o relator, desembargador Alexandre Santiago, a promessa de produtividade e rendimento das sementes e a colheita a menor que o esperado, deve ser vista como causadora de dano de ordem moral. “Primeiro, pelos reflexos no resultado final, onde o produtor investe tempo, dinheiro, projetos e sonhos de uma boa colheita e vê frustradas suas expectativas; segundo, pelas consequências do prejuízo que tendo a promessa de uma colheita que não se efetiva na forma esperada, os compromissos precisam ser honrados da mesma forma que pactuados, o que leva a utilização de outros recursos, o que atinge muito além do patrimônio, a moral”, explica.
Ao ingressar com a ação, o agricultor contou que adquiriu da Bayer sementes de soja, que a empresa assegurou serem de grande produtividade — cerca de 317 sacas por alqueire. Contudo, a semente apresentou produção de apenas a 169,40 sacas por alqueire, gerando diversos prejuízos ao produtor. Tendo em vista a área plantada por ele, de 62 hectares, a perda foi de 930 sacas do produto. Na Justiça, ele pediu a reparação dos danos materiais e morais com o ocorrido.
Em primeira instância, o juiz da Vara Única da comarca de Canápolis avaliou que houve prejuízo de ordem material, mas, diante da impossibilidade de quantificá-lo, determinou que a Bayer pagasse ao agricultor R$ 15 mil — valor correspondente à dívida que o produtor rural possuía com a empresa. Os danos morais foram negados.
O agricultor recorreu, afirmando que ficou comprovado que a baixa colheita ocorreu por culpa da qualidade das sementes. Sustentou que outras sementes teriam lhe rendido 50 sacas por hectare, e ele não conseguiu colher nem 40, embora a promessa, quando da compra do produto, tenha sido de cerca de 65 sacas. Pediu, assim, que fosse aumentada a indenização por danos materiais e que fosse considerada a existência de dano moral.
Ao analisar o recurso, o desembargador Alexandre Santiago observou que provas documentais e relatos de testemunhas revelam que o agricultor realmente sofreu prejuízos. O relator disse também que a própria empresa não impugnou a promessa da alta produtividade das sementes ofertadas ao agricultor.
Contudo, o desembargador verificou que as provas produzidas eram frágeis para embasar os danos materiais no valor indicado pelo agricultor, qual seja, 930 sacas de soja ou seu valor de mercado. Além disso, o relator julgou que o resultado final da colheita não poderia ser totalmente imputado à empresa. Dessa maneira, o relator avaliou que a decisão de primeira instância, no que se refere aos danos materiais, deveria ser mantida.
Com relação aos danos morais, o desembargador relator avaliou que eram devidos. Segundo ele, o fracasso de uma colheita, quando se esperava uma superprodução, provoca entre os produtores rurais e as pessoas da região muitos comentários e até mesmo descrédito. “O causador desse prejuízo deve indenizar a vítima de suas promessas”, declarou. Tendo em vista as peculiaridades do caso, fixou a indenização por dano moral em R$ 55 mil. Os desembargadores Paulo Balbino e Mariza de Melo Porto votaram de acordo com o relator. Com informações da Assessoria de Imprensa do TJ-MG.

Clique aqui para ler a decisão.
Processo 1.0118.05.002590-7/001
Revista Consultor Jurídico, 17 de fevereiro de 2014
http://www.conjur.com.br/2014-fev-17/empresa-semente-devera-indenizar-agricultor-baixa-produtividade

Escola privada pode recusar matrícula de aluno deficiente

A garantia de atendimento especializado para jovens portadores de deficiência física vale apenas para as instituições públicas de ensino, e as escolas privadas não têm o dever de se adaptar, podendo recusar alunos caso não contem com a infraestrutura necessária. Com base neste entendimento, a 10ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo rejeitou recurso de uma mulher e manteve sentença de primeira instância que negou o pedido de indenização por danos morais feito por ela.

A mulher pedia que uma escola privada reparasse o dano causado pela negativa de inscrição de sua filha, que sofre de síndrome de Down. A instituição de ensino alegou que não possuía a estrutura necessária para a prestação dos serviços à família. Relator do recurso no TJ-SP, o desembargador Urbano Ruiz afirmou que a garantia de atendimento especializado a crianças com deficiência está prevista no artigo 208 da Constituição, mas refere-se apenas à rede pública de ensino, sem qualquer regulamentação para instituições privadas.

Em seu voto, ele apontou que não se questiona o aborrecimento que a família da criança sofreu, mas não há dano que deva ser reparado, pois “a autora não foi exposta a situação vexatória, não ostentando discriminação ou preconceito”. Seu voto foi acompanhado pelos desembargadores Antonio Celso Aguilar Cortez e Antonio Carlos Villen, e a decisão já transitou em julgado. Com informações da Assessoria de Imprensa do TJ-SP.
 
Revista Consultor Jurídico, 18 de fevereiro de 2014
http://www.conjur.com.br/2014-fev-18/escola-privada-nao-adaptar-recusar-aluno-deficiencia

Norma que impede contato de advogado com imprensa é ilegal


Resolução da seccional pernambucana da OAB que restringe o contato de advogados com a imprensa é inconstitucional e absurda, afirmam advogados e entidades da advocacia consultados pela ConJur. De acordo com eles, não cabe à seccional limitar os direitos à liberdade de expressão e de imprensa, previstos na Constituição Federal.
“Essa resolução é um verdadeiro absurdo. Se não houver promoção, não pode haver qualquer restrição. A seccional não pode limitar o que a Constituição permite amplamente. Mesmo que fosse uma determinação prevista no Estatuto da Ordem, a questão teria que ser debatida”, afirma o professor e advogado Ives Gandra Martins, do Grandra Martins Advocacia.
Segundo ele, se o advogado é procurado pela imprensa e dá uma entrevista sem ter o intuito de captar clientes, a seccional não pode fazer essa limitação. “O que o advogado não pode é fazer propaganda. Conceder uma entrevista fazendo autopromoção, dizendo que seu escritório é bom ou coisa parecida”, diz.
Ives Gandra menciona ainda o caso do advogado Joseval Peixoto, que apresenta um telejornal diário no SBT. Segundo Ives Gandra, pela norma, Peixoto seria obrigado a deixar seu programa. “O advogado não é um membro do Ministério Público ou juiz que não pode ter outra função”, comenta.
O advogado Marcelo Knopfelmacher, presidente do Movimento de Defesa da Advocacia, também fez críticas à proposta. “A liberdade de imprensa e o direito à livre expressão do pensamento constituem garantias constitucionais sequer modificáveis por Emenda Constitucional. Por essa razão, muito menos poderiam ser violadas essas garantias constitucionais de liberdade de imprensa e de livre expressão do pensamento por simples Resolução de seccional da OAB”.
Em nota de repúdio à resolução (clique aqui para ler a íntegra), a entidade afirma que tanto do ponto de vista constitucional como do ponto de vista do Conselho Federal da OAB, a norma é ilegal. “O regramento nacional sobre o tema, tratado no Provimento 94/2000 do Conselho Federal da OAB, não traz nenhuma cota/limitação ao número de entrevistas ou mesmo a participação de advogados em programas de rádio e televisão”, explica o presidente do MDA.
Outra entidade que condena a resolução é a Associação dos Advogados Criminalistas do Estado de São Paulo (Acrimesp). Para Ademar Gomes, presidente do Conselho da Acrimesp, “essa postura da OAB-PE pode ser definida de uma forma bastante resumida: censura velada. E o motivo também é bastante simples: não há democracia sem uma imprensa forte, livre e desatrelada”.
Gomes reforça que a a Constituição garante o direito à informação que diga respeito à sociedade e ao cidadão. Entretanto, ele aponta que esse tipo de decisão como a da OAB-PE viola a Constituição. Segundo ele, essa resolução “mascara o pretexto de punir o estrelismo e o vedetismo de alguns, impondo, na vigência de um regime democrático que reclama a transparência, o manto do segredo. Querem transformar em regra o que deveria ser exceção”, diz.
“Nossa profissão sofre, sobretudo, pela omissão de uma entidade que, em princípio, deveria defender suas prerrogativas. Agir contra os princípios conquistados pela democracia e amordaçar advogados, a imprensa, a sociedade enfim, é impor ao país o entulho autoritário da censura e do descrédito. A Acrimesp entende e é firme nessa posição, que a aplicação de resoluções como essa da OAB-PE é abominável, totalmente incompatível com os ares democráticos que já respiramos em nossa terra”, complementa em nota (clique aqui para ler a íntegra).
Para o advogado Wilson Roberto, do Wilson Roberto Consultoria e Assessoria Jurídica, a limitação periódica é bastante restritiva, fugindo do que limita o Código de Ética da OAB. “Impor esta frequência para responder a consultas e entrevistas viola a liberdade de expressão do advogado”, diz o advogado, que também atua em Pernambuco. Ele aponta ainda que há casos em que apenas poucos profissionais ou escritórios possuem conhecimento do tema, sendo requisitados por diversos veículos de comunicação.
Entre as limitações impostas pela resolução está a que advogados podem conceder entrevistas apenas uma vez por mês, em caso de publicação em jornais, revistas especializadas ou participação em programas ou entrevistas em rádio ou televisão. A frequência não é válida, entretanto, caso o advogado esteja representando a OAB nas entrevistas.
O advogado Roberto Mortari Cardillo, do Cardillo & Prado Rossi Advogados, também critica as limitações impostas pela OAB de Pernambuco. Segundo Cardillo, a publicidade na advocacia é regulada em todo o país pelo Código de Ética da OAB e pelo Provimento 94/2000, não podendo a seccional impor limites que vão além dos já previstos.
Para Cardillo, essas medidas são excessivas e não pode ser adotadas pela seccional, mesmo que esta enfrente problemas com casos de abuso. “Essas restrições colidem com as normas superiores. Não cabe a seccional fazer essa inovação que não consta na legislação que regula a publicidade na adovcacia. A seccional pode, em sua regulamentação, explicitar o que já consta na norma superior e não impor novas restrições”, diz.

Clique aqui para ler a Resolução 8/2013 da OAB-PE.

Tadeu Rover é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 18 de fevereiro de 2014
http://www.conjur.com.br/2014-fev-18/norma-oab-pe-impede-contato-advogado-imprensa-ilegal

Unimeds são as principais punidas pela ANS

O aperto na legislação não pôs fim à farra dos planos de saúde quando o assunto é desrespeito ao consumidor. Tanto que a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) suspendeu ontem a comercialização de 111 convênios de 47 operadoras, 31 delas reincidentes nos abusos. As Unimeds são as principais punidas. Outros 122 planos conseguiram reduzir os índices de reclamações e voltaram à ativa, incluindo a Geap Autogestão em Saúde, que poderá, agora, vender, integralmente, o superplano dos servidores negociado com o governo federal.

Dois dos cinco convênios da Geap estavam suspensos, o GeapFamília e o GeapSaúde II, devido ao elevado nível de queixas dos usuários, por causa da má prestação de serviços. Assim, os acordos da operadora com 114 órgãos do Executivo estavam prejudicados. A liberação, pela ANS, ocorreu a despeito de a empresa ainda estar passando por um amplo plano de recuperação financeira. 
(...)
Leia a íntegra em: http://www.jornalstylo.com.br/noticia.php?l=69d12485ba03b31da9c70432b105bfcf

Igreja anulará casamento que houver 'dependência obsessiva' de pais por cônjuge

Publicado por Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Estado de São Paulo.

A dependência causaria a anulação do casamento quando um dos dois cônjuges tiver de consultar seu pai ou sua mãe a cada decisão a ser tomada pelo casal

A dependência obsessiva de pai ou da mãe por parte de um dos dois cônjuges pode ser considerada uma causa válida para que a Igreja Católica anule um casamento.
A notícia ocupa grande espaço na imprensa italiana neste domingo, um dia depois de o vigário judicial da diocese de Ligúria, Paolo Rigon, ter explicado o caso durante a abertura do ano judicial eclesiástico desta região do noroeste da Itália.
Segundo Rigon, as pessoas afetadas por esta dependência não seriam capazes de cumprir com os deveres conjugais. "Há casos nos quais se está tão apegado à mãe que não se pode ter vida comum com o companheiro", disse o cardeal jurista Velasio de Parolis, membro do Tribunal Supremo da Signatura Apostólica, ao jornal La Stampa.
Ontem, em seu pronunciamento, Rigon explicou que a dependência causaria a anulação do casamento quando um dos dois cônjuges tiver de consultar seu pai ou sua mãe a cada decisão a ser tomada pelo casal. Segundo o cardeal, tal nível de dependência traz um papel de "substituto" ao marido ou esposa, sendo psicologicamente o pai ou a mãe o verdadeiro cônjuge.
A imprensa italiana resumiu a nova regra da Igreja: "É como ter se casado com a sogra".
Rigon citou algumas situações concretas com que se deparou pessoalmente. Segundo ele, são jovens e adultos casados, psicologicamente imaturos, totalmente despreparados para a vida de casal, continuando a depender dos pais assim como faziam quando eram crianças ou adolescentes.
Os dicionários italianos contam com o verbete 'mammismo', que significa excessivo sentimento protetor da mãe e a consequente subordinação afetiva do filho; Rigon o diferencia da clássica figura na Itália do "mammone", ou seja, das pessoas que precisam de suas mães ou não querem se desapegar delas. Esta dependência seria como uma espécie de droga que "incide gravemente na vida conjugal", acrescentou o cardeal.
O jornal Corriere della Sera publicou a opinião do decano do colégio cardinalício, Angelo Sodano, arcebispo de Gênova, sobre o assunto e ele garantiu que "o casamento deve ser um ato realizado com total liberdade", por isso o "mammismo" pode ser causa de anulação.

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'Testamento biológico' permite nascimento de filhos de pais mortos

A Justiça de Israel abriu precedentes para um experimento inédito no mundo, o chamado 'testamento biológico'. A concepção e o nascimento de bebês a partir de óvulos ou de sêmen deixados como 'herança' por pais já mortos está ocorrendo no país sob instrução escrita dos pais falecidos. A ideia é polêmica.
(...)
A ideia do testamento biológico é de autoria da advogada israelense Irit Rosenblum, diretora da ONG Nova Família.

Em entrevista à BBC Brasil, a advogada contou que a ideia surgiu em 1998, quando conversou com um ex-soldado que havia perdido a fertilidade durante o serviço militar. Aos 20 anos, o jovem foi informado que não poderia mais ser pai e foi conversar com Rosenblum para averiguar outras maneiras de constituir uma família.

'Durante a conversa com aquele moço me veio a ideia. Hoje em dia, nós, humanos, temos meios tecnológicos para dar continuidade à vida, apesar das doenças e mesmo apesar da morte. Homens podem congelar sêmen, mulheres podem congelar óvulos. O que faltava era um instrumento legal que possibilitasse que os herdeiros utilizassem esse material genético. Isso é justamente o que chamamos de testamento biológico'.
(...)
Controvérsia
A ideia do testamento biológico gera polêmica no país. Segundo a promotoria geral da Justiça de Israel, que se opôs à entrega do sêmen aos avós no caso de Pozniansky, esse procedimento 'não necessariamente seria para o bem da criança, pois ela já nasceria órfã'.
(...)
Leia a íntegra em: http://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2014/02/testamento-biologico-permite-nascimento-de-filhos-de-pais-mortos.html

domingo, 16 de fevereiro de 2014

Contrato preliminar e direito real de aquisição na promessa de compra e venda

Comentários ao enunciado 239 da Súmula de Jurisprudência do STJ

O Código Civil brasileiro atribuiu expressamente ao direito do promitente comprador do imóvel a qualidade de direito real (art. 1.225, VII). Embora não esteja consignado na norma, trata-se de um direito real de aquisição aplicável aos contratos de promessa de compra e venda, consistente na possibilidade de o promitente comprador (titular do direito real à aquisição do imóvel) exigir em juízo a adjudicação compulsória do bem cuja escritura definitiva não fora outorgada voluntariamente pelo promitente vendedor.
A terminologia técnica é complicada, mas pode ser mais facilmente compreendida à luz do estudo do contrato preliminar. Isso porque o contrato de promessa de compra e venda nada mais é do que uma espécie de contratação que visa, em princípio, a assegurar o cumprimento de outro contrato. A esse segundo contrato dá-se o nome de contrato principal, que é o contrato definitivo de compra e venda do imóvel.  
No tocante ao contrato preliminar, é mister assinalar que se trata de um tipo de negócio jurídico que voltado a preparar as partes contratantes para a celebração de um contrato futuro. Sendo assim, como negócio jurídico preparatório, deve conter os requisitos essenciais à validade do contrato definitivo (o contrato principal), especialmente aqueles previstos no art. 104 do Codexin verbis:  
Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:
I - agente capaz;
II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável;
III - forma prescrita ou não defesa em lei.
Entre esses requisitos do art. 104, não se aplica ao contrato preliminar apenas o relativo à forma. Com efeito, o legislador optou por deixa-la livre à autonomia privada, a afastar a sua solenidade. É o que prescreve o art. 462 do CC (grifo meu):
Art. 462. O contrato preliminar, exceto quanto à forma, deve conter todos os requisitos essenciais ao contrato a ser celebrado.
É fato que parte da doutrina interpreta com ressalvas a liberdade de forma nos contratos preliminares, buscando conciliá-la com outros dispositivos legais, a exemplo do art. 227, que impõe restrições, no direito probatório, à prova exclusivamente testemunhal nos negócios jurídicos cujo valor não ultrapasse o décuplo do salário mínimo.
A esse respeito, os comentários de Farias e Rosenvald (2012, p. 948) são esclarecedores: 
Na linha consensualista, o Código Civil é enfático na defesa do princípio da liberdade de forma para os contratos preliminares (art. 107, CC). Em outras palavras, dotado o negócio jurídico dos pressupostos de existência e dos requisitos de validade a que alude o artigo 104 do Código Civil, o contrato preliminar é um ato jurídico perfeito, independente da relação principal que procura garantir. O ordenamento afastou o princípio da atração das formas entre os contratos preliminar e definitivo. Esta diversidade de fundamentos e efeitos entre os dois modelos jurídicos, justifica a liberdade de contratar sem a exigência da forma pública, essencial à validade de negócios jurídicos que visem à constituição de direitos reais sobre bens imóveis de valor superior a trinta salários mínimos (art. 108, CC).
Certamente esta liberdade de forma não será extremada, posto conciliada com outros dispositivos legais. Daí a necessidade de escrito particular para os contratos preliminares cujo valor ultrapasse o décuplo do salário mínimo, admitindo-se a prova exclusivamente testemunhal quanto à sua existência tão somente para transação de patamar inferior ao aludido montante (art. 227, CC). Esta mesma restrição ao direito probatório é insculpida no artigo 401 do Código de Processo Civil.
Importa salientar que, no contrato preliminar, já há uma obrigação contratual definida. Ela consubstancia o dever de celebrar o contrato definitivo (contrato principal). Assim se justifica a redação do caput do art. 463 do CC, o qual assinala a eficácia obrigacional do vínculo prévio, dotando-o de exigibilidade jurídica:
Art. 463. Concluído o contrato preliminar, com observância do disposto no artigo antecedente, e desde que dele não conste cláusula de arrependimento, qualquer das partes terá o direito de exigir a celebração do definitivo, assinando prazo à outra para que o efetive.
Ao assegurar a possibilidade de tutela específica da obrigação de fazer, consistente na celebração do contrato principal, o art. 463 deixa claro que o contrato preliminar é um negócio jurídico sério, não se confundindo, dessa maneira, com as negociações preliminares, no curso das quais há apenas a manifestação de intenções desprovidas de juridicidade.
Consequentemente, em regra, o contrato preliminar deve ser concebido como uma convenção jurídico irretratável, porquanto dotada de eficácia obrigacional. Ciente disso, o legislador ressalvou expressamente a possibilidade de inclusão da cláusula concernente ao direito de arrependimento, isto é, a aposição autônoma ao instrumento do contrato do direito potestativo que faculta aos contratantes resilir unilateralmente o contrato preliminar. Logo, a cláusula de arrependimento permite, por exemplo, que o contratante arrependido (contratante demissionário) não seja judicialmente compelido a celebrar a avença principal - medida que, na linguagem processual, corresponde à tutela específica da obrigação de fazer futura.
Essas noções doutrinárias acerca do contrato preliminar são extremamente úteis ao entendimento do contrato de promessa de compra e venda. O motivo reside na similitude dessas modalidades contratuais, a apresentar estreita relação em sua disciplina jurídica. Prova disso é a previsão da cláusula de arrependimento no art. 1.417 do CC:
Art. 1.417. Mediante promessa de compra e venda, em que se não pactuou arrependimento, celebrada por instrumento público ou particular, e registrada no Cartório de Registro de Imóveis, adquire o promitente comprador direito real à aquisição do imóvel.
Portanto, seja na disciplina geral dos contratos preliminares, seja na disciplina específica da promessa de compra e venda, o exercício do direito potestativo de arrependimento deve decorrer da aposição de cláusula expressa ao instrumento. Caso contrário, a denúncia não se concretizará validamente (sem perdas e danos).
Mas mais interessante ainda é atentar ao teor do parágrafo único do art. 463 do Código Civil, in verbis:
Art. 463. omissis
Parágrafo único. O contrato preliminar deverá ser levado ao registro competente.
Trata-se de dispositivo polêmico, que tem gerado fundas discussões nos tribunais. O busílis encontra-se na exigência de registro do contrato preliminar, o que poderia afetar o direito à adjudicação compulsória previsto no art. 1.418 do CC:
Art. 1.418. O promitente comprador, titular de direito real, pode exigir do promitente vendedor, ou de terceiros, a quem os direitos deste forem cedidos, a outorga da escritura definitiva de compra e venda, conforme o disposto no instrumento preliminar; e, se houver recusa, requerer ao juiz a adjudicação do imóvel.
No afã de interpretar a redação equívoca do parágrafo único do art. 463 do CC, surgem duas correntes na doutrina (ASSIS NETO; JESUS; MELO, 2013, p. 1465). De lado, há os que defendem que o dispositivo refere-se tão só à necessidade de registro do compromisso de compra e venda para oposição de efeitos erga omnes (Ruy Rosado de Aguiar, Carlos Roberto Gonçalves); de outro, situam-se os que entendem que é imperiosa a necessidade de registro quaisquer que sejam os efeitos pretendidos pelos contraentes (Joel Dias Figueira, Carlos Alberto Dabus Maluf, Mário Müler Romitti).
Por sua vez, no plano jurisprudencial, os precedentes mais antigos do Superior Tribunal de Justiça inclinavam-se em acatar os argumentos expendidos pela primeira corrente. Colaciono:
Adjudicação compulsória.
1. É torrencial a jurisprudência da Corte no sentido de que o"direito à adjudicação é de caráter pessoal, restrito aoscontratantes, não se condicionando a obligatio faciendi à inscrição
no registro de imóveis".
2. Recurso especial conhecido e provido.
(STJ, T3 - Terceira Turma, REsp 204.784/SE, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 23/11/1999, p. DJ 07/02/2000).
De acordo com o raciocínio que foi sendo maturado pela Corte, a eficácia obrigacional inter partes existe tão logo seja concluído o pacto. Independentemente de registro, o promissário fica autorizado a exigir da contraparte a celebração do contrato principal nos limites do acordo prévio de vontades. Por sua vez, a eficácia real (erga omnes) é que demanda o registro em cartório da avença. Neste último caso, o registro (no cartório de registro de imóveis ou no cartório de títulos e documentos, conforme se cuide, respectivamente, de bem imóvel ou móvel) serve como mecanismo assecuratório de que a promessa inscrita no contrato preliminar não será afetada por eventual negócio jurídico celebrado com terceiros de boa-fé. Um exemplo vem a calhar. Suponhamos que, na promessa de compra e venda de imóvel, o promitente vendedor, no curso do contrato preliminar, e exercendo legitimamente seu direito de proprietário (afinal, não houve ainda a outorga da escritura definitiva da propriedade do bem imobiliário), celebre novo contrato (de compra e venda) com terceiro de boa-fé. Este terceiro ignorava a existência de contrato de promessa de compra e venda e nem poderia, diligenciando ordinariamente, descobri-lo. Aí é que a eficácia erga omnes, adquirida mediante o registro em cartório, tem o poder de impedir que a alienação do imóvel a terceiro de boa-fé prejudique o contrato preliminar. Assim, garantir-se-á que o promissário comprador da promessa de compra e venda possa ajuizar a ação pessoal de adjudicação compulsória, desta vez não apenas contra o promitente vendedor, que alienou o bem, mas também contra o terceiro, cujo contrato de compra e venda, ainda que celebrado de boa-fé, será considerado negócio jurídico ineficaz. Ou seja, o registro em cartório assegura a oponibilidade a terceiros da promessa de compra e venda, a atestar a eficácia real do pacto preliminar, consubstanciada no direito real de aquisição do bem prometido (CC, art. 1.225, VII).  
Com amparo nesse raciocínio, o STJ editou o enunciado nº 239 da súmula de jurisprudência do tribunal:
STJ, Súmula nº 239:
O direito à adjudicação compulsória não se condiciona ao registro do compromisso de compra e venda no cartório de imóveis.
O verbete revela a assunção pelo tribunal da distinção já feita antes, no sentido de que a eficácia obrigacional inter partes do contrato preliminar independe de registro. "Assim, quando o direito à escrituração definitiva da compra e venda é exercido diretamente contra o promitente vendedor, não se lhe condiciona o registro" (ASSIS NETO; JESUS; MELO, 2013, p. 1465, grifo do autor).   
De tal arte a corroborar esse entendimento, o enunciado 95 da I Jornada de Direito Civil do CJF/STJ preceitua:
95 – Art. 1.418: O direito à adjudicação compulsória (art. 1.418 do novo  Código Civil), quando exercido em face do promitente vendedor, não se  condiciona ao registro da promessa de compra e venda no cartório de  registro imobiliário (Súmula n. 239 do STJ).
Em seus julgados, o STJ vem aplicando iterativamente o enunciado nº 239. Colaciono (grifo nosso):
DIREITO CIVIL. ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA. COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA. REGISTRO IMOBILIÁRIO. DESNECESSIDADE. SÚMULA/STJ. RECURSO NÃO CONHECIDO.
- Nos termos do enunciado nº 239 da súmula/STJ, o direito à adjudicação compulsória não se condiciona ao registro do compromisso de compra e venda no cartório de imóveis.
(STJ, T4 - Quarta Turma, REsp 188.172/SP, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 10/10/2000, p. DJ 20/11/2000).
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE ADJUDICAÇÃO. REGISTRO DO COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA. SÚMULA 239/STJ. FINANCIAMENTO DE IMÓVEL. HIPOTECA POSTERIOR. INEFICÁCIA.
I – Em consonância com o enunciado 239 da Súmula desta Corte, o direito à adjudicação compulsória não se condiciona ao registro do compromisso de compra e venda no cartório de imóveis.
II - A hipoteca outorgada pela construtora ao agente financiador em data posterior à celebração da promessa de compra e venda com o promissário-comprador não tem eficácia em relação a este último. Precedentes. Agravo improvido.
(STJ, T3 - Terceira Turma, AgRg no Ag 575.115/SP, Rel. Min. Castro Filho, j. 28/10/2004, p. DJ 17/12/2004).
DIREITO DAS COISAS. RECURSO ESPECIAL. USUCAPIÃO. IMÓVEL OBJETO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA. INSTRUMENTO QUE ATENDE AO REQUISITO DE JUSTO TÍTULO E INDUZ A BOA-FÉ DO ADQUIRENTE. EXECUÇÕES HIPOTECÁRIAS AJUIZADAS PELO CREDOR EM FACE DO ANTIGO PROPRIETÁRIO. INEXISTÊNCIA DE RESISTÊNCIA À POSSE DO AUTOR USUCAPIENTE. HIPOTECA CONSTITUÍDA PELO VENDEDOR EM GARANTIA DO FINANCIAMENTO DA OBRA. NÃO PREVALÊNCIA DIANTE DA AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA DA PROPRIEDADE. INCIDÊNCIA, ADEMAIS, DA SÚMULA N. 308.
1. O instrumento de promessa de compra e venda insere-se na categoria de justo título apto a ensejar a declaração de usucapião ordinária. Tal entendimento agarra-se no valor que o próprio Tribunal - e, de resto, a legislação civil - está conferindo à promessa de compra e venda. Se a jurisprudência tem conferido ao promitente comprador o direito à adjudicação compulsória do imóvel independentemente de registro (Súmula n. 239) e, quando registrado, o compromisso de compra e venda foi erigido à seleta categoria de direito real pelo Código Civil de 2002 (art. 1.225, inciso VII), nada mais lógico do que considerá-lo também como "justo título" apto a ensejar a aquisição da propriedade por usucapião.
[...]
(STJ, T4 - Quarta Turma, REsp 941.464/SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 24/04/2012, p. DJe 29/02/2012).
DIREITO CIVIL. PROPRIEDADE. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO ANULATÓRIA. COMPROMISSO DE VENDA E COMPRA. REGISTRO IMOBILIÁRIO. OPOSIÇÃO. ADJUDICAÇÃO EM HASTA PÚBLICA. BOA-FÉ.
[...]
6. A jurisprudência conferia ao promitente comprador o direito à adjudicação compulsória do imóvel independentemente de registro (Súmula n. 239); e, quando registrado, o compromisso de compra e venda foi erigido à seleta categoria de direito real pelo Código Civil de 2002 (art. 1.225, inciso VII), sendo, portanto, oponível em relação aos terceiros.
[...]
(STJ, T3 - Terceira Turma, REsp 1.221.369/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 20/08/2013, p. DJe 30/08/2013).
Conclui-se, portanto, que, no caso da promessa de compra e venda, o promissário comprador pode exigir a tutela específica da obrigação de fazer (celebração de contrato futuro, mediante a outorga da escritura definitiva de transmissão da propriedade do bem imóvel) contra o promitente vendedor tão logo seja concluído o negócio jurídico prévio (obviamente, contanto que o promissário comprador tenha adimplido sua obrigação e o promitente vendedor esteja em mora).
Dessa maneira, o registro em cartório, referido no parágrafo único do art. 463 do Código Civil deve ser interpretado tão somente como fator eficacial da promessa de compra e venda perante terceiros (sujeito passivo universal). Logo, o consectário do registro do contrato preliminar em serventia é a garantia de que a sentença que julgar procedente o pedido veiculado em ação de adjudicação compulsória possa desconstituir o direito real de todo e qualquer terceiro interveniente, ainda que de boa-fé.

TEODORO, Rafael. Contrato preliminar e direito real de aquisição na promessa de compra e venda: Comentários ao enunciado 239 da Súmula de Jurisprudência do STJ. Jus Navigandi, Teresina, ano 19, n. 3881, 15 fev. 2014. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/26624>. Acesso em: 15 fev. 2014.