quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Juntada não é casada

Mas você é casada ou juntada?”, perguntou uma moça para a outra, dentro do elevador. “Juntada, e que eu saiba tenho os mesmos direitos de casada”, respondeu a outra. A porta se abriu, eu saí e pensei: “não tem não”. Não conheço as moças do elevador, mas considerei que retomar esse tema pode ser de grande valia, afinal, a informação dita com tanta certeza pela moça ainda é recorrente não só em elevadores. Para o senso comum, essa ideia de simetria entre casamento e união estável permanece.
É verdade que as uniões estáveis são reconhecidas por lei, e já ficou no passado a ideia de que só o papel – no caso, o registro do casamento civil – atesta a existência de um núcleo familiar. Entretanto, fosse a mesma coisa estar casado ou “juntado” e a comunidade homossexual nem brigaria tanto pelos direitos ao casamento civil, só para citar um exemplo atual e bastante pertinente.
Em dois momentos limites faz toda a diferença estar num casamento ou em uma união estável: no momento de separar-se e quando sobrevém a morte de um dos companheiros. Pois bem, no primeiro caso, o direito à partilha dos bens, guarda de filhos, pensão alimentícia, enfim, todos os institutos que sempre foram relativos ao casamento e também estão presentes na união estável, podem ser apreciados e analisados. No caso de falecimento, também esses institutos têm relevância, no entanto, ainda há versões contraditórias quanto à posição dos companheiros na linha sucessória. A meação – ou seja, a metade dos bens adquiridos onerosamente ao longo da união estável – está garantida aos companheiros. Mas meação não é herança, e quanto a esta, os companheiros podem estar tanto no último lugar da fila, após parentes de todas as classes – filhos, pais, irmãos, tios, sobrinhos – como podem também figurar entre os herdeiros necessários e, a partir dessa versão, sim, podem ganhar os mesmos direitos do cônjuge.
Mas há um detalhe pouco alardeado, uma daquelas frases que parecem designar apenas um ato burocrático, uma canetada, mas que na prática é super importante: o reconhecimento judicial da união estável. Todo o episódio de união estável que chega aos tribunais – seja por uma razão simples como rompimento da união e consequente necessidade de estipular partilha, pensão, etc., seja para o recebimento de herança, vultosa ou não–, a primeira providência é: reconhecer a união estável. Sem esse reconhecimento, os demais procedimentos jurídicos não têm lugar.
Vou dar um exemplo que pode ajudar a esclarecer. Recentemente, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) não reconheceu uma união estável e acabou com qualquer possibilidade de uma mulher receber a herança de seu companheiro sobrevivente, ou suposto companheiro, já que foi justamente o excesso de dúvidas e a falta de provas concretas da existência da união estável que nortearam a decisão dos juízes. Nesse caso, a ministra Nancy Andrighi, que votou contra o reconhecimento, alegou que não ficou provado que a relação da mulher com o companheiro falecido estava dentro dos parâmetros da lei nº 9.278, de 10 de maio de 1996. Quais são esses parâmetros? A própria juíza os elencou, caracterizando o vínculo familiar: “durabilidade, publicidade, continuidade, objetivo de constituição de família e observância dos deveres de respeito e consideração mútuos, assistência moral e material recíproca, bem como de guarda, sustento e educação dos filhos”. Normalmente, constituem prova de união estável o registro de nascimento de filhos, fotos que flagram a convivência duradoura, correspondências etc.
No caso citado, a mulher que requeria o reconhecimento o obteve em primeira instância. Os filhos do falecido, porém, interpuseram recurso junto ao STJ. Alegaram que os dois filhos da requerente não eram do falecido e que, nos últimos anos, foi a irmã do falecido quem se ocupou em ampará-lo na doença e não a mulher que se dizia companheira. Para a mulher que requeria a união estável, entre os direitos que o reconhecimento garantiria, estava o de obter, por meio de herança, pelo menos parte do imóvel pertencente ao falecido, ou ainda, se fosse a única casa, o direito à propriedade e moradia. O falecido, entretanto, legou o imóvel em testamento a um asilo. A requerente ainda tentou objetar, afirmando que o testamento deve ter sido feito sob pressão da família. Nada feito, não houve o reconhecimento.
Agora, imaginemos uma situação quase similar: filhos brigando na justiça contra a madrasta, que não esteve presente nos anos mais duros da doença, que tem filhos de relacionamentos anteriores, mas que era casada com o falecido até o momento de sua morte. E quando menciono “casada” significa que há um registro de casamento civil, pouco importando se houve ou não uma cerimônia religiosa, ou festa, ou comunicação ao demais familiares. Mesmo com a alegada ausência no trato com a doença, os filhos do falecido ganhariam a causa? Dificilmente. Mais certo que a briga judicial ganhasse contornos de uma briga familiar sem consequências mais graves. Além disso, jamais um testamento legando uma casa para uma instituição de caridade, como no caso citado, poderia ser feito. Pois o cônjuge é herdeiro necessário e concorreria em pé de igualdade com os filhos do falecido. Eventualmente, ainda que para justificar a ausência ao longo da doença os filhos conseguissem provar uma separação de fato – uma separação não consumada com o divórcio legal –, os direitos da cônjuge estariam intactos.
Quem imagina a situação, logo pensa que, no caso citado, a requerente agia de má fé. Hipótese possível, mas também não se pode descartar que a ex suposta companheira talvez estivesse mesmo mal informada. O relacionamento pode ter sido para ela uma união estável, com expectativa de futuro casamento; enquanto para ele pode ter sido apenas um namoro.
E atenção: um namoro, ainda que prolongado, não constitui união estável. Essa ideia tem sido muito propagada, mas é falsa. Um namoro recente não é considerado união estável simplesmente porque duas pessoas que estão namorando resolveram morar juntas. Implícita na concepção do que seja a união estável está a durabilidade, a fidelidade, a união de propósitos. Nem mesmo um filho pode ser a prova de união estável. Uma vez que a paternidade foi declarada ou comprovada, a criança tem todos os direitos garantidos, mas seus pais não têm, em função disso, os direitos e deveres recíprocos que caracterizam a união estável e o casamento.
Por mais que a lei proteja a família – e realmente o faz – ao reconhecer as uniões estáveis, ainda não se pode falar de simetria de direitos. Aspectos como durabilidade, união de propósitos, auxílio mútuo, respeito ainda estão mais bem provados legalmente por meio de uma certidão de casamento.

Por: Ivone Zeger
Fonte: http://zeger.jusbrasil.com.br/artigos/148145205/juntada-nao-e-casada?utm_campaign=newsletter-daily_20141028_258&utm_medium=email&utm_source=newsletter

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

OAB/BA abriu canal de denúncias de discriminação ou preconceito nas redes sociais


Em iniciativa que deve ser aplaudida, a OAB/BA abriu um canal para receber denúncias de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional nas redes sociais. Qualquer um pode enviar, mesmo sendo de outros Estados. Basta enviar o "print" da tela da manifestação preconceituosa com informações para o e-mail direitoshumanos@oab-ba.org.br. A seccional baiana informa que denunciará os casos ao MP e que acompanhará o desenrolar dos processos.

Fonte: Migalhas

domingo, 26 de outubro de 2014

As gradações dos tipos de deficiência e sua avaliação pelo INSS para a nova aposentadoria do deficiente

1. INTRODUÇÃO

Uma analise histórica, não só no Brasil, mas também de outras culturas e países, expõe ao longo dos anos situações de eliminação e exclusão dos indivíduos que apresentavam algum tipo de deficiência. Com o passar dos anos, os deficientes começaram a ser integrados na sociedade, primeiramente com um olhar sob a ótica da saúde, da necessidade de receber do Estado especial proteção, e mais recentemente através de medidas de inclusão social, visando sua integração no mercado de trabalho e na sociedade como um todo.
Entretanto, por mais que se tenha caminhado nesta direção, não há como não se reconhecer a desigualdade de condições, de oportunidades. Não há como igualar pessoas que enfrentam barreiras físicas e sociais das outras que não as enfrentam. Há necessidades especiais a serem supridas.
Um dos grandes desafios da humanidade é a promoção da igualdade, em todas as suas nuances. Quando se fala deste principio constitucional, obrigatoriamente há que se fazer remissão àqueles que estão em condições de desigualdade e por tal motivo há uma efetiva razão para o tratamento desigual.
 Através da edição de leis, buscou-se criar condições de acessibilidade física e de inclusão no mercado de trabalho, para que cada vez mais estes indivíduos se integrem na sociedade, afastando a necessidade de atuação do aparelho estatal na forma de assistencialismo social.
Com a edição da Lei de Cotas para deficientes, estes passam a integrar o mercado de trabalho, representando hoje um enorme contingente economicamente ativo. Entretanto, não se pode aqui afastar que as condições enfrentadas pelos deficientes não se igualam aos outros trabalhadores, nascendo uma nova realidade a ser enfrentada, que é a aposentadoria  destas pessoas de forma diferenciada, de forma a preservar sua particularidade face as demais.
Depois de um longo tramite legislativo, regulamentou-se a aposentadoria especialíssima do deficiente, mas, sem, contudo, estancar de vez as dificuldades a serem enfrentadas para a sua concessão.
O presente trabalho objetiva analisar as gradações das deficiências, sua avaliação pelo INSS e as dificuldades de sua concessão.

2. DAS NORMAS PROTETIVAS DO DEFICIENTE

Sendo objetivo fundamental do Brasil constante na Lei maior, a promoção do bem de todos, sem preconceitos ou qualquer discriminação, inclusive no  tocante a salários e forma de admissão do trabalhador portador de deficiência, cabia ao Poder Público disciplinar normas que visassem o pleno exercício de seus direitos individuais e sociais, bem como sua completa integração social.
Além das normas constitucionais, leis civis foram promulgadas em todos os níveis federativos que vieram de encontro aos direitos das pessoas portadoras de deficiência em conformidade com os princípios gerais do direito consagrados em nosso ordenamento jurídico.
A Lei nº 8.213/91 que dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência, instituiu a obrigatoriedade das Empresas contratarem deficientes em seus quadros, bem como as providências para a contratação de portadores de necessidades especiais.
Nos termos do Art. 93 - A empresa com 100 ou mais funcionários está obrigada a preencher de dois a cinco por cento dos seus cargos com beneficiários reabilitados, ou pessoas portadoras de deficiência, na seguinte proporção:

- até 200 funcionários...................... 2%
- de 201 a 500 funcionários............. 3%
- de 501 a 1000 funcionários........... 4%
- de 1001 em diante funcionários.... 5%
Com a adoção da Lei de Cotas, os deficientes passaram a integrar o mercado de trabalho, fazendo jus aos mesmos benefícios previdenciários dos demais trabalhadores, sem, contudo um olhar diferenciado quanto as barreiras sociais  e as dificuldades físicas enfrentadas.
Sensível a isto, através da Emenda Constitucional 47/05 foi inserido na Constituição Federal, no seu artigo 201:
Parágrafo 1º: É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos beneficiários do regime geral de previdência social, ressalvados os casos de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física e quando se tratar de segurados portadores de deficiência, nos termos definidos em lei complementar.
A aposentadoria especial, com previsão constitucional, se encontra regulado pela Lei Complementar 142 de 2013, vindo a seguir o Decreto nº 8.145/13,  alterando o Regulamento da Previdência Social aprovado pelo Decreto nº 3.048/99, para adequá-lo às disposições sobre à aposentadoria da pessoa com deficiência. A Portaria interministerial SDH/MPS/MF/MPOG/AGU nº 01 de 27/01/14 trouxe a definição legal sobre os graus de deficiência, a forma de avaliação, bem como definiu impedimento de longo prazo.

3. ENQUADRAMENTO DO DEFICIENTE FACE A LEGISLAÇÃO

Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (parágrafo 3º, do artigo 70-D do Decreto 3.048/99).
O reconhecimento da aposentadoria especial para o deficiente traz um redutor no tempo de serviço necessário para a aposentadoria, havendo uma redução de dois anos para o grau leve, seis anos para o moderado e dez anos para o grau grave.
O grande desafio trazido pela Legislação é como fazer esta gradação num universo gigantesco, cheio de particularidades. Estabeleceu-se assim, a competência pericial do INSS para esta avaliação, através de avaliação médica e funcional.
Coube a Portaria Interministerial n.º 01, de 27 de janeiro de 2014, elaborada em ato conjunto, aprovar o instrumento destinado à avaliação do segurado, com objetivo de identificar os graus de deficiência, bem como definindo impedimento de longo prazo.  Esse documento também estabelece o prazo de dois anos para identificar e avaliar os deficientes para efeito de aposentadoria, podendo ser prorrogado se houver necessidade. Esse prazo fixado é fundamental, pois permitirá que o segurado já tenha uma previsão de quando poderá se aposentar e, não concordando com a avaliação da perícia médica, haverá possibilidade de discutir na justiça.
A portaria estabelece que a avaliação médica e funcional seja feita conjuntamente entre a perícia médica e o serviço social e será feita tendo como base a classificação internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), da OMS e mediante a aplicação do Índice de Funcionalidade Brasileiro aplicado para fins de Aposentadoria, nos termos do anexo.
A portaria representa um enorme avanço, pois se adéqua ao conceito atual de deficiência, que não pode ser mais só analisado somente através de critérios médicos, mas também os impedimentos de longo prazo, as barreiras com que estes impedimentos irão interagir e a desigualdade de oportunidade de participação plena e efetiva na sociedade em relação às demais pessoas.
Para que alguém seja considerada pessoa com deficiência, alguns critérios  terão que estar presentes e estes critérios para determinação de pessoa com deficiência estão inseridos no próprio conceito, quais sejam, impedimentos de longo prazo, as barreiras e a desigualdade de oportunidade como resultado da interação do primeiro com o segundo elemento.
Entretanto, ainda há um longo caminho a ser trilhado administrativamente, não sendo os instrumentos criados totalmente hábeis para dirimir de vez com toda a problemática que envolve a questão.
No tocante ao impedimento de longo prazo, define a portaria o lapso temporal mínimo de dois anos para que este seja caracterizado, o que poderá conflitar com o caráter aberto do conceito de deficiência. Há de ser mensurado o que este impedimento impõe a vida da pessoa, quais as consequências trazidas no desenvolvimento de suas atividades do dia a dia. Mais adequado seria sua fixação dentro do caso concreto.
No que concerne à avaliação conjunta por peritos médicos e assistentes sociais, o modelo aproxima-se do caráter social, mais a participação destes dois profissionais não exaure todas as situações a serem examinadas.

4. DOS CRITÉRIOS DO EXAME

O segurado será submetido a avaliação pelo perito médico,  onde após ser identificado e caracterizado, será feita uma avaliação médica, resultando em  um diagnóstico médico, que deverá enquadrar-se na Classificação Internacional das Doenças (CID 10), a causa principal e as sequelas ou impedimentos. Constata-se qual o tipo de deficiência, podendo haver associação de deficiências e se há alterações das funções corporais.
A avaliação passa então a avaliar outros aspectos, como a descrição da atividade desenvolvida, visando auferir com que independência o segurado exerce sua atividade, pontuando-se de acordo com a resposta dada.
Identifica-se então, as barreiras externas, que são os fatores ambientais que influem na realização das atividades habituais, tanto as facilitadoras como as limitadoras. Estes fatores externos avaliados são a melhora da funcionalidade pelo uso de produtos, instrumentos, equipamentos ou tecnologia, não se incluindo ajuda humana; O ambiente natural ou físico; Apoio e relacionamento, englobando apoio físico ou emocional prático, educação, proteção e assistência, e de relacionamento com outras pessoas em todos os aspectos da vida.; Atitudes da sociedade que influenciam a vida da pessoa avaliada; Serviços, Sistemas e Políticas ( garantias sociais ás pessoas com deficiência).
Aplicação do Método Linguístico Fuzzy, no qual, dentro de cada deficiência, são utilizadas três condições que descrevem o grupo de indivíduos, em situações de mais comprometimento funcional.
Os dados obtidos em cada etapa da avaliação são ao longo do processo inseridos em formulários próprios constantes do anexo, onde se atribui pontos de acordo com a funcionalidade constatada em cada atividade.
Ao término, de acordo com os scores de pontuação, é feita a classificação da deficiência em seis graus ou se inferior aos padrões mínimos, constatado a ausência de deficiência.
A legislação, na definição de pessoas com deficiência, traz um conceito aberto e social, e qualifica como sendo uma condição de determinada pessoa, a qual, interagindo com barreiras estruturais, urbanísticas, atitudinais, de comunicação, além de outras, tenha impedimento ou dificuldade de usufruir da sociedade em todas suas possibilidades, em qualquer espaço ou ambiente, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas.
Conforme se vê, é um conceito por demais amplo, que dificilmente será possível de ser compreendido apenas através da avaliação por médico e assistente social. A avaliação a ser feita extrapola a competência destes profissionais. Impõe-se uma avaliação multidisciplinar, que por certo, envolve diversas especialidades.
Para que se possa auferir a gradação da deficiência, há dois aspectos a serem observados. O primeiro trata da limitação física, orgânica, anatômica ou de cognição. A partir do diagnóstico médico, feito através de  sinais e sintomas, complementado ou não por exames, o medico perito estará apto a determinar a deficiência e sua gravidade.
Outro aspecto é o da interação das limitações físicas com as barreiras existentes, que irão delimitar as dificuldades e impedimentos, suportados em relação a usufruir em igualdade de oportunidade com as demais pessoas. Há que ser feita uma avaliação multidisciplinar, que vai além da competência do médico e do assistente social. Precisa-se do suporte de outros profissionais, como terapeutas ocupacionais, engenheiros, arquitetos, educadores, enfim, de profissionais capacitados que requererão cada caso concreto.
Não se pode esquecer ainda que a aposentadoria é um ato vinculado da administração, ou seja, preenchidos os requisitos há que ser concedida. Não há discricionariedade.
Se hoje as perícias feitas pelo INSS são tão ineficientes e injustas, objeto de tanta celeuma , fica difícil visualizar que as concessões nesta aposentadoria sejam pautadas naquilo que a lei estabelece.
O modelo social sustenta que a exclusão não é resultado dos impedimentos corporais, mas das barreiras sociais.(CORKER; SHAKESPEARE, 2004).
Segundo dados do último Censo realizado no Brasil em 2010, existem mais de quarenta e cinco  milhões de brasileiros que apresentam algum tipo de deficiência, que corresponde a 23,9% da polução total do país. Nesse percentual, as pessoas com deficiência integram o mercado de trabalho, seja o formal ou o informal, mas contribuem com a previdência social.

5. CONCLUSÃO

Não se pode afastar que tanto o conceito de deficiência como a legislação especifica para proteção dos direitos inerentes aos mesmos evoluíram muito ao longo do tempo.
Entretanto, para que haja a completa aplicação da lei, pautada nos princípios constitucionais ,  há que se ter uma visão integral das pessoas com deficiência e uma visão holista do trabalho, que compreenda a interação desses indivíduos em diferentes esferas da sociedade.
Imprescindível que se tenha um olhar acurado acerca da integralidade do indivíduo com deficiência e  suas experiências na vida em sociedade. Há que se buscar a perspectiva ampla do conceito de deficiência e o entendimento que o trabalho transcende, e muito, o tempo trabalhado e as atividades desenvolvidas. Essas questões são curiais  para aplicação do Índice de Funcionalidades Brasileiro para a Aposentadoria (IFBrA).
É preciso que se evite injustiças previdenciárias na antecipação do tempo regulamentar de aposentadoria ao classificar a gravidade de enfrentamento destas barreiras.
A única maneira para que isso não ocorra seria uma avaliação multiprofissional, com concurso de especialistas que convivem com avaliação funcional e de desempenho. Não há como tentar criar um modelo dentro de um padrão, pois vão existir pessoas com condições biológicas parecidas e com barreiras sociais muito diferentes.
É necessária esta reflexão, a compreensão das dificuldades que irão surgir nestas avaliações, que se realizadas na forma regulamentada, sem a concorrência de todos os profissionais aptos na determinação das gradações das deficiências, transformarão em letra morta a conquista desta aposentadoria, criando mais uma barreira a ser enfrentada pelos deficientes físicos.

6. REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição Federal da República Federativa do Brasil, 5 de outubro de 1988, Brasília, 1988. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Constituicao.htm>.  Acesso em: 12 jun.2014.
__________.Decreto n 8.145, de 3 de dezembro de 2013.
__________. Lei Complementar n. 142, Regulamenta o § 1o do art. 201 da Constituição Federal, no tocante à aposentadoria da pessoa com deficiência segurada do Regime Geral de Previdência Social - RGPS, de 08 de maio de 2013. Brasília, 2013. Diário Oficial da União. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LCP/Lcp142.htm>. Acesso em: 12 jun.2014.
_________. Lei 47, Emenda Constitucional, de 05 de julho de 2005. Brasília, 2005. Diário Oficial da União. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc47.htm. >. Acesso em: 12 jun.2014.
_________. Lei 8.742, Dispõe sobre a organização da Assistência Social e dá outras providências, de 07 de dezembro de 1993. Brasília, 1993. Diário Oficial da União. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8742.htm. >. Acesso em: 12 jun.2014.
_________. Lei 8.213, Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências, de 24 de julho de 1991. Brasília, 1991. Diário Oficial da União. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8213cons.htm. >. Acesso em: 12 jun.2014.
__________. Portaria Interministerial SDH/MF/MOPG/AGU n 1, de 27 de janeiro de 2014.
CIF Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde. Disponível em :<http://lumiy.wordpress.com/2012/10/09/cif/>. Acesso em: 13 jun.2014.:<http://arquivo.ese.ips.pt/ese/cursos/edespecial/CIFIS.pdf>. Acesso em: 13 jun.2014.
CORKER, Mairiam; SHAKESPEARE, Tom. Mapping the terrain. In: CORKER, Mairiam; SHAKESPEARE, Tom (Ed.). Embodying disability theory. London: Continium, 2004. p. 1-17.

GELLY, Ivan Khairallah. Uma abordagem sobre as gradações dos tipos de deficiência e sua avaliação pelo INSS para a nova aposentadoria do deficiente. Jus Navigandi, Teresina, ano 19, n. 4133, 25 out. 2014. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/30317>. Acesso em: 25 out. 2014.

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Pensão à grávida: Mensagem de Whatsapp é usada como prova de suposta paternidade

Se há indícios de que um casal fez sexo durante o período fértil da mulher, é possível garantir que o suposto pai dê assistência alimentícia para a gestante. Esse foi o entendimento da 5ª Vara da Família de São Paulo, que reconheceu como indício de paternidade mensagens trocadas por um casal no Whatsapp (aplicativo de mensagens para celular) e exigiu o pagamento de R$ 1 mil mensais para a cobertura de despesas durante a gestação — os chamados “alimentos gravídicos”.
A sentença foi do juiz André Salomon Tudisco, que voltou atrás em sua própria decisão liminar e deu provimento ao pedido de uma mulher que teve um relacionamento fugaz com um homem depois que ambos se conheceram por outro aplicativo de celular, voltado para paquera, chamado Tinder. A decisão se baseou na Lei 11.804/2008, que arbitra pelo provimento de assistência alimentar até o nascimento da criança. 
De acordo com Ricardo Amin Abrahão Nacle, da Nacle Advogados, que defende a gestante, o provimento para este tipo de ação, ainda que liminar, é “avis rara” nos tribunais de São Paulo. Segundo ele, há uma certa dificuldade na aceitação de documentos virtuais como prova de indício de paternidade. “A doutrina aceita cartas, e-mail e fotos, mas há uma grande resistência por parte dos juízes em aceitar elementos probatórios da internet, como mensagens pelo Facebook ou Whatsapp", afirmou.
Na petição inicial, Nacle argumentou que o teor das mensagens não deixava dúvidas de que houve relações sexuais sem preservativos durante o período de fertilidade da requerente. 
(...)
Leia a íntegra em: http://www.conjur.com.br/2014-out-23/mensagem-whatsapp-usada-prova-suposta-paternidade

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

“Estatuto da família” criaria cenário insustentável para casais homossexuais

Por  e 

Com a ascensão de um Congresso aparentemente mais conservador e faltando poucas semanas para o segundo turno das eleições presidenciais, as discussões envolvendo direitos humanos encontram-se ainda mais inflamadas do que o usual. Nesse cenário, assuntos supostamente assentados renascem e acabam interferindo nos rumos da corrida eleitoral, mesmo que indiretamente.
Dentre outras pautas, o casamento igualitário e a conceituação do instituto familiar foram objetos de recente projeto de lei, que em breve deverá ser debatido pela nova conformação do poder Legislativo.
Tramita perante a Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 6.583/13, de relatoria do deputado Anderson Ferreira, denominado “Estatuto da Família”. Dentre outras inovações, o projeto pretende redefinir o conceito de entidade familiar, ao afirmar em seu artigo 2º que “para os fins desta lei, define-se entidade familiar como o núcleo social formado a partir da união entre um homem e uma mulher, por meio de casamento ou união estável, ou ainda por comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”.
A disposição legislativa vem na contramão da decisão do Supremo Tribunal Federal no julgamento conjunto da ADI 4.277 e da ADPF 132, que reconheceu, naquela oportunidade, a união estável para casais do mesmo sexo.
Embora em interpretação contrária à literalidade das disposições do artigo 226, parágrafo 3º, da Constituição da República, e também do artigo 1.723 do Código Civil, a corte entendeu unanimemente por dirimir essa questão a partir da norma vedadora de discriminação constante dos objetivos da República (artigo 3º, inciso IV, da Constituição Federal) e de uma série de outros direitos fundamentais, obstados de fruição em razão de ausência de regulamentação.
A superveniência da lei, caso aprovada, evidenciaria a dissonância entre Judiciário e Legislativo, e o embate ocasionaria situação de fato insustentável: parte dos casais homossexuais teria sua união estável reconhecida, ao passo que os demais, cuja relação se deu início em momento posterior à vigência da lei, não estariam abarcados no conceito de entidade familiar. Daí se retira três hipóteses distintas: a) casais que já tiveram o reconhecimento de sua união estável, por decisão judicial ou escritura pública; b) casais que vivam, à época, em união estável de fato, mas deixaram de formalizá-la; e c) casais cujo início da união estável se deu em momento posterior à vigência do “Estatuto da Família”.
Quanto aos integrantes do grupo “a”, cremos não haver maiores discussões ou divagações teóricas a serem pontuadas, face ao direito adquirido (CF, artigo 5º, inciso XXXVI).
Relativamente aos integrantes do grupo “b”, por não haver posicionamento definido — doutrinário ou jurisprudencial — não se pode afirmar a viabilidade do reconhecimento da união estável e os direitos dela decorrentes. Por um lado, a vedação do retrocesso parece garantir esse direito àqueles casais que conviviam em união estável de fato anteriormente à vigência da lei. Há quem invoque também o chamado princípio da proteção da confiança. Por outro lado, pode-se defender que a edição desta lei, fruto da manifestação democrática, retiraria a legitimidade da decisão proferida; nesse caso, vedado o reconhecimento.
Quanto aos integrantes do grupo “c”, considerando que processo legislativo não se subordina ao entendimento jurisprudencial, e que aquele se sobrepõe a este, a consequência do novo conceito de entidade familiar obstaria o direito ao reconhecimento da união — pelo menos até pensarmos em nova declaração de inconstitucionalidade, o que, ainda assim, acirraria o debate no que tange à separação dos poderes e o ativismo judicial.
Ainda que amplamente defendida no mérito a decisão no julgamento das referidas ações diretas de inconstitucionalidade, não se duvida que os efeitos do período eleitoral repercutam não só no posicionamento do Legislativo, mas também, caso aprovado o “Estatuto da Família”, no debate acerca dos limites interpretativos do Supremo face à literalidade da Constituição e sua relação com a crise de representatividade dos parlamentares.
Também não deve se esquecer, a par do debate jurídico inicialmente desenvolvido, daqueles indivíduos integrantes dos grupos “b” e “c”, na hipótese de prevalecer o não reconhecimento de sua situação de fato como compatível com o ordenamento. Caso não esteja nosso direito ou os anseios populares suficientemente maduros para encarar as alterações relacionais da sociedade, será que podemos imputar o ônus de um conservadorismo majoritário nas mãos daqueles que vivem em situação negligenciada pelo Estado? Esperamos que o debate não se encerre por aqui.

Pedro Henrique Arcain Riccetto é advogado do Advocacia Scalassara & Associados em Londrina (PR) e graduado pela Universidade Estadual de Londrina.
Guilherme Fonseca de Oliveira é bacharel em Direito pela UEL e advogado em Londrina

Revista Consultor Jurídico, 19 de outubro de 2014, 7h44
http://www.conjur.com.br/2014-out-19/estatuto-familia-criaria-cenario-insustentavel-casais-homossexuais

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Produto com dois preços poderá ser levado para casa de graça em todo o país

A exemplo do que já vale para os supermercados do Rio desde janeiro, com a assinatura de um acordo entre a Defensoria Pública e a associação de supermercados do estado, a Câmara analisa um projeto de lei que garante a gratuidade ao consumidor do produto com diferença entre o preço da prateleira e o do caixa em estabelecimentos comerciais.
Pela proposta, somente o primeiro produto adquirido será gratuito. Para os demais produtos idênticos, o consumidor pagará o menor valor, de acordo com a Lei 10.962/04, que trata sobre preços e ofertas em produtos e serviços.
Uma novidade com relação ao acordo assinado no Rio é que a proposta federal prevê que o estabelecimento reincidente na prática de preços diferentes deverá pagar multa de R$ 1 mil por cada produto com erro. Pelo texto, os Procons também deverão publicar anualmente relação com os nomes dos estabelecimentos onde houve preços diferentes para o mesmo produto. Segundo o deputado Severino Ninho (PSB-PE), autor da proposta, o consumidor brasileiro vem sendo frequentemente lesado nas compras em supermercados, farmácias e grandes lojas de departamentos em razão desta prática. A proposta tramita em caráter conclusivo e será analisada pelas comissões de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio; de Defesa do Consumidor; e de Constituição e Justiça e de Cidadania.

Acesse o projeto aqui
Fonte: Correio24horas

Publicado por Wagner Francesco
http://wagnerfrancesco.jusbrasil.com.br/noticias/145193820/produto-com-dois-precos-podera-ser-levado-para-casa-de-graca-em-todo-o-pais?utm_campaign=newsletter-daily_20141014_191&utm_medium=email&utm_source=newsletter 

Documento do Vaticano defende mudança da Igreja em relação a homossexuais (Flávio Tartuce)

Philip Pullella, na Cidade da Vaticano - 13/10/2014.

Numa grande mudança de tom, um documento do Vaticano declarou nesta segunda-feira que os homossexuais têm "dons e qualidades a oferecer" e indagou se o catolicismo pode aceitar os gays e reconhecer aspectos positivos de casais do mesmo sexo.
O documento, preparado após uma semana de discussões sobre temas relacionados à família no sínodo que reuniu 200 bispos, disse que a Igreja deveria aceitar o desafio de encontrar "um espaço fraternal" para os homossexuais sem abdicar da doutrina católica sobre família e matrimônio.
Embora o texto não assinale nenhuma mudança na condenação da igreja aos atos homossexuais ou em sua oposição ao casamento gay, usa uma linguagem menos condenatória e mais compassiva que comunicados anteriores do Vaticano, sob o comando de outros papas.
A declaração será a base das conversas da segunda e última semana da assembleia, convocada pelo papa Francisco. Também servirá para aprofundar a reflexão entre católicos de todo o mundo antes de um segundo e definitivo sínodo no ano que vem.
"Os homossexuais têm dons e qualidades a oferecer à comunidade cristã: seremos capazes de acolher essas pessoas, garantindo a elas um espaço maior em nossas comunidades? Muitas vezes elas desejam encontrar uma igreja que ofereça um lar acolhedor" , afirma o documento, conhecido pelo nome latino de "relatio".
"Serão nossas comunidades capazes de proporcionar isso, aceitando e valorizando sua orientação sexual, sem fazer concessões na doutrina católica sobre família e matrimônio?", indagou.
John Thavis, vaticanista e autor do bem-sucedido livro "Os Diários do Vaticano", classificou o comunicado como "um terremoto" na atitude da Igreja em relação aos gays. "O documento reflete claramente o desejo do papa Francisco de adotar uma abordagem pastoral mais clemente no tocante ao casamento e aos temas da família", disse.
Vários participantes na reunião a portas fechadas afirmaram que a Igreja deveria amenizar sua linguagem condenatória em referência aos casais gays e evitar frases como "intrinsecamente desordenados" ao falar sobre os homossexuais.
Essa foi a frase usada pelo ex-papa Bento 16 em um documento escrito antes de sua eleição, quando ainda era o cardeal Joseph Ratzinger e chefe da Congregação para a Doutrina da Fé.

Fonte: Agência Reuters.

http://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/noticias/145193925/documento-do-vaticano-defende-mudanca-da-igreja-em-relacao-a-homossexuais?utm_campaign=newsletter-daily_20141014_191&utm_medium=email&utm_source=newsletter

Reflexões sobre a destruição da família

Observa-se, nos tempos modernos ou da pós-modernidade, que o mundo se encontra dominado pela cultura da morte. Matam-se vidas e consciências em prol de uma pseudo liberdade de agir e de pensar.

Tenho o costume velho de refletir sobre a vida, a pessoa humana, a família, o mundo e sendo um ser político, também sobre a Política, sem desgarrar-me da grande paixão pelo Direito, e de revisitar meus quatro filósofos prediletos, Aristóteles, Santo Tomás de Aquino, Ortega y Gasset e Jacques Maritain. Na última semana, resolvi endereçar minhas reflexões sobre a pessoa humana e a família, diante do risco que os seus valores fundamentais estão correndo nos tempos modernos ou do pós-modernismo.
Nasce no século XIII, Santo Tomás de Aquino e, partindo da filosofia de Aristóteles, cria a Escolástica cristã, com a sua Suma Teológica que permanece atual, apesar de passados tantos séculos1. Isto porque, a realidade filosófica demonstra que, para refutar o pensamento escolástico de Santo Tomás, teríamos que empreender a absurda e vã tentativa de procurar destruir a própria História humana.
Vamos começar nossa reflexão pela pessoa humana.
Todo ser humano ao nascer – homem ou mulher - apresenta diversas circunstâncias características de sua realidade. Entre tais características marcantes, homem ou mulher apresentam as seguintes dimensões próprias de seres viventes:
(a) a dimensão corpórea, pois "o corpo é obviamente uma realidade física, material"2, sendo elemento essencial do homem, pois sem ele, não terá condições de alimentar-se, de empreender a reprodução da raça humana, de aprender, além de se comunicar e de se divertir. Faz parte do mundo, estando sujeito a todas as sortes e leis que no mundo habitam;
(b) a dimensão espiritual está a demonstrar que não é apenas corpo, sabendo que é, infinitamente, mais que a sua dimensão corpórea, possuindo a abertura de não olhar "somente para frente, mas também para o alto"3. Consegue, ainda, refletir sobre a sua existência; quando então, passa a sentir que nele reside outro elemento capaz de sobreviver à própria morte de seu corpo material: o elemento espiritual, qual seja a alma. Uma parte do homem ou da mulher sempre sobrevive;
(c) a dimensão social oferece a certeza de que é, essencialmente, um ser social, pois desde o seu nascimento o homem ou a mulher passam a viver em relação com os outros. No início da vida, sem os cuidados dos pais, não teriam, até mesmo, condições de sobreviver4. O ser humano só sabe viver em comunidade e a sua integração comunitária é feita, antes de qualquer outra, na comunidade familiar;
(d) pela dimensão religiosa está presente que a religião é manifestação, tipicamente humana, pois existe no homem ou na mulher uma tendência própria e natural de abertura para o Absoluto5.
Para bem entender o papel que o Cristianismo desempenha no curso da História e da vida da Humanidade é importante verificar, como anota Jacques Maritain, discípulo fiel do Tomismo, que “o cristianismo atirou a rede do Evangelho sobre o Império pagão e o Império pagão morreu em consequência disso, pois entre a lei evangélica do Filho de Deus e a lei do Império que se erige em Deus, não há contemplação possível.”6 Não se deve esquecer, ademais, a serena observação feita pelo presidente Roosevelt, no ano do nascimento da ONU: “As Nações Unidas querem trabalhar para a instauração de uma ordem internacional na qual o espírito do Cristo guiará os corações dos homens e das nações,7.
Pois bem, perante o pensamento aristotélico-tomista, o ser humano é, se não fosse, não poderia existir como realidade. Ademais, cada ser humano é único e inconfundível, não se repete. Eu serei o único e inconfundível Ovídio que existirá. Não nascerá outro.
Todo homem e toda mulher nascerão em uma família.
A família é uma instituição natural. Existia antes do Cristianismo. Jacques Leclercq observa que a "Igreja viveu a família", "não criou a família"8. O Cristianismo limitou-se a um trabalho de purificar a família. De realçar a sua característica de verdadeira e essencial comunidade de vida e de amor. De célula indispensável para a formação de homens e mulheres capazes de melhorar a humanidade.
Como a família é anterior à sociedade e ao Estado, tudo que se fizer em desfavor da família, tanto a sociedade como o Estado serão atingidos. A primeira comunidade, para o homem, é a família. Nela o homem ou a mulher acordam para a vida e passam a ter contato humano e social com os outros, a partir de seus pais. É na família que o homem ou a mulher iniciam a sua construção, como pessoa. Com efeito, o homem ou a mulher não são seres acabados, como o cachorro por exemplo. Eles são seres em construção, que depende deles e dos valores e circunstâncias adquiridas na família. Nesse trabalho de artífices da própria construção, avultam duas imagens a guiá-los em sua existência: a imagem do pai e a imagem da mãe. Para a criança, a imagem do pai representa o homem verdadeiro e a da mãe, a mulher verdadeira. São imagens intransferíveis e, por consequência, insubstituíveis: pai é homem, mãe é mulher. Assim sempre foi desde a mais remota Antiguidade e não há ciência ou razão humana capazes de provar e demonstrar o contrário. Se fosse possível a substituição, a criança passaria a sofrer o impacto de dois fantasmas, na linguagem filosófica de Platão e de Aristóteles9.
É na família que homem e mulher aprendem, em seu trabalho de construção, que são seres dotados de liberdade e de responsabilidade. São livres para escolher, mas depois da escolha feita são responsáveis por ela. O bem e o mal estão no mundo. A escolha é livre para ambos: quem escolhe o bem constrói, quem opta pelo mal destrói. Ademais, muitos séculos antes do surgimento da Psicanálise de Freud, São Paulo já demonstrava que dois instintos dominam a vida humana: o instinto de vida e o instinto de morte. Com efeito, no uso de sua liberdade e de sua responsabilidade cada pessoa pode praticar atos de amor ou de desamor. "Diante do amor há vida; frente ao desamor existe morte10. Em suma: no amor reside o instinto de vida; no desamor está o instinto de morte.
Observa-se, nos tempos modernos ou da pós-modernidade, que o mundo se encontra dominado pela cultura da morte. Matam-se vidas e consciências em prol de uma pseudo liberdade de agir e de pensar.
O homem e a mulher modernos são instáveis e mutáveis, diante do ritmo agitado da ciência e da técnica em constante avanço. Tal situação os arrasta "para maneiras de ver e de fazer cada vez mais novas.11 Há uma rebeldia contra qualquer forma de verdades e princípios. Hostilidade em aceitar qualquer afirmação ou verdade que não tenha de si mesmo ou que, pelo menos, não possa ser por eles compreendida e verificada experimentalmente; têm, pois, profunda aversão a tudo que foi transmitido pelo passado, a qualquer forma de tradição12. O ser humano moderno, "libertado de qualquer vínculo com o passado e o peso da verdade e de normas absolutas" sente-se "extremamente livre em todas as manifestações de sua vida política, social, religiosa, moral, econômica etc."13 Há o predomínio da secularização, onde se exclui Deus, sistematicamente, de todas as manifestações da vida social. Os interesses "não mais se voltam para o céu, mas para a terra"14. A ausência de religião tornou-se "traço dominante da cultura e da vida moderna", sendo Deus excluído "antes de tudo da política, depois da ciência e consequentemente da filosofia, da moral, da pedagogia e um pouco também de todas as outras atividades humanas."15 O pragmatismo toma conta, o homem e a mulher não mais se preocupam em pensar, meditar, contemplar. Não se examinam as ideias em confronto com as verdades eternas. "Isso não mais os interessa."16 Repele-se o pensamento clássico de que o homem é um ser natural, dotado de propriedades constantes e imutáveis.
Todo esse quadro gera desorientação. O homem moderno "não mais sabe distinguir o bem do mal, o verdadeiro do falso, o belo do feio, o justo do desonesto, o útil do prejudicial, o lícito do ilícito, o decente do inconveniente etc. Não é mais seguro de nada; não tem nenhum ponto certo de apoio; vive como que suspenso no vazio."17
Enfim, "o homem de nosso século tornou-se escravo dos próprios instintos: egoísmo, prazer, inveja, sensualidade, mentira, avidez, fraude; recorre a qualquer meio para satisfazer suas múltiplas paixões. Pouco importa se desse modo arruína as belezas da natureza, ofende o próximo, lesa seus direitos, talvez o próprio direito à existência (inclusive até o dos filhos)."18 Impera o consumismo, onde o homem procura compensar seu vazio interior e solidão consumindo mais e mais. Tudo passa a ser objeto de consumo. Para Battista Mondin, a "sociedade de consumo cultiva e incentiva seu impulso para o egoísmo, o erotismo, a ostentação, a violência etc."19
Impera a “tradição do novo”, projeta-se o “novo-tudo” com a existência de um mundo em fuga com a “infinitude sucessiva do novo, a impossibilidade de coisa alguma acabada” de algo que seja de fato.20
Assiste-se, ainda, o próprio Estado, abandonando os princípios da Moral e do Direito - base da convivência social – legalizar ou aceitar que se legalize o aborto, a eutanásia, o infanticídio ou a união de pessoas do mesmo sexo.
Nesse cenário, a dignidade do homem é desrespeitada e, consequentemente, a agressão atinge a família, como reduto essencial da vida humana e fundamental como "primeiro passo para o compromisso social".21
Defende-se o aborto, com falsos argumentos e, entre eles, o de que a mulher é dona de seu próprio corpo. Nada mais errôneo. O feto que traz em seu corpo tem vida independente desde o momento da concepção e, apenas, em razão da necessidade de precisar desenvolver-se, ocupa lugar no ventre materno. Não faz parte do corpo da mulher. Sob qualquer forma que se defenda o aborto, ele será sempre o assassinato mais covarde que existe: mata-se alguém que não tem a mínima possibilidade de defesa.
Cumpre ressaltar que os meios de comunicação social contribuem para o império de tal situação, criando expectativas desanimadoras. Predominam em tais meios, a indústria do individualismo, bem como da destruição de valores fundamentais à vivência cristã. Abandona-se a busca do Absoluto e abraça-se o absurdo. A verdadeira família não tem lugar em suas programações e novelas, são substituídas por caricaturas mal feitas de família.
Não há fugir de uma realidade candente e irrefutável: "a salvação da pessoa e da sociedade humana e cristã está estreitamente ligada ao bem-estar da comunidade conjugal e familiar", levando o Papa João Paulo II a observar que o "futuro da humanidade passa pela família" e, indo mais além, a afirmar: "o futuro da família passa pela sua adequada preparação"22. Se a família não se fizer o eixo e a base do progresso humano, cedo ou tarde, assistiremos o malogro da Humanidade. Retirar-se da família a missão de ser o lugar seguro para a formação e educação de homens e mulheres melhores, nenhuma instituição humana poderá tomar o seu lugar, por mais que os racionalistas frios digam o contrário23. Mais se diga, retirada da família a sua missão de gerar novos homens e novas mulheres, pela complementaridade de homem e mulher, que nela vive, corre-se o risco de anular o sentido mesmo da existência da Humanidade. Deus não encerrou a sua Criação, pois continua criando por intermédio de marido e mulher, que são chamados a colaborar na continuidade de sua obra de criação.
É uma pena que a pós-modernidade não consiga entender tão palpitante realidade e as nossas instituições, infelizmente, procuram escondê-la sob a capa do “politicamente correto”.
O homem moderno e nossas instituições se fizeram escravos do chamado “politicamente correto”, todos o repetem sem saber aquilo que expressa em realidade. Qualquer que seja o seu conteúdo é afirmado como “verdade sabida” a todo o instante e invocado para a defesa das mais absurdas ideias e possíveis erros. É aplicado, quase sempre, de forma silenciosa24. O professor Paulo Ferreira da Cunha, conceituado catedrático da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, em feliz síntese, diz que o “politicamente correto que pretende elevar-se a pensamento único, é uma nova ideologia totalitária. E mais perigosa e sutil, porque não se afirma e nem se pretende como tal. Não tem sede, nem partido, nem líder. É difusa, e todos sempre de algum modo vergam numa plenamente colonização cultural, impondo silêncio do que passa por inconveniente, criando tiques e reflexos condicionados que nos levarão a todos a dizer o mesmo...”25.
A pós-modernidade, no exercício de uma falsa escravidão aos instintos, sob a capa de uma errônea liberdade, se esquece, até mesmo, de que a "família é por excelência o princípio da continuidade social e da conservação das tradições humanas", sendo o elemento "conservador da civilização"26.
Ademais, esta "cultura dos instintos" está a criar uma insustentável situação de ausência de julgamento dos verdadeiros valores. Desaparece a distinção entre o bem e o mal. Esquece-se, como observa D. Lucas Moreira Neves "que o mal não tem substância própria, ele é mera negação do bem"27. Há, ainda, "uma propensão ingênua, quase pueril, a negar a evidência do mal moral ... ou transformado em simples distúrbio"28. Há falta completa de orientação, estando a representar uma forma externa de deformação da consciência, pois deixa de existir no homem um "centro orientador e determinante que o molde".29
Como adverte Paulo Ferreira da Cunha “em época de crise tem-se que começar de novo, buscando o sentido na raiz das coisas. Houve algo que foi pervertido... É preciso voltar aos clássicos. Daí Aristóteles ser para o Direito, o ovo de Colombo ainda por achar, mercê do véu de ignorância que as cortinas de fumo da moda, da propaganda, do egoísmo e do preconceito fizeram descer sobre a nossa cultura jurídica”.30
É uma pena que nosso Supremo Tribunal Federal e seus eminentes ministros não tenham seguido essa advertência, quando foram chamados a defender a preservação da família na forma que o legislador constituinte a concebeu em seu art. 226 e seus parágrafos da Constituição Federal.
Existe uma advertência de Mkrabeau que, apesar do tempo decorrido permanece viva, qual seja: “A Justiça é uma necessidade de todos e de cada um; e assim como deve exigir o respeito, deve inspirar confiança”.31
A confiança decorre de diversos elementos que animam sua existência e entre eles se inclui a segurança jurídica advinda das decisões dos tribunais. A sociedade espera que as decisões dos tribunais, especialmente por parte do Tribunal Supremo, respeitem a Constituição e a Lei e mantenham íntegra a ordem jurídica vigente, sem sobressaltos e surpresas capazes de gerar insegurança e, por conseguinte, ausência de confiança.
Há um caso, que mais do que nunca, nos leva a essa ponderável e justa preocupação, qual seja o julgamento do STF que, a partir do voto condutor do ministro Ayres Brito, na aplicação da chamada “interpretação conforme”, acabou por reconhecer a união estável de homem com homem, mulher com mulher. Com todo o respeito devido ao Supremo Tribunal Federal, a nossa Corte Constitucional, sob o argumento da “interpretação conforme”, acabou por romper a ordem constitucional estabelecida pelo Poder Constituinte Originário, e depois de desprezar o conceito de família adotado na Carta Magna, alterou deliberadamente o texto claro e significativo do § 3º do seu art, 226. Em suma passou por cima de regra ditada pelo legislador constituinte originário, coisa impensável em um Estado Democrático de Direito. Mesmo na hipótese de que os eminentes ministros, a partir do ministro Ayres Brito, fossem favoráveis à causa que abraçaram, não poderiam fazer prevalecer a vontade individual de cada um, para sobrepor-se à vontade do legislador constituinte originário.
Cabe a oportuna indagação feita por Coviello: “conceder ao intérprete uma grande liberdade de apreciar, segundo o seu modo de sentir individual as novas exigências dos tempos, a natureza das relações e – o que é pior – não equivalerá a torná-lo árbitro da situação, dando-lhe o poder de regular o caso segundo a sua apreciação?”.
O emérito professor Ives Gandra da Silva Martins teve a oportunidade de demonstrar o seu desencanto de eminente constitucionalista com a crescente atuação dos ministros “como legisladores e constituintes e não como julgadores32. À luz “da denominada “interpretação conforme”, estão conformando a Constituição Federal à sua imagem e semelhança e não àquela que o povo desenhou por meio de seus representantes”.
Esclarece o eminente Mestre que a Constituição “negou ao Poder Judiciário a competência para legislar”.33
Como ilustração final, cabe recordar o seguinte fato. Quando do lançamento no Supremo Tribunal Federal da autobiografia de Hans Kelsen, o ilustre ministro Dias Tóffoli teve a oportunidade de resumir o pensamento do notável jusfilósofo e constitucionalista emérito sobre a atuação do Juiz: “O juiz não pode ter desejos”, resume Tóffoli. Para ele os ministros têm que observar o que a norma diz, e não o que, supostamente, deveria dizer. Ou seja, o juiz não pode querer fazer justiça e reescrever as leis, mas sim aplicar a lei da maneira pela qual ela está posta, após ter sido aprovada pelos parlamentares, que foram eleitos pelo povo.
Bom seria que a “interpretação conforme a Constituição” e o “ativismo judicial” do STF não estivessem a se contrapor à teoria do notável mestre do Direito Hans Kelsen, como lembrado pelo eminente ministro Dias Toffoli.
___________
1 A realidade histórica demonstra “que a democracia está ligada ao Cristianismo, e que o impulso democrático surgiu na história humana como uma manifestação temporal da inspiração evangélica. Não é do Cristianismo como credo religioso e caminho para a vida eterna que trata o problema, e sim do Cristianismo como fermento da vida social e política dos povos, e como portador da esperança temporal aos homens. Não se trata do Cristianismo como tesouro da verdade divina, mantido e propagado pela Igreja, e sim do Cristianismo como energia histórica em trabalho no mundo” (JACQUES MARITAIN, “Cristianismo e Democracia”, Ed. Agir, Rio, 4ª ed., 1957, pgs. 45/46).
2 BATTISTA MONDIN, "O Homem Quem é Ele? ", Ed. Paulinas,S. Paulo,5a. ed., 1980, pg. 28
3 Ibidem, pg. 39.
4 "O eu do homem, expressão de sua personalidade, não existiria sem um tu a quem se comunicasse. Tal é a sua lei, como a dos corpos é a de estarem submetidos à gravidade. Não há um eu senão diante de um tu e não há pensamento sem ser verbalizado. É o que queria dizer ARISTÓTELES quando ensinava que o conceito, primeiro produto do pensamento, é um verbo mental que se materializava na palavra" (PAUL-EUGÈNE CHARBONNEAU, "Curso de Preparação ao Casamento", Ed. Herder, S. Paulo, pg. 10).
5 O homem "pode evitar a Deus, mas não pode fugir-lhe" (BATTISTA MONDIN, ob. cit., pg. 244).
Sempre me impactou o seguinte diálogo dos “Irmãos Karamasov”. Smirdiakov pergunta ao seu irmão Alexis, intelectual e jornalista residente em Moscou: “Deus existe?”. Alexis responde: “Deus não existe”. A partir dessa resposta, Smirdiakov pensa: “Se Deus não existe, tudo é possível, até mesmo matar o próprio pai”, como acabou fazendo. Sem o saber, Alexis armou a mão assassina de seu irmão. Logo, quem não se abre para o Absoluto, acaba encontrando o Absurdo.
6 Idem, p. 62.
7“Apud” JACQUES MARITAN, ob. cit., p. 68.
8 "A família existia antes; os pagãos que se convertiam ao Cristianismo faziam parte de famílias, como filhos, filhas, maridos, esposas, pais e mães. Se eram casados, a Igreja reconhecia-lhes o casamento" (JACQUES LECLERQC, “A Família", Ed. da Universidade de São Paulo, 1968, pg. 10).
9 Um notável missionário católico contou-me um fato importante. Encontrava-se na Califórnia, em casa de sua irmã, quando conheceu dois antropólogos famosos que viviam juntos e que haviam adotado dois meninos. Pouco tempo antes do início da puberdade de ambo0s, foram obrigados a devolvê-las para o Governo. A razão foi a seguinte: passaram a sofrer a ameaça de serem mortos e a ameaça chegou a se constituir em fatos concretos. Depois da avaliação médico psicológica tiveram o diagnóstico: ambos diziam que não suportavam a ausência da imagem materna e sem ela não sabiam viver e, em razão disso queriam matá-los. Eram eles que os haviam privado da imagem materna de que tanto necessitavam e por isso, no entender dos meninos, deviam morrer.
10 EUSÉBIO OSCAR SCHEID, "Preparação para o Casamento e para a Vida Familiar", Ed. Santuário, Aparecida, 3a. ed., 1989, p. 126.
11 BATTISTA MONDIM, "Antropologia Teológica", Ed. Paulinas, S. Paulo, 4a. ed., 1986, pg.47
12 Idem, pgs. 48/49.
13 Ibidem, pg. 49.
14 BATTISTA MONDIM, ob. cit., pg. 50.
15 Idem.
16 Ibidem, pg. 52.
17 BATTISTA MONDIN, ob. cit., pg. 60.
18 Ibidem, pg. 67.
19 Ob. cit., pg. 67.
20 RICARDO DIPP, Tradição, Revolução e Pós-Modernidade, Ed. Millennium, Campinas, 2001, p. XV.
21 Documento de Santo Domingo, ob. cit., n. 268, pg. 177.
22 EUSÉBIO OSCAR SCHEID, ob. cit., pgs. 128/129.
23 A União Soviética, criada a partir da Revolução de 1917, instituiu um novo regime político, procurando seguir as idéias de Karl Max, Para tanto foi obrigada a criar um novo ordenamento jurídico em que outorgava poder supremo ao Estado. Todos os direitos individuais, acaso mantidos, se encontravam subordinados à vontade do Poder Central, dono e todo poderoso da vida das pessoas, do destino da sociedade e do próprio Estado. Lá havia um Código das Leis Civis e outro específico para o Direito de Família. Neste último foi adotado o modelo grego-romano de família, Modelo este adotado pelas Nações Ocidentais como base de todo o Direito de Família. Todavia tal adoção nada significava porque o juiz soviético estava obrigado a uma interpretação gramatical da lei e poderia deixar de aplicá-la, se o interesse do Poder Central – única fonte do Direito – lhe fosse contrário. Todavia, mesmo existindo tal possibilidade, durante todo o tempo em que a União Soviética existiu, nunca deixou de ser respeitada a família em seu modelo grego-romano e nenhuma outra “forma de família” foi criada pelo Estado Totalitário.
24 Até mesmo o aborto é defendido como politicamente correto, sem falar nas novas “formas de família”. Em tudo o politicamente correto tem lugar.
25 “Apud” OVÍDIO ROCHA BARROS SANDOVAL, O Poder Judiciário a partir da Independência, Ed, Migalhas, Ribeirão Preto, 2ª ed. 2012, n. 164, ps. 313/314.
26 JACQUES LECLERCQ, ob. cit., pg. 25.
"A influência da mensagem do Cristianismo exercitou-se como luz que foi acesa numa humanidade que se desviara dos caminhos da paz, da tranquilidade e da justiça, exatamente na medida em que se foi deixando escravizar pelos instintos que clamam do fundo da natureza animal, e que conduzem, no plano social, à violência em sua mais ampla acepção" (JORGE BOAVENTURA, A Paganização Crescente, jornal "O Estado de São Paulo", de 8.8.94, pg. A2).
27 Em Duelo com o Mal, jornal "O Estado de São Paulo", de 10.8.94, pg. A2.
28 Idem.
29 Teologia para o Cristão de Hoje, Instituto de Ensino Superior de Würzburg, Ed. Loyola, S. Paulo, 3a. ed., 1977, pg. 104.
30 “Apud” Tradição, Revolução e Pós-Modernidade, Ed. Millennium, Campinas, ed. 2001, nota 7 pg. 276.
32 Jornal Folha de São Paulo, ed. de 20.5.2011, p. A3

Por: Ovídio Rocha Barros Sandoval é advogado do escritório Rocha Barros Sandoval & Ronaldo Marzagão Sociedade de Advogados.

Fonte: http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI209295,11049-Reflexoes+sobre+a+destruicao+da+familia 

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Red Bull pagará US$ 13 milhões de dólares a clientes 'que não ganharam asas'

São Paulo - O famoso slogan "Red Bull te dá asas" nunca custou tão caro à empresa.
Ele foi usado por mais de duas décadas nas campanhas da marca de bebidas energéticas. Mas agora custará 13 milhões de dólares.
A empresa topou pagar a quantia para encerrar uma ação coletiva nos EUA que a acusava de propaganda enganosa. Afinal, ninguém "ganhou asas".
Em uma nota oficial, a Red Bull disse que aceitou pagar o dinheiro para evitar os custos do litígio. Os 13 milhões serão distribuídos entre milhões de consumidores.
Com o acordo, os clientes que compraram a bebida nos últimos dez anos poderão escolher entre ser reembolsados em dez dólares ou receber um voucher de 15 dólares para gastarem com produtos Red Bull.

A ação
O criador da ação - à qual se juntaram outros clientes posteriormente - é o americano Benjamin Careathers. Ela foi criada em 16 de janeiro de 2013, em uma corte distrital de Nova York.
Ele alegou consumir a bebida desde 2002, sem perceber resultados em seu desempenho. Disse que a empresa enganou os consumidores ao falar "Red Bull te dá asas" e ao dizer que a bebida aumenta a velocidade e capacidade de reação e concentração.
A marca deixou claro que "desistir" de lutar contra a ação não significa que concorda que praticou propaganda enganosa, sim que quer evitar mais custos.
"Defendemos que nossos comerciais e embalagens sempre foram verdadeiros e precisos. Negamos toda e qualquer irregularidade ou responsabilidade", anunciaram ao site BevNet.
Veja alguns dos famosos comerciais da Red Bull:

Fonte: http://exame.abril.com.br/marketing/noticias/red-bull-pagara-us-13-miaclientes-que-nao-ganharam-as...

http://ylena.jusbrasil.com.br/noticias/144997687/red-bull-pagara-us-13-mi-a-clientes-que-nao-ganharam-asas?utm_campaign=newsletter-daily_20141013_187&utm_medium=email&utm_source=newsletter

Ambev terá de pagar R$ 1 milhão por vender Kronenbier como cerveja sem álcool

A Ambev terá de pagar R$ 1 milhão de indenização aos consumidores de Santa Catarina por vender a cerveja Kronenbier como produto sem álcool. A bebida tem 0,3g de álcool por cada 100g, e isso foi considerado pela Justiça de Santa Catarina uma lesão ao consumidor, já que o rótulo das embalagens contém a expressão “sem álcool”, assim como as peças publicitárias veiculadas na mídia.
A decisão é da 5ª Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça de Santa Catarina. O valor, arbitrado em ação movida pela Associação Brasileira de Defesa da Saúde do Consumidor, reverterá em favor do Fundo para Reconstituição de Bens Lesados, instituído pela Lei estadual 15.694/2011. O intuito é implementar medidas em favor dos consumidores.
O julgamento aconteceu no dia 25 de setembro. Em sua defesa, a Ambev justificou a prática com decreto de 1997, que classifica como bebida sem álcool as que tenham em sua composição menos de 0,5g/100g do ingrediente, sem obrigatoriedade de constar essa informação no rótulo do produto.
Mas o desembargador substituto Odson Cardoso Filho, relator do recurso da associação dos consumidores, se baseou em julgados do Superior Tribunal de Justiça para dizer que o decreto não se sobrepõe aos preceitos do Código de Defesa do Consumidor.
"A dispensa da indicação, no rótulo do produto, do conteúdo alcoólico, prevista no já revogado [...] Decreto 2.314/97, não autorizava a empresa fabricante a fazer constar neste mesmo rótulo a não veraz informação de que o consumidor estaria diante de cerveja 'sem álcool'", anotou o desembargador em seu voto, seguido por unanimidade pelos desembargadores Sérgio Izidoro Heil e Jairo Fernandes Gonçalves.
Cardoso citou ainda riscos à saúde de consumidores que, impedidos de consumir álcool, acreditaram na informação da empresa e beberam de seu produto sem imaginar as possíveis consequências. E mencionou, como exemplos, pessoas alérgicas, sensíveis ao álcool, usuários de medicamentos incompatíveis com a ingestão de bebidas alcoólicas e dependentes químicos em tratamento de reabilitação.
“Impossível negar, também, que a expressão ("Sem Álcool") utilizada tinha o fim de enganar, atrair e fidelizar clientela, mesmo considerando a errônea descrição dos compostos e dos iminentes riscos àqueles que são refratários ao álcool, configurando, assim, nítida propaganda enganosa”, concluiu o relator.
Em agosto, o Tribunal de Justiça de São Paulo também condenou a Schincariol pela comercialização das versões sem álcool das cervejas Schincariol e Nova Schin. Após ação do Ministério Público paulista, a empresa foi obrigada a indenizar consumidores em 30% dos lucros obtidos com a venda do produto, e ainda a adequar sua produção no prazo de um ano. Clique aqui para ler o acórdão do TJ-SP.
Clique aqui para ler o acórdão do TJ-SC.
Apelação Cível: 2010.014622-8

Revista Consultor Jurídico, 12 de outubro de 2014, 9h41
http://www.conjur.com.br/2014-out-12/ambev-condenada-vender-kronenbier-cerveja-alcool

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Um presente para a reflexão no dia das crianças (Rizzatto Nunes)

Como estamos na semana do Dia das crianças, apresento, mais uma vez, um texto para reflexão sobre a relação de pais e filhos. Hoje abordarei a questão dos incentivos.
Penso que praticamente todo mundo já ouviu dizer que há pais que prometem dar de presente um automóvel ao filho ou filha, acaso ele ou ela ingresse na Faculdade. Isso, quanto aos mais abonados. Os de menores posses prometem viagens ou outros presentes mais baratos. Isso também ocorre com os mais jovens que ganham alguma coisa em troca de boas notas como, por exemplo, a ida a um evento desejado pelo pequeno ou ao McDonald's. Ou, ao contrário, deixam de levá-los se as notas foram fracas.
Pergunto, então, que tal oferecer, de uma vez por todas, e sem rodeios, dinheiro para que a criança ou adolescente tire boas notas ou leia um livro? Ao invés de automóvel, viagem, roupas ou acessórios, pagamento cash ou depósito em conta!
Pode até parecer estranho, mas isso já acontece nos Estados Unidos da América e, como quase tudo que por lá se inventa, acaba, mais cedo ou mais tarde, desembarcando por aqui - nesse nosso país catequizado e que adora copiar o grande irmão norte americano -, faço algumas considerações para que pensemos a respeito.
Michael J. Sandel, em livro que aqui já citei mais de uma vez1, conta que um amigo dele costumava pagar um dólar aos filhos pequenos toda vez que escreviam um bilhete de agradecimento. Ele revela que, geralmente, dava para perceber que os bilhetes haviam sido escritos sob pressão. Sandel levanta a hipótese de que, "pode acontecer que, depois de escrever muitos bilhetes, as crianças acabem apreendendo seu real significado e continuem manifestando gratidão ao receber alguma coisa, mesmo se não forem mais pagas para isso"2. No entanto, também é possível, observa ele, que aprendem a lição errada e encarem esses bilhetes como uma obrigação, como uma tarefa a ser desempenhada em troca de remuneração. Pior: esse modelo pode "corromper sua educação moral e tornar mais difícil para elas o aprendizado da virtude da gratidão".3
Sandel conta que, em várias partes dos Estados Unidos, o sistema escolar passou a tentar melhorar o desempenho acadêmico com a remuneração das crianças para estimulá-las a tirar boas notas ou obter boa pontuação em testes de avaliação. E que, cada vez mais, os incentivos financeiros são considerados um elemento-chave do melhor desempenho educacional, especialmente no caso de alunos de escolas em centros urbanos com resultados medíocres.
Um professor de economia de Harvard, Roland G. Fryer Jr, colocou em prática essa ideia de incentivos destinando US$6,3 milhões a alunos de 261 escolas urbanas de produção predominantemente afro-americanos hispânica, provenientes de famílias de baixa renda. Diferentes esquemas de incentivos foram usados em diferentes cidades4. Vejamos alguns exemplos referidos por Sandel:
"- Em Nova York, as escolas envolvidas pagavam US$ 25 a alunos da 4ª série que se saíssem bem em testes padronizados de avaliação. Os alunos da 7ª série podiam ganhar US$ 50 por teste. Esses ganhavam em media um total de US$ 231,55.
- Em Washington, as escolas pagavam a alunos do ensino médio por comparecimento, bom comportamento e entrega dos trabalhos de casa. As crianças mais compenetradas podiam ganhar US$ 100 quinzenalmente. O aluno médio recebia cerca de US$ 40 nesse período e um total de US$ 532,85 ao longo do ano escolar.
- Em Chicago, os alunos da 9ª série recebiam dinheiro pelas boas notas: US$50 por um A, US$ 35 por um B e US$20 por um C. O melhor aluno tinha uma arrecadação de US$ 1.875 durante o ano escolar.
- Em Dallas, pagam US$ 2 aos alunos da 2ª série para cada livro que lerem. Para receber o dinheiro os alunos devem responder a um questionário computadorizado e provar que leram o livro."5
Michael Sandel observa que "esses pagamentos em dinheiro deram resultados variáveis. Em Nova York, a remuneração da garotada por boas notas nos testes em nada contribuía para melhorar seu desempenho acadêmico. O dinheiro em troca das boas notas em Chicago levou a melhores níveis de comparecimento, mas não melhorou os resultados dos testes padronizados.
Em Washington, os pagamentos ajudaram alguns alunos (hispânicos, meninos e alunos com problemas comportamentais) a alcançar melhor desempenho de leitura. O dinheiro funcionou, sobretudo, com os alunos de 2ª. série em Dallas; as crianças que receberam US$ 2 por livro chegaram ao fim do ano com melhor nível de compreensão na leitura"6.
Muito bem. Os economistas costumam dizer e sempre pretendem mostrar que as pessoas reagem a uma política de incentivos. Por que, então, não pagar para que uma criança ou um adolescente tire boas notas ou leia um livro? Embora certas crianças ou adolescentes possam sentir-se motivadas a ler livros pelo prazer da própria leitura e pelo aprendizado, com outras isso não acontece. Por que "não usar o dinheiro como um incentivo a mais?"7
Sandel responde do seguinte modo: "o mercado é um instrumento, mas não um instrumento inocente. O que começa como um mecanismo de mercado se torna norma de mercado. O motivo mais óbvio de preocupação é que o pagamento acostume as crianças a pensar na leitura de livros como uma forma de ganhar dinheiro e comprometa, sobrepuje ou corrompa o gosto da leitura pela leitura".8
Esses são apenas alguns exemplos de como o pensamento contemporâneo tem uma tendência enorme a reduzir tudo à oferta, preço, pagamento e em dinheiro. Talvez em alguns casos isso não seja um problema. O perigo é que, cada vez mais, os valores morais mais elevados acabem sendo substituídos pela simples ideia de troca de algo pelo dinheiro, gerando uma precificação do comportamento humano e fazendo com que as pessoas esquecem as virtudes e percam a generosidade (ou nunca conheçam o seu sentido).
É isso. Algo para refletirmos nesse dia das crianças.
__________
1O que o dinheiro não compra – os limites morais do mercado. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 5ª. ed, 2013.
2Livro acima citado, p. 61.
3Idem, p. 62.
4"Financial Incentives and Student Achievemnent: Evidence from Randomized Trials" in Quarterly Journal of Economics, 126, nov. 2011. Apud Sandel, livro citado, p. 53.
5Idem, p. 54
6Idem, mesma p.
7Idem, p. 62

8Idem, mesma p.

Autor: Rizzatto Nunes é desembargador aposentado do TJ/SP, escritor e professor de Direito do Consumidor.
Fonte:http://www.migalhas.com.br/ABCdoCDC/92,MI209073,31047-Um+presente+para+a+reflexao+no+dia+das+criancas